Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0876/10
Data do Acordão:02/24/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IRS
RENDIMENTOS DO TRABALHO AUFERIDOS NO ESTRANGEIRO
RESIDÊNCIA NO ESTRANGEIRO
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
Sumário:I - A remissão para a legislação fiscal interna dos Estados contratantes constante do artigo 4.º, n.º 1 da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para evitar a Dupla Tributação em matéria de Impostos sobre o rendimento e sobre o Capital não deve ser entendida como uma remissão incondicional.
II - O artigo 4.º, n.º 1 da referida Convenção obriga a que a análise da questão da residência seja feita individualmente, pessoa a pessoa, abstraindo da situação familiar do sujeito em causa e estabelece limites à natureza das conexões adoptadas pelas leis dos Estados Contratantes, impondo-se que tais critérios exprimam uma ligação efectiva com o território do Estado.
III - O critério de “residência por dependência” adoptado no artigo 16.º, n.º 2 do Código do IRS, porque não respeita as limitações convencionais ao conceito de residência que os Estados Contratantes podem adoptar, não é fundamento válido para uma pretensão tributária do Estado português em face de um residente na Alemanha que aí tenha obtido no ano em causa todos os seus rendimentos e que não seja tributado nesse país apenas pelo facto de o Estado alemão ser o Estado da fonte dos rendimentos do trabalho.
IV - Abrangendo as declarações de rendimentos dos anos em causa outros rendimentos, mesmo que sujeitos a imposto em Portugal, não podem anular-se apenas parcialmente as liquidações sindicadas dada a indivisibilidade do acto tributário e a natureza de contencioso anulatório da impugnação judicial.
Nº Convencional:JSTA00066825
Nº do Documento:SA2201102240876
Data de Entrada:11/11/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF COIMBRA DE 2010/06/29 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:CIRS88 ART14 ART15 ART16.
CCIV66 ART84.
Referências Internacionais:CONV ENTRE PT E A RFA PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO EM MATÉRIA DE IMPOSTOS SOBRE O RENDIMENTO E SOBRE O CAPITAL ART4 N1 N2 ART6 ART15.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC68/09 DE 2009/03/25.; AC STA PROC882/10 DE 2011/01/12.
Referência a Doutrina:RUI DUARTE MORAIS A RESIDÊNCIA E AS CONVENÇÕES DE DUPLA TRIBUTAÇÃO COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO STA DE 25 DE MARÇO PROC068/09 2SECÇÃO IN RFPDF ANOII N2 VERÃO PAG217-223.
MANUEL FAUSTINO OS RESIDENTES NO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO PESSOAL PORTUGUÊS IN CTF N424 PAG124-125.
Aditamento:
Texto Integral: - Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 29 de Junho de 2010, que julgou totalmente procedente a impugnação deduzida por A…, com os sinais dos autos, contra as liquidações de IRS e juros compensatórios n.ºs 2002 5530051853 e 2002 5530026886, referentes aos anos de 1997 e 1998, apresentando as seguintes conclusões:
1- Discute-se nos autos as liquidações do IRS dos anos de 1997 e 1998, na parte em que se encontram afectadas pelos rendimentos (da categoria A) obtidos pelo impugnante como trabalhador emigrante na Alemanha.
2 - Nesse período, o impugnante esteve ausente de Portugal durante mais de 183 dias mas manteve em território português a habitação, sua e do restante agregado familiar incluindo o seu cônjuge;
3 - Os rendimentos obtidos na Alemanha foram espontaneamente declarados na 1ª declaração familiar, onde consta expressamente que os sujeitos passivos não eram residentes no estrangeiro, sendo certo que o impugnante manteve o seu domicílio fiscal em Portugal;
4 - O art. 4° da Convenção para evitar a dupla tributação internacional entre Portugal e a Alemanha remete a definição de "residente" para a lei interna dos Estados contratantes;
5 - A lei portuguesa, nomeadamente o artº. 84° CC e os artigos 14°, 15° e 16° CIRS, com a redacção então em vigor, consideravam que os contribuintes, mesmo os emigrantes, eram "residentes em território português" se aqui mantivessem habitação em condições que fizessem supor a intenção de a habitar ou aqui mantivesse a residência do outro cônjuge;
6 - Nos termos do DL 463/79, de 30 de Novembro, os contribuintes portugueses devem possuir um "número de identificação fiscal" a que está obrigatoriamente associado um domicilio electivo, designado "domicilio fiscal", normalmente fixado na residência habitual ou, havendo várias, onde o contribuinte repute que se situa a sua estada principal ou o seu "centro de interesses vitais";
7 - Ao optar por não comunicar a sua ausência do território português impugnante manteve o seu domicílio electivo e fiscal em Portugal, que é o primeiro dos critérios referidos no n° 1 do art. 4° da Convenção;
8 - Além disso, o n° 2 do mesmo art. 4° da CDT configura diversas conexões decisivas em caso de competência cumulativa de ambos os Estados contratantes, entre as quais a localização de habitações permanentes à disposição do trabalhador, a localização do centro de interesses pessoais e económicos, a nacionalidade, todos favoráveis à competência tributária de Portugal;
9 - Muito respeitosamente, parece que esta norma nega apoio à interpretação que serve de base à recente jurisprudência do STA que, por sua vez, fundamenta a decisão recorrida;
10 - Por tudo isso, a AT, através do seu oficio-circulado n.° 20.032, de 31/1/2001, a jurisprudência, nomeadamente, no Ac. STA 01211/05, de 15-3-2006, e a doutrina têm entendido que "basta a residência em Portugal, de um dos chefes do agregado familiar, aferido aos critérios do artº. 16° do CIRS, para que esta arraste, por um princípio da atracção da unidade familiar, a residência dos demais (residência por dependência). Assim, por exemplo, o emigrante português que reside efectivamente na Alemanha, mas cuja mulher permanece em Portugal, é aqui sujeito a tributação numa base universal, incluindo portanto os rendimentos obtidos na Alemanha", Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, Tributação das Operações Internacionais, p. 245 e ss;
11 - A conexão ao direito português, resultante do impugnante fazer parte do agregado familiar que tem residência em Portugal, é perfeitamente legítima e compreensível já que, de acordo com o CIRS o verdadeiro sujeito passivo do imposto é o agregado familiar, representado, em comum e sem distinção de quotas, pelas pessoas a quem incumbe a sua direcção e, objectivamente, pelo conjunto dos seus rendimentos.
12 - Na normalidade das situações de emigração, os rendimentos obtidos no estrangeiro justificam-se, como é presumível no presente caso, pelas necessidades do agregado familiar sedeado no território português, a que o impugnante os destina maioritariamente.
Isto é, o sacrifício da deslocação para o estrangeiro, mais ou menos prolongada, visa obter lá os meios que permitam ter uma vida melhor cá. Só não seria exactamente assim se todo o agregado, ou pelo menos as pessoas a quem incumbe a sua direcção, tivesse emigrado.
13 - Donde resulta a respeitosa discordância com o doutamente decidido na sentença recorrida, nomeadamente no que se refere à interpretação a fazer do artigo 15° da CDT e à decisão de anulação das liquidações na parte impugnada;
14 - Até porque, a liquidação (totalmente) anulada pela decisão recorrida inclui, para além dos rendimentos obtidos na Alemanha, outros rendimentos - perfeitamente identificados e quantificados - obtidos em Portugal que, em rigor não estão impugnados (e nessa parte não deveriam estar abrangidos pela condenação de "anulação")
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Exas, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente a presente IMPUGNAÇÃO, ou, subsidiariamente, ordene a anulação parcial das liquidações, limitada à parte em que estas estão afectadas pelos rendimentos obtidos no estrangeiro, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Nos presentes autos suscita-se, desde logo, a questão prévia da incompetência deste Tribunal em razão da hierarquia.
Com efeito e como se constata das conclusões das alegações de recurso de fls. 137 e segs. a Fazenda Pública, vem pôr em causa os juízos de apreciação da prova feitos pelo Tribunal recorrido, manifestando divergência nas ilações de facto retiradas do probatório e afirmando factos que o Tribunal recorrido não estabeleceu na sentença recorrida.
É o que se apura nomeadamente das conclusões 4ª e 12ª, em que a recorrente refere que no período a que se reportam as liquidações do IRS dos anos 1997 e 1998 «o impugnante esteve ausente de Portugal durante mais de 183 dias mas manteve em território português a habitação, sua e do restante agregado familiar incluindo o seu cônjuge» e que «na normalidade das situações de emigração, os rendimentos obtidos no estrangeiro justificam-se, como é presumível no presente caso, pelas necessidades do agregado familiar sedeado no território português, a que o impugnante os destina maioritariamente».
Ora o que sobre esta matéria se deu como provado na sentença recorrida foi tão somente que «o impugnante mantém uma segunda residência em território português, aonde apenas permanece durante o período de 30 dias ao ano, correspondentes ao período de férias (sic, ponto 4, a fls. 105). Note-se que a decisão recorrida procedeu à análise da situação do sujeito passivo numa perspectiva individual, considerando a determinação do país de residência fiscal independentemente da situação conjugal – cf. Decisão recorrida a fls. 121).
Sendo certo que tal matéria factual é da maior relevância, já que, nos termos do artº 4º, nº2 da Convenção celebrada entre Portugal e a Alemanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital, constante da Lei n.º 12/82 de 3/6, quando, por virtude do disposto no n.º 1, uma pessoa for considerada residente em ambos os estados contratantes será considerada residente do estado em que tenha uma habitação permanente à sua disposição. Se tiver uma habitação permanente à sua disposição em ambos os Estados será considerada residente do Estado com o qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais e económicas (centro de interesses vitais).
Verifica-se assim, que é sobre tal questão que a entidade recorrente manifesta divergência com o decidido em sede de matéria de facto, pretendendo daí retirar apoio para a sua fundamentação de direito, nomeadamente para a interpretação do critério de «centro de interesses vitais» adoptado pelo artigo 4.º n.º 2 da Convenção celebrada entre Portugal e a Alemanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital, constante da Lei n.º 12/82 de 3/6.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender que na delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à do Tribunal Central Administrativo deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/05/2002, processo: 0469/02, «para estabelecer a competência do Tribunal, tudo o que importa é saber se vêm alegados factos diferentes dos fixados pela 1.ª instância, ou por contrários, ou por omissos. Afirmados esses factos, para concluir pela incompetência deste Tribunal não importa a sua relevância, ou dos juízos valorativos sobre eles construídos. Basta que as conclusões das alegações de recurso incluam matéria de facto não coincidente com a fixada na sentença recorrida para que o recurso não verse, exclusivamente, matéria de direito».
Verifica-se, pois, a incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo já que versando o recurso, também, matéria de facto, será competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo Norte – arts. 280º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (na redacção da Lei n.º 107-D/2003 de 31.12).
Nestes termos somos de parecer que, ouvida a recorrente, este Tribunal deve ser julgado incompetente em razão da hierarquia.
4 – Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a excepção de incompetência suscitada no Parecer do Ministério Público (fls. 169 a 171 dos autos), apenas o recorrido respondeu, defendendo que os autos devem prosseguir, apenas, com a análise da matéria de Direito controvertida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
5 – Questões a decidir
Importa, como questão prévia, decidir da competência deste Supremo Tribunal para conhecer do objecto do recurso, visto que o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, no seu parecer junto aos autos, a suscita.
Improcedendo a excepção de incompetência, haverá que conhecer do mérito do recurso, decidindo se o julgado recorrido merece censura.
6 – Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra objecto de recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1 – O processo de impugnação judicial deu entrada neste Tribunal em 29.05.2006.
2 – O impugnante actualmente reformado, por invalidez foi trabalhador dependente, por conta de outrem, por conta de outrem, no caso, da Deutsche Post AG, tendo exercido a sua profissão, na Alemanha, durante mais de 20 anos, conforme teor do documento n.º 8 junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
3 – O impugnante reside na Alemanha, desde 9 de Julho de 1969, conforme resulta do teor do documento n.º 1 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
4 – A Loja do Cidadão de Sttutgart, capital e Estado, emitiu em 23.03.2006, um atestado de residência em nome de A…, nascido em 26.12.1943, em Lorvão, Penacova, Portugal, no qual declara que aquele está registado como residente desde 09.07.1969, tendo, actualmente, uma só residência, na morada de: …, nº …, 70180 Stuttgart.
- mais declara ainda que o impugnante teve ainda registo de residente, no período compreendido entre 01.09.96 a 10.12.68 (sic: leia-se 10.12.98, cfr. doc. de fls. 10), em …., …, Stuttgart e, também, durante o período compreendido entre 10.12.98 a 16.10.00, teve residência em …, …Stuttgart, conforme teor do documento junto a fls. 10 dos autos e cujos termos se dão aqui por integralmente reproduzidos.
4 (sic) – O impugnante mantém uma segunda residência, em território Português, aonde apenas permanece durante o período de 30 dias ao ano, correspondentes ao período de férias.
5 – O impugnante apresentou as declarações de rendimentos provenientes do trabalho, por conta de outrem nas quais declara ter auferido por conta do seu contrato de trabalho os seguintes rendimentos:
- no ano de 1997, os rendimentos auferidos corresponderam ao valor de 64 218 DM (€ 32 834,00);
- no ano de 1998, os rendimentos auferidos corresponderam ao valor de 69 818 DM (€ 35 697,00), conforme teor do documento n.º 3 junto aos autos e cujos termos se dão aqui por integralmente reproduzidos.
6 – O impugnante foi tributado pelos rendimentos referidos em 5) pelas autoridades Alemães (sic), nos seguintes valores:
- no ano de 1997, no montante de 6 428 DM (€ 3 226,38), correspondente à quantia retida na fonte de 13 802,63 DM (€ 7 057,17);
- no ano de 1998, no montante de 8 713,00 (€4 454,88), correspondente à quantia retida na fonte de 15 712,05 DM (€8 033,44), conforme teor de fls. 22 – doc. N.º 2, fls. 48 e 49 e cujos termos se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
7 – A Direcção Geral dos Impostos emitiu a liquidação adicional n.º 2002 5530051853, identificada como documento de cobrança de IRS, modelo 20, com data limite de pagamento em 2002.04.17, no valor de € 3 462,82, em sede de IRS, referente ao ano de 1997, conforme teor de fls. 22 – doc. n.º 2, fls. 48 e 49 e cujos termos se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
8 – A Direcção Geral dos Impostos emitiu a liquidação adicional n.º 2002 5530026886, identificada como documento de cobrança de IRS, modelo 20, com data limite de pagamento em 2002.03.13, no valor de € 6 723,44, em sede de IRS, referente ao ano de 1998, conforme os termos constantes do requerimento de fls. 26 a 28 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
9 – A Repartição de Finanças Stuttgart 3, Bairro Fiscal Balinger remeteu, em 6 de Julho de 1998, uma notificação ao impugnante A… e mulher B… referente aos impostos sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, Complemento de Solidariedade e Imposto Religioso, referentes ao ano de 1997, na qual, em síntese, procede à liquidação provisória dos mencionados impostos, tendo apurado, a título de reembolso, a quantia de 8 656,03 DM, conforme teor do documento junto a fls. 11 a 15 e cujo teor dos mesmos se dá aqui por integralmente reproduzido.
10 – A Repartição de Finanças Stuttgart 3, Bairro Fiscal Balinger remeteu, em 10 de Novembro de 2000, uma notificação ao impugnante A… e mulher B… referente aos impostos sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, Complemento de Solidariedade e Imposto Religioso, referentes ao ano de 1998, na qual, em síntese, procede à liquidação provisória dos mencionados impostos, tendo apurado, a título de reembolso, a quantia de 8 346,89 DM, conforme teor do documento junto a fls. 16 a 20 e cujo teor dos mesmos se dá aqui por integralmente reproduzido.
Mais resultou provado:
11 – O impugnante e a sua esposa, nos anos de 1997 e 1998, apresentaram na competente repartição de finanças de Penacova, as declarações conjuntas de rendimentos de IRS, modelo 2, acompanhadas dos respectivos anexos B1, e F, sendo que, no ano de 1998, foi ainda apresentado o anexo H conforme melhor resulta do teor das fotocópias juntas aos processo instrutor e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
12 – O impugnante e esposa, nos anos de 1997 e 1998, apresentaram na competente repartição de finanças de Penacova, as declarações conjuntas de rendimentos de IRS, modelo 3, acompanhadas dos respectivos anexos B1, F e J, sendo que, no ano de 1998, foi ainda apresentado o anexo H, conforme melhor resulta do teor das fotocópias juntas ao processo instrutor e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
13 – Nos anos de 1997 e 1998, no anexo B1, modelo 2 às declarações de rendimentos de IRS, a esposa do impugnante estava inscrita, na Repartição de Finanças com o código nº 0825, do concelho de Penacova, como sujeito passivo, sem contabilidade organizada, exercendo a actividade principal de talho, correspondente ao Código de CAE 52220, no exercício da qual declarou resultados apurados, respectivamente, no valor de €257 314,00 e de € 186 636,00, conforme teor da declaração de rendimentos de IRS, modelo 2, anexo B1 junta ao processo administrativo e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
14 – O impugnante apresentou reclamação graciosa em 02.05.2002, relativamente ao IRS de 1997, conforme teor de fls. juntas ao processo administrativo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
- Em 09.03.2006 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, conforme os fundamentos da informação constante de fls. 32 a 35 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
15 – Em 24 de Março de 2006, o impugnante exerceu o seu direito de audição, por escrito, conforme fls. 40 do processo administrativo que aqui se dão por reproduzidas.
16 – Por despacho de 26 de Abril de 2006 e, na sequência do competente projecto de decisão, foi indeferido o pedido do reclamante, conforme os fundamentos melhor expressos na informação junta a fls. 51 e 52 do processo administrativo que aqui se dá por integralmente reproduzido.
17 – O impugnante apresentou reclamação graciosa em 02.05.2002, relativamente ao IRS de 1998, conforme teor de fls. juntas ao processo administrativo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
- Em 09.03.2006 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, conforme os fundamentos da informação constante de fls. 32 a 35 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
18 – O impugnante deduziu recurso hierárquico em 1 de Junho de 2006, conforme teor dos elementos documentais juntos aos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
19 – O recurso hierárquico foi objecto de despacho proferido em 2006.08.28, no qual, foi negado provimento, tendo sido convertido em definitivo o projecto de indeferimento do recurso, conforme documento junto aos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7 – Apreciando
7.1. Da excepção de incompetência em razão da hierarquia
No seu parecer junto aos autos e supra transcrito, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal suscita a excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal para conhecimento do objecto do recurso, pois que, na sua opinião, a Fazenda Pública, vem pôr em causa os juízos de apreciação da prova feitos pelo Tribunal recorrido, manifestando divergência nas ilações de facto retiradas do probatório e afirmando factos que o Tribunal recorrido não estabeleceu na sentença recorrida, como se apura nomeadamente das conclusões 4ª e 12ª das suas alegações de recurso, em confronto com o n.º 4 (sic) do probatório fixado.
Entende ainda que tal matéria factual é da maior relevância (…) para a interpretação do critério de «centro de interesses vitais» adoptado pelo artigo 4.º n.º 2 da Convenção celebrada entre Portugal e a Alemanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital, constante da Lei n.º 12/82 de 3/6, razão pela qual defende a competência do Tribunal Central Administrativo Norte para conhecimento do objecto do recurso, atento ao disposto nos artigos 280º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26.º alínea b) e 38.º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (na redacção da Lei n.º 107-D/2003 de 31.12).
A recorrente foi notificada para responder à excepção suscitada pelo Ministério Público e nada veio dizer, a ela respondendo apenas o recorrido e no sentido da competência deste Tribunal.
Vejamos, pois.
Discordamos da posição do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto quanto à verificação da excepção de incompetência, pois que, como resulta expressamente das conclusões 9.ª e 11.ª das suas alegações de recurso, do que a recorrente discorda, a final, não é dos factos fixados, mas da interpretação que serve de base à recente jurisprudência do STA que, por sua vez, fundamenta a decisão recorrida, em especial porque entende que a conexão ao direito português, resultante do impugnante fazer parte do agregado familiar que tem residência em Portugal, é perfeitamente legítima e compreensível já que, de acordo com o CIRS o verdadeiro sujeito passivo do imposto é o agregado familiar (…).
Ora, dúvidas não haverá de que a questão de saber quais os critérios convencionalmente legítimos para atribuição da qualidade de residente nos Estados contratantes é uma questão de direito, e não de facto, para cujo conhecimento é competente este Supremo Tribunal, assentes que estejam, como estão, os factos relevantes.
Improcede, deste modo, a excepção de incompetência em razão da hierarquia.
7.2. Do mérito do recurso: da qualidade de não residente em território português do recorrido à luz do artigo 4.º, n.º 1 da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para evitar a Dupla Tributação em matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital (CDT Portugal/Alemanha).
A sentença recorrida, a fls. 102 a 122 dos autos, após proficiente e desenvolvida análise jurisprudencial e doutrinal da questão decidenda, julgou totalmente procedente o pedido, determinando a anulação das liquidações de IRS dos anos de 1997 e 1998, por violação do consignado nos artigos 4º, nº1 e 15º ambos da CDT Portugal/Alemanha (cfr. sentença recorrida, a fls. 121 dos autos).
Fundamentou-se o decidido - com apoio na jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal e na doutrina (cfr. RUI DUARTE MORAIS, «Dupla tributação internacional em IRS: Notas de uma leitura em jurisprudência», RFPDF, ano I, n.º 1, Primavera, Abril de 2008, pp. 109/127) -, no entendimento de que a residência por dependência (cfr. o princípio da atracção da unidade familiar) expressa no artigo 16.º, n.º 2 do CIRS não pode prevalecer, por tal presunção não poder ser aplicável, aos casos de dupla tributação em que seja aplicável o disposto pelas Convenções (cfr. sentença recorrida, a fls. 117 dos autos), pelo que, procedendo a uma análise “independente da situação conjugal” da condição do impugnante e “atendendo aos elementos de facto que traduzam uma ligação efectiva e actual ao território do Estado onde foi auferido o rendimento” (cfr. sentença recorrida, a fls. 120 dos autos) concluiu que em termos fiscais, o impugnante tem de ser considerado como residente no Estado Alemão, porquanto resultou demonstrada a presença física e real ao território daquele país contratante por um período temporal superior a 183 dias ao ano, conexão física essa, que pressupõe uma ligação económica – ao nível do consumo - e um grau de integração social – participação na vida da comunidade e o disfrute dos bens proporcionados por esse Estado, e não também residente em território português, onde permaneceu, nos anos de 1997 e 1998 menos de 183 dias e porque a actividade económica geradora de rendimentos nenhuma conexão tem com o Estado português.
Discorda do decidido a recorrente Fazenda Pública, sustentando, em desconformidade com o decidido e com a “mais recente jurisprudência” deste Supremo Tribunal, a qualidade de residente em território português do recorrido, pois que embora ausente de Portugal durante mais de 183 dias mas manteve em território português a habitação, sua e do restante agregado familiar incluindo o seu cônjuge, os rendimentos obtidos na Alemanha foram espontaneamente declarados na 1ª declaração familiar, onde consta expressamente que os sujeitos passivos não eram residentes no estrangeiro, sendo certo que o impugnante manteve o seu domicílio fiscal em Portugal e o art. 4° da Convenção para evitar a dupla tributação internacional entre Portugal e a Alemanha remete a definição de "residente" para a lei interna dos Estados contratantes, sendo que a lei portuguesa, nomeadamente o artº. 84° CC e os artigos 14°, 15° e 16° CIRS, com a redacção então em vigor, consideravam que os contribuintes, mesmo os emigrantes, eram "residentes em território português" se aqui mantivessem habitação em condições que fizessem supor a intenção de a habitar ou aqui mantivesse a residência do outro cônjuge, pelo que ao optar por não comunicar a sua ausência do território português impugnante manteve o seu domicílio electivo e fiscal em Portugal, que é o primeiro dos critérios referidos no n° 1 do art. 4° da Convenção, acrescendo ainda que o n° 2 do mesmo art. 4° da CDT configura diversas conexões decisivas em caso de competência cumulativa de ambos os Estados contratantes, entre as quais a localização de habitações permanentes à disposição do trabalhador, a localização do centro de interesses pessoais e económicos, a nacionalidade, todos favoráveis à competência tributária de Portugal. Em consequência, pede que a sentença recorrida seja revogada e substituída por Acórdão que julgue improcedente a impugnação e, subsidiariamente, porque, a liquidação (totalmente) anulada pela decisão recorrida inclui, para além dos rendimentos obtidos na Alemanha, outros rendimentos - perfeitamente identificados e quantificados - obtidos em Portugal que, em rigor não estão impugnados (e nessa parte não deveriam estar abrangidos pela condenação de "anulação"), que se ordene a anulação parcial das liquidações, limitada à parte em que estas estão afectadas pelos rendimentos obtidos no estrangeiro (cfr. as conclusões das alegações de recurso, supra transcritas).
Vejamos.
A “recente jurisprudência” deste Supremo Tribunal sobre a inadmissibilidade convencional da mera “residência por dependência” enquanto critério fundamentador da atribuição da qualidade de residente em Portugal para efeitos de aplicação da Convenção contra a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha (e todas as demais que sigam o modelo OCDE em que esta se inspirou) é de reiterar aqui, pelos fundamentos já expostos no nosso Acórdão de 25 de Março de 2009 (rec. n.º 068/09), retomados posteriormente nos Acórdãos deste Tribunal 8 de Julho de 2009 (rec. n.º 382/09), de 27 de Outubro de 2010 (rec. n.º 462/10) e de 12 de Janeiro de 2011 (rec. n.º 882/10), e que, porque constantes de todos eles e também já transcritos na sentença recorrida, nos dispensamos de também aqui transcrever (cfr. também, na doutrina, RUI DUARTE MORAIS, «A Residência e as Convenções de Dupla Tributação: Comentário ao Acórdão do STA, de 25 de Março, proc. N.º 068/09, 2.ª Secção», RFPDF, ano II, n.º 2, Verão, Julho de 2009, pp. 217/223).
Há, pois, que verificar se algum dos outros critérios de atribuição da qualidade de residente em território português previstos na lei interna portuguesa – mais concretamente, no artigo 16.º do Código do IRS, pois que é apenas este artigo, e não qualquer outro, que define, para efeitos de IRS, quem deve ter-se como residente -, legitima que, para efeitos de aplicação do artigo 4.º n.º 1 da Convenção contra a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha, o ora recorrido deva considerar-se residente em território português.
Ora, atento o probatório fixado e confrontando com os critérios atributivos da qualidade de residente para efeitos de IRS previstos no n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS (desconsiderando, pelas razões já referidas o critério do n.º 2 do artigo 16.º- “residência por dependência”), resulta evidente que apenas o critério da alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS – tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência actual – deve ser equacionado no caso dos autos como podendo determinar a atribuição ao recorrido da qualidade de residente em Portugal para efeitos de IRS.
Sucede, contudo, que, como explica MANUEL FAUSTINO em «Os Residentes no Imposto sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português» (CTF, n.º 424, p. 124), o referido critério legal «exige a reunião do “corpus” e do “animus”. (…) um “corpus”, constituído por um local de residência, associado a um “animus”, que consiste na “intenção” de a manter e ocupar como residência habitual (…)», pelo que, prossegue o citado autor (op. cit.. p. 125) «(…) ao integrar-se na previsão a manutenção e ocupação dessa casa como residência habitual desde logo se excluem da condição de residentes os que dispõem em Portugal de uma simples habitação secundária (desde que nela não permaneçam mais de 183 dias por ano) ou de férias, bem como aqueles que, nomeadamente os emigrantes, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas. Não parece, pois, lícito considerar que um emigrante é residente em território português pelo simples facto de ele, em 31 de Dezembro de cada ano, dispor em Portugal de uma casa de habitação, retirando daí, e da sua condição de emigrante – a intenção “de a vir a ocupar” como sua residência habitual. A intenção que a lei exige não é uma intenção para o futuro, é, desde logo, uma intenção imediatista, para o presente (…)». (sublinhados nossos).
Resulta, pois, do exposto não se verificar nos anos a que respeitam os rendimentos e em relação ao recorrido, individualmente considerado, nenhum dos critérios de que a lei fiscal portuguesa – artigo 16.º n.º 1 do Código do IRS -, faz depender a atribuição da qualidade de residente para efeitos de IRS, sendo esse critérios, e não quaisquer outros (como o alegado “domicílio electivo”, o decorrente do preenchimento como residente da declaração de IRS ou o da atribuição de número fiscal de contribuinte português), os atendíveis, embora com limitações, para efeitos de aplicação do n.º 1 do artigo 4.º da Convenção contra a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha em matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital (aprovada para ratificação pela Lei n.º 12/82, de 3 de Junho).
Por isso que, como bem decidido, seja ilegal a atribuição da qualidade de residente em território português que a Administração fiscal imputou ao recorrido e na qual fundou a sua pretensão de tributar os rendimentos do trabalho dependente por ele auferidos na Alemanha no ano em causa, em violação dos artigos 4.º n.º 1 e 15.º da referida Convenção.
Improcedem, deste modo, as alegações da recorrente tendentes a sustentar o seu pedido principal.
7.2. Do pedido subsidiário de anulação meramente parcial da liquidação
A recorrente Fazenda Pública pediu subsidiariamente a anulação da liquidação apenas na parte referente aos rendimentos auferidos na Alemanha, pois que a liquidação (totalmente) anulada pela decisão recorrida inclui, para além dos rendimentos obtidos na Alemanha, outros rendimentos – perfeitamente identificados e quantificados – obtidos em Portugal que, em rigor não estão impugnados (e nessa parte não deveriam estar abrangidos pela condenação de “anulação”.
Vejamos.
Idêntica questão se suscitou no rec. n.º 882/10, que deu lugar à pronúncia deste Tribunal expressa em Acórdão de 12 de Janeiro último e que foi subscrito pela relatora como primeira adjunta.
Aí se decidiu que, embora os rendimentos obtidos em Portugal pela mulher do recorrido “estariam sujeitos a tributação em Portugal”, “no entanto, o acto tributário de liquidação é indivisível, sendo ainda certo que estamos na impugnação em sede de contencioso anulatório, pelo que o acto não poderia agora ser cindido em dois para o efeito pretendido pela recorrente. Isto sem prejuízo, naturalmente, de a Administração Tributária efectuar nova liquidação, em relação a tais rendimentos, podendo os contribuintes impugná-la, se assim o entenderem”.
Nos presentes autos, a par de rendimentos da categoria B auferidos em Portugal pela mulher do recorrido (residente em Portugal nos anos a que respeita o imposto), foram também declarados rendimentos prediais, embora não se saiba se tais rendimentos foram gerados por prédios localizados em Portugal nem se tais prédios são propriedade do marido, da mulher, ou bens comuns do casal.
Ora, embora esses rendimentos pudessem (e devessem) ser tributados em Portugal - os imputáveis à mulher do recorrido e, eventualmente ao recorrido, tributado individualmente e como não residente, relativamente aos rendimentos prediais de prédios de sua propriedade situados em Portugal ou a sua parte nos rendimentos comuns de tais prédios, se bens comuns do casal (cfr. o artigo 6.º da Convenção), não é possível prosseguir tal desiderato por via da anulação meramente parcial da liquidação, pelas razões expostas no citado Acórdão deste Tribunal de 12 de Janeiro, razão pela qual mesmo o pedido subsidiário da recorrente terá de improceder.
Pelo exposto, impõe-se concluir que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida, que não merece qualquer censura.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrida Fazenda Pública.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2011. Isabel Marques da Silva (relatora) – António Calhau – Casimiro Gonçalves.