Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01665/13
Data do Acordão:10/01/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE
DISPENSA DE COIMA
MEDIDA DA COIMA
LIMITE MINIMO DA MULTA FISCAL
Sumário:I - O requisito da decisão administrativa de aplicação da coima constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT - descrição sumária dos factos - deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada ao arguido, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima serão os factos constitutivos como tal tipificados na norma que pune como contra-ordenação fiscal a conduta do agente.
II – Para que se verifique a possibilidade de dispensa da coima o artº 32º do Regime Geral das Infracções Tributárias impõe que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: que a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária (al. a); que esteja regularizada a falta cometida (al. b); que a falta revele um diminuto grau de culpa.
III – A exigência cumulativa de que esteja regularizada a falta cometida e que a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária conduz à conclusão de que, para ocorrer dispensa, não basta a regularização da falta, sendo necessário que se esteja perante uma situação em que não chegou a produzir-se prejuízo, antes de ocorrer a regularização.
Assim, é condição da dispensa de coima que não tenha sido ocasionado prejuízo, não sendo relevante para preenchimento dessa condição o eventual ressarcimento do prejuízo provocado pela conduta que constitui contra-ordenação.
IV – Por força da Lei nº 53-A/2006, 29 Dezembro, aplicável ao caso subjudice, o artº 26º, nº 3 do Regime Geral das Infracções Tributárias passou a ter a seguinte redacção: “o montante mínimo da coima é de € 30, excepto em caso de redução da coima em que é de €15”.
A eliminação da expressão “se o contrário não resultar da lei”, constante da anterior redacção, revela a opção clara do legislador em estabelecer também um regime vinculativo relativamente ao limite mínimo da coima que é assim abstractamente fixado em 30 €.
Nº Convencional:JSTA00068920
Nº do Documento:SA22014100101665
Data de Entrada:10/28/2013
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART63 N1 D ART79 N1 B ART32.
ART114 N1 N2 N5 C ART26 N3 N4 ART3.
CONST76 ART32 ART268 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC044/08 DE 2008/04/16.; AC STA PROC0356/10 DE 2010/07/07.; AC STA PROC05/13 DE 2013/04/03.; AC STA PROC0269/09 DE 2009/05/06.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E SIMAS SANTOS - REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 2ED PAG280 PAG295.
JOÃO CATARINO - INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTAÇÕES AO REGIME GERAL 3ED PAG301 PAG258.
PAULO MARQUES - INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ED DGI VOLII PAG59.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – Vem A…………, Ldª, recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa proferida nos autos de recurso de contra-ordenação n° 2900/12.6 BELRS, decisão essa que julgou parcialmente procedente o recurso por si interposto, nos termos do art. 80º do RGIT, da decisão proferida em nome e sob delegação do Senhor Director Distrital de Finanças de Lisboa que lhe havia aplicado duas coimas, cada uma pela prática das contra-ordenações previstas e puníveis, por referência ao disposto nos arts. 7º, 34º e 38º nº 2, todos do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, respectivamente, no art. 117º nº 1 e no art. 114º n.ºs 2 e 5 corpo e alínea c), ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, em conjugação com os seus arts.24º e 26º nº 4.

Termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

1. A decisão administrativa que aplicou a coima à Recorrente é nula nos termos do art. 63 nº 1 c) do RGIT, conjugado com o art. 79º do mesmo diploma, porquanto não contém uma descrição sumária dos factos que lhe são imputáveis, violando o artigo 268, nº 3 da CRP, o art. 77 da Lei Geral Tributária e o art. 123º do Código do Procedimento Administrativo.
2. Os factos descritos na decisão administrativa por si só não constituem qualquer infracção.
3. Os factos descritos não correspondem às infracções resultantes das normas alegadamente violadas.
4. Ora, conforme declarou o Supremo Tribunal Administrativo (in www.dgsi.pt, Acórdão de 23/11/11, Processo nº 0855/11) “O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” (artigo 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT) deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada ao arguido, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima serão precisamente os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada”.
5. Reconhece o Tribunal a quo que a acusação está “mal do ponto de vista formal”, no entanto não conhece da nulidade como deveria nos termos acima expostos, violando os artigos supra referidos.
6. Ainda que se considerasse válida a decisão administrativa, o que não se concebe mas que se aduz por mera cautela e dever de patrocínio, atendendo aos factos descritos na decisão administrativa, o que estaria em causa apenas seria saber se o pagamento do imposto foi ou não realizado.
7. Ora, conforme resulta provado (cfr. ponto 9 da sentença) a Recorrente procedeu ao respectivo pagamento de IMI, pelo que, tendo a Recorrente procedido ao pagamento do imposto, não se verificam os factos de que vem acusada pelo que deverão os autos ser arquivados e absolvida a Arguida.
8. Ainda que se entenda que a Arguida vem acusada da prática da contra-ordenação prevista e punida no art. 114 nº 4 do RGIT, o que não se concebe mas que se aduz por mera cautela e dever de patrocínio uma vez que os factos relativos a essa norma não vêm descritos na decisão administrativa, estão preenchidos os pressupostos da dispensa de pena previstos no nº 1 do art. 32 do RGIT.
9. Não resulta provado que a prática da infracção tenha ocasionado prejuízo efectivo à receita tributária, resultando provado o grau diminuto de culpa (cfr. ponto 18 da sentença).
10. Devendo entender-se como regularização da falta o pagamento da prestação tributária, tal como tem entendido Supremo Tribunal Administrativo (in www.dgsi.pt, Acórdão de 07/07/10, Processo nº 0356/10 e Acórdão de 03/04/13, Processo nº 05/13) “A regularização da falta, quando está em causa a falta de cumprimento de uma prestação tributária, implica o seu pagamento, como resulta do n.º 3 do art. 30º, em que se refere que a regularização da situação tributária se consubstancia no cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infracção”.
11. Ainda que se admitisse que haveria lugar ao pagamento da coima, nos termos referidos na decisão, o que se admite por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que nos termos do art. 26º do RGIT a coima máxima aplicável em caso de negligência é de €30.000,00 e a mínima é de € 30,00 ou € 15,00, em caso de redução da coima, sendo aplicável à Arguida a Lei 15/2001 de 05/07, porquanto conforme resulta do auto de notícia a alegada prática da infracção terá ocorrido em 06/06/11.
12. Sendo que, conforme resulta da sentença recorrida “nos termos do art. 182 n2 do Regime Geral da Contra-Ordenações e Coima, sob a remissão do art. 39 corpo e alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, temos que a moldura sancionatória prevista no art. 26º nº 1 corpo e alínea b) de €30.000 é reduzida no seu máximo para metade, ou seja para €15.000”.
13. Nos termos do nº 1 do art. 27º do RGIT “Sem prejuízo dos limites máximos fixados no artigo anterior, a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e, sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação”.
14. Atenta toda a factualidade demonstrada no caso dos autos (cfr. pontos 4 e 11 dos factos provados e as circunstâncias descritas na decisão administrativa), a coima aplicada à Recorrente no montante de €13.000, correspondente quase ao máximo legal afigura-se inadequada e desproporcional, por ser excessiva.
15. Conforme resulta da sentença, ainda que se entenda que a Recorrente praticou a infracção de que vem acusada, a sua conduta é negligente, não obteve qualquer benefício económico, a sua situação económica é baixa e corrigiu a sua conduta assim que teve meios financeiros para o fazer, não tendo quaisquer outros bens, nem meios financeiros para proceder ao pagamento da coima no valor aplicado, pelo que a ser aplicada à Recorrente uma coima esta deveria ser no montante do seu mínimo legal, isto é €15.
Nestes termos, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exa., deverá:
Ser declarada nula a decisão de aplicação da coima nos termos do art. 63º nº 1 c), conjugado com o art. 79º do RGIT, sem conceder
b) Ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, sem prescindir
c) Ser a Recorrente dispensada de coima, sem conceder
d) Ser aplicada a coima pelo seu valor mínimo.
Só assim se fazendo, JUSTIÇA”
A Fazenda Pública não contra-alegou.

Neste Supremo Tribunal Administrativo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso quanto à arguida nulidade da decisão recorrida, propondo, no entanto, a alteração da medida da coima, considerando adequada e proporcional a fixação da coima correspondente a 1/3 do limite máximo aplicável, ou seja €5 000,00 (cinco mil euros)


II. Colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos, cumpre decidir

1. Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:

«1. A arguida, ora Recorrente, A…………, L.da, adquiriu pelo preço de €5.550.000, em 7 de Maio de 2008, um imóvel na Avenida ……, na cidade de Lisboa (e concelho do mesmo nome), inscrito na matriz predial da freguesia do ……, sob o art. 381°, destinado a serviços e habitação, tendo essa aquisição sido celebrada sob isenção de tributação da arguida em sede de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, porque destinava o bem a revenda.
2. A arguida fora constituída com a finalidade de levar a cabo a exploração do empreendimento que se traduziria na comercialização desse imóvel, não tendo outros, e tendo-o comprado com empréstimo pedido à banca, beneficiando para tanto do facto de se enquadrar num grupo mais vasto de outras sociedades.
3. Aquela isenção de tributação assentara na referida destinação final do bem que a arguida pretendia emprestar-lhe, em conjugação com o seu objeto social, mantendo-se pelo prazo de três anos.
4. Todavia, devido em grande medida à crise económica e financeira generalizada que se instalara e, nomeadamente, no mercado imobiliário e no mercado imobiliário português, mesmo o de Lisboa, designadamente no período, bem maior que três anos, que se seguiu àquela aquisição, a arguida acabou por não conseguir, no triénio subsequente à compra do prédio, levar a bom termo o empreendimento que se propusera realizar, o que só conseguiu concretizar em 8 de Março de 2012, vendendo-o a B…………, Unipessoal, L..
5. Contudo, nem até 7 de Junho de 2011, nem ulteriormente, a arguida chegou a pedir à Administração Tributária, nomeadamente no Serviço de Finanças de Lisboa 2, a liquidação do Imposto de que ficara isentada, tal como referido nos pontos 1. e 3..
6. Verificando os factos e as circunstâncias temporais referidos nos pontos
1., 2., 4. [aqui, no que se refere à data da alienação] e 5., a Administração Tributária, por Funcionário em funções no Serviço de Finanças referido, levantou auto de notícia em 21 de Fevereiro de 2012, com suporte na omissão referida no ponto 5., o qual faz fls.3 dos autos.
7. Como até essa data o imposto não fora liquidado, a Administração Tributária procedeu então à sua liquidação oficiosa nessa data, liquidação nº 3590442 [2012 40386], considerando o seu valor patrimonial coevo, €1.834.590,54, do que resultou uma dívida [imposto e juros compensatórios] de €371.028,90.
8. A arguida não satisfez aquela dívida no prazo que lhe foi assinalado, pelo que no mencionado Serviço de Finanças foi instaurada a sua execução coerciva, incluindo ainda a dos juros moratórios, a que coube o nº 3336201201017500.
9. Só aquando da alienação do prédio, referida no ponto 4., é que o citado adquirente, com parte do preço que ia pagar pelo imóvel à arguida, e tal como acordara com ela, imediatamente antes da celebração dessa transmissão, emitiu um cheque à ordem do Instituto de Gestão do Crédito Público, entregando-o diretamente a funcionário da Administração Tributária ali presente para o efeito, e com a finalidade de pagar a mencionada dívida sob execução, incluindo os juros de mora e as custas desses autos, sendo que o pagamento viria a ser efetivado nessa mesma data.
10. Nessa mesma ocasião, pelo modo e nos termos descritos, também incluída no valor titulado pelo aludido meio de pagamento, foi igualmente efetivado o pagamento, em nome da arguida, de uma outra dívida sua, no montante global de €67.238,43 [incluindo juros de mora e demais acréscimos], a título não apurado, que lhe estava sendo exigida no processo executivo daquele Serviço de Finanças, com o nº 3336201201017519, também proveniente de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis.
11. A arguida, sob a finalidade referida no ponto 2., não tinha outra atividade ou rendimentos relevantes, para além da concretização da operação da alienação do imóvel e, não sendo auxiliada pelas sociedades do seu grupo, para pagar a dívida de imposto referida no ponto 7., nem recorrendo à banca, aguardou, para o efeito, pela perceção do preço da venda do imóvel, como descrito nos pontos anteriores — bem como para pagar o empréstimo para a sua aquisição.
12. Pese embora o empreendimento que fora perspetivado e presidira à criação da arguida, como referido no ponto 2., não tivesse sido concretizado nos prazos e, possivelmente, nos termos que haviam sido previstos e estimados aquando da sua criação, devido em grande medida ao aludido no ponto 4., a arguida soubera ab initio quais as condições da isenção de tributação de que beneficiara, referida nos pontos 1. e 3., e que se não revendesse o bem no prazo aí referido, a sua compra estaria então sujeita àquela tributação.
13. Mais sabia a arguida que, no termo desse prazo, a lei lhe concedia um outro, de 30 dias, para pedir a liquidação dessa tributação à Administração Tributária, nomeadamente no citado Serviço de Finanças, e que a tanto estava também legalmente obrigada.
14. Contudo, a arguida não pediu que essa liquidação fosse levada a cabo, por ter não interesse em precipitar o prazo de pagamento do tributo, já que não tinha meios com que o fazer, enquanto não vendesse o prédio.
15. Ao atuar como descrito, a arguida sabia violar aquela obrigação legal a que se sabia adstrita, e que ao assim proceder incorria na prática de um ilícito de mera ordenação social tributária.
16. Na decisão administrativa a arguida foi condenada pela prática dos factos referidos no auto de notícia de fls. 3, por decisão de fls.12-13, como autora de duas contraordenações, mas a título de negligência.
17. Nessa decisão, depois de serem invocados os factos do auto de notícia, diz-se que se verificou que «o prédio adquirido com isenção de IMT nos termos do art. 7º do CIMT não foi revendido dentro do prazo de três anos pelo que caducou o direito à isenção logo a transmissão está sujeita a imposto, os quais se dão como provados. Identificação dos imóveis [sic] 110614 – U-381 [duas vezes]», e citam-se as normas também invocadas no auto de notícia, período de tributação como sendo o ano de 2011, a data da infração como sendo 6 de junho de 2011 e fixam-se duas coimas, uma por violação do disposto no art. 117º nº 1 [€200], outra por violação do disposto no art. 1140 n.ºs 2 e 5 corpo e alínea c) [€30.000], e nos termos do art. 26º nº 4, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias.
18. Relativamente à sanção, a decisão contém a seguinte fundamentação: não ter havido atos de ocultação nem beneficio económico, ter sido acidental, e cometida por negligência simples, ter a arguida situação económica baixa e terem decorrido mais de seis meses desde a infracção [à data da decisão]; ainda, a decisão refere que a arguida não tinha a «obrigação de não cometer a infração».

2. São duas as questões objecto do presente recurso:
a) Saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao considerar não verificada a nulidade da decisão administrativa de aplicação da coima por violação do disposto nos arts. 63º, nº 1, al. c) e 79° do RGIT.
b) A medida da sanção aplicada, nomeadamente aferir da possibilidade da recorrente ser dispensada de coima, ou de lhe ser aplicada a coima pelo seu valor mínimo.

2.1 Da alegada nulidade da nulidade da decisão administrativa de aplicação da coima.
Entendeu a sentença recorrida que não se verifica a apontada nulidade da decisão administrativa considerando que «ainda que mal do ponto de vista formal, não restam dúvidas de que a decisão administrativa tem na sua economia presentes factos do auto de notícia, que dá como provados, pelo que essa nulidade, prevista no art. 63º nº 1 corpo e alínea d), por referência ao disposto no 79º nº 1 corpo e alínea b), ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, não verifica (Sic) e por isso se julga improcedente»
Não conformada com tal decisão alega a recorrente que os factos descritos na decisão administrativa por si só não constituem qualquer infracção e «não correspondem às infracções resultantes das normas alegadamente violadas» pelo que a mesma é nula por falta de preenchimento dos seus requisitos essenciais nos termos do artº 63º, nº 1, a.l c) conjugado com o artº 79º do RGIT.

A nosso ver não lhe assiste razão.
Vejamos.

De harmonia com o artº 63º nº 1, al. d) (E não al. c), como, certamente por lapso, refere a recorrente.) do Regime Geral das Infracções Tributárias constitui nulidade insuprível do processo de contra-ordenação tributário a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas.
Por sua vez dispõe o art. 79 nº 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias que «A decisão que aplica a coima conterá:
a) a identificação do infractor e eventuais comparticipantes;
b) a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
c) a coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) a indicação de que vigora o princípio da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infractor tiver entretanto melhorado de forma sensível;
e) a indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) a condenação em custas.»

Como esclarecem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos no seu Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, pag. 435 «os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional tributário visam assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão».

No que respeita à “descrição sumária dos factos”, há que sublinhar que este requisito da decisão administrativa de aplicação da coima constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima serão os factos constitutivos como tal tipificados na norma que pune como contra-ordenação fiscal a conduta do agente, ou na expressão acolhida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada (cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos desta Secção proferidos nos recursos 855/11, de 23.11.2011, 241/09, de 29.04.2009, 540/09 de 16.09.2009, e 593/09, de 16.09.2009, todos in www.dgsi.pt).

No caso subjudice, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, resulta de fls. 12 que a decisão de fixação da coima contém, de forma sucinta mas explicita, uma descrição sumária dos factos imputados à arguida, nos seguintes termos: “(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: CONSTATOU-SE QUE O PRÉDIO ADQUIRIDO COM ISENÇÃO DE IMT NOS TERMOS DO ART° 7° DO CIMT NÃO FOI REVENDIDO DENTRO DO PRAZO DOS TRÊS ANOS PELO QUE CADUCOU O DIREITO À ISENÇÃO LOGO A TRANSMISSÃO ESTÁ SUJEITA A IMPOSTO” – seguindo-se a identificação do imóvel.
Indicam-se depois as normas legais infringidas e as normas que punem tais factos.
Para além disso, a decisão dá como provados os factos constantes do auto de notícia de fls. 3, que tinha o seguinte teor e que foi notificado à recorrente (fls. 5 e 6): “O sujeito passivo indicado no quadro 1, adquiriu 07/05/2008, um imóvel que beneficiou de isenção de IMT, nos termos do artigo 7.° do Código respectivo, sito na freguesia de ……, concelho de Lisboa (Código de freguesia: ……), inscrito na matriz urbana sob o artigo 381, destinado a serviços e habitação, pelo valor € 5.550.000,00, conforme escritura lavrada no Cartório Notarial a cargo de C………, exarado de folhas (2) versos do livro de notas de escrituras diversos 11.
Há que ter em conta para a liquidação do IMT o n° 1 do art.° 12 e o n° 2 do art.° 18°, ambos do CIMT, o valor patrimonial a data da liquidação. Actualmente é de € 1.834.590,54.
Constatou-se que o prédio adquirido com isenção de IMT, nos termos do artigo 7.º do CIMT, não foi revendido dentro do prazo dos três anos, pelo que caducou o direito à isenção, logo a transmissão está sujeita a imposto.
Deveria o sujeito passivo ter solicitado a liquidação do respectivo imposto, nos termos e prazos previstos no artigo 110, nº 5 e artigo 34° do CIMT, o que não se verificou até à presente data, pese embora as diligências efectuadas”.

Ora, como ficou sublinhado no Acórdão do STA de 6 de Maio de 2009, proferido no processo n.º 269/09, in www.dgsi.pt, sendo certo que «as exigências legais da fundamentação da decisão que aplica uma coima previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 79.º como requisitos dessa decisão têm como finalidade principal assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, corolário da imposição constitucional de que nos processos contra-ordenacionais seja assegurado o direito de defesa ao arguido [cfr. art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa (CRP)], esta exigência deve considerar-se satisfeita quando as indicações contidas na decisão, embora sumárias, sejam seguramente suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos, devendo ser aferida à face do direito constitucional a uma fundamentação expressa e acessível dos actos da Administração que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268.º, n.º 3, da CRP), o que se reconduz a que a referida descrição deverá conter os elementos necessários para afastar quaisquer dúvidas fundadas do arguido sobre todos os pontos do acto que o afecta»
No caso subjudice é isso que sucede.
Pese embora os termos sucintos da decisão de aplicação da coima, é manifesto que a mesma contém uma descrição sumária dos factos de forma a possibilitar à arguida o exercício efectivo dos seus direitos de defesa, com perfeito conhecimento dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram, e em termos bastantes para que se considere como adequadamente cumprido o requisito a que alude a alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT (descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas).

Improcede, pois, nesta parte a alegação de recurso.

2.2. Da possibilidade de dispensa da coima.
No que concerne à medida da coima a recorrente alega, em primeiro lugar, que estão preenchidos os pressupostos da dispensa de pena previstos no nº 1 do art. 32º do RGIT.
Assim defende que não resulta provado que a prática da infracção tenha ocasionado prejuízo efectivo à receita tributária, resultando provado o grau diminuto de culpa (cfr. ponto 18 da sentença).
Alega também que a regularização da falta não consiste na formalização de pedido e liquidação do tributo, como se entendeu na decisão recorrida, mas sim no pagamento da prestação tributária em falta, alegando ser essa a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
Conclui que, tendo pago o imposto bem como os juros de mora e as custas da execução fiscal deve considerar-se regularizada a falta cometida, pelo que poderá beneficiar da dispensa da coima.

Esta argumentação não deve, no entanto, obter provimento.

Para que se verifique a possibilidade de dispensa da coima o artº 32º do Regime Geral das Infracções Tributárias impõe que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: que a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária (al. a); que esteja regularizada a falta cometida (al.b); que a falta revele um diminuto grau de culpa.
No caso subjudice, independentemente da regularização da falta cometida ou da ponderação do grau de culpa, falece, desde logo o primeiro dos referidos requisitos, ou seja que a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária.
É que, como vem afirmando a doutrina e também a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo o conceito de prejuízo efectivo à receita tributária reporta-se a situações existentes antes da regularização da falta. Assim caberão neste conceito tão-somente as situações em que não esteja em causa a falta de pagamento da prestação tributária, mas sim a o incumprimento de outras obrigações por parte do sujeito passivo (v. g. violação do sujeito fiscal negligente constante do artigo 115º, falta ou atraso na apresentação de declarações do artigo 117º, falta de apresentação de livros de escrituração do artigo 122º, falta de nomeação de representantes do artigo 124.º e violação da obrigação de possuir conta bancária do artigo 129º). – cf. Regime Geral das Infracções Tributárias anotado de Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, 2ª ed., pag. 280, Infracções Tributarias, anotações ao Regime Geral de João Ricardo Catarino e Nuno Vitorino, 3ª edição, pag. 301 e Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16.04.2008, recurso 44/08, de 07.07.2010, recurso 356/10 e de 03.04.2013, recurso 5/13, todos in www.dgsi.pt.
Ora, no caso vertente mostram os autos que a recorrente não efectuou o pagamento do imposto no prazo legal, nem no prazo que lhe foi assinalado pela Administração Tributária na sequência de liquidação oficiosa entretanto efectuada, só efectuando o pagamento no âmbito do processo de execução instaurado, pagando juros e custas relativas a esse procedimento.

Porém, pese embora o imposto tenha sido pago, com juros pelo atraso no pagamento, tal não significa que não tenha havido prejuízo efectivo para a receita tributária.
Na verdade, como ficou escrito no já citado acórdão 356/10 «a exigência cumulativa de que esteja regularizada a falta cometida e que a prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária conduz à conclusão de que, para ocorrer dispensa, não basta a regularização da falta, sendo necessário que se esteja perante uma situação em que não chegou a produzir-se prejuízo, antes de ocorrer a regularização.
Assim, é condição da dispensa de coima que não tenha sido ocasionado prejuízo, não sendo relevante para preenchimento dessa condição o eventual ressarcimento do prejuízo provocado pela conduta que constitui contra-ordenação».
Daí que se conclua também que, no caso subjudice, a possibilidade de dispensa da coima está desde logo excluída pela circunstância de ter ocorrido prejuízo para a Fazenda Pública, antes da regularização.
Improcedem, também nesta parte, as alegações da recorrente.

2.3 Da medida da coima
Quanto à medida da coima alega a recorrente que atenta toda a factualidade demonstrada no caso dos autos, a coima que lhe foi aplicada – no montante de €13.000 – correspondente quase ao máximo legal se afigura inadequada e desproporcional, por ser excessiva.
Defende que, sendo a sua conduta negligente, não tendo obtido qualquer benefício económico, sendo a sua situação económica baixa e tendo corrigido a sua conduta assim que teve meios financeiros para o fazer, não tendo quaisquer outros bens, nem meios financeiros para proceder ao pagamento da coima no valor aplicado, lhe devia ter sido aplicada uma coima correspondente ao montante do seu mínimo legal, isto é €15.

Vejamos.
Mostram os autos que a recorrente foi condenada, na qualidade de pessoa colectiva, pela prática de uma contra-ordenação fiscal, imputável a título de negligência (falta de entrega da prestação tributária), punível nos termos conjugados dos arts.114º nºs 1, 2 e 5 al. c) e 26º nº 4 Regime Geral das Infracções Tributárias, com coima variável entre 20% e a totalidade do imposto em falta.
No caso concreto a sentença recorrida considerou que o montante da coima estaria compreendido entre o limite mínimo de € 30 e o limite máximo de € 30 000 (art. 26º nºs 1 al. b) e 3º do Regime Geral das Infracções Tributárias, na redacção conferida pela Lei nº 53-A/2006, 29 Dezembro, aplicável em 2011).
Neste segmento, quanto à determinação dos limites máximos e mínimos da coima, andou bem a decisão recorrida.
Com efeito relativamente à infracção em causa, pela não entrega de imposto no montante de €371.028,90, face à previsão dos arts. 114º nºs 1, 2 e 5 al. c) e 26º nº 4 RGIT seria aplicável uma coima com o limite mínimo de 20% do imposto em falta, ou seja de €74.205,78, valor claramente superior ao limite máximo da moldura abstracta da coima (€ 30.000,00 - art. 26° nºs 1 al. b) do Regime Geral das Infracções Tributárias na redacção então aplicável).
No entanto, por força da Lei nº 53-A/2006, 29 Dezembro, aplicável ao caso subjudice, o artº 26º, nº 3 do Regime Geral das Infracções Tributárias passou a ter a seguinte redacção: “o montante mínimo da coima é de € 30, excepto em caso de redução da coima em que é de €15”.
A anterior redacção do preceito era a seguinte: “O valor mínimo da coima é de (euro) 150, se o contrário não resultar da lei.”
A eliminação da expressão “se o contrario não resultar da lei” revela a opção clara do legislador em estabelecer também um regime vinculativo relativamente ao limite mínimo da coima que é assim abstractamente fixado em 30 €.
O limite mínimo das coimas previsto no nº 3 do art. 26.° será, pois, aplicável nos casos previstos no art. 114.° do RGIT, em que o mínimo das coimas é igual ao valor da prestação em falta, no caso de contra-ordenação dolosa, e é de 20% desse valor se a contra-ordenação for por negligência e a infracção for cometida por pessoa colectiva (Ver neste sentido Regime Geral das Infracções Tributárias anotado de Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, 4ª ed., pag. 295, Infracções Tributárias, anotações ao Regime Geral de João Ricardo Catarino e Nuno Vitorino, 3ª edição, pag. 258 e Paulo Marques, Infracções Tributárias, ed. da DGI, Vol. II, pag. 59. ).
No caso haverá ainda que ter em conta o disposto no artº 32º, nº 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias que dispõe que a coima pode ser especialmente atenuada se o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo.
Por outro lado, de acordo com o nº 3 do artº 18º do Regime Geral das Contra-Ordenações, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artº 3º, al. b) do Regime Geral das Infracções Tributárias quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.
Ou seja, mediante atenuação especial da coima, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos, no caso concreto, para €15 e €15 000 respectivamente.
A recorrente sustenta que a coima que lhe foi aplicada - no montante de €13.000 - correspondente quase ao máximo legal se afigura inadequada e desproporcional, por ser excessiva.
Entendemos que lhe assiste razão.
Com efeito a atenuação especial da coima aplicável fundou-se na regularização da situação tributária antes da decisão de aplicação da coima proferida em 6 Setembro 2012 no processo de contra-ordenação, consubstanciada no pagamento da prestação tributária devida em 8 Março 2012 (probatório nºs 4/9; art.32º nº 2 RGIT)
Por outro lado, de entre os parâmetros legais para a determinação da medida da coima ponderados na decisão administrativa e acolhidos na sentença impugnada, ressaltam, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, com clara predominância, as circunstâncias atenuantes, nomeadamente, a inexistência de actos de ocultação, inexistência de benefício económico obtido pela infractora, comportamento negligente, e a situação económica e financeira desfavorável.
Sendo certo também que, como se deixou exarado no probatório (pontos 4 a 11) foi devido, em grande medida, à crise económica e financeira generalizada que se instalara no mercado imobiliário e no mercado imobiliário português, mesmo o de Lisboa, designadamente no período, bem maior que três anos, que se seguiu àquela aquisição, que a recorrente acabou por não conseguir, no triénio subsequente à compra do prédio, proceder revenda do imóvel, só a conseguindo concretizar em 8 de Março de 2012.
Assim sendo, considerando o grau de violação dos deveres impostos à recorrente, a sua situação económica e as circunstâncias atenuantes acima referidas, entende-se por mais adequada e proporcional a fixação da coima correspondente 1/5 do limite máximo aplicável, ou seja no montante de €3 000,00 (três mil euros) pelo que haverá que revogar, nesta parte, a decisão recorrida.

3-DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, condenando a recorrente no pagamento da coima de €3000,00 (três mil euros).
Sem custas.

Lisboa, 1 de Outubro de 2014. - Pedro Delgado (relator) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.