Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0376/12
Data do Acordão:10/10/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
INDEFERIMENTO
IMPUGNAÇÃO CONTENCIOSA
OBJECTO
ACTO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:A verificação de um vício de forma no procedimento de reclamação não pode projectar efeitos invalidantes sobre o acto tributário de liquidação que o antecede.
Apesar de tal vício poder, eventualmente, vir a determinar a anulação da decisão administrativa proferida na reclamação graciosa em ordem à sanação do cometido vício procedimental, é de revogar a sentença recorrida que anulou o despacho de indeferimento da reclamação graciosa por preterição do direito de audição prévia, mas, simultaneamente, também conheceu dos restantes fundamentos da reclamação graciosa (que são os mesmos da impugnação judicial) imputados à própria liquidação, julgando-os improcedentes e julgando válida e legal essa liquidação.
Nº Convencional:JSTA00067820
Nº do Documento:SA2201210100376
Data de Entrada:04/05/2012
Recorrente:MUNICÍPIO DE OEIRAS
Recorrido 1:A.... SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF SINTRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - RECL ORDINÁRIA.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART111 N3 N4.
LGT98 ART60 N1 B N2 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0595/09 DE 2009/10/28; AC STA PROC0156/11 DE 2011/05/18; AC STA PROC0345/09 DE 2009/06/25; AC STA PROC0542/08 DE 2008/10/15; AC STA PROC01887/03 DE 2004/06/16
Aditamento:
Texto Integral: RELATÓRIO
1.1. O Município de Oeiras recorre da sentença que, proferida pelo TAF de Sintra na impugnação judicial deduzida por A……, S.A. contra o indeferimento da reclamação graciosa por esta também instaurada contra o acto de liquidação de taxa municipal liquidada pela autorização de instalação de infra-estrutura de suporte de estação de radiocomunicação, referente ao ano de 2009, julgou «válida e legal a liquidação da taxa pelo respectivo Município, sendo de anular o acto procedimental subsequente que apreciou a reclamação graciosa deduzida».

1.2. O recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
I. A sentença recorrida padece de um erro de julgamento ao assacar ao acto impugnado nos presentes autos a violação do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 60º da Lei Geral Tributária, dispositivo legal que postula o dever de a Administração Fiscal ouvir o contribuinte antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições.
II. O princípio da audição prévia não reveste carácter absoluto, porquanto pode ser dispensada a sua observância quando não se justifique, no caso concreto, o exercício do contraditório, visando-se, assim, evitar que a audição se transforme num momento procedimental que não tenha qualquer sentido racional na perspectiva da utilidade para a formação da decisão ou deliberação tributárias (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no Processo nº 04232/10, de 12/04/2011).
III. Não obstante o âmbito de aplicação aparentemente limitado das situações de dispensa da audiência prévia contempladas nos nºs. 2 e 3 do artigo 60º da LGT, importa salientar que também nos casos em que está em causa uma actividade vinculada da administração não se justifica o exercício do contraditório, constituindo esse, aliás, o entendimento perfilhado pela Direcção Geral dos Impostos, na sua circular nº 13/99, de 08/07/99, bem como pelo Supremo Tribunal Administrativo.
IV. O referido Tribunal salientou no Acórdão recentemente proferido no Processo nº 0983/11, de 30/11/2011, que “não há lugar a audição prévia se a decisão foi proferida de acordo com a lei e a falta de audição não prejudicou o interessado, uma vez que o que quer que ele viesse trazer ao processo, não permitiria decisão diversa da proferida pelo órgão da execução fiscal” (realce nosso)
V. Logo, constituindo a reclamação graciosa um procedimento de segundo grau, não se justifica a realização de audição prévia quando o acto de decisão sobre a mesma não se fundamente em matéria de facto nova, atenta a regra fundamental da dispensa de formalidades essenciais vigente no âmbito do referido procedimento consagrada na alínea b) do artigo 69º do CPPT.
VI. Facilmente se conclui que, por maioria de razão, também a liquidação da taxa em relevo e, consequentemente, o acto de decisão sobre a reclamação graciosa deduzida, constituem actos vinculados, porquanto o recorrente não dispõe de qualquer espaço de conformação que lhe possibilitasse a adopção de uma actuação final diversa daquela que empreendeu, encontrando-se, assim, preenchidos os requisitos que permitem a dispensa do cumprimento do disposto no artigo 60º da LGT.
VII. Do disposto no nº 10 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 11/2003, de 18 de Janeiro, resulta que o deferimento do pedido de autorização para a instalação das infra-estruturas em relevo não dispensa o pagamento de taxas administrativas de instalação exigíveis nos termos e montantes a definir em regulamento municipal, de acordo com os critérios definidos na lei, tendo, nessa medida, o Município fixado a referida taxa no artigo 14º da Tabela de Taxas constante em anexo ao Regulamento de Taxas e Outras Receitas Municipais.
VIII. Pelo que, dúvidas não restam quanto ao facto de o valor da taxa aplicada in casu resultar da mera aplicação do valor legalmente fixado para a mesma e de, nessa medida, uma eventual audição resultar sempre na mera reiteração dos fundamentos esgrimidos em sede administrativa e nos presentes autos, os quais mereceram a devida ponderação por parte dos serviços camarários no âmbito da informação nº 890/GCAJ/2009, de 18/05/2009, e que, além do mais, foram julgados totalmente improcedentes pelo Tribunal a quo, que considerou “válido e legal a liquidação da taxa pelo respectivo município”.
IX. Mesmo que se descortinasse uma omissão da formalidade de audição prévia, tal não acarretaria, sem mais, a anulabilidade do acto em relevo, pois tanto a doutrina como a jurisprudência dos Tribunais superiores têm vindo a evidenciar que, embora a audiência prévia se traduza num momento procedimental com uma particular importância, a sua degradação em formalidade não essencial é admissível em certos casos, podendo a mesma ser omitida sem que daí resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto.
X. Assim, segundo o princípio geral do aproveitamento dos actos administrativos, não se justifica a anulação do acto impugnado nos presentes autos, porquanto o mesmo foi praticado no exercício de poderes estritamente vinculados.
XI. Mal andou, pois, o Tribunal a quo ao concluir pela procedência do vício de violação do princípio de audição prévia, previsto no artigo 60º, nº 1, alínea b) da LGT, anulando o acto aqui em crise, já que, de acordo com o aludido princípio, uma eventual omissão da aludida formalidade deveria degradar-se-ia sempre numa mera irregularidade sem eficácia invalidante.
XII. Por tudo isto, conclui-se que a sentença recorrida incorreu num manifesto erro de interpretação e aplicação do direito, violando claramente os artigos 60º, nº 1, alínea b) da Lei Geral Tributária e 69º, alínea a) do CPPT, bem como o princípio do aproveitamento dos actos administrativos.
Termina pedindo o provimento do recurso e a consequente revogação da sentença recorrida.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer no sentido da procedência do recurso, nos termos seguintes, além do mais:
«(…) A nosso ver o recurso merece provimento.
A sentença recorrida, embora tenha anulado o despacho de indeferimento da reclamação graciosa por preterição do direito de audição prévia, conheceu dos fundamentos da reclamação graciosa (que são os mesmos da impugnação judicial) julgando-os improcedentes e julgando válida e legal a liquidação.
Embora, formalmente, o objecto imediato da impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa seja a decisão da reclamação, o seu objecto real e mediato é o acto de liquidação e não o acto que decidiu aquela, sendo, pois, certo que são os vícios da liquidação e não do acto que decidiu a reclamação que estão, verdadeiramente, em crise. ((1) Acórdãos do STA, de 2009.10.28 e 2011.05.18, proferidos nos recursos números 0595/09 e 0156/11, respectivamente, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt).
No caso em análise o tribunal recorrido, apreciando os actos de liquidação do tributo julgou-os isentos de vícios que os invalidem e que foram invocados pela recorrida.
Assim sendo, salvo melhor juízo, impunha-se que a impugnação fosse julgada improcedente.
A omissão de audição prévia em sede de procedimento de reclamação graciosa, necessariamente posterior à emissão da liquidação sindicada, a nosso ver, não pode determinar a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, pois tal vício é, manifestamente, inócuo no que concerne à legalidade da liquidação sindicada, objecto da reclamação graciosa, liquidação essa que o tribunal recorrido julgou conforme ao ordenamento jurídico.
A aceitar-se a tese da sentença recorrida, então, teríamos que a AT, após sanação de tal vício de forma, poderia manter ou alterar o acto de liquidação, obrigando, de novo, o recorrido a impugnar o acto de liquidação.
Ora, esta possibilidade teórica, em função dos princípios aplicáveis, é incompatível com o facto do tribunal recorrido já ter julgado a liquidação conforme ao direito, quando é certo que nos termos do estatuído no artigo 111.º/3/4 do CPPT, existe uma preferência absoluta do processo judicial sobre o processo administrativo de impugnação de um mesmo acto tributário.
A sentença recorrida merece, assim, censura.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se totalmente improcedente a impugnação judicial.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1 - Na execução de trabalhos efectuados de implementação de infra-estruturas de suporte de estação de radiocomunicações a impugnante solicitou a autorização para instalação de uma antena, o qual foi autorizado por decisão do Município de Oeiras emitida em 18.03.2009, devidamente notificada ao interessado e emitida guia de pagamento de taxas de instalação, as quais foram pagas em 13.04.2009. – cfr. Documento de fls. 44 e 45, Pedido de autorização de fls. 46 a 73 e Guia de Pagamento de fls. 74, dos autos.
2 - Em 23.04.09 foi apresentada reclamação graciosa do acto de liquidação mencionado supra, a qual foi indeferida por despacho de 27.05.09, do Presidente do Município, não tendo sido notificado o interessado para efeitos de exercício do direito de audição prévia antes da decisão da reclamação. – cfr. Petição de fls. 33 a 43 e Ofício de 04.06.09, junto a fls. 78 a 84, dos autos.

3.1. Enunciando como questão a decidir a de saber se é legal a sujeição da impugnante à taxa de instalação de infra-estruturas de suporte de estação de radiocomunicações criada pelo Município [pois que a impugnante entende que, prevendo o DL nº 11/2003, de 18/1, um regime próprio de autorização municipal, não seria de aplicar o Regulamento Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) – constante do DL nº 555/99, de 16/12, com as alterações introduzidas pela Lei nº 60/2007, de 4/9], a sentença recorrida veio a considerar o seguinte:
a) O entendimento da impugnante [no sentido de que, prevendo o DL nº 11/2003, de 18/1, um regime próprio de autorização municipal, não será de aplicar o Regulamento Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) – constante do DL nº 555/99, de 16/12, com as alterações introduzidas pela Lei nº 60/2007, de 4/9] é destituído de fundamento já que as taxas aplicadas por aquela instalação têm a ver com a regulamentação das mesmas e não com os procedimentos de licenciamento, os quais respeitaram integralmente o disposto nos arts. 6º, 7º e 8º, daquele DL, sendo aquelas taxas previstas no nº 10, do art. 6º do mesmo diploma, a definir em regulamento municipal.
b) Quanto aos vícios do acto relativos à violação dos princípios constitucionais invocados, é de concluir que a questão da possibilidade legal de aquelas entidades locais estabeleceram tais taxas de acordo com a legislação aplicável [Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL) e Lei das Finanças Locais (LFL)] nem sequer se põe porquanto tal poder regulamentar lhes foi expressamente reconhecido nos termos da respectiva Lei-Quadro elaborada em cumprimento de disposição constitucional expressa – cfr. al. i), do nº 1, do art. 165º da CRP.
c) Quanto à violação dos princípios da legalidade e da proporcionalidade da taxa controvertida (por se configurar aqui a criação de um imposto e, consequentemente, de um tributo em sentido reservado constitucionalmente à lei), é de concluir que as quantias cobradas pela instalação dos equipamentos em questão devem ser qualificadas como taxas, pelo que os invocados regulamentos (Tabela de Taxas constante em anexo ao Regulamento de Taxas e Outras Receitas Municipais) se conformam com o preceituado nos arts. 103º e 165º, nº 1, al. i), da CRP.
É que, de acordo com a mais recente jurisprudência do T.C., no presente caso, ainda que a antena se situe em terreno do domínio privado, sempre se verificaria o sinalagma da sua utilização por um particular, sendo que não resulta qualquer violação do princípio da proporcionalidade ou do excesso na fixação daquelas taxas atenta “… a especificidade da contrapartida outorgada ao beneficiário... inconfundível com qualquer outra e autónoma em relação a causas de prestação com ela eventualmente cumuláveis...”, nas palavras dos autores e obra citados no ac. nº 177/2010, do T.C, proferido no Proc. nº 742/09, de 5/5/10, que realça a orientação mais recente daquele Tribunal no sentido de que “ ... a entidade administrativa assume uma particular obrigação – a duradoura obrigação de suportar uma actividade que interfere permanentemente com a conformação de um bem público…”, sendo que, no caso vertente (autorização municipal para a instalação e funcionamento daquelas infra-estruturas de suporte de estação de radiocomunicação ao abrigo do disposto no art. 20º do DL nº 151-A/2000, de 20/7 e nº 10, do art. 6º do DL nº 11/2003, de 18/1), tendo em vista a protecção do ambiente, do património cultural e de defesa da paisagem e do ordenamento do território, as taxas cobradas pela instalação daqueles equipamentos devem ser qualificadas como taxas.
d) Todavia, procede a alegação da impugnante, na parte em que se refere ao exercício do direito de audição antes da decisão proferida referida na reclamação graciosa, já que não tendo sido ouvido o interessado antes da decisão controvertida de indeferimento dessa reclamação graciosa, foi expressamente violado o princípio da participação do contribuinte na formação da decisão na modalidade do direito de audição antes do indeferimento total da reclamação, nos termos do disposto na al. b), do nº1, do art. 60º, da LGT, o que determina a preterição de uma formalidade essencial que inquina a decisão proferida, a qual deve ser anulada e proferida nova decisão após o exercício do referido direito.
e) E quanto ao processamento de juros indemnizatórios não tendo resultado o pagamento indevido do tributo, improcede a respectiva pretensão – cfr. art. 43º da LGT.
E, assim, na parte dispositiva, a sentença exarou o seguinte:
«Nos termos expostos entende-se como válido e legal a liquidação da taxa pelo respectivo Município, sendo de anular o acto procedimental subsequente que apreciou a reclamação graciosa deduzida.
Custas pelo impugnante.»

3.2. O recorrente (Município de Oeiras) discorda do assim decidido, alegando, como se viu, que a sentença enferma de um erro de julgamento ao assacar ao acto impugnado a violação do disposto na al. b) do nº 1 do art. 60º da LGT, pois que, apesar do âmbito de aplicação aparentemente limitado das situações de dispensa da audiência prévia contempladas nos nºs. 2 e 3 deste art. 60º, também nos casos em que está em causa uma actividade vinculada da administração não se justifica o exercício do contraditório, sendo que, constituindo a reclamação graciosa um procedimento de segundo grau, não se justifica a realização de audição prévia quando o acto de decisão sobre a mesma não se fundamente em matéria de facto nova, atenta a regra fundamental da dispensa de formalidades essenciais vigente no âmbito do referido procedimento consagrada na al. b) do art. 69º do CPPT.
E, no caso, também a liquidação da taxa em relevo e, consequentemente, o acto de decisão sobre a reclamação graciosa deduzida, constituem actos vinculados, porquanto o recorrente não dispõe de qualquer espaço de conformação que lhe possibilitasse a adopção de uma actuação final diversa daquela que empreendeu, encontrando-se, assim, preenchidos os requisitos que permitem a dispensa do cumprimento do disposto no art. 60º da LGT, uma vez que, do disposto no nº 10 do art. 6º do DL nº 11/2003, de 18/1, resulta que o deferimento do pedido de autorização para a instalação das infra-estruturas em relevo não dispensa o pagamento de taxas administrativas de instalação exigíveis nos termos e montantes a definir em regulamento municipal, de acordo com os critérios definidos na lei, tendo, nessa medida, o Município fixado a referida taxa no art. 14º da Tabela de Taxas constante em anexo ao Regulamento de Taxas e Outras Receitas Municipais, não restando dúvidas quanto ao facto de o valor da taxa aplicada resultar da mera aplicação do valor legalmente fixado para a mesma e de, nessa medida, uma eventual audição resultar sempre na mera reiteração dos fundamentos esgrimidos em sede administrativa e nos presentes autos, os quais, além de terem merecido ponderação por parte dos serviços camarários no âmbito da informação nº 890/GCAJ/2009, de 18/5/2009, também foram julgados totalmente improcedentes pelo Tribunal a quo, que considerou “válido e legal a liquidação da taxa pelo respectivo município”.
E mesmo que se descortinasse uma eventual omissão da formalidade de audição prévia, tal não acarretaria, sem mais, a anulabilidade do acto em relevo, pois que tal omissão se degradaria em preterição de formalidade não essencial.
O recurso está, portanto, delimitado a esta questão.
Vejamos.

4. A presente impugnação foi deduzida no seguimento do indeferimento da reclamação graciosa, tendo a impugnante invocado na petição judicial vícios e ilegalidades tanto do acto tributário de liquidação (objecto mediato – liquidação da taxa municipal pela autorização de instalação de infra-estruturas de suporte de radiocomunicação, referente ao ano de 2009), como do procedimento de reclamação (objecto imediato).
Na verdade, como salienta o MP, embora, formalmente, o objecto imediato da impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa seja a decisão da reclamação, o seu objecto real e mediato é o acto de liquidação e não o acto que decidiu aquela, sendo, pois, certo que são os vícios da liquidação e não do acto que decidiu a reclamação que estão, verdadeiramente, em crise (cfr. acs. do STA, de 28/10/2009 e 18/5/2011, recs. nºs. 0595/09 e 0156/11, respectivamente).
Ora, como se disse, a sentença, começando por decidir pela improcedência dos vícios de violação de lei imputados ao acto de liquidação, que julgou válido e legal, também veio a decidir pela verificação do vício do procedimento (preterição de formalidade por omissão de audição prévia) determinando, em consequência, a anulação do «acto procedimental subsequente que apreciou a reclamação graciosa deduzida». Ou seja, a sentença, embora tenha anulado o despacho de indeferimento da reclamação graciosa por preterição do direito de audição prévia, também conheceu, simultaneamente, dos restantes fundamentos, constantes dessa reclamação graciosa (que são os mesmos da impugnação judicial) mas imputados à própria liquidação, julgando-os improcedentes e julgando válida e legal essa mesma liquidação.
Porém, sendo certo que a verificação de um vício de forma no procedimento de reclamação, isto é, em momento posterior à efectivação da liquidação, «nunca poderia projectar efeitos invalidantes sobre um acto tributário que o antecede» e sendo certo, igualmente, que apesar de tal vício poder vir a determinar a anulação da decisão administrativa proferida na reclamação graciosa, «com tal efeito se quedará, podendo apenas conduzir, naquele primeiro aspecto, ao proferimento de nova decisão judicial, sanado o cometido vício procedimental, mas nunca à anulação da liquidação igualmente impugnada» (cfr. o ac. de 25/6/2009, rec. nº 345/09, bem como os acs. de 15/10/08, rec. nº 542/08 e de 16/6/04, rec. nº 1887/03, naquele referenciados), no caso, e como bem refere o MP, a aceitar-se a tese da sentença recorrida, teríamos que a AT, após sanação de tal vício de forma, poderia manter ou alterar o acto de liquidação, obrigando, de novo, o recorrido a impugnar o acto de liquidação, possibilidade teórica esta que, em função dos princípios aplicáveis, é incompatível com o facto do tribunal recorrido já ter julgado a liquidação conforme ao direito e quando é certo que nos termos do estatuído nos nºs. 3 e 4 do art. 111º do CPPT, existe uma preferência absoluta do processo judicial sobre o processo administrativo de impugnação de um mesmo acto tributário.
Daí que, independentemente da apreciação (que fica prejudicada) da invocada questão atinente à eventual degradação, no caso, da preterição da formalidade de audição prévia em preterição de formalidade não essencial, se deva concluir pela procedência do presente recurso e pela revogação da sentença, na parte em que vem recorrida, julgando-se, em consequência, totalmente improcedente a impugnação.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença, na parte em que vem recorrida, julgando-se, em consequência, totalmente improcedente a impugnação.
Sem custas, dado que não houve-contra alegação.
Lisboa, 10 de Outubro de 2012. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Fernanda Maçãs.