Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01216/09
Data do Acordão:04/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:COIMA
RGIT
CONSTITUCIONALIDADE
REFORMA DE ACÓRDÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:I – Tendo o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo concedido provimento ao recurso jurisdicional com fundamento na inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do art. 8.º do RGIT, e tendo o Tribunal Constitucional, em sede de recurso desse acórdão, decidido julgar não inconstitucional a norma, impõe-se a reformulação do acórdão recorrido em conformidade com tal juízo de constitucionalidade.
II – Mas sendo constitucionalmente admissível essa responsabilidade dos gerentes por se estar, segundo o acórdão do Tribunal Constitucional, perante responsabilidade civil extracontratual, então o processo de execução fiscal não é o meio processual adequado para a efectivação de tal responsabilidade, por não estar legalmente prevista a sua utilização para cobrança de indemnizações de natureza cível.
Nº Convencional:JSTA000P14012
Nº do Documento:SA22012041901216
Data de Entrada:12/11/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A……, com os demais sinais dos autos, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferida na oposição à execução fiscal que contra si reverteu, instaurada originariamente contra a sociedade “B……, Lda”, julgando-a improcedente no que tange à sua invocada falta de responsabilidade pelo pagamento de coimas aplicadas à sociedade e referentes aos anos de 2003 a 2006, face à norma constante no n.º 1 do artigo 8.º do RGIT, cuja constitucionalidade afirmou.
Terminou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos está em causa uma dívida proveniente de coimas fiscais aplicadas à executada originária, “B……, Lda”, por decisões já transitadas em julgado proferidas em processos de contra-ordenação, relativas aos períodos de Junho e Setembro de 2003, Março, Junho, Setembro e Dezembro de 2004 e Março de 2005 (referente à falta de entrega do pagamento especial por conta de IRC) e aos períodos de Julho e Outubro de 2004, Março e Julho de 2005 e Março de 2006 (referente à não entrega de declarações de IVA).

2. Para pagamento das dívidas resultantes das coimas em causa foi citado, por reversão do processo de execução fiscal, o ora recorrente, na sua qualidade de responsável subsidiário.

3. Considerando que a responsabilidade subsidiária a que se alude nos arts 23° e 24° da LGT reporta-se às dívidas de tributos, a transmissão das dívidas por coimas nos autos só pode radicar no disposto no artº 8°, nº 1 do RGIT.

4. Chamado a apreciar a questão da inconstitucionalidade do artº 8° do RGIT, por violação dos princípios da intransmissibilidade das coimas e da presunção de inocência, consagrados nos arts. 30°, nº 3 e 32°, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 8° do RGIT, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação. (cfr. Acórdãos nº 129/09 e 150/09, publicados no DR, II Série, nºs 74 e 95, de 16-04-2009 e 18-05-2009).

5. Em face do entendimento do Tribunal Constitucional, decidiu o Tribunal “a quo” não reconhecer razão ao recorrente - quanto à questão da inconstitucionalidade invocada em sede de oposição - e considerar legalmente admissível a reversão contra este quanto à dívida por coimas aplicadas à devedora originária, “B……, Lda”.

6. Sucede que, ao decidir pela não constitucionalidade da norma em questão, o Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido de que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes não assenta na mera transmissão da responsabilidade contra-ordenacional tributária (e da coima), mas num facto autónomo determinante à produção de um dano para a Administração Fiscal, gerador de responsabilidade de natureza civil extracontratual.

7. Nos termos em que se pronunciou o Tribunal Constitucional, deve, pois, concluir-se que a dívida dos autos não se trata de uma dívida por coimas, mas de uma dívida proveniente de responsabilidade de natureza civil extracontratual.

8. Ora, dispõe o artº 153°, nº 1 do CPPT que: “podem ser executados no processo de execução fiscal os devedores originários e seus sucessores dos tributos e demais dívidas referidas no artigo 148°, bem como os garantes que se tenham obrigado como principais pagadores, até ao limite da garantia prestada”.

9. Por sua vez, o artº 148°, nº 1 do CPPT estabelece que “o processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas: a) tributos, incluindo impostos aduaneiros, especiais e extrafiscais, taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais; b) coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns”.

10. Assim, se a responsabilidade dos devedores subsidiários pelas dívidas por coimas da sociedade originária é uma responsabilidade de natureza civil extracontratual e não uma responsabilidade pelo pagamento de coimas, a cobrança destas dívidas de responsabilidade civil não figura entre as dívidas que podem ser cobradas através do processo de execução fiscal, uma vez que tal cobrança não está prevista no predito artº 148°. (cfr. Ac, do STA de 01-07-2009, como nº convencional JSTA000P10653, in www.dgsi.pt).

11. Não sendo admissível a cobrança de tais dívidas em sede de execução fiscal, é consequentemente ilegal a reversão da execução fiscal contra o recorrente, na sua qualidade de responsável subsidiário, para o pagamento da dívida exequenda. (cfr. artº 148° do CPPT).

12. Sendo certo que, é o recorrente parte ilegítima nos autos de execução fiscal para cobrança da dívida dos autos. (cfr. artº 153° do CPPT).

13. 13. Ao entender de forma diversa, a douta decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, as normas constantes do disposto nos arts. 8° do RGIT e 148° e 153° do CPPT.


1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.3. Por acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 24/03/2010, a fls. 135 a 142, foi concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida na parte impugnada, por se ter julgado inconstitucional a norma contida no artigo 8.º do RGIT quando interpretada no sentido de que consagra uma responsabilização subsidiária dos gerentes por coimas aplicadas à sociedade, julgando-se, em consequência, extinta a execução contra o reclamante na parte concernente às dívidas de coimas e despesas aplicadas à sociedade executada.

1.4. Desse aresto interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal Constitucional, o qual, através de acórdão proferido em 24 de Outubro de 2011, concedeu provimento ao recurso, decidindo, por remissão para a fundamentação constante do acórdão n.º 437/11, de 3 de Outubro, do Plenário do Tribunal Constitucional, que o referido preceito do RGIT não padecia da referida inconstitucionalidade, ordenando a reforma do aresto do STA de acordo com o juízo emitido sobre a questão.

1.5. Colhidos os vistos legais, cumpre, então, reformular o acórdão anteriormente proferido em conformidade com o referido juízo de constitucionalidade emitido pelo Tribunal Constitucional (artigo 80.º, nºs 2 e 3, da Lei 28/82, de 15 de Novembro).

2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:

1. Os processos executivos n. 0353200401017772 e 0353200501117157, foram instaurados contra a firma “B……, Lda”, para cobrança da quantia global de 19.530,93 €, respeitante IVA dos anos de 2003, 2004, 2005, IRC dos anos de 2003 e 2004 e coimas fiscais de 2003, 2004, 2005 e 2006.

2. Constatada a inexistência de bens na sociedade executada, veio a execução a reverter contra o oponente, na qualidade de gerente da sociedade, por despacho datado de 09.05.2008 do Chefe do Serviço de Finanças de Barcelos.

3. Em consequência, foi o oponente citado, por reversão, na sua qualidade de responsável subsidiário, para o pagamento da dívida exequenda supra referida.

4. O oponente procedeu ao pagamento, no montante de € 15.284,41, no decurso do prazo de pagamento voluntário, correspondendo tal pagamento às quantias exequendas, com excepção das correspondentes a coimas.

5. Tais dívidas constam das seguintes certidões de dívida:

a. Nº 2005/5000360, de 27-11-2005, no montante global de € 65,01;
b. Nº 2006/5000107, de 16-03-2006, no montante global de € 102,76;
c. Nº 2006/5000359, de 18-04-2006, no montante global de € 285,24;
d. Nº 2006/5005450, de 30-11-2006, no montante global de € 287,63;
e. N.º 2007/5001028, de 01-06-2007, no montante global de € 301,75.

6. Estas quantias são provenientes de coimas e encargos aplicados à executada originária, “B……, Lda”, por decisões já transitadas em julgado proferidas em processos de contra-ordenação instaurados com base na falta de entrega do pagamento especial por conta de IRC relativos aos períodos de Julho e Outubro de 2004, Março e Julho de 2005 e Março de 2006.

7. Bem como constam das certidões de dívida:

a. N.º 2005/5000355, de 27-11-2005, no montante global de € 182,39;
b. N.º 2006/5002199, de 17-08-2006, no montante global de € 783,27;
c. Nº 2006/5002414, de 17-08-2006, no montante global de € 579,45;
d. N.º 2006/5002941, de 17-08-2006, no montante global de € 375,34;
e. N.º 2006/5003038, de 17-08-2006, no montante global de € 240,32;
f. Nº. 2006/5003240, de 17-08-2006, no montante global de € 430,23;
g. Nº. 2006/5003358, de 17-08-2006, no montante global de € 603,13.

8. Estas quantias são provenientes de coimas e encargos aplicados à executada originária, “B…, Lda.”, por decisões já transitadas em julgado proferidas em processos de contra-ordenação instaurados com base na falta de entrega, em conjunto com a declaração periódica de IVA, do respectivo meio de pagamento, relativos aos períodos de Junho e Setembro de 2003, Março, Junho, Setembro e Dezembro de 2004 e Março de 2005.

3. Como se viu, por acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 24/03/2010 foi concedido provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Oponente A…… da sentença proferida pelo TAF de Braga, e revogada a sentença recorrida na parte impugnada por se ter julgado inconstitucional a norma contida no artigo 8.º do RGIT quando interpretada no sentido de que consagra uma responsabilização subsidiária dos gerentes por coimas aplicadas à sociedade que se efectiva através da reversão da execução fiscal, julgando-se, em consequência, extinta a execução contra o reclamante na parte concernente às dívidas de coimas e despesas aplicadas à sociedade executada.

Desse acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que decidiu, através do acórdão n.º 488/2011, proferido em 24 de Outubro de 2011, a fls. 164 dos autos, que não se verificava a apontada inconstitucionalidade.

Em face do trânsito em julgado desse acórdão do Tribunal Constitucional, há que dar-lhe execução, reformulando o aluído aresto proferido por esta Secção do STA.

Deste modo, e em face do preceituado no art. 80.º, n.° 2, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, reforma-se o acórdão proferido em 24/03/2010, a fls. 135 a 142 dos autos, no sentido de não ser inconstitucional o artigo 8.º, n.º 1, do RGIT, pelo que o recurso não merece provimento com fundamento na inconstitucionalidade declarada nesse acórdão.

Todavia, verificando-se que o Recorrente coloca uma outra questão nas conclusões da alegação de recurso, traduzida na inadmissibilidade da efectivação da responsabilidade subsidiária por coimas através de processo de execução fiscal e do mecanismo da reversão contra si (conclusões 10ª e 11ª), importa passar agora ao conhecimento dessa questão, que representa, no fundo, a invocação de um erro na forma de processo, já que tem subjacente o entendimento de que o meio processual adequado para efectivar a responsabilidade dos responsáveis subsidiários por dívidas de coimas não poderá ser a reversão da execução fiscal.

Sobre esta questão da admissibilidade da efectivação da responsabilidade subsidiária por coimas através de processo de execução fiscal e do mecanismo da reversão da execução, o Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado em sentido negativo, argumentando que face à posição assumida pelo Tribunal Constitucional – que atribui a essa responsabilidade uma natureza civilística, caracterizando-a como responsabilidade civil extracontratual – tem de concluir-se que a cobrança dessas dívidas não está legalmente prevista através de processo de execução fiscal, designadamente através do mecanismo da reversão da execução.

Como se deixou explicado, mais uma vez, no recente acórdão proferido em 23 de Fevereiro de 2012, no Processo n.º 1147/09, cuja fundamentação subscrevemos, a entender-se, como se tem de entender no presente processo por isso ter sido pressuposto da decisão do Tribunal Constitucional, «que se está perante uma responsabilidade de «natureza civilística», que «se trata de efectivar uma responsabilidade de cariz ressarcitório, fundada numa conduta própria, posterior e autónoma relativamente àquela que motivou a aplicação da sanção à pessoa colectiva», tem de reconhecer-se que a cobrança de tais dívidas, de natureza civil, através de reversão da execução fiscal efectuada em processo de execução fiscal é de afastar, por não estar legalmente prevista a cobrança de dívidas de responsabilidade civil extracontratual emergente de coimas através de processo de execução fiscal.

Com efeito, não está prevista no art. 148.º do CPPT, que define o âmbito da execução fiscal, a cobrança de dívidas derivadas de responsabilidade civil extracontratual e apenas em relação a dívidas enquadráveis neste artigo se prevê legitimidade do órgão da execução fiscal para a promoção da execução (art. 152.º, n.º 1, do CPPT) e a possibilidade de reversão (art. 153.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT).

As dívidas de coimas, podem ser cobradas em processo de execução fiscal, pois estão previstas no ar 148.º, n.º 1, alínea b), do CPPT, não havendo obstáculo processual a que pudesse haver reversão, se ela for constitucionalmente admissível. Mas, as de responsabilidade civil extracontratual não podem ser cobradas através de processo de execução fiscal e, consequentemente, não pode haver reversão. (Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do STA de 1-7-2009, processo n.º 31/08, e de 14-4-2010, processo n.º 64/10.)

O aditamento da alínea c) ao n.º 1 deste art. 148.º efectuado pela Lei n.º 3-B/2010, de 18 de Abril, não vem alterar esta situação.

Na verdade, desde logo, o despacho de reversão no presente processo foi proferido em (...) antes da entrada em vigor desta Lei, pelo que ela não pode ser suporte da sua validade.

Por outro lado, nem é possível perceber o que se quer dizer naquela alínea c) ao fazer-se referência a «coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade civil determinada nos termos do Regime Geral das Infracções Tributárias», pois no RGIT não se prevê qualquer situação em que de responsabilidade civil decorram coimas ou sanções pecuniárias nem é imaginável que de responsabilidade civil possa emergir não um dever de indemnização, mas coimas e sanções acessórias. O que se prevê no art. 8.º, n.º 1, do RGIT, na interpretação adoptada pelo Tribunal Constitucional, é o contrário do que se prevê nesta alínea c) do n.º 1 do art. 148.º do CPPT, isto é, responsabilidade civil decorrente de coimas e sanções pecuniárias e não coimas e sanções pecuniárias decorrentes de responsabilidade civil que é o que se refere naquela alínea c).

De qualquer modo, o certo é que nesta alínea c) se prevê que sejam cobradas dívidas de coimas e sanções pecuniárias e não de responsabilidade civil, pelo que se mantém a situação acima referida de inexistência de norma que preveja a cobrança de dívidas de responsabilidade civil através de processo de execução fiscal.

Por isso, independentemente da constitucionalidade ou não de tal regime de reversão da execução fiscal, à face do n.º 10 do art. 32.º da CRP, quanto a responsabilidade por coimas, é de entender que a lei ordinária não prevê tal possibilidade, pelo que fica prejudicado o conhecimento de tal questão de constitucionalidade.».

Deste modo, apesar de termos de julgar, nestes autos, como constitucionalmente admissível a responsabilidade dos gerentes por coimas prevista no n.º 1 do art. 8.º do RGIT, não podemos deixar de concluir que, tratando-se de uma responsabilidade civil extracontratual, o processo de execução fiscal não é o meio processual adequado para a efectivação de tal responsabilidade, por não estar legalmente prevista a sua utilização para cobrança de indemnizações de natureza cível.

O Recorrente tem, pois, razão quanto a esta questão da inadmissibilidade da reversão da execução fiscal, pelo que o recurso tem de obter provimento face à procedência da questão suscitada nas conclusões 10ª e 11ª.


4. Nestes termos, e com os fundamentos supra expostos, acorda-se em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida na parte impugnada e, consequentemente, julgar totalmente procedente a oposição.
Custas pela Fazenda Pública na 1ª instância, e sem custas neste STA.

Lisboa, 19 de Abril de 2012. – Dulce Manuel Neto (relatora) – Valente Torrão –Casimiro Gonçalves.