Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0575/10
Data do Acordão:11/10/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
LITISPENDÊNCIA
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:Se são formulados idênticos pedidos, com os mesmos fundamentos, em oposição à execução fiscal e impugnação judicial e este é o meio processual adequado para conhecer alguns deles, justifica-se que, em vez de proferir imediatamente decisão de absolvição da instância em relação a todos os pedidos, no processo de impugnação judicial, com fundamento em litispendência, se suspenda a instância até que no processo de oposição à execução fiscal seja proferida decisão sobre o conhecimento dos mesmos pedidos que nela foram formulados.
Nº Convencional:JSTA00066676
Nº do Documento:SA2201011100575
Data de Entrada:07/01/2010
Recorrente:A... E OUTRO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL/OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPC96 ART279 N1 ART497 N2 ART675 N1.
CPPTRIB99 ART204 N1 L.
CONST97 ART20 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC832/08 DE 2010/01/20.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A... e B… recorrem para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a excepção de litispendência, invocada pela Fazenda Pública num processo de impugnação judicial.
Os Recorrentes apresentaram alegações com as seguintes conclusões:
1. A oposição e impugnação judiciais estão previstas nos Arts. 204º e 99º respectivamente, do CPPT e prevêem duas formas de processo distintas para diferentes fundamentos jurídicos, sendo certo que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, debatem pontos de “contacto” entre estes dois institutos jurídicos e debatem, ainda, quanto ao enquadramento e interpretação de iguais situações concretas em um ou outros desses regimes processuais tributários - não sendo, muitas vezes, tarefa fácil a sua subsunção a cada uma dessas figuras processuais.
2. A solução para o “iter processual” surpreendido pela douta sentença recorrida deveria ter sido, não a litispendência”, mas sim decir, face aos dois diferentes regimes legais (impugnação e oposição), sobre quais dos argumentos alegados pelos impugnantes, na p.i. destes autos, caberiam no regime legal da impugnação judicial, tal como prevista no Art. 99º e sgts. do CPPT, e quais desses aí alegados, em sede de p.i. de impugnação, caberiam no regime da oposição.
3. A douta decisão recorrida, na prática, obtém o resultado juridicamente “perigoso” de impedir os recorrentes de discutir em sede de impugnação os fundamentos destes autos que aqui deveriam ser discutidos — pois a oposição em causa sofrerá idêntica subsunção jurídica e aquela matéria que aí for julgada como cabendo no regime da impugnação escapará, definitivamente, ao controle do Tribunal pois, face a esta sentença, não poderá ser reapreciada (aqui ou noutro qualquer processo, pois os prazos estabelecidos no CPPT a tal não permitirão).
4. Subsidiariamente, apenas, e em dever de patrocínio, admitem os recorrentes a aplicação do regime previsto no Art. 279º nº. l do CP Civil; através da suspensão destes autos de impugnação até à decisão daquela referida oposição — o que, nesta medida, requerem expressamente seja aplicado ao caso dos autos.
5. Esta solução teria ainda a virtude de permitir à predita oposição decidir sobre quais questões aí iriam ser debatidas ou decididas debater para, posteriormente, efectuar essa avaliação nesta impugnação judicial e não coarctaria aos impugnantes o direito de debater judicialmente as matérias que depositaram em cada uma das suas peças (impugnação e oposição).
TERMOS EM QUE;
Revogando-se a douta decisão recorrida e dando-se provimento ao presente recurso, nos termos das preditas conclusões, ou de outras com que, V. Exas., Venerandos Juízes Conselheiros, se dignarão suprir;
Se Fará Justiça!
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
1. Os princípios de economia processual e de segurança jurídica inspiram o instituto da litispendência, cuja excepção tem por fim evitar que o tribunal seja conduzido a contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (art. 497º nº 2 CPC ex vi art. 2º al. e) CPPT) A repetição da causa pressuposta na litispendência exige identidade das acções pendentes quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (art. 498º nº 1 CPC)
Os pedidos legalmente adequados, característicos da impugnação judicial e da oposição à execução, consistentes nos efeitos jurídicos pretendidos, são distintos (art. 498º nº 3 CPC):
– na impugnação judicial o efeito jurídico pretendido é a anulação do acto tributário com fundamento em qualquer ilegalidade (art. 99º CPPT)
– na oposição à execução fiscal o efeito jurídico pretendido é o da extinção da execução, em consequência da procedência de qualquer fundamento legalmente admitido (art. 204º nº 1 CPPT)
2. No caso sob análise, as petições de impugnação judicial e de oposição à execução são rigorosamente idênticas, invocando uma multiplicidade de fundamentos e formulando uma pluralidade de pedidos, entre os quais não se inclui a anulação da liquidação de IVA, contrariamente ao consignado na decisão recorrida (cf. petições a fls. 6/22 e 97/113)
Estes pedidos devem ser interpretados como meramente instrumentais para a obtenção dos supra citados efeitos, característicos de cada uma das espécies processuais utilizadas pelos recorrentes.
De outro modo a procedência da excepção da litispendência impediria a apreciação pelo tribunal dos fundamentos de ilegalidade do acto tributário (incluídos no universo mais amplo dos fundamentos enunciados), os quais não poderiam ser igualmente apreciados na oposição à execução fiscal, porque legalmente inadmissíveis.
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A decisão impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão com as seguintes determinações:
– improcedência da excepção de litispendência
– devolução do processo ao TFLeiria para prosseguimento da tramitação da impugnação judicial
As partes foram notificadas deste douto parecer, apenas se pronunciando a Fazenda Pública, defendendo que deve ser mantida a decisão recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
• Na presente acção os AA. A… e B…, peticionam a anulação da liquidação do IVA referente ao períodos de: 2.º , 3.º e 4.º trimestres, do ano de 1996, dos 1.º , 2.º e 3.º trimestres de 1997 e do ano de 1998, alegando, para o efeito e em síntese; a ilegalidade da citação; a falta de notificação para audição prévia; a caducidade do direito de liquidação; a prescrição das dívidas; e a inexistência de culpa dos revertidos em relação ao desaparecimento do património da sociedade — cfr. fls. 6 a 22
• Na acção de Oposição n.º 233/07.9BELRA, os AA. A… e B…, peticionam a anulação da liquidação do IVA referente ao períodos de: 2.º, 3.º e 4.º trimestres, do ano de 1996, dos 1.º , 2.º e 3.º trimestres de 1997 e do ano de 1998, alegando, para o efeito e em síntese; a ilegalidade da citação; a falta de notificação para audição prévia; a caducidade do direito de liquidação; a prescrição das dívidas; e a inexistência de culpa dos revertidos em relação ao desaparecimento do património da sociedade — cfr. fls. 86 a 113.
3 – Está em causa no presente recurso jurisdicional saber se ocorre a excepção de litispendência, neste processo de impugnação judicial, por estar pendente a oposição à execução fiscal referida no probatório.
No caso em apreço, as petições de oposição e de impugnação judicial são quase idênticas, sendo as mesmas as partes as causas de pedir e os pedidos, sendo diferente apenas, no que interessa ( ( ) Há diferenças na terminologia com que os ora Impugnantes se referem a si próprios, pois na petição dizem-se «impugnantes» enquanto no de oposição se qualificam como «oponentes»), o teor do art. 37.º das petições, pois no presente processo defendem que é o processo de impugnação judicial o adequado para apreciar a questão da caducidade do direito de liquidação enquanto na petição do processo de oposição à execução fiscal defendem que é esse o meio processual adequado.
A excepção de litispendência, como a de caso julgado, tem «por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior» (art. 497.º, n.º 2, do CPC).
A sua justificação encontra-se, por um lado, na inconveniência para o prestígio dos tribunais que resulta da contradição de decisões sobre a mesma questão jurídica e, por outro lado, na inutilidade que consubstanciaria a prolação de decisões com idêntico ou contraditório conteúdo decisório, pois apenas a que transitasse em julgado em primeiro lugar poderia ser objecto de execução (art. 675.º, n.º 1, do CPC).
O que se pretende é evitar essa situação real de o Tribunal ser colocado em situação em que terá de proferir mais que uma decisão sobre a mesma pretensão, pelo que não basta para se concluir pela existência de litispendência, a possibilidade teórica e abstracta de o Tribunal poder vir a ser colocado nessa situação, sendo antes necessário que seja seguro que o Tribunal virá a ser efectivamente colocado perante a indesejada alternativa de contradizer ou reproduzir uma outra decisão judicial.
No caso em apreço, não está demonstrado que seja seguro que isso possa suceder, pois, formulando os Impugnantes idênticos pedidos, com idênticas causas de pedir, haverá necessariamente erro na forma de processo em algum ou em ambos os processos quanto a algum ou alguns dos pedidos, designadamente quanto ao relativo à caducidade do direito de liquidação, uma vez que «a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção».
Por outro lado, é manifesto que os Impugnantes, no presente processo, à face do próprio texto da petição inicial cumulam pedidos a que correspondem formas de processo diferentes, pois defendem que o processo de impugnação judicial é o meio adequado para apreciar a caducidade do direito de liquidação, e formulam pedidos cuja apreciação eles próprios defendem expressamente que se enquadram entre os fundamentos de oposição à execução fiscal, como se vê, além do mais, pelo no art. 14.º da petição relativamente à ineficácia dos actos de liquidação, por deficiência das citações, que enquadram na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Numa situação deste tipo, é possível, mas não certo nem sequer provável, que no processo de oposição à execução fiscal venham a apreciar-se todos os pedidos que foram também formulados no presente processo de impugnação judicial, inclusivamente o relativo à caducidade do direito de liquidação, se se entender que pode ser apreciado nesse meio processual ( ( ) Como se entendeu no acórdão do Pleno deste Supremo Tribunal Administrativo de 20-1-2010, processo n.º 832/08. ).
No entanto, se no processo de oposição se vier a entender pela existência de erro na forma de processo que impede o conhecimento de algum ou alguns dos pedidos, designadamente o relativo à caducidade do direito de liquidação, estará afastada a possibilidade real de contradição ou reprodução de julgados que se quer prevenir com a excepção da litispendência.
Há, no entanto, possibilidade de isso vir a ocorrer, pois o Tribunal competente para o processo de execução pode ser que entenda, bem ou mal, apreciar todos os pedidos aí formulados e, nesse caso, estar-se-á perante uma situação em que deve funcionar a excepção da litispendência.
Sendo assim, a questão de saber se se está realmente perante uma situação de litispendência depende do que se vier a decidir no processo de oposição à execução fiscal sobre o conhecimento dos pedidos que aí foram formulados.
Nestas condições, dependendo a solução a adoptar no presente processo do que vier a ser decidido no processo de oposição, justifica-se a suspensão da instância no presente processo, ao abrigo da parte final do n.º 1 do art. 279.º do CPC, até que no processo de oposição à execução fiscal referido seja proferida decisão apreciando todos os pedidos ou recusando a apreciação de algum ou alguns ou todos com fundamento em erro na forma de processo, sendo apenas em relação àqueles relativamente aos quais venha a ser proferida decisão de mérito que se deverá concluir estar-se perante uma situação de litispendência (ou de caso julgado, se entretanto se formar).
É esta a posição que, para além de garantir, em sintonia com o princípio do direito à tutela judicial efectiva, reconhecido no art. 20.º, n.º 1, da CRP, que nenhum dos pedidos deixa de ser apreciado por razões derivadas da litispendência que afasta a prática de actos inúteis, sendo, por isso, reclamada pelo princípio da economia processual, expressivamente enunciado no art. 137.º do CPC.
Termos em que acordam em conceder provimento ao recurso, em revogar a sentença recorrida e em ordenar a suspensão da instância, até que esteja definitivamente decidido no processo de oposição à execução fiscal n.º 233/07.9BELRA se é afastado o conhecimento do mérito de algum ou alguns dos pedidos com fundamento em erro na forma de processo.
Custas pela Fazenda Pública, que suscitou a questão da litispendência na 1.ª instância e acompanhou a decisão recorrida, ao pronunciar-se neste Supremo Tribunal Administrativo [art. 2.º, alínea g), do CCJ], com procuradoria de 1/8.
Lisboa, 10 de Novembro de 2010. – Jorge de Sousa (relator) – Brandão de Pinho – Pimenta do Vale.