Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0638/10
Data do Acordão:01/12/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:OMISSÃO
NULIDADE
Sumário:Se a decisão recorrida for totalmente omissa quanto aos factos provados necessários à aplicação do direito, verifica-se omissão absoluta de julgamento em matéria de facto, a ser conhecida oficiosamente, face ao disposto no nº 3 do art. 729º do CPC.
Nº Convencional:JSTA000P12496
Nº do Documento:SA2201101120638
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A…, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo TAF de Leiria, lhe julgou improcedente a oposição deduzida contra a execução fiscal contra si instaurada no SF da Marinha Grande, para pagamento da quantia total de € 116.966,40 (€ 97.764,40 referentes a Sisa e € 19.202,00 referentes aos respectivos juros compensatórios).
1.2. A recorrente termina as alegações formulando as Conclusões seguintes:
A) - Tendo em conta a redacção do nº 1 do artigo 48° da LGT, aplicável ao facto tributário, para os impostos de obrigação única, como é o caso da sisa, o início do prazo de prescrição de oito anos ocorre com o próprio facto tributário.
B) - Tendo em conta o nº 3 do artigo 49° da LGT, as únicas causas de suspensão da prescrição são o pagamento em prestações legalmente autori­zado, a reclamação, a impugnação e o recurso.
C) - A prescrição do imposto constitui matéria sujeita ao princípio da legalidade, não existindo norma legal que preveja a suspensão do prazo de prescrição da sisa enquanto ocorre a condição que fundamenta legalmente a isenção da própria sisa.
D) - A suspensão da caducidade do imposto prevista na alínea c) do nº 2 do artigo 46° da LGT, aplicável no caso isenção da sisa com fundamento no destino da revenda, não tem regime correspondente em matéria de prescrição, pelo que nos casos de isenção de imposto condicionada, o prazo de prescrição ocorre do próprio direito à liquidação do imposto.
E) - A douta sentença recorrida ao ter entendido que o prazo de prescri­ção da sisa devida pela falta de revenda do imóvel se conta a partir da revoga­ção da isenção, violou o nº 1 do artigo 48° da LGT.
Termina pedindo que se julgue procedente o recurso e se revogue a sentença recorrida, declarando-se prescrita a dívida exequenda, ou caso assim não se entenda, seja ordenada a baixa do processo à primeira instância, para efeitos de fixação da matéria de facto e aplicação da lei, de acordo com o entendimento deste Tribunal.
1.3. A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.
1.4. O MP emite Parecer no sentido do provimento do recurso, com a fundamentação seguinte:
«A sentença é absolutamente omissa quanto aos factos julgados provados, impedindo o exercício pelo STA da sua função de tribunal de revista, mediante aplicação àqueles do regime jurídico adequado (art.729º nº 1 CPC / art. 2º al. e) CPPT)). Esta nulidade é distinta da nulidade da sentença prevista no art.125º nº l CPPT, dependente de arguição das partes; está sujeita ao regime do art. 729º nº 3 CPC, sendo de conhecimento oficioso (acórdãos STA 18.02.2004 processo nº 1670/03; 17.03.2004 processo nº 1913/03; 20.04.2004 processo nº 1827/03).
CONCLUSÃO: O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser declarada nula e ordenada a devolução do processo ao tribunal recorrido para prolação de nova sentença contendo a fundamentação de facto.»
1.5 Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Importa, desde já, apreciar a questão suscitada pelo MP, atinente à alegada omissão, por parte da sentença recorrida, da factualidade julgada provada.
Ora, atentando na decisão, constata-se que, na verdade, não contém qualquer probatório autonomamente formalizado, no qual se especifiquem os factos provados e não provados.
Porém, como é sabido, a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em recursos em processos julgados inicialmente pelos tribunais tributários de 1ª instância, apenas conhece de matéria de direito – al. b) do art. 26º do ETAF (na redacção da Lei 107-D/2003 de 31.12) tendo, portanto, meros poderes de revista, limitando-se à aplicação do direito aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (nº 1 do art. 729º do CPC), sendo que, por outro lado, o nº 2 do art. 123º do CPPT, tal como o nº 2 do art. 659º do CPC, estabelecem a obrigação de o tribunal discriminar a matéria provada da não provada.
E se a decisão recorrida não contiver os factos necessários a tal aplicação do direito, não estaremos, sequer, perante a nulidade de sentença prevista no nº 1 do art. 125º do CPPT, nulidade dependente de arguição das partes e não cognoscível oficiosamente pelo tribunal de recurso, mas estaremos, antes, perante uma omissão absoluta de julgamento em matéria de facto, que pode ser conhecida oficiosamente, face ao disposto no nº 3 do art. 729º do CPC, aplicável por força da al. e) do art. 2º do CPPT (cfr. os acs. do STA, de 18/2/2004, rec. nº 1670/03; de 17/3/2004, rec. nº 1913/03; e de 20/4/2004, rec. nº 1827/03, citados pelo MP).
É certo que na fundamentação da sentença, consta, além do mais, o seguinte: «Nesta senda, pese embora o facto tributário ser sempre a venda do imóvel, o certo é que o nascimento da obrigação tributária derivada deste facto só ocorre com a revogação da isenção. E sendo assim só a partir deste momento é que este facto tributário pode relevar para efeitos da constituição da obrigação.
Por todo o exposto, entende-se que o prazo de prescrição se iniciou aquando da revogação da isenção, isto é, a 15 de Março de 2003. Por outro lado, verifica-se que esta se interrompeu antes de completado o seu prazo em 5 de Junho de 2008 - data da instauração da execução.»
Ora, em face do teor deste segmento da sentença recorrida, poderia afigurar-se ser improcedente a referida nulidade invocada pelo MP, já que embora não estando formalmente autonomizada a especificação dos factos julgados provados e apesar da irregularidade da falta de discriminação dos mesmos, se colhe daquela fundamentação que a sentença teve como assente que a revogação da isenção ocorreu em 15/3/2003, que foi instaurada execução para cobrança da dívida exequenda em 5/6/2008 e que tal factualidade se mostra suficiente para a apreciação da questão do recurso.
Mas, não.
Com efeito, a questão colocada no recurso é, como decorre das respectivas Conclusões, a de saber se o prazo de prescrição (8 anos) se inicia a partir da data da prática do facto tributário (que a recorrente sustenta ser a data em que se procedeu à outorga da escritura de compra e venda, não tendo então sido liquidada a sisa em virtude de o referido prédio se destinar a revenda) ou se inicia, como concluiu a sentença, a partir da data em que ocorreu a revogação da isenção da sisa.
Ora, a factualidade atinente a tais datas, nomeadamente à data em que se efectivou a alegada transmissão, não se encontra fixada na sentença recorrida, apesar de ser imprescindível para a apreciação de uma das soluções de direito plausíveis, sendo certo que o nº 2 do art. 722º do CPC, apenas permite ao Supremo controlar ou sindicar o erro na apreciação da prova documental, mas não já julgar os factos documentados, em 1º grau de jurisdição (cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. VI, Notas aos arts. 721º e 722º), e mesmo assim, só no caso de “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, o que não é o caso.
Impõe-se, deste modo, a anulação da decisão e a baixa dos autos ao tribunal “a quo", a fim de que este proceda ao necessário julgamento da matéria de facto, determinando os factos que julgar provados, em ordem à respectiva solução de direito que considerar aplicável, ficando, consequentemente, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso.
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância, para efeito do acima determinado.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2011. – Casimiro Gonçalves (relator) – Dulce Neto – Alfredo Madureira.