Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:086/13
Data do Acordão:04/17/2015
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:MOVIMENTO DE MAGISTRADOS
PROMOÇÃO
FALTA POR DOENÇA
LICENÇA SEM VENCIMENTO
PENA DE TRANSFERÊNCIA
PRESCRIÇÃO
Sumário:I – A divulgação do «anteprojecto» de um Movimento de Magistrados no SIMP, com a advertência de que poderiam ser apresentados comentários e sugestões sobre o mesmo, e a divulgação posterior do respectivo projecto final elaborado «na sequência dos comentários apresentados», constitui um modo aceitável de habilitar os interessados a participarem na formação do acto final;
II – Considerada apta pela Junta Médica da CGA, a Magistrada deveria regressar ao serviço por trinta dias consecutivos sob pena de passar à situação de licença sem vencimento de longa duração;
III – Encontrando-se a Magistrada aqui autora nesta situação, o CSMP não podia promovê-la à categoria seguinte;
IV – A pena de transferência aplicada à Magistrada pelo CSMP, é executada, por regra, pela deliberação do CSMP que concretiza a comarca para onde a arguida é transferida;
V – Essa pena, se aplicada em 11.09.2009, não estava prescrita quando o CSMP, em 14.07.2010, concretizou a comarca para onde a arguida seria transferida;
VI – A prescrição não ressurgiu pelo facto da arguida, após o acto concretizador, se ter mantido ausente do serviço até 10.09.2012, data em que «tomou posse» na comarca indicada.
Nº Convencional:JSTA00069153
Nº do Documento:SAP20150417086
Data de Entrada:11/26/2014
Recorrente:A...
Recorrido 1:CSMP
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC STA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM GER - ESTATUÁRIO
Legislação Nacional:CONST89 ART20 ART267 N5.
CPTA02 ART1.
CPA91 ART8 ART100 ART103 N1 C.
CPC13 ART3 ART195 ART427 ART615 N1 D.
EMP ART190 B.
DL 100/99 DE 1999/03/31.
Referências Internacionais:CEDH ART6
Jurisprudência Nacional:AC STJ PROC03B1816 DE 2003/10/09.; AC STJ PROC05B840 DE 20015/05/12.; AC STAPLENO PROC034852 DE 2002/02/21.; AC STAPLENO PROC036001 DE 1997/12/17.; AC STA PROC0469/07 DE 2007/11/28.; AC STA PROC01260/05 DE 2006/06/07.; AC STA PROC0201/02 DE 2002/11/07.; AC STA PROC046862 DE 2005/03/10.; AC STA PROC046570 DE 2004/06/02.
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA - IN RLJ ANO122 PAG112.
ALBERTO DOS REIS - COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CÍVIL VOLV PAG143.
RODRIGUES BASTOS - NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CÍVIL VOLIII 1972 PAG228.
CJA N12 PAG3-18.
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A……………, identificada nos autos, vem recorrer para o Pleno da Secção Administrativa deste Supremo Tribunal Administrativo [STA] do acórdão de 15.05.2014, da Secção, que julgou improcedente a acção especial que intentou contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO [CSMP].

Nessa acção administrativa especial, a autora, Magistrada do Ministério Público, impugna a deliberação do CSMP de 10.07.2012 - que aprovou o Movimento Extraordinário de Magistrados do MP e «não a promoveu» a Procuradora da República no Tribunal Administrativo e Fiscal do …….. [TAF/…….], lugar para o qual havia sido provida por concurso - e o acto pelo qual foi transferida para a comarca de ……... Mais pede a condenação desse Conselho a promovê-la à dita categoria de Procuradora e a colocá-la no TAF/……….. com efeitos reportados a 01.09.2012.

Conclui assim as suas alegações:

1- A Autora não foi notificada dos documentos de folhas 96 a 107 verso, sendo certo que o conteúdo do que consta a folhas 96 a 104 determinou fosse dado como provado que ao contrário do alegado pela Autora, existia uma acta do CSMP que titulava a deliberação impugnada;

2- E o conteúdo de folhas 105 a 107 verso que fosse dado como provado que «Em 14.07.2010, o Plenário do CSMP, em execução dessa deliberação punitiva, determinou a transferência da Autora para a comarca de ………»;

3- Pelo que o Tribunal a quo julgou tais factos sem que previamente tivesse facultado à Autora o contraditório, relativo ao meio de prova que, à luz da decisão, o suportava;

4- O que viola o disposto nos artigos 20º da CRP, 6º da CEDH, 3º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA, e 5º do CPTA, e configura nulidade por excesso de pronúncia – ver artigo 615º, nº1 alínea d) in fine, do CPC;

5- Não consta do processo administrativo qualquer documento que contenha o fundamento pelo qual o Réu publicou o anteprojecto e projecto de Movimento dos Magistrados, justificando tal publicação como forma de dar cumprimento ao disposto no artigo 103º, nº1, alínea c), do CPA;

6- Pelo que, na ausência de fundamentação administrativa para tal, não pode o Tribunal suprir essa falta avançando os fundamentos pelos quais, em seu elevado critério, a mesma não foi realizada;

7- De facto, o direito de audiência prévia constitui direito análogo aos direitos, liberdades e garantias – ver artigos 17º e 18º da CRP - pelo que a sua preclusão, deve ser fundamentada, nos termos do disposto no artigo 124º, nº1, alínea a), do CPA;

8- Não o tendo sido, foi violado o disposto nos artigos 267º, nº5, da CRP, e 8º e 100º e seguintes do CPA;

9- A doença de que a Autora sofre está incluída nas doenças incapacitantes previstas no artigo 49º do DL nº100/99, de 31.03, e no Despacho Conjunto nºA-179/89-XI, de 12.09.1989;

10- Pelo que, nos termos do artigo 49º, nº1, do DL nº100/99, a Junta Médica da ADSE pode justificar faltas até 36 meses;

11- A Autora começou a faltar em 07.09.2009, pelo que só em 07.09.2012 se cumpririam os trinta e seis meses findos os quais poderia passar a situação de licença sem vencimento;

12- Pelo que foram violados os artigos 47º e 49º do DL nº100/99, de 31.03;

13- A pena de transferência foi aplicada à Autora em 11.09.2009, pelo que em 10.09.2012, data em que tomou posse na Comarca para a qual foi transferida, já estava prescrita;

14- Pelo que foi violado o artigo 190º, alínea b), do EMMP.

Termina pedindo a declaração de nulidade do acórdão recorrido, ou então a sua revogação, com a procedência da acção administrativa especial.

2. O CSMP contra-alegou, concluindo assim:

1- O douto acórdão recorrido não enferma da nulidade que a recorrente lhe atribui, e ao decidir que os actos impugnados não enfermam dos vícios que a ora recorrente lhes atribui, e julgar a acção improcedente, fez correta interpretação e aplicação das normas legais e regulamentares aplicáveis, e não incorreu em qualquer erro de julgamento;

2- O excesso de pronúncia gerador da nulidade prevista na 2ª parte da alínea d) do nº1 do dito artigo 615º CPC só tem lugar quando o juiz conhece de pedidos, causas de pedir ou excepções de que não podia tomar conhecimento;

3- No caso dos autos, a alegada omissão de notificação à autora de documentos juntos ao processo, não configura tal nulidade podendo apenas configurar a omissão de um acto que a lei prescreve, a qual, a considerar-se que o acto omitido era essencial para a decisão, constituía a nulidade processual do tipo previsto no artigo 195º, nº1, do CPC, a arguir perante o tribunal que omitiu o acto [artigo 199º nº1 do CPC], no prazo de 10 dias [artigo 149º do CPC];

4- Por isso, no douto acórdão recorrido não se cometeu a invocada nulidade de excesso de pronúncia, e mesmo relativamente à alegada violação do princípio do contraditório, a existir, encontra-se sanada, por não ser de conhecimento oficioso e por não ter sido arguida tempestivamente perante a Secção de Contencioso Administrativo desse Supremo Tribunal;

5- A audiência prévia consagrada na CRP e no artigo 100º e seguintes do CPA que a recorrente diz terem sido violados, não tem lugar nos casos previstos nas alíneas do nº1 do artigo 103º do CPA, entre os quais «quando o número de interessados seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável» - alínea c);

6- A realização dos Movimentos de Magistrados do Ministério Público, que envolvem centenas de interessados e uma multiplicidade de actos, enquadra-se na situação especialmente prevista no artigo 103º, nº1, alínea c), do CPA, que dispensa a audiência prévia;

7- E ainda assim, a garantia da audiência prévia é assegurada pela divulgação no site da PGR e no SIMP do Anteprojecto e do «Projecto Final do Movimento» no qual se antecipam as decisões dirigidas às pretensões concretas de todos e cada um dos Magistrados envolvidos;

8- Conforme entendimento reiterado da jurisprudência, nos casos do nº1 do artigo 103º do CPA a solução legal impõe-se de forma objectiva, pelo que a inexistência de audiência dos interessados decorre imediatamente da lei, não carecendo de fundamentação como pretende a recorrente;

9- De qualquer modo, sucede desde logo que a recorrente não invocou tal vício na petição inicial, pelo que o mesmo não está abrangido no objecto da causa, e por isso no douto acórdão recorrido não se conheceu nem se podia conhecer dessa questão, tal como dele se fez constar;

10- Por isso, em qualquer caso, o douto acórdão recorrido não incorreu em qualquer erro de julgamento ao julgar improcedente a alegação da recorrente no sentido de que a deliberação do CSMP de 10.07.2012 enferma de vício de forma por preterição do direito de audição prévia, em violação dos artigos 276º, nº5, da CRP, 8º e 100º e seguintes do CPA;

11- Também não lhe assiste razão quando alega que a deliberação do CSMP de 10.07.2012 violou os artigos 47º e 49º do DL nº100/99, de 31 de Março, por tê-la considerado na situação de licença sem vencimento;

12- Desde logo a recorrente não demonstrou que a doença de que padece «está incluída no artigo 49º do DL nº100/99, de 31 de Março, e no Despacho Conjunto nºA-179/89-XI, de 12 de Setembro de 1989», o que nunca foi reconhecido quer pela Junta Médica da ADSE, quer pela Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações [CGA];

13- E por isso, o prazo máximo de ausência por motivo de doença é o previsto no artigo 47º nº1 do DL nº100/99, ou seja, 18 meses, cujo termo final ocorreu, na hipótese mais favorável à recorrente, no primeiro dia após a sua notificação da decisão da Junta Médica de Recurso da CGA, datada de 21.09.2011;

14- Mas sucede ainda que mesmo que a recorrente pudesse beneficiar da prorrogação do prazo de faltas por doença para 36 meses, nos termos do artigo 49º, nº1, do DL nº100/99, este prazo, que unicamente respeita à possibilidade daquela junta médica justificar «faltas por doença», deixaria de interessar e de contar a partir do momento em que a recorrente foi submetida à junta médica da CGA;

15- E como a recorrente foi submetida a junta médica da CGA, e subsequentemente a junta de revisão, que a considerou incapaz para o serviço, tendo sido notificada dessa decisão em 11 de Outubro de 2011, mas não regressou ao serviço por 30 dias consecutivos, passou de imediato e automaticamente à situação de licença sem vencimento, por aplicação da norma do artigo 47º nº5 do DL nº100/99;

16- Por isso, à data da impugnada deliberação de 10.07.2012 a recorrente não se encontrava em condições de ser promovida, porque se encontrava na situação de licença sem vencimento de longa duração, que apenas foi interrompida no dia 07.09.2012 quando a recorrente se apresentou ao serviço;

17- E daí que o douto acórdão recorrido também não incorreu em qualquer erro de julgamento ao julgar improcedente a alegação da recorrente na parte em que atribuiu à impugnada deliberação de 10.07.2012 o vício de violação de lei por pretensa afronta aos artigos 47º e 49º do DL nº100/99, de 31.03;

18- Finalmente, a recorrente também não tem razão quando alega que a pena de transferência, que lhe tinha sido aplicada em 11.09.2009, quando foi executada já se encontrava prescrita pelo decurso do prazo de prescrição previsto no artigo 190º, alínea b), do EMP, norma que afirma ter sido violada;

19- Esse prazo conta-se a partir da data em que a decisão se tornou inimpugnável, o que sucedeu em 02.06.2011, data do trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Pleno do STA que julgou improcedente a Acção Administrativa Especial nº1198/09, interposta pela recorrente para impugnação da decisão punitiva;

20- Mas até sucedeu que, entretanto, em 14.07.2010, o Plenário do CSMP, dando execução àquele acto punitivo, no âmbito do movimento anual de magistrados do Ministério Público procedeu à colocação da recorrente no Tribunal da Comarca de ……….., notificando-a em 19 de Julho de 2010;

21- Sucedeu, porém, que a recorrente não se apresentou na Comarca de ……… para tomar posse e aí iniciar o seu exercício de funções, tendo-se ausentado do serviço [anterior, na comarca de ……….], a partir de 07.09.2009, justificando essa ausência com atestado médico;

22- E só voltou a apresentar-se ao serviço em 07.09.2012, na Procuradoria-Geral Distrital do ………, onde foi esclarecida de que deveria apresentar-se na comarca de ……….., porque era aí que estava colocada - pela deliberação do CSMP de 14.07.2010 - o que a recorrente finalmente fez, no dia 10.09.2012, possibilitando então a sua tomada de posse naquela comarca;

23- Portanto, se entre 19.07.2010, data da notificação da decisão sobre a comarca para onde havia sido transferida, e 10.09.2012, data da aceitação do lugar, a execução da pena não ficou completa, tal deve-se, unicamente, à ausência da recorrente que, durante esse período, nunca se apresentou ao serviço, não tendo, por isso, tomado posse do lugar;

24- Pois o CSMP praticou, atempadamente, todos os actos necessários à execução da pena, vindo essa execução a ficar completa na data de 10.09.2012, com o acto de aceitação do lugar por parte da recorrente;

25- E por isso a pena de transferência não prescreveu, pelo que o douto acórdão recorrido não incorreu em qualquer erro de julgamento ao julgar improcedente a correspondente alegação da recorrente;

26- E assim, falece a razão à recorrente relativamente a tudo o que pede na presente acção, pelo que o douto acórdão recorrido, ao julgar a acção totalmente improcedente, decidiu em conformidade com o direito, sendo improcedente a alegação da recorrente, tanto na parte em que invoca a nulidade do douto acórdão, como na parte em que pretende convencer que nele se incorreu em erro de julgamento, pelo que deverá ser mantido integralmente.

Termina pedindo que seja negado provimento ao presente recurso jurisdicional.

3. A Secção, pronunciando-se nos termos do artigo 617º nº1 do CPC, terminou não reconhecendo a existência da nulidade que a recorrente imputa ao acórdão recorrido.

4. Colhidos os «vistos» legais, cumpre apreciar e decidir o recurso.

II. De Facto

A matéria de facto que o acórdão recorrido considerou pertinente e provada é a seguinte:

1- A autora é Procuradora-Adjunta;

2- Em 11.09.2009, o Plenário do CSMP, indeferindo reclamação da autora, manteve a pena disciplinar de transferência que a Secção Disciplinar do CSMP lhe aplicara;

3- Em 14.07.2010, o Plenário do CSMP, em execução dessa deliberação punitiva, determinou a transferência da autora para a comarca de ……….;

4- Para notificação do acto de 14.07.2010, foram enviados à autora e ao seu mandatário forense ofícios datados, respectivamente, de 19.07.2010 e de 21.07.2010, cujas cópias constam de folhas 128 e 129 dos autos;

5- Em 04.08.2010, a autora fez entrar no CSMP um requerimento, datado de 30.07.2010, em que solicitou o protelamento da deliberação que a transferira para ……….. - conforme cópia de folhas 130 e 131 dos autos;

6- Em 14.06.2012, o CSMP fez publicar na 2ª Série do DR o «aviso» de que, em 10.07.2012, haveria um «movimento extraordinário de magistrados do Ministério Público», que abrangeria «eventuais promoções a Procurador da República», aviso esse que também constou do Sistema de Informação do Ministério Público [SIMP];

7- Em 29.06.2012 e em 05.07.2012, o CSMP fez publicar no SIMP, respectivamente, o «anteprojecto» e o «projecto final» desse «movimento»;

8- Esse «projecto final» dizia que a autora «não se encontrava em condições de ser promovida a Procuradora da República, porquanto, face a informação entretanto obtida, a mesma deve ser considerada como estando em situação de licença sem vencimento de longa duração [artigo 47º, nº5, do DL nº100/99, de 31.03]».

9- Em 10.07.2012, o CSMP aprovou o referido movimento extraordinário - que foi publicado na 2ª Série do DR de 27.08.2012- e que não contemplou a promoção da autora a Procuradora da República;

10- A essa deliberação de 10.07.2012 corresponde a acta cuja cópia consta de folhas 96 a 104 dos autos;

11- Em 07.09.2009, a autora iniciou um período de faltas por doença;

12- Em 08.04.2010, ela requereu a sua aposentação, por incapacidade [facto concedido no artigo 33º da alegação da autora];

13- Em 22.04.2010, a autora foi submetida a junta médica da ADSE, a qual preconizou a submissão dela à junta médica da CGA;

14- Em 22.10.2010, a junta médica da CGA considerou que a autora não estava incapaz para o exercício de funções;

15- Em 15.12.2010, a autora requereu a realização de junta médica de revisão;

16- Em 13.09.2011, essa junta médica de revisão, da CGA, confirmou a pronúncia de 22.10.2010;

17- A autora foi notificada em 11.10.2011 do resultado da junta médica de revisão;

18- Entretanto, em 03.05.2011, a autora compareceu perante nova junta médica da ADSE, que determinou que ela fosse novamente submetida à junta médica da CGA;

19- A CGA recusou a realização dessa nova junta médica, ante o já decidido em 13.09.2011;

20- Em 10.09.2012, e regressando ao serviço, a autora tomou posse como Procuradora-Adjunta na comarca de ……….

III. De Direito

1. A recorrente discorda do acórdão recorrido, e imputa-lhe «nulidade» [conclusões 1ª a 4ª] e «erros de julgamento de direito» [conclusões 5ª a 14ª].

Ao conhecimento dessa nulidade e destes erros de julgamento se reduz, pois, o «objecto» do presente recurso para este Pleno da Secção Administrativa.

2. Alega a recorrente que não foi notificada de dois documentos juntos pelo réu a folhas 96 a 107 dos autos, sendo certo que com base neles foram dados como provados os factos constantes dos pontos 3 e 10 da matéria de facto assente.

Entende que o contraditório sobre tais documentos era devido por aplicação do «princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva» [artigo 20º CRP], por imposição do «direito a um processo equitativo» [artigo 6º da CEDH] e por imposição do «princípio do contraditório» [artigo 3º, do CPC, ex vi 1º, do CPTA], sendo que a sua não efectivação no caso conduz à «nulidade do acórdão por excesso de pronúncia», por aplicação do artigo 615º, nº1 alínea d) «in fine», do CPC [ex vi artigo 1º do CPTA].

Subjaz à alegação da recorrente, pois, o entendimento de que julgar factos com base em documentos não notificados à contraparte, e, por isso, não submetidos a contraditório, traduz «excesso de pronúncia» sancionado com a nulidade.

Constatamos, efectivamente, que com as suas alegações escritas o CSMP juntou aos autos dois documentos: - cópia certificada de «extracto da acta nº17/2012, de 10.07.2012», relativa a sessão do Plenário do CSMP [folhas 96 a 104 dos autos]; - e cópia certificada de «extracto da acta nº19/2010 de 14.07.2010», e referente a sessão do mesmo Plenário [folhas 105 a 107 dos autos].

E constatamos, ainda, que no ponto 3 da factualidade provada, que repetimos, se consignou o seguinte facto: «Em 14.07.2010, o Plenário do CSMP, em execução dessa deliberação punitiva [de 11.09.2009], determinou a transferência da autora para a comarca de ……….»; e no ponto 10 do mesmo acervo factual provado se exarou o seguinte: «A essa deliberação de 10.07.2012 corresponde a acta cuja cópia consta de folhas 96 a 104 dos autos».

É evidente, assim, que pelo menos para o ponto 10 do acervo factual provado o primeiro daqueles dois documentos foi fundamental.

Acontece, porém, que o entendimento que a ora recorrente tem desta situação, sobretudo a repercussão jurídica que dela pretende retirar, não estão correctas.

Na verdade, o «excesso de pronúncia» proibido pelo artigo 615º, nº1 alínea d), do CPC, aplicável supletivamente ao contencioso administrativo por remissão do artigo 1º do CPTA, consiste no conhecimento de questões de que o tribunal não podia tomar conhecimento. E essas questões, como resulta do artigo 608º, nº2 «a contrario», do CPC, são aquelas que não foram suscitadas pelas partes nem são de conhecimento oficioso do tribunal.

A noção de questão, para este efeito, é reservada às pretensões formuladas no processo, que requerem a decisão do tribunal, bem como aos pressupostos de ordem geral, ou específicos de certo acto, quando debatidos entre as partes [ver, entre outros, Antunes Varela, RLJ, Ano 122º, página 112; Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, volume V, página 143; e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228; AC STJ de 09.10.2003, Rº03B1816; AC do STJ de 12.05.2005, Rº05B840; AC do STA/Pleno de 21.02.2002, Rº034852; AC STA de 02.06.2004, Rº046570; e AC do STA de 10.03.2005, Rº046862].

Assim, e em princípio, só quando o tribunal conhece de pedidos, de causas de pedir, ou de excepções, de que não podia tomar conhecimento, pois não foram suscitadas pelas partes nem eram de conhecimento oficioso, é que se verifica o «excesso de pronúncia» indutor de nulidade do acórdão.

Ora, neste caso, ao levar em consideração pelo menos um dos documentos que foram juntos aos autos pelo CSMP, aquando das suas alegações escritas, sem antes ter notificado a autora, permitindo-lhe reagir à junção dos documentos ou impugnar a sua genuinidade, o tribunal não conheceu de uma questão proibida, antes terá omitido uma notificação devida [ver artigos 526º do CPC, em vigor ao tempo da junção, e actual 427º do CPC, ex vi 1º do CPTA].

A recorrente caracterizou, portanto, indevidamente, a omissão de acto que a lei prescreve, passível de configurar uma «nulidade processual» [artigo 195º, nº1, do CPC ex vi 1º do CPTA], como «nulidade substantiva» contaminadora do acórdão recorrido, sendo certo que aquela nulidade, para poder funcionar, teria de ser susceptível, em concreto, «de influir no exame ou na decisão da causa».

Não estamos pois, como é patente, face a uma diferente qualificação da mesma realidade, mas perante realidades distintas, pelo que se impunha à recorrente a respectiva arguição da «nulidade processual». E, não o tendo feito, não poderá o tribunal conhecê-la.

Quanto à nulidade efectivamente invocada, por excesso de pronúncia, impõe-se a este Pleno apenas julgá-la improcedente.

3. Relativamente ao vício de «preterição de audiência prévia» que foi apontado pela autora à «deliberação de 10.07.2012», que não a promoveu a Procuradora da República, diz-se no acórdão recorrido o seguinte:

[…]

«E também soçobra a denúncia de que o mesmo acto não foi antecedido pela audiência prévia dos interessados, assim se violando o disposto nos artigos 276º, nº5, da CRP, e 8º e 100 e ss. do CPA. Com efeito, o processo instrutor mostra que, tanto o anteprojecto, como o projecto do Movimento de Magistrados 2012 - que integraria as promoções que o acto efectivou - foram publicitados no SIMP [Sistema de Informação do Ministério Público], precisamente para que os Magistrados envolvidos se pronunciassem, querendo, sobre a deliberação a tomar pelo CSMP. Dado o elevado número e, até, a indeterminação dos Magistrados directa ou indirectamente afectados pelo dito movimento, justificava-se o modus faciendi seguido pelo CSMP. Na verdade, a realização de audiências individualizadas era dificilmente praticável, de modo que a utilização do SIMP para aquele efeito constituía a forma mais adequada de, face às circunstâncias, habilitar os interessados a participarem na formação do acto a proferir. Sendo assim, o caso enquadra-se perfeitamente na hipótese prevista no artigo 103º nº1 alínea c) CPA, mostrando-se o acto imune ao vício correspondentemente arguido.»

[…]

Entende a recorrente que este julgamento está errado, porque, diz, a preclusão de audiência prévia tem de ser sempre fundamentada. Isto é, mesmo que deva o presente caso ser enquadrado na hipótese da alínea c) do nº1 do artigo 103º do CPA, teria o CSMP de fundamentar esse enquadramento.

Cremos que não lhe assiste razão.

O direito de audiência prévia previsto nos artigos 100º a 103º do CPA concretiza o direito, constitucionalmente consagrado [artigo 267º, nº5, CRP], da participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito.

O seu cumprimento assegura aos respectivos cidadãos tutela preventiva contra lesões dos seus direitos e interesses, e contribui para maior acerto das decisões administrativas, pois permite, a quem tem de decidir, melhor conhecimento das realidades. Daí que a «audiência prévia no procedimento administrativo» possa ser encarada, também, como princípio estruturante da actividade administrativa [ver, a respeito, AC STA/Pleno de 17.12.97, Pº36001, anotado in «Cadernos de Justiça Administrativa», nº12, páginas 3 a 18].

Por isso, e como já disse este STA, «mesmo que não se considere o direito de audiência como direito com natureza análoga a um direito fundamental […], em sintonia com o princípio da máxima efectividade das normas constitucionais que impõe que lhes seja atribuído o sentido que lhes der maior eficácia […], aquele direito não poderá deixar de ser assegurado sempre que não seja de afastar a possibilidade da decisão do procedimento administrativo ser influenciada pela intervenção do interessado e não haja outros valores constitucionalmente relevantes que se lhe oponham, designadamente os que estão subjacentes às situações previstas no nº1 do artigo 103º do CPA» [AC STA de 07.06.2006, Rº01260/05].

Efectivamente, o artigo 103º do CPA prevê, no seu nº1, causas de «inexistência de audiência prévia» de interessados, causas essas que devem ser objectivas, e que relevam do exercício de um poder administrativo estritamente vinculado.

O caso concreto da «inexistência de audiência prévia», previsto na alínea c) do nº1 desse artigo 103º, visa preservar objectivos indeclináveis de praticabilidade e utilidade na observância da mesma, naquelas situações em que eles resultam postos em causa face ao elevado número de interessados na decisão final, caso tal audiência fosse cumprida a todo o custo.

Esta impraticabilidade não terá, assim, de ser absoluta. É uma impraticabilidade que resulta «…do compromisso da utilidade da audiência para os fins do procedimento, não só por razões de morosidade mas de agravamento complexivo do procedimento decisório, em face da interdependência e multiplicidade das questões que possam ser levantadas por um número elevado de candidatos» [ver AC STA de 07.11.2002, Rº0201/02; e, no mesmo sentido, AC STA de 28.11.2007, Rº0469/07].

Deste modo, a «inexistência de audiência prévia» prevista na alínea c) do nº1 do artigo 103º do CPA não resulta, nem pode resultar, de uma qualquer opção pela economia ou simplicidade processual emergente de uma avaliação mais ou menos subjectiva feita pelo órgão instrutor, antes terá de se louvar na efectiva impraticabilidade deste reconsiderar individualmente a situação de cada um dos interessados na decisão final, devido ao seu elevado número.

Este ajuizamento, quantitativo e causal, sobre o número «de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável», não o entrega a lei ao órgão instrutor, como faz no caso da «dispensa de audiência de interessados» prevista no nº2 do mesmo artigo 103º. Trata-se de um juízo que, perante o dado objectivo do «número elevado de interessados», deverá ser imposto pelo próprio bom senso e não provir do exercício de qualquer poder discricionário.

E, sendo assim, muito embora nada impeça, antes tudo aconselhe, que o órgão instrutor declare expressamente que no caso «inexiste audiência prévia», não se lhe impõe tal declaração, e muito menos a respectiva fundamentação, como pretende a recorrente, porque a inexistência da audiência resulta da própria lei.

Perante um procedimento como o debatido nesta acção e recurso, que envolve um universo de centenas de magistrados do Ministério Público, não se impunha pois, ao CSMP, que enquadrasse expressamente o caso na alínea c) do nº1 do artigo 103º do CPA, e que explicitasse as razões por que o fazia.

Impunha-se-lhe, somente, e nos termos da parte final dessa alínea c), que, se possível, procedesse a consulta pública «pela forma mais adequada».

Ora, ao divulgar o «anteprojecto» do Movimento Extraordinário de Magistrados 2012 no SIMP, em 29.06.2012, com a advertência de que até às 24H00 do dia 02.07.2012 poderiam ser apresentados «comentários e sugestões» sobre esse movimento e respectivas promoções, fornecendo para tal o respectivo endereço electrónico, e ao divulgar o projecto final em 05.07.2012, esclarecendo que foi elaborado «na sequência dos comentários apresentados», e informando que o mesmo iria ser submetido a apreciação e a aprovação na sessão do Plenário do CSMP, agendada para o dia 10.07.2012, com expressa referência à razão pela qual a agora recorrente «não se encontrava em condições de ser promovida a Procuradora da República» [pontos 7 e 8 do provado], cremos que o CSMP cumpriu de forma bastante e adequada a consulta pública que, por ser possível, atentos os meios tecnológicos existentes, se lhe impunha.

Não restam dúvidas, pois, que o Plenário do CSMP, ao deliberar em 10.07.2012 a aprovação das promoções a Procurador da República constantes do «projecto final», não o fez preterindo a audiência prévia dos interessados.

Ao assim entender, o acórdão recorrido, da Secção, fez correcta interpretação e aplicação do artigo 103º nº1 alínea c) do CPA, razão pela qual deve ser julgado improcedente esse erro de julgamento que lhe vem imputado.

4. Por fim, entende a recorrente que o acórdão recorrido erra na interpretação e aplicação dos «artigos 47º e 49º do DL nº100/99, de 31.03», e «artigo 190º, alínea b), do Estatuto do Ministério Público» [EMP].

Da ponderação do projecto final, e sua aprovação pela deliberação impugnada, de 10.07.2012 [pontos 8 a 10 do provado], podemos concluir que o CSMP se absteve de promover a recorrente a Procuradora da República com base no pressuposto de que «não se encontrava em condições de ser promovida» por estar «na situação de licença sem vencimento de longa duração [artigo 47º, nº5, do DL nº100/99, de 31.03]».

Ela, enquanto autora, entende que esse pressuposto é «errado», porque, tendo começado a faltar ao serviço em 07.09.2009 [ver ponto 11 do provado], por sofrer de doença que se incluiria no rol definido no «despacho conjunto» a que alude o artigo 49º nº2 do DL nº100/99, de 31.03, podia faltar justificadamente durante 36 meses [ver artigos 38º, nº1, e 49º, nº1, do DL nº100/99, de 31.03]. E, assim, a sua passagem automática à situação de licença sem vencimento de longa duração era questão que ainda não se colocava em 10.07.2012.

O acórdão recorrido julgou improcedente este alegado vício do acto impugnado, com base no seguinte julgamento:

[…]

Mas é flagrante que ela não tem razão; pois, mesmo que a doença da autora se incluísse no mencionado rol, não se extrairia daí a consequência que ela preconiza.

Com efeito, a prorrogação prevista no artigo 49º, nº1, do DL nº100/99, apenas significa que a junta médica da ADSE, em vez de justificar as faltas por doença «até ao limite de 18 meses» [artigo 38º, nº1], poderá fazê-lo até ao limite de 36 meses. Mas é claro que este prazo, que unicamente respeita à possibilidade daquela junta médica justificar «faltas por doença», deixa de interessar e de contar a partir do momento em que o faltoso seja submetido à junta médica da CGA - já que, a partir daí, as coisas passam a resolver-se num diferente plano [ver artigo 48º do DL nº100/99]. Com efeito, os prazos máximos unicamente aplicáveis à fase da justificação das faltas não podem transpor-se para uma fase procedimental distinta, onde se vai averiguar da possibilidade de aposentação do faltoso; pois seria incompreensível que o prazo legal pensado para uma situação, entretanto terminada, vigorasse ainda relativamente a outra, que se lhe seguiu.

Ora, a autora foi - a seu pedido, como ela confessa no artigo 33º da alegação - sujeita à junta médica da CGA que, em 22.10.2010, não a considerou incapaz para o serviço; e a junta médica de revisão, que a autora requereu, confirmou esse veredicto - de que ela foi notificada em 11.10.2011, conforme admite no artigo 25º da petição inicial.

Portanto, a aplicação do artigo 47º, nº5, do DL nº100/99, que imediatamente antecede a possibilidade de se entrar na situação de licença sem vencimento de longa duração, haveria de reportar-se a esta última data [11.10.2011] - e nunca a 07.09.2012, como a autora pretende. E é de assinalar a irrelevância, para o efeito, da autora, após a pronúncia da junta médica da CGA, ter voltado a ser submetida a outra junta médica da ADSE.

Repare-se que a autora não questiona a interpretação que, aparentemente, o CSMP fez desse artigo 47º, nº5, e que é a seguinte: o funcionário que a junta médica da CGA considere apto tem de regressar ao serviço por 30 dias consecutivos, sem entretanto adoecer; porque, se adoecer nesses dias, passará de imediato à situação de licença sem vencimento. E, não estando esta interpretação questionada pela autora, isto é, não tendo ela arguido o correspondente erro nos pressupostos de direito, só poderíamos afirmar que a autora evitaria a passagem automática à situação de licença sem vencimento se fosse certo que ela, a partir de 11.10.2011, voltara ao serviço por um mínimo de 30 dias consecutivos.

Contudo, ela admite que continuou - até à prática do acto e mesmo depois disso - fora do serviço. Donde se conclui que o acto não errou, de facto ou de direito, ao pressupor que a autora, em 10.07.2012, estava na situação de licença sem vencimento de longa duração, o que impedia que o CSMP a promovesse.

A recorrente discorda, porque entende que a junta médica da ADSE lhe poderia justificar faltas por doença até 07.09.2012, altura em que completava «o prazo máximo de ausência» permitido pelo artigo 49º nº1 do DL nº100/99, de 31.03. Só nessa data é que poderia, diz, passar à «situação de licença sem vencimento de longa duração».

Mas a sua discordância faz pouco sentido.

Na verdade, para além das razões que são apresentadas no acórdão da Secção, que aqui subscrevemos, importa salientar que o artigo 48º, do DL nº100/99, de 31.03, sob a epígrafe de «Submissão à junta médica da Caixa Geral de Aposentações no decurso da doença», estipula que «O funcionário ou agente pode, no decurso da doença, requerer a sua apresentação à junta médica da Caixa Geral de Aposentações, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto, respectivamente, nos artigos 47º e 45º, conforme os casos» [o artigo 45º diz respeito ao «fim do prazo de faltas por doença do pessoal contratado em regime de contrato administrativo de provimento»].

No presente caso, a recorrente, no decurso da doença, ou seja, em 08.04.2010, requereu a «aposentação por incapacidade», o que envolvia a sua submissão a «junta médica da CGA». E foi isso mesmo que veio a ocorrer em 22.10.2010, tendo sido considerado, por tal junta da CGA, que ela «não estava incapaz para o exercício de funções». Laudo que foi mantido, em 13.09.2011, pela «junta de revisão» da CGA, por ela entretanto requerida.

Da aplicação do artigo 47º, nº5, do DL nº100/99, de 31.03, para a qual remete, no caso, o dito artigo 48º do mesmo diploma, resulta que a partir do momento em que a recorrente foi considerada apta pela junta médica da CGA, passaria à situação de licença sem vencimento de longa duração no caso de não voltar ao serviço por um período mínimo de 30 dias consecutivos. E é patente, como bem se salienta no acórdão recorrido, que isso não aconteceu.

Efectivamente, não faria qualquer sentido, nem isso encontra arrimo na lei, que após o laudo da junta médica da CGA a considerar que a recorrente não estava incapaz para o exercício de funções, ela pudesse continuar, até completar os 36 meses, a não comparecer ao serviço.

Esse limite de 36 meses, decorrente do artigo 49º nº1 do DL nº100/99, apenas vem impor um limite temporal à possibilidade da junta da ADSE justificar faltas por doença aos funcionários e agentes administrativos, na hipótese de o faltoso não requerer durante a doença a sua apresentação a junta médica da CGA, nos termos do artigo 48º do mesmo diploma.

Caso o faça, e como diz o nº2 desse artigo 48º, o requerente é considerado «na situação de faltas por doença, com todos os direitos e deveres à mesma inerentes…até à data da decisão da junta médica da CGA». O que significa, a contrario, que a partir da data do laudo da junta médica da CGA é este a determinar a situação do requerente.

Não se verifica, assim, o erro de julgamento de direito imputado ao acórdão da Secção no tocante à aplicação dos artigos 47º e 49º do DL nº100/99, de 31.03.

A errada interpretação e aplicação do artigo 190º, alínea b), do EMP, tem a ver com o «segundo acto impugnado» pela autora, que o acórdão recorrido, face à vaguidade das alegações, identificou como sendo o da sua tomada de posse em 10.09.2012, como Procuradora-Adjunta na comarca de ……….., sendo certo que esta identificação não foi posta em causa nas conclusões deste recurso.

E relativamente às ilegalidades apontadas a este segundo acto impugnado, foi o seguinte o julgamento da Secção:

[…]

A autora afirma que tal acto é ilegal por dois motivos: porque a invalidade do primeiro acto impugnado impunha que ela fosse promovida em 10.07.2012, facto que impossibilitaria a sua transferência para ………..; e porque tal transferência corresponde à execução de uma pena já prescrita, o que fere o artigo 190º, alínea b), do EMP.

Mas o primeiro desses ataques claudica de imediato, posto que não divisámos, naquele acto de 10.07.2012, nenhuma das ilegalidades que a autora lhe apontara. Assim, só temos de ver se a tomada de posse da autora em 10.09.2012 envolveu a ofensa, pelo CSMP, do estatuído no artigo 190º, alínea b), do EMP.

Esta norma estabelece que a pena disciplinar de transferência prescreve no prazo de um ano a contar «da data em que a decisão se tomou inimpugnável». Independentemente do sentido que atribuamos a esta fórmula, é óbvio que - como atrás assinalámos - a transferência imposta em 14.07.2010 com o fito de executar uma decisão de 11.09.2009 respeitou esse prazo de um ano; pois só o desrespeitaria se, por manifesto absurdo, a decisão exequenda se tornasse «inimpugnável» antes de ser proferida.

Portanto, e através do seu acórdão de 14.07.2010, o CSMP deu execução tempestiva à sanção disciplinar aplicada em 11.09.2009. A autora parece desvalorizar esse facto, colocando o acento tónico na circunstância da execução da pena só se haver completado quando, muito depois daquele ano, tomou posse na comarca de ………... Contudo, o acto de 14.07.2010 seria sempre, no mínimo, um começo de execução; e, sendo-o, interromperia «ipso facto» o prazo prescricional, caso fosse eficaz.

A autora negou esta eficácia, dizendo que o acto de 14.07.2010 nunca lhe foi notificado. Mas, fosse-o ou não - e esta última hipótese só poderia advir do não recebimento dos ofícios remetidos para o efeito - ela mostrou conhecê-lo através do requerimento que levou ao CSMP em 04.08.2010. Assim, até a eventual falta de notificação desse acto é irrelevante [artigo 67º, nº1, alínea b), do CPA], nenhumas dúvidas havendo sobre a eficácia dele; ademais, trata-se de uma eficácia obtida antes de se esgotar o prazo de um ano, previsto no artigo 190º, alínea b), do EMP.

Mas devemos dizer mais. O acto de 14.07.2010 não constitui um débil primeiro passo, por si só irrelevante, de uma execução que haveria de completar-se e cumprir-se depois. É que tal acto definiu deveras como a execução se faria, ou seja, estabeleceu tudo o que era essencial no plano executivo, razão por que logo interrompeu o prazo de prescrição da pena. E é óbvio que essa definição jurídica, bem como o inerente efeito interruptivo, não são afectados por vicissitudes posteriores, advindas do facto da transferência só se concretizar quando a autora tomasse posse em ……….. Ou seja: a circunstância dela se manter, após o acto de 14.07.2010, ausente do serviço, não colaborando na execução predefinida - o que persistiu até 10.09.2012, quando tomou posse em …………. - não trouxe a prescrição duma pena de transferência cuja execução fora tempestivamente estabelecida e levada ao conhecimento da destinatária.

Improcede, portanto, o vício de violação de lei que esteve em apreço.

[…]

Na verdade, pelos ofícios ditos no ponto 4 do provado, com referência expressa ao «processo disciplinar nº 5/2007», visou o CSMP notificar a ora recorrente e o seu mandatário forense, do seguinte: «…que o CSMP, em sessão do dia 14 do corrente mês [Julho de 2010], e em cumprimento da pena disciplinar de transferência, com perda de 60 dias de antiguidade, aplicada por acórdão de 22 de Junho de 2009 [e confirmada pelo acórdão de 11 de Setembro de 2009, que indeferiu a reclamação apresentada], deliberou determinar a sua colocação na comarca de ……….».

E que tal ofício cumpriu o seu desiderato notificativo, ou que, pelo menos, a ora recorrente teve perfeito conhecimento do conteúdo do acto por ele notificado, é conclusão que nos impõe a simples leitura do seu requerimento de 30.07.2010, a que se refere o ponto 5 do provado. Nele se diz que «…em 14 de Julho de 2010, com efeitos a partir de 1 de Setembro do corrente ano, a requerente foi colocada na comarca de ……….. em consequência de aplicação de medida disciplinar de transferência com perda simultânea de 60 dias de antiguidade…».

Temos, pois, como absolutamente adquirido, que a ora recorrente teve perfeito conhecimento da deliberação de 14.07.2010, através da qual o CSMP a colocou na comarca de ………. «em cumprimento da pena disciplinar de transferência» confirmada pelo acórdão de 11.09.2009.

Assim, sendo eficaz a deliberação de 14.07.2010, e não havendo qualquer tipo de problema na determinação do termo «a quo» da contagem do prazo de «um ano» previsto na alínea b) do artigo 190º do EMP, uma vez que, como refere o acórdão da Secção, a decisão nunca se poderia tornar «inimpugnável» antes de ser proferida, tudo se resumirá a saber quando foi ou começou a ser executada a pena disciplinar de «transferência» aplicada à recorrente a 11.09.2009.

Trata-se de «transferência» imposta por decisão disciplinar, cuja execução teria de consistir, necessariamente, na colocação da magistrada sancionada «em cargo da mesma categoria fora da área da circunscrição ou serviço em que anteriormente exercia funções» [artigo 169º do EMP].

Naquilo que respeita ao órgão sancionador CSMP, a «execução da transferência punitiva» limitar-se-ia à prolação de deliberação que colocasse a ora recorrente fora da área da circunscrição ou do serviço em que exercia funções, e sempre como Procuradora-Adjunta. Efectivamente, outros actos, materiais ou jurídicos, tendentes a efectivar esta nova colocação, nomeadamente a tomada de posse, são já actos consequentes desta última deliberação, e não, directamente, actos de execução da pena de transferência.

Se o fossem, note-se, a entidade autora da punição, legitimamente interessada em vê-la executada, restaria refém das vicissitudes ulteriores à sua deliberação de transferência que, sem lhe serem imputáveis, fariam soçobrar por prescrição a pena que ela, diligentemente, procurou fazer cumprir a tempo e horas. E tudo porque, relativamente aos actos de realização concreta da transferência, ela já não tinha o domínio do facto.

Cremos, pois, que a deliberação do CSMP que, invocando cumprimento da pena de transferência aplicada à magistrada ora recorrente, a desloca da comarca de ……… para a comarca de ………., consuma e execução dessa pena, pelo menos para efeitos de evitar a prescrição prevista no artigo 190º, alínea b), do EMP.

Resulta, por conseguinte, que o acórdão recorrido, ao julgar improcedente este vício apontado ao segundo acto impugnado não errou no julgamento de direito.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos no Pleno da Secção Administrativa deste Supremo Tribunal, negar provimento ao recurso jurisdicional interposto por A…………….

Custas pela recorrente.

Lisboa, 17 de Abril de 2015. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Francisco Fonseca da Paz – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – António Bento São Pedro, com a declaração de que procederia à convolação da nulidade por excesso de pronúncia em nulidade processual.