Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0285/13
Data do Acordão:11/13/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO
ANULAÇÃO PARCIAL
MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:I – O acto tributário de liquidação é por natureza um acto divisível e, consequentemente, é susceptível de anulação parcial, no respectivo processo de impugnação.
II – Não é, todavia, possível proceder-se à anulação parcial do acto, se o vício judicialmente reconhecido resulta de, na fixação da matéria colectável por métodos indirectos, a AT ter presumido uma margem de lucro que o Tribunal entendeu insuficientemente demonstrada, pois não cabe aos tribunais, substituindo-se à Administração, escolher a margem de lucro ajustada ao caso e proceder à correspondente liquidação.
Nº Convencional:JSTA00068458
Nº do Documento:SA2201311130285
Data de Entrada:02/22/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPA91 ART148 ART142 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0952/13 DE 2013/10/30.; AC STA PROC0896/11 DE 2012/04/12.; AC STA PROC01973/02 DE 2003/03/26.; AC STA PROC0287/05 DE 2005/09/27.; AC STAPLENO PROC0298/12 DE 2013/04/10
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A Fazenda Publica, veio recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………………. e B…………………., melhor identificados nos autos, contra as liquidações adicionais de IRS, referentes aos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«a) Incide o presente recurso sobre a douta sentença que julgou procedente a impugnação apresentada nos autos, por via do erro na quantificação da matéria colectável, com a consequente anulação das liquidações impugnadas;
b) Com a ressalva do devido respeito não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera que a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na subsunção do direito à factualidade considerada provada e não provada;
c) Com efeito, entende a Fazenda Pública que foi violado o disposto no art.º 148° do CPA, referente á rectificação de atos administrativos, a douta sentença incorreu em erro de julgamento por violação do princípio do aproveitamento dos atos administrativos e o ato tributário, enquanto ato divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial — o que não foi considerado na douta decisão recorrida;
d) Como resulta da sentença recorrida nos factos dados como provados e como não provados, na convicção formulada pelo Tribunal na análise dos vícios apontados e na ponderação da prova, entendeu o Mmo Juiz “a quo” que a AT não tinha outra alternativa senão decidir como decidiu nas correções efectuadas que estiveram na génese das liquidações impugnadas;
e) Da douta sentença resulta, portanto, que está devidamente fundamentado quer a decisão de recurso a métodos indirectos quer o critério de quantificação utilizado, tendo a Administração Fiscal cumprido com o disposto no n.º 3, primeira parte, do art.º 74° da LGT;
f) Assim sendo, incumbia ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na quantificação — nos termos do n.º 3, segunda parte, do art.º 74° da LGT — o que não logrou demonstrar, como resulta, à evidência, da articulação entre os factos provados e não provados;
g) Todavia, o Mmo Juiz considerou verificado o erro na quantificação, não porque o sujeito passivo o demonstrou, mas porque no procedimento inspectivo ocorreu um erro de cálculo na aplicação da margem do sector — “lapso da escrita na contabilização dos serviços omissos, partindo do quantitativo apurado em 1996 e multiplicando-o pela margem do sector, o que se verificou, é que em vez de se multiplicar por 2,4265, se multiplicou por 3,4265 e o valor obtido, em vez de ser 1 392 988$00 a que correspondia uma percentagem de omissão de 17%, entendeu-se ao valor de 1 967 061$00, ou seja 24% e este lapso foi replicado nos anos seguintes”;
h) Assim, considerando que o vício aferido pelo Mmo Juiz se reconduz a um erro de cálculo na aplicação da margem da actividade de 242,65% (reputada pelo Mmo Juiz como legalmente fundada pois a Administração Tributária usou de um esforço de aderência à realidade, colhendo elementos e explicando o porquê do seu actuar), deveria, ao invés de anular as liquidações na sua totalidade por erro na quantificação, atendendo à rectificação de atos administrativos, ao princípio do aproveitamento do ato administrativo e à sua divisibilidade proferir decisão no sentido de determinar a anulação das liquidações na parte em que se mostram afectadas por esse erro de cálculo (aplicar-se 2,4265 em vez de 3,4265 na contabilização dos serviços omissos, do que resulta uma percentagem de omissão de 17% ao invés da percentagem de 24% resultante do erro de cálculo);
i) Não se pretende que seja o Tribunal a praticar o ato tributário — a administração fiscal no respectivo relatório de inspeção demonstrou os pressupostos para o efeito, sendo claro e esclarecedor o motivo do recurso aos métodos indirectos e bem assim o critério eleito para a avaliação indireta e a forma como se determinaram os valores corrigidos — de referir que, como resulta da concatenação entre os factos provados e não provados, a douta sentença recorrida confirmou a validade do ato, no que toca à relação material subjacente;
j) Com efeito, após a sentença recorrida ter confirmado a validade do ato, no que toca à relação material subjacente, ficou definitivamente assente que o impugnante deveria, nos termos da lei, ser tributado por métodos indiretos, sendo fundamentado e acertado o critério de quantificação utilizado pela Administração Fiscal;
k) Assim sendo, não há dúvida que as liquidações adicionais correspondem à solução imposta pela lei para a situação concreta, pelo que a sua anulação na totalidade criou uma situação antijurídica — o impugnante não demonstrou a inadmissibilidade do recurso aos métodos indiretos de tributação nem tão pouco a desadequação do critério de quantificação utilizado pela Administração Fiscal;
l) Para evitar tal situação de antijuridicidade, impõe-se aproveitar o ato, e corrigir o erro de cálculo efetuado no procedimento inspectivo, assim determinando a anulação das liquidações na parte em que se mostram afectadas por esse “lapso de escrita na contabilização dos serviços omissos” — (aplicar-se 2,4265 em vez de 3,4265 na contabilização dos serviços omissos, do que resulta uma percentagem de omissão de 17% ao invés da percentagem de 24% resultante do erro de cálculo) — anulando as liquidações na parte em que exceda o resultado da percentagem de omissão de 17% e mantendo-as na parte restante;
m) Em suma, a Administração Fiscal praticou e fundamentou o ato tributário impugnado, o erro de cálculo é identificável e quantificável para o efeito de anulação parcial das liquidações impugnadas e a respectiva anulação total cria uma situação antijurídica, considerando que a douta sentença recorrida confirmou a legalidade da actuação da administração fiscal e a validade do ato tributário, no que toca à relação material subjacente;
n) Por outro lado, atendendo à divisibilidade do ato tributário, se o Tribunal reconhecer que o ato tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira;
o) Significa isto, apenas, que relativamente às liquidações adicionais impugnadas haverá que excluir do valor da “omissão de prestação de serviços” o valor apurado com recurso ao multiplicador de 3,4265 — da qual resultou a percentagem de omissão de 24%, pois que deveria ter sido aplicado o multiplicador de 2,4265 — da qual resulta a percentagem de omissão de 17%, mantendo tudo o demais, em relação ao qual se julgou justificado o recurso a métodos indiretos e ao critério de quantificação utilizado, que, como resulta da douta sentença recorrida, de nenhuma ilegalidade sofre;
p) A douta sentença recorrida, ao não ter decidido neste sentido, incorreu em erro de julgamento por violação do art.º 148° do CPA, do princípio do aproveitamento dos atos administrativos e da divisibilidade do ato administrativo;»

2 – Os recorridos apresentaram as suas contra alegações defendendo a manutenção da douta sentença, nos seguintes termos:
«1. Nenhum reparo merece a douta Sentença do Tribunal a quo que determinou a anulação total das liquidações objeto de impugnação judicial.
II. A AT infundadamente, sem apresentar qualquer justificação, escolheu aplicar a “margem de lucro de 342,65%”.
III. Foi com base nessa margem que procedeu à liquidação adicional do IRS referente aos exercícios de 1996 a 1999.
IV. A opção da AT em utilizar a referida margem de lucro incorreta não pode ser desvalorizada e classificada como um mero erro ou lapso de escrita.
V. Na escolha da referida margem não existiu qualquer desconformidade entre o pensamento, ou o que a AT pretendia e queria, com o que foi escrito no relatório.
VI. O que aconteceu foi que a AT escolheu mal, escolheu sem ter em conta os indicadores objetivos da atividade e os factos apurados.
VII. Em parte alguma a douta Sentença considerou ou classificou o referido erro como um mero erro ou lapso de escrita.
Na verdade,
VIII. Trata-se de um erro essencial, de um erro que incidiu sobre a margem ou o factor de cálculo da matéria tributável.
IX. Trata-se de um erro na quantificação da matéria coletável.
X. Que consubstancia vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de factos que determina a anulação das liquidações.
Sem prescindir,
XI. No âmbito do direito tributário a retificação ou aproveitamento do ato tributário pelo Tribunal é de todo inadmissível, não se aplicando o princípio do aproveitamento do ato administrativo.
XII. Isto porque, não existe qualquer disposição legal que o preveja e, caso fosse aplicável, violaria o direito de impugnação contenciosa de atos lesivos constitucionalmente consagrado no art. 268º, nº 4 da CRP; a garantia constitucional de acesso aos tribunais consagrada no art. 20º da CRP e o principio da separação de poderes previsto no art. 111º da CRP;
XIII. Não compete ao Juiz Tributário substituir-se à AT e corrigir os atos tributários praticados por esta.
XIV. No contencioso tributário o princípio é o do Tribunal anular ou declarar nulos ou inexistentes atos que lesem direitos ou interesses dos destinatários (art. 124º do CPPT).
XV. A prática de novo ato tributário, desprovido de erro, caberá apenas à AT e não ao Tribunal.
XVI. Pelo que, na situação sub judice, o Mmo. Juiz do TAF de Viseu não podia substituir-se à Ai e optar pela margem de lucro adequada ao setor, apurar a matéria coletável e proceder à correspondente liquidação.
Assim,
XVII. O Mmo. Juiz do Tribunal a quo, por via da verificação de erro na quantificação da matéria coletável, que é vício de violação de lei, anulou as liquidações ora impugnadas.
XVIII. O Tribunal a quo não podia anular parcialmente as liquidações impugnadas uma vez que a ilegalidade afetava o ato tributário no seu todo e não apenas em parte.
XIX. É entendimento já manifestado por este Venerando Supremo Tribunal que, nos casos em que o Tribunal verificar que a AT, no âmbito de recurso a métodos indiretos, utilize uma margem de lucro do setor excessiva ou insuficientemente demonstrada o Tribunal tem que anular totalmente as liquidações.
Ainda sem prescindir,
XX. A retificação de atos administrativos prevista no art. 148º do CPA visa a retificação de atos administrativos na fase do procedimento administrativo e não no âmbito do contencioso tributário ou da impugnação dos atos.
XXI. Na fase de impugnação judicial (contencioso tributário) AT só pode “corrigir” “retificar” e “revogar” os atos tributários objeto de impugnação judicial, no prazo de 30 dias previsto para a organização do processo administrativo na sequência da citação para contestar, sob pena da revogação do ato impugnado ser considerada ilegal (art. 111º n°1 e 112º do CPPT).»

3 - O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu o parecer com a seguinte fundamentação:
«Recorrente: Fazenda Pública
Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência da impugnação judicial deduzida contra liquidações adicionais de IRS (anos 1996/1999) no montante global de esc. 1 229 660$00
FUNDAMENTAÇÃO
Questão decidenda: legalidade da anulação parcial de liquidação de IRS com fundamento em erro na quantificação da matéria colectável
1. A possibilidade de anulação parcial do acto tributário tem sido afirmada, sem divergência, pela doutrina e pela jurisprudência, com fundamento na divisibilidade daquele e na natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto (acórdãos STA-SCT 5.12.2012 processo nº 477/12; 10.10.2012 processo nº 533/12;12.01.2012 processo nº 965/10; 12.01.2012 processo nº 583/10; 26.03.2003 processo nº 1973/02; Saldanha Sanches Fiscalidade, 7/8 Julho/Outubro 2001,pp.63 e sgs., Casalta Nabais Direito Fiscal 2ª edição p.397)
O critério subjacente à anulação total ou parcial do acto exige a apreciação dos efeitos da ilegalidade praticada, no sentido de determinar se inquina total ou parcialmente o acto impugnado.
O tribunal não pode invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária substituindo-se à administração tributária na escolha dos critérios e na fixação da consequente matéria colectável
2. Aplicação das considerações ao caso concreto:
a) a atribuição pelo tribunal a lapso de escrita do projecto de relatório à aplicação pela administração tributária da margem de lucro de 342.65% (em lugar de 242,65%) para a quantificação das prestações de serviços omitidas em cada um dos exercícios não é confirmada pela circunstância de esse valor ter sido assumido no relatório final e confirmado pela Comissão de Revisão (probatório als. D)/G);
b) o erro reconhecido pela própria recorrente na aplicação daquela margem de lucro inquina decisivamente a quantificação da matéria colectável;
e) a redução da matéria colectável exige a prática de novo acto tributário, sendo impraticável a reforma do acto tributário impugnado, porque o tribunal não pode substituir-se à administração tributária na aplicação de outra margem de lucro e na fixação consequencial de outra matéria colectável
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.»

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5- Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:
A) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 25 117 de 07/07/2000, procedeu-se à acção de inspecção de C………………. com vista ao controlo do IVA e do IRS nos anos de 1996 a 1999, sendo que aquela foi motivada “pelo facto de se ter verificado a existência de fornecimentos de materiais, através dos respectivos documentos de transporte, sem que aos mesmos correspondessem as competentes facturas indiciando, assim, no cliente, que no caso presente se identifica com o contribuinte em causa, omissões de compras.”, de fls. 2 e 3 do Relatório de inspeção constante de fls. 16 e 17 do Processo Administrativo, nesta parte não questionado pelos Impugnantes aqui dado por reproduzido, o mesmo se dizendo dos demais elementos infra referidos;
B) O Inspeccionado encontrava-se cadastrado em IRS, com início em 01/01/1995, pela actividade de “Construção e reparação de ruas pavimentações e calcetamento (cubos e paralelos de granito. etc.), CAE 45 230. idem Interior. pagina 3;
C) No relatório, nos “MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS” relatou-se:
“…
O Sujeito Passivo, em cada um dos anos em análise, não contabiliza quaisquer custos com mão de obra, quer do pessoal, quer de remuneração do empresário;
Por sistema não procede a qualquer tipo de inventariação em 31/12 de cada um dos exercícios... verificamos por exemplo, quanto a este aspecto, que foram feitas aquisições de matérias primas, nos exercícios, posteriores a facturação de prestação de serviços (v.g. ano de 1999, em que o Sujeito Passivo, pela venda a dinheiro n° 98, de 26/10/99, adquiriu a quantidade de 42 600 cubos. de 2° qualidade, no valor de 462 000300, quando a última factura de prestação de serviços, no ano, ocorreu em 21/10/99. cfr. factura nº 19/B, na importância de 186 000300, emitida pela Junta de Freguesia de Nelas);
…compras de matérias primas... no ano de 1996 pois que o montante de fornecimentos constantes da relação junta ao processo do Sujeito Passivo, resultante da compilação de guias de transporte na empresa fornecedora, D……………….., Ldª …………….., ascende a 674 073$00, quando, na escrita do Sujeito Passivo, na globalidade dos anos apenas consta uma factura daquele fornecedor Fact. N° 245, 14/2/96), no montante de 100 000$00. No ano de 1997, o valor de compras por contabilizar fornecido pela mesma empresa, foi de 21 000$00 a facturação a clientes, grande parte dela, não especifica nem quantifica devidamente quer o material que a mão de obra, o que impossibilita qualquer tipo de quantificação e amostragem
Não nos surpreende assim, que o peso dos materiais aplicado, face à prestação de serviços divirja incoerentemente de ano para ano, variando de 1,60% a 34. 15%.
A insuficiência de clareza e as irregularidades detectadas, na organização escritural, não permitem a quantificação directa e exacta da matéria tributável o que justifica a aplicação de métodos indirectos de acordo com o estabelecido na alínea c) do artigo 88° da LGT.”. vide fls. 4 e 5 do já aludido relatório;
D) No que respeita aos “CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS” consignou-se:
“... não existe qualquer relação coerente entre a prestação de serviços e os custos imprescindíveis ao exercício da actividade, em particular ao nível das matérias primas;
Assim, no ano de 1996, não podemos de deixar de proceder à rectificação das compras, dada a omissão verificada, de 574 073$00 e, por consequências corrigir as respectivas prestações de serviços na base da margem do sector, de 242,65%:
Posteriormente, determinado o índice de omissão de prestação de serviços de 1996, após corrigida a prestação de serviços, o qual se situa em 24% - (10 130 278$00 — 8 163 21 7$00/8 163 217$00, procedemos à correcção das prestações de serviços para os restantes anos, aplicando aquele factor percentual às prestações de serviços declaradas, apurando de seguida o respectivo IV4 em falta e, por sua vez, os respectivos ajustamentos a nível de resultados.
6. Cálculos
6.1 Exercício de 1996 -
6.1.1. IRS
Prestação de serviços omitida: 574 0735: 00x3 .4265- 1 967 0613:00
Prestação de serviços declarada: 8 163 21 7$00
Total da prestação de serviços corrigido 10 130 278300

Correcção; 1 967 061800-574 073800= 1392988$00

6.1.2.IVA
A omissão de prestação de serviços abrange apenas a taxa de 17%, excluindo-se, portanto, os serviços prestados efectuados por organismos oficiais;
Assim:


- “cfr. fls. 6 a 9 do relatório
E) O Impugnante notificado do projecto de relatório em 22/08/2000 exerceu o direito de audição e, após apreciação do mesmo, lavrou-se o relatório definitivo que foi superiormente ratificado em 19-09-2000, vide fls.9 a 12 do PA;
F) O Impugnante, tendo sido notificado das correcções realizadas no Relatório de Inspecção através do ofício nº 3124 de 28-02-2001, no dia 27-03-2001 veio reclamar nos termos do artigo 91° da LGT para Comissão de Revisão, cfr. fls. 7 a 8 do PA;
G) Na referida Comissão foi proferida decisão em 18-04-2001 que decidiu manter os valores fixados na Inspecção e, por isso foram emitidas as liquidações nestes autos impugnadas, com data limite de pagamento em 11-07-2001, vide fls. 5.24 a 26 e 30 a 37 do PA;
H) Em 09-10-2001 deduziu impugnação judicial n°4864/04 (9857/01/300516.0; 516/2001) relativamente às liquidações de IVA e IRS dos anos de 1996 a 1999, na qual foi proferido despacho, em 18 de Abril de 2002 e comunicado ao Impugnante através de carta expedida em 28-05-2001, a notificar o Impugnante para optar por IRS ou IVA sob pena de ser a impugnação indeferida; cfr. processo conexo aludido e requerimento de fls. 1 deste processo;
I) No referido processo optou pelo IVA e, em 6-6-2002 apresentou a petição inicial que deu origem aos presentes autos. idem anterior e fls. 1 e segs. deste processo.

6. Do objecto do recurso.
A questão objecto do recurso consiste em saber se incorre em erro de julgamento a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que, tendo apurado a existência de erro na quantificação da matéria colectável por métodos indirectos que afectou a liquidação de IRS referente ao exercício de 1996 e foi replicada nos exercícios seguintes (1997 a 1998), determinou a anulação total das liquidações e não a sua anulação parcial.

Contra o assim decidido vem a Fazenda Pública recorrer, argumentando em síntese que o acto tributário em causa é susceptível de anulação parcial e que a sentença recorrida ao proceder à anulação total das liquidações incorreu em erro de julgamento por violação do princípio do aproveitamento dos actos administrativos - artº 148º do Código de Procedimento Administrativo.

Entendemos, no entanto, que carece de razão legal.
Vejamos.
A questão nestes termos suscitada é, até nos pressupostos de facto, em tudo idêntica à questão foi apreciada e decidida neste Supremo Tribunal Administrativo em data recente por acórdão de 30.10.2013, proferido no recurso 952/13-30 (Sendo que ali estavam em causa as liquidações de IVA dos anos de 1996 a 1999 e aqui estão em causa as liquidações de IRS, referentes aos mesmos exercícios.), em que o presente relator interveio como adjunto.
Como ficou dito no referido aresto, «quanto à violação do artº 148º do CPA, verifica-se que o nº 1 deste artigo dispõe que, os erros de cálculo e os erros materiais, quando manifestos, podem ser rectificados, pelos órgãos competentes para a revogação do acto. Importa considerar também, o artº 142º nº 1 do mesmo código o qual estipula que, salvo disposição em contrário, são competentes para a revogação dos actos além dos seus autores, os respectivos superiores hierárquicos.
Da conjugação dos preceitos resulta que a rectificação dos erros previstos no mencionado artigo 148º é praticada no exercício de funções administrativas e não no exercício de funções jurisdicionais.
Não tem portanto aplicação ao caso dos autos e falece razão, nesta parte, a recorrente.
Quanto à violação do princípio do aproveitamento dos actos administrativos ou tributários: sobre este princípio é elucidativo o acórdão do STA de 12 de Abril de 2012, proferido no rec. nº 896/11, no qual se refere: (…) O princípio do aproveitamento do acto administrativo não tem expressão legal própria no nosso Direito, mas tem sido acolhido pela doutrina e pela jurisprudência, por razões de economia jurídica (…). E mais à frente, (…) Trata-se, pois, de reconhecer ao tribunal o poder de não anular um acto inválido quando for seguro que a decisão administrativa não podia ser outra, uma vez que em execução do efeito repristinatório da sentença não existe “alternativa juridicamente válida” que não seja a de renovar o acto inválido, embora sem o vício que determinou a anulação.
Embora tenhamos presente este princípio, ele encontra-se deslocado em relação ao concreto caso dos autos. Tal fundamentação não é aqui inteiramente aplicável.»
Com efeito a questão de saber se as liquidações anuladas podem ou não ser aproveitadas reconduz-se, no caso, à questão da cindibilidade dos actos tributários de liquidação e da possibilidade da sua anulação parcial
Este Supremo Tribunal Administrativo tem entendido, em geral, que os actos administrativos que impõem a obrigação de pagamento de uma quantia, designadamente os actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial dos mesmos (art. 100º da LGT e, anteriormente, o art. 145º do CPT) - cf. entre outros, os acórdãos proferidos em 9/07/1997, no processo n.º 5874; em 22/09/1999, no processo n.º 24101; em 16/05/2001, no processo n.º 25532; em 26/03/2003, no processo n.º 1973/02; em 27/09/2005, no processo n.º 287/05; em 12/01/2011, no processo n.º 583/10 e especial o recente Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário 10/04/2013, proferido no processo 298/12.
Como se disse neste último aresto do Pleno da Secção de Contencioso Tributário «se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira».
Sendo que o critério jurisprudencial para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.
Assim, quando um acto de liquidação se baseia em determinada matéria colectável e se vem a apurar que parte dela foi calculada ilegalmente, por não dever ser considerada, não há qualquer obstáculo a que o acto de liquidação seja anulado relativamente à parte que corresponda à matéria colectável cuja consideração era ilegal, mantendo-se a liquidação na parte que corresponde a matéria colectável que não é afectada por qualquer ilegalidade (Cf., também neste sentido Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, 6ª edição, vol. II, pag. 342.).
Não é essa porém a situação em análise nos presentes autos.
Com efeito, e como ficou sublinhado no já citado Acórdão 952/13-30, no caso vertente «não se trata apenas de um mero lapso de escrita ou irregularidade aritmética nas contas, facilmente determinável e quantificável meramente gerador de uma desconformidade legal insusceptível de invalidar a totalidade do acto (situação em que a verificar-se a anulação total do acto poderia ser desproporcionada).
Ao invés, sucede que a Fazenda Pública nunca antes do recurso invocou que a quantificação da matéria colectável padecia de lapso de escrita no que toca à margem de lucro aplicada (de 3,4265%) por se ter enganado e querido, antes, escrever 2,4265%.
Pelo contrário, sempre defendeu a inteira legalidade e justeza da quantificação efectuada e pugnou, na sua contestação pela improcedência da impugnação.

Aliás, se tivesse havido efectivamente um erro de escrita, com certeza que logo na Comissão de Revisão o teriam corrigido, mas verifica-se que a dita Comissão manteve a quantificação efectuada.

O que acontece é que na sentença recorrida face à dificuldade em compreender a quantificação efectuada, por não se saber de onde provém a margem de lucro aplicada (…..) se deixou escrito (…) o seguinte:
Estando em apreciação os concretos cálculos realizados e que originaram as liquidações impugnadas, analisando-os e voltando-os a analisar não vemos como ultrapassar o que resulta da Ponto 6 do Relatório: Quiçá por lapso de escrita na contabilização dos serviços omissos, partindo do quantitativo apurado em 1996 e multiplicando-o pela margem do sector, o que se verificou, é que em vez de se multiplicar por 2,1265, se multiplicou por 3.4265 e o valor obtido, em vez de ser 1 392 988$00 a que correspondia uma percentagem de omissão de 17%, entendeu-se ao valor de 1 967 061$00, ou seja 24% e este lapso foi replicado nos anos seguintes.».
É uma mera hipótese para se tentar perceber um valor que não se sabe como foi apurado pela Administração Tributária que sempre insistiu que a quantificação estava correcta.

Mas, sendo uma mera hipótese, não pode este STA dar como certo e assente que esse valor provém de erro de escrita e com base nisso proceder à anulação parcial do acto de liquidação como pede a recorrente (…….)»

Acresce dizer, como muito bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, que o erro reconhecido pela própria recorrente na aplicação daquela margem de lucro inquina decisivamente a quantificação da matéria colectável.
Com efeito a redução da matéria colectável exige a prática de novo acto tributário, sendo impraticável a reforma do acto tributário impugnado, porque o tribunal não pode substituir-se à administração tributária na aplicação de outra margem de lucro e na fixação consequencial de outra matéria colectável.

É que, num caso como o presente, o Tribunal não fica a saber e, consequentemente, não pode definir (mesmo admitindo que tanto lhe é permitido) qual a margem de lucro correcta. Nada mais faz senão dizer que está insuficientemente demonstrada a margem utilizada pela Administração.
Tanto basta para que se conclua que a ilegalidade afecta o acto de liquidação no seu todo, que, assim, não é natural e juridicamente divisível.
Improcedem, pois, todos os fundamentos do recurso, pelo que a sentença recorrida deve ser confirmada.

7 - DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 13 de Novembro 2013. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Valente Torrão.

Segue acórdão de 8 de Janeiro de 2014:

Assunto:
Fazenda Pública. Custas. Isenção. Reforma de acórdão.

Sumário:
No regime de custas anterior à vigência do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, a Fazenda Pública estava isenta de custas nos processos de natureza tributária.



Nos termos do Acórdão de fls. 160 a 174, proferido por esta secção em 13 de Novembro de 2013, foi negado provimento ao recurso da Fazenda Pública, tendo a mesma sido condenada em custas.

Sucede porém que os presentes autos de impugnação judicial deram entrada em 16.06.2002, ou seja na vigência do CCJ aprovado pelo decreto-lei 224-A/96 de 26.11, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo decreto-lei 324/03, de 27.12, as quais só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor.

Em face do exposto constata-se um erro de julgamento na condenação em custas, erro que se verifica, por não se ter atentado na data da apresentação da petição inicial em 1ª instância.

Com efeito, o presente processo de impugnação judicial foi instaurado em 16 de Junho de 2002, conforme se constata da petição inicial (fls. 1 dos autos).

Ora, visto o disposto no art. 3º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários (DL 29/98, de 11 de Fevereiro), regime de custas anterior à vigência do Dec.Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, a Fazenda Pública estava isenta de custas nos processos de natureza tributária.

Sendo que a responsabilidade por custas de entidades públicas, criada pelo decreto-lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, apenas existe nos processos instaurados após a sua entrada em vigor, como resulta do seu artº 14º, nº 1.

Essa entrada em vigor ocorreu em 1 de Janeiro de 2004 de acordo com o nº 1 do artº 16º daquele diploma legal.

Nestes termos, considerando a data da instauração da presente impugnação judicial e os referidos diplomas legais, forçoso é concluir que a Fazenda Pública está isenta de custas pelo que há que reformar, nesta parte, o acórdão de fls. 160/174.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em proceder à reforma do acórdão proferido nos presentes autos no segmento em que condenou a Fazenda Pública em custas, passando a nele constar “Sem custas, por Fazenda Pública delas se encontrar isenta nos processos tributários instaurados até 1/01/2004 ”.

Sem custas.

Lisboa, 8 de Janeiro de 2014. - Pedro Delgado (relator) - Isabel Marques da Silva - Valente Torrão.