Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:035/17.4BELLE
Data do Acordão:02/07/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:INDEMNIZAÇÃO
PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PENHORA
Sumário:I - A reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade na liquidação, a que alude o artigo 100.º da Lei Geral Tributária, não compreende a indemnização de todos os custos ou prejuízos que tenham decorrido da prestação de garantia para suspender a execução;
II - A penhora de bem oferecido em garantia para a suspensão de execução fiscal não é uma garantia equivalente a uma garantia bancária para os efeitos do artigo 53.º da Lei Geral Tributária.
Nº Convencional:JSTA00071820
Nº do Documento:SA220240207035/17
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA TAF DE LOULÉ
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:GARANTIA
Área Temática 2:INDEMNIZAÇÃO
Legislação Nacional:ARTIGOS 53º E 100º DA LGT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, não se conformando com a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, na parte em que condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira a proceder ao pagamento a AA, NIF ...84, com domicílio fiscal na Rua ..., em ..., de todos os custos que se viessem a liquidar e comprovadamente tivessem decorrido da prestação da garantia para efeitos de suspensão do processo de execução n.º ...08, dela interpôs o presente recurso.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

I) Decidiu a Mmª Juiz a quo condenar “a Autoridade Tributária e Aduaneira a proceder ao pagamento de todos os custos que se venham a liquidar e comprovadamente tenham decorrido da prestação da garantia para efeitos de suspensão do processo de execução n.º ...08.”;

II) Salvo melhor e douta opinião, não pode a Fazenda Pública concordar com tal decisão;

III) No caso sub judice, o ora Recorrido para suspensão do processo de execução fiscal n.º ...08 ofereceu para penhora o prédio urbano inscrito sob o artigo ...95, fração ... da união de freguesias ..., conforme aliás consta da alínea h) dos factos provados, e em princípio só terá custos de registo e de cancelamento daquela;

IV) Não estamos, assim, perante uma garantia equivalente à garantia bancária;

V) Ora, o direito de indemnização por garantia indevida apenas poderá ser reconhecido nos casos em que tenha sido oferecida garantia bancária ou equivalente, não sendo esse, manifestamente, o caso dos autos;

VI) “Sobre o conceito de garantia equivalente a garantia bancária pode ver-se Jorge de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011, a pag. 242, onde defende que “Equivalente à garantia bancária, para efeitos deste artigo, serão todas as formas de garantia que impliquem para o interessado suportar uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual aquela é mantida. Dos meios de garantia expressamente previstos no artº 199º do CPPT, será o caso seguro-caução (…)”. acórdão do STA de 24-10-2012, processo 0528/12. – artigo 171.º do CPPT;

VII) Mais, refere “António Lima Guerreiro (Lei Geral Tributária, p. 245), que “o presente preceito compreende apenas o prejuízo sofrido pela prestação de garantia bancária ou equivalente (seguro-caução).Não abrange o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (…).o que resulta da muito maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efectivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias(…)], acórdão do STA de 24-10-2012, processo 0528/12 – artigo 53.º da LGT;

VIII) Ainda, neste sentido, entre outros, acórdão do STA de 10-10-2018, processo 0469/14.6BELRS 033/18;

IX) Assim, ao decidir condenar a AT ao pagamento de todos os custos que comprovadamente tenham decorrido da prestação da garantia acima identificada incorreu a Mmª Juiz a quo em erro de julgamento e violou a douta sentença recorrida o disposto nos artigos 153.º da LGT e 171.º do CPPT.».

Pediu fosse dado provimento ao recurso e fosse revogada a sentença na parte recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

A Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta lavrou douto parecer, onde concluiu no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.


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2. Quanto à matéria de facto, o tribunal de recurso remete para os termos da decisão respetiva em primeira instância, nos termos prescritos nos artigos 663.º, n.º 6 e 679.º do Código de Processo Civil – artigo 288.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

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3. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé na parte em que condenou a Autoridade Tributária e Aduaneira [doravante “ATA”] a proceder ao pagamento de todos os custos decorrentes da prestação de garantia em processo de execução fiscal.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com o assim decidido por entender que tal decisão viola o disposto nos artigos 53.º da Lei Geral Tributária e 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Na essência, porque o direito de indemnização pela prestação e garantia indevida apenas pode ser reconhecido nos casos em que tenha sido oferecida garantia bancária ou equivalente.

E porque, no caso sub judice, foi oferecida como garantia a penhora de um prédio urbano. Que não é – na perspetiva da Recorrente – uma garantia equivalente à garantia bancária.

Importa observar desde já que a indemnização foi concedida ao abrigo do artigo 100.º da Lei Geral Tributária.

Isto é, a Mm.ª juiz não condenou a ATA no pagamento de uma indemnização porque estivessem reunidos os pressupostos específicos para a atribuição de indemnização a que alude aquele artigo 53.º, mas porque considerou que o pagamento de todos os custos suportados em consequência da prestação da garantia constituía uma decorrência do direito à imediata reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade na liquidação.

Sucede que, ao constituir a ATA no dever de restituir a situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, o legislador está a referir-se ao dever de executar a sentença de anulação dos atos administrativos a que alude genericamente o artigo 173.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Ou seja, o legislador está a referir-se ao dever da administração de atender a todos os efeitos dessa anulação, nele incluindo o que se designa de «efeito reconstitutivo» ou «efeito repristinatório» da decisão anulatória.

Ora, a indemnização dos prejuízos resultantes da prestação de garantia indevida não é um efeito dessa anulação. Desde logo, porque da anulação do ato impugnado não deriva a anulação do ato praticado para garantia da sua boa cobrança, mas o levantamento dessa garantia – cfr. o artigo 183.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

A confirmar que a indemnização dos prejuízos resultantes da prestação da garantia indevida não é um efeito da anulação vem o facto de ela ter que ser requerida pelo interessado, como deriva do artigo 171.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Deve, pois concluir-se que o artigo 100.º da Lei Geral Tributária não confere ao sujeito passivo o direito a ser indemnizado pela prestação da garantia indevida.

Acrescenta-se desde já que também não estão reunidos os pressupostos de que depende a atribuição dessa indemnização neste processo de impugnação judicial.

Na essência, porque a penhora oferecida em garantia pelo executado em execução fiscal não é uma «garantia bancária ou equivalente» para os efeitos do n.º 1 do referido artigo 53.º.

Como se referiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 9 de janeiro de 2019, tirado no processo n.º 03025/17.3BEPRT (ainda que a propósito de uma fiança), são consideradas «garantias bancárias ou equivalentes» para os efeitos desta norma, aquelas em que (além do mais) geram uma despesa cujo montante vai aumentando em função do período de tempo em que são mantidas e em que, portanto, a presença de prejuízos e a sua quantificação são de fácil verificação e quantificação.

E isso sucede porque o mecanismo de indemnização pela prestação da garantia indevida é um meio célere e simplificado de atribuição de indemnização num processo configurado para a aferição da legalidade de atos tributários e não para a aferição dos pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos.

Ora, nem a penhora equivale a uma garantia bancária para este efeito nem a existência de prejuízos constitui uma consequência necessária (e inerente) da sua realização.

Por outro lado, decorre da própria sentença recorrida que o valor dos prejuízos não era de fácil quantificação, já que se considerou, ali, necessário relegar para a execução de sentença o seu apuramento.

Por todo o exposto, entendemos que a douta decisão não pode manter-se na parte recorrida.

Pelo que o recurso merece provimento.


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4. Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I) A reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade na liquidação, a que alude o artigo 100.º da Lei Geral Tributária, não compreende a indemnização de todos os custos ou prejuízos que tenham decorrido da prestação de garantia para suspender a execução;

II) A penhora de bem oferecido em garantia para a suspensão de execução fiscal não é uma garantia equivalente a uma garantia bancária para os efeitos do artigo 53.º da Lei Geral Tributária.


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e, em consequência, em revogar a sentença na parte recorrida.

Em consequência, vai também reformada a decisão quanto a custas em primeira instância, pela qual passam a ser agora responsáveis a Recorrente e o Recorrido, na proporção do decaimento, que se fixa na proporção de 2/3 (dois terços) e de 1/3 (um terço) respetivamente.

As custas do presente recurso ficam a cargo do Recorrido, que nele decaiu totalmente.

Lisboa, 7 de fevereiro de 2024. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Isabel Cristina Mota Marques da Silva.