Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0329/18
Data do Acordão:09/05/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
Sumário:Interposto recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão de um tribunal tributário de 1ª instância, se o recorrido requerer a ampliação do respectivo âmbito, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 636º do Código de Processo Civil, suscitando questões de facto, o Supremo Tribunal Administrativo não é competente para a apreciação do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P23553
Nº do Documento:SA2201809050329
Data de Entrada:03/22/2018
Recorrente:A........
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1 - RELATÓRIO
A………, melhor identificado nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou parcialmente procedente o recurso e consequentemente anulou a decisão Director de Finanças de Leiria, na parte da fixação do rendimento tributável que excede os valores de 296.387,68 € para o ano de 2013 de 321.913, 60 € para o ano de 2014 e de 135.574,21 € para o ano de 2015.

Inconformado com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«1. O Tribunal a quo errou ao ter concluído que, apesar de se estar perante a preterição de formalidade, a mesma não releva como preterição de formalidade essencial com carácter invalidante da decisão recorrida;
2. Subsequentemente, errando nos efeitos daquela preterição, faz uma errada interpretação e aplicação em concreto do princípio do aproveitamento do acto administrativo e, por fim,
3. Mantendo a decisão recorrida parcialmente válida, erra na interpretação e aplicação dos normativos legais em causa, nomeada e especificamente o n.º 3 in fine do artigo 74º, alínea a) do n.º 5 do artigo 89°-A e do artigo 90.º da LGT;
Com efeito,
4. No âmbito da inspecção tributária o Recorrente foi notificado do projecto de decisão que continha a proposta de aplicação de avaliação indirecta;
5. Em resposta ao projecto, o Recorrente enviou uma exposição onde, sucintamente, apresentou a sua posição quanto a parte da matéria, arrolou uma testemunha e requereu prorrogação de prazo para se pronunciar sobre a restante matéria;
6. A prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição prévia veio a ser deferida, mas o despacho não foi devidamente notificado ao Recorrente;
7. Pelo que, e bem, o Tribunal a quo entendeu que “(...) atenta a devolução da correspondência com a indicação de não reclamado (...)“, e tendo em conta que não foi realizada nova tentativa de notificação, que aquela não se pode presumir como recebida;
8. No Relatório Final de Inspecção, donde decorre a decisão de avaliação indirecta recorrida, não foi feita qualquer menção à primeira parte da exposição do Recorrente, relatando-se apenas a questão do pedido de prorrogação de prazo, o respectivo deferimento e o facto da carta não ter sido levantada;
9. Quanto aos efeitos desta preterição de formalidade, o Tribunal entendeu que:
a. Quanto à matéria relativamente à qual o Recorrente teve oportunidade de exercer o seu direito (ainda que depois não tenha tido oportunidade de demonstrar o alegado), e por “(...) ter sido postergado o direito de participação do Recorrente e terem sido violados os princípios do inquisitório e da verdade material (...)“ anulou a decisão recorrida quanto à mesma;
b. Quanto à matéria relativamente à qual solicitou prazo adicional para se pronunciar, porque “(...) o Recorrente se colocou voluntariamente na situação de não lhe poder ser notificada a decisão (…) tratar-se de uma actuação não conforme com o princípio da cooperação para efeitos de invocação da ausência de comunicação daquela decisão como factor impeditivo do exercício do direito de audição, mantendo o decidido relativa àquela específica matéria;
10. A preterição ora em causa, pela específica fase em que foi realizada — no âmbito do direito de audição prévia - e pelas garantias que deixa de proteger — essencialmente, a garantia constitucional ao contraditório, à participação na formulação de decisão do contribuinte - é essencial e tem como resultado inevitável a invalidação da decisão final;
11. O Tribunal reconhece que a presunção legal da notificação da prorrogação do exercício do direito de audição prévia não é aplicável ao caso, “(…) pois, em princípio a alegada situação de ausência do domicílio não é um risco que deva ser suportado exclusivamente pelo destinatário, sob pena de se restringir excessivamente a garantia constitucional da notificação, entendendo-se que o risco decorrente da insegurança quanto à recepção da notificação só deve ser suportado pelo contribuinte após unia segunda carta registada...”;
12. Pelo que, admite, e bem, que o risco da não recepção da notificação só podia ser suportado pelo Recorrente após uma segunda carta registada, mas, logo de seguida, conclui precisamente em sentido contrário, impondo o risco e as consequências daquela não notificação a serem suportadas pelo Recorrente (contrariando a matéria assente e a própria interpretação das normas de direito em aplicação);
13. Quanto à matéria assente, importar notar, que não decorre da douta sentença (nem podia) que o Recorrente se tenha posto “voluntariamente” na posição de não ser notificado;
14. Resulta, sim, que a ausência do Recorrente entre as datas 23.08.2017 e 11.09.2017 há muito que se encontrava agendada, e não resultou de um acto “voluntário” com vista a’” não colaboração” com a inspecção;
15. Assim, da matéria assente (ausência do país, há muito agendada) e a interpretação dos preceitos legais concretizada pelo Tribunal (risco da não notificação só pode suportada pelo Recorrente após envio de segunda carta registada, o que não aconteceu in casu), imponham uma conclusão diversa da que resulta da douta sentença;
Acresce que,
16. Mesmo que da matéria assente resultasse aquela “voluntariedade”, o facto é que, ainda assim, esta só podia ser valorada e o risco correr por conta do Recorrente se tivesse sido remetida pelos serviços uma segunda carta registada, o que não aconteceu;
17. Não se pode ignorar que, para além de se tratar da audiência prévia no âmbito de uma inspecção tributária, está em causa o pleno exercício desse direito perante um projecto de relatório onde se formula uma decisão de avaliação indirecta da matéria colectável;
18. Ora, o princípio da participação - que tem na audiência prévia o seu aspecto mais decisivo - tem uma dimensão jurídica abrangente e, até pela sua importância como garantia constitucional do contribuinte, assume (ou pode assumir) diversos tipos de configuração;
19. Estando em causa a garantia constitucional (cfr. n.º 5 do artigo 267.° da CRP) da participação dos contribuintes na decisão administrativa em formação, traduzida aqui na possibilidade efectiva do Recorrente exercer - em pleno e quanto a toda a matéria do projecto de decisão - o seu direito de audição prévia (artigo 60.° da LGT) em sede de inspecção tributária;
20. que, ainda para mais, projectava (e veio a decidir) a avaliação indirecta da matéria colectável, pelo que, o direito de participação assume e deve estar revestido, um carácter e cuidados verdadeiramente especiais (e, excepcionais);
21. Recentemente, em sede de revisão do Código do Procedimento Administrativo (Decreto-lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro, este direito de participação saiu reforçado em termos qualitativos;
22. Seguindo o Prof. LUIZ S. CABRAL DE MONCADA, em “Novo Código do Procedimento Administrativo - Anotado”, 1ª Edição, Novembro 2015, da Coimbra Editora, em comentário ao artigo 121.º do CPA relativo ao direito de audiência prévia dos administrados (páginas 427 e 428):
“(...) A audiência prévia não encerra agora a fase de instrução do procedimento. Esta inovação reforça em muito o papel constitutivo da audiência prévia na formação da decisão final. Ela não dá início a uma nova fase na qual o responsável pela direcção do procedimento, já com este instruído, ia simplesmente ouvir os interessados de modo a averiguar o que eles têm para dizer sobre um projecto de decisão final que já estava concluído. Pelo contrário, os interessados são agora ouvidos numa altura em que tal projecto ainda não existe o que reforça o seu alcance constitutivo da decisão final. Ficou muito reforçado o contraditório.”
E prossegue:
“(...) fica agora claro que até à decisão final tudo está em aberto. Nada é definitivo.
É assim que se compreende que os interessados possam durante a audiência prévia pronunciar-se sobre todas as questões de facto e de direito com interesse para a decisão final e requerer diligências complementares a juntar documentos, como reza o n.º 2
Concluindo:
“(...) Fundamental é esclarecer que o direito de audiência prévia não é livremente fungível pela notificação do requerente para exercer adrede o seu direito ao contraditório colaborando com a Administração através da junção de documentos que considere relevantes Nada disso. A audiência é uma subfase procedimental autónoma que deve ser adequadamente notificada ao requerente para nela exercer diferenciadamente o seu direito de participação na formação da decisão administrativa e que não pode ser escamoteada com o pretexto de que lhe foi solicitada a sua colaboração na instrução do procedimento”.
23. A audiência prévia é, assim, uma fase que abre um verdadeiro procedimento dentro do procedimento de inspecção tributária, onde os contribuintes têm oportunidade de juntar documentos e requerer diligências complementares e que, porque “(...) vai gerar um dever suplementar de instrução (...) e consequente ponderação da parte do responsável (...)“ pode ter como consequência “(...) o amplo prolongamento da fase da audiência. Assim o exige o reforço do contraditório em harmonia com a nova configuração do direito de audiência a que o novo código procedeu.” (in obra citada).;
24. Donde, não se pode olvidar o reforço e a importância desta fase (direito) quando se analisa a preterição de formalidade verificada - precisamente - no âmbito desta, especialmente, quando a consequência directa da preterição desta formalidade, para o Recorrente, foi tornar impossível o efectivo e pleno exercício do seu direito;
25. Pelo que, a consequência óbvia desta preterição, porque no âmbito e relativa a este direito fundamental, será a invalidade da decisão final;
26. Nula ou anulável? A preterição da audiência prévia (omissão simples) prevista no artigo 121.º do CPA, 60.º da LGT e 60.º do RCPITA, como direito fundamental que é - com assento constitucional no n.º 5 do artigo 267.° - gera a nulidade do acto;
27. In casu, é certo não se tratar da omissão pura e simples, mas, ainda assim, trata-se de uma formalidade que teve, como resultado, para parte da matéria projectada, o mesmo efeito que a omissão teria — a impossibilidade prática do exercício do direito de audição prévia;
28. E cabe-nos ainda notar estarmos no âmbito de uma projectada decisão de avaliação indirecta, pelo que, a audiência do Recorrente assume uma importância acrescida — até, mas não só, pela prevista possibilidade que a lei lhe confere para vir ao procedimento e proceder às justificações e correcções que entender convenientes (cfr. n.º 3 e 11 do artigo 87°-A da LGT);
29. Assim, a preterição da formalidade aqui em causa deve ser analisada não esquecendo que ocorreu numa fase do procedimento crucial (senão única) para o efectivo garantir do contraditório e da participação ao Recorrente (antes do desfecho da inspecção e da tomada de decisão final), em consequência do que se projectava — um relatório de inspecção tributária que decidia o recurso da avaliação indirecta;
30. Neste sentido, o Tribunal a quo não podia, como fez, dar ênfase a uma questão menor (que nem sequer decorre da matéria assente), em prejuízo da interpretação legal que vinha fazendo e fez a qual, forçosamente, teria que concluir pela preterição de formalidade essencial que resulta na nulidade da decisão final;
Sem prejuízo, e por dever de patrocínio,
31. Concedemos, que esta será — porventura — uma das muitas situações dúbias quanto aos efeitos invalidantes da preterição da formalidade já que, na realidade, não estamos perante uma omissão pura e simples da audiência prévia;
32. Houve notificação do projecto e foi concretizada a audiência para parte da matéria projectada;
33. No entanto, a falta de notificação do deferimento do prazo requerido sempre seria uma causa da anulabilidade da decisão recorrida, porque, reitera-se, ocorreu no âmbito do exercício de audição prévia, impossibilitando a sua concretização plena;
34. O Recorrente viu-se impossibilitado de se pronunciar sobre parte da matéria projectada, a qual, como se veio a demonstrar, apresentava razões suficientes - que não só sobre a propriedade das contas bancárias - capazes de alterar o sentido da decisão final;
35. Em conclusão, a preterição desta formalidade em sede de audição prévia gera a nulidade da decisão final;
36. Sem prejuízo, e assim não se entendendo, a preterição sempre geraria a anulabilidade da decisão e, bem assim, a de todos os actos tributários praticados subsequentemente;
37. Donde, em consonância com o exposto, errou o Tribunal a quo ao interpretar de modo diverso, concluindo pela não essencialidade da preterição ocorrida;
38. Em consequência deste juízo, o Tribunal a quo veio a entender que a decisão final, na parte referente à matéria sobre a qual o Recorrente não teve possibilidade de se pronunciar, se mantém válida;
39. Aplicando o princípio geral do aproveitamento do acto, procede a um aproveitamento parcial da decisão da avaliação indirecta, que recaí sobre a matéria relativamente à qual o Recorrente se viu impossibilitado de exercer o seu direito de audiência prévia;
40. Ora, tratando-se, como admite o Tribunal a quo de uma preterição de formalidade que, e como se vem expondo, é essencial e gera o vício de nulidade da decisão final, não podia haver in casu a aplicação daquele princípio por ser contra a natureza do próprio acto (artigo 162.° do CPA), que não produz quaisquer efeitos;
Sem prejuízo,
41. O princípio do aproveitamento assente no pressuposto de que o acto administrativo, apesar de inválido, não deve ser anulado quando, designadamente,
a) o seu conteúdo não possa ser outro e não haja interesse relevante na anulação ou,
b) quando se comprove sem margem para dúvidas que o vício não teve qualquer influência na decisão;
42. O Tribunal a quo aplicou erradamente este princípio sem cuidar que a formulação que fez não se coaduna com as conclusões a que chegou;
43. Desde logo, importava analisar se o conteúdo da decisão que o Tribunal manteve parcialmente não podia ser outro - apesar da preterição da formalidade essencial;
44. Com efeito, isso não está demonstrado na douta sentença e, o que decorre da matéria assente, é precisamente o inverso;
45. Estamos perante uma formalidade que impediu o exercício do direito de audição prévia no âmbito de um procedimento de inspecção tributária, relativamente à qual o Recorrente apenas tinha sido questionado sobre a sua autorização para a inspecção aceder às suas contas bancárias;
46. A audiência prévia seria o momento - como aliás estava explícito na exposição onde se requereu o prazo adicional - de o Recorrente se pronunciar pela primeira vez sobre todas as questões levantadas pela inspecção e que vieram a fundamentar a decisão final;
47. Ademais, e como não tinha qualquer informação relativa ao procedimento, este era também o momento em que o Recorrente poderia ir ao mesmo e exercer as possibilidades previstas no n.º 3 e 11 do artigo 89°-A da LGT;
48. Assim, a preterição da notificação que concedeu a prorrogação do prazo da audiência prévia impediu que aqueles direitos fossem exercidos e nada faz prever que, se os mesmos tivessem sido exercidos, a decisão da inspecção se manteria nos mesmos termos;
49. Impõe ainda averiguar, para avaliar o interesse no aproveitamento do acto inválido, se, apesar da preterição da formalidade, foi dada satisfação ao interesse que a lei tinha ao prevê-la;
50. ln casu, e mais uma vez, cremos que esteve mal o Tribunal a quo ao considerar que sim;
51. Já vimos a importância e o reforço do direito ao exercício da audiência prévia, conhecemos a sua concretização legal e o seu assento constitucional;
52. Também é pressuposto, e reconhecido pelo próprio Tribunal a quo, o interesse a alcançar com a presunção legal da notificação só funcionar com o envio de uma segunda carta;
53. Resta-nos notar, ainda que, o interesse da audiência prévia ganha um especial reforço aqui porque estamos no âmbito de um procedimento que culminou na avaliação indirecta e, constituindo esta um regime subsidiário à directa, só pode ser utilizada quando se verificam os pressupostos legais, dos quais aqui se releva a absoluta impossibilidade de apurar a matéria de outra forma;
54. Do referido, concluiu-se que não tendo sido possível o exercício da audiência prévia, o Recorrente se viu impedido de exercer plenamente o seu direito, não tendo sido assegurado por qualquer outro modo - fosse ainda durante o procedimento de inspecção, fosse após o procedimento e antes na decisão final - este direito fundamental;
55. Acresce ainda que, a decisão de aplicação da avaliação indirecta, impõe a absoluta impossibilidade de apurar a matéria de outro modo, o que é (ou deve ser) válido até ao fim do exercício da audiência prévia, pois no âmbito desta o Recorrente tem a faculdade de afastar aquela avaliação e/ou facultar os meios que possibilitassem a avaliação directa;
56. Verifica-se que, para além de não ter demonstrado na douta sentença estes pressupostos (para aplicação do princípio do aproveitamento do acto), os mesmos não se verificam, dado que o conteúdo da decisão seria certamente outro (ou alterável) se o Recorrente tivesse exercido em pleno o seu direito - o que não fez em resultado da preterição verificada;
57. Além do mais, os interesses que a lei pretende proteger não foram devidamente acautelados, pelo que, estando perante um vício que gera a anulabilidade, esta é aqui incontornável;
58. Ainda no que respeita ao aproveitamento do acto, não ficou demonstrado que, apesar de inválido, o acto se manteve porque se comprovou sem margem para dúvidas que o vício não teve qualquer influência na decisão;
59. Neste âmbito, o Tribunal a faz um juízo inverso relativamente a esta questão que, salvo o devido respeito, é incorrecto e em desacordo com os pressupostos do princípio do aproveitamento do acto;
60. Com efeito, fundamenta e justifica a anulação (parcial) do acto quando, o que está em causa, e era o necessário e o que se impunha, é a justificação do aproveitamento (parcial) do acto inválido;
61. Caberia, pois, ao Tribunal a quo, ao concretizar (e aplicar) o princípio do aproveitamento do acto, expor e fundamentar porque entende que o vício não tem consequências na decisão final recorrida, o que não fez;
62. O juízo que se requeria era o relativo à parte do acto que se aproveita (e não àquela em que, a própria invalidade do acto, justifica a sua anulação);
63. Com efeito, se tivesse feito esse juízo, seria forçoso concluir que a preterição da formalidade teve um efeito directo na decisão final, porquanto impediu que o Recorrente exercesse em pleno o seu direito e levasse ao procedimento a sua posição quanto a todos os aspectos e fundamentos vertidos naquele projecto de relatório (que veio a ser convertido em decisão final);
Sem conceder,
64. Mantendo a decisão recorrida parcialmente válida, erra o Tribunal a quo ao entender que para efeito do apuramento dos acréscimos patrimoniais, não relevam a justificação e os movimentos de saída das referidas contas bancárias;
65. Salvo o devido respeito, entendemos que não é feita uma adequada interpretação das normas legais, porquanto, se confundem os critérios e pressupostos da avaliação com o consequente exercício de apuramento do que constitui incremento patrimonial e a possibilidade legal do contribuinte proceder à sua justificação e/ou demonstrar o erro na respectiva quantificação;
66. O Recorrente, em claro aproveitamento do previsto no n.º 3 do artigo 74.º da LGT, concedendo quanto a determinados montantes, alegou (e apresentou as respectivas provas documentais e testemunhais) que a quantificação foi realizada em excesso;
67. O Tribunal a quo não se pronunciou especificamente sobre as operações de débito registadas naquelas mesmas contas bancárias (donde decorreu o cálculo dos incrementos patrimoniais) por entender que, na quantificação - ou correcção - não tinha que atender àqueles montantes, por os mesmos não valerem na quantificação do rendimento para efeitos de tributação;
68. Ora, tal interpretação contende com, além de outros, o n.º 3 do artigo 74.° da LGT e está em violação clara do princípio da capacidade contributiva;
69. Como bem refere a douta sentença, embora só a justificação total do montante que permitiu a verificação da “manifestação de fortuna”, tenha a virtualidade de afastar a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que a permitiram, já assim não é, contudo, no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como incremento patrimonial em sede de IRS;
70. Aqui, a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do acréscimo não justificado sujeito a imposto;
71. Ora, o que o Recorrente faz, ao incluir na sua operação de quantificação os montantes de saídas das contas bancárias, é tão só aproximar-se dos critérios directos de tributação, em nome da tributação efectiva e da sua capacidade contributiva;
72. Com efeito, os montantes apurados pelo Recorrente - que incluem uma operação de apuramento de matéria colectável que tem em conta rendimentos (entradas nas contas bancárias) e gastos (saídas das contas bancárias - resultaram da sua actividade profissional, ainda que exercida durante determinado lapso temporal, de forma irregular (pelos motivos expostos e demonstrados nos autos);
73. Ao concretizar a rectificação da quantificação realizada pela inspecção, o Recorrente não reconhece os valores globais a crédito nas contas bancárias como incrementos porque, na verdade, não são aqueles valores na sua totalidade o seu rendimento (susceptível de tributação em sede de IRS);
74. Conforme ficou demonstrado nos autos, prova que não foi valorada pelo Tribunal em consequência do erro manifesto no julgamento desta matéria de direito, estão pois em causa montantes (de valor considerável, é certo) entregues ao Recorrente por conta dos seus clientes (a saber, casas de jogo online) para compra de publicidade online;
75. Assim, na rectificação do cálculo dos valores a tributar o Tribunal tinha que ter considerado, porque é o que resulta do regime em vigor, todos os montantes que não devam ser considerados como rendimentos, incluindo os montantes que, apesar de acréscimo não podem ser considerados rendimentos tributáveis, por não decorrem de uma operação de apuramento;
76. É como se, no âmbito da tributação de uma determinada actividade, e para efeitos de apuramento da matéria colectável se considerassem os recebimentos como rendimentos, sem atender aos gastos suportados e, bem assim, a valores recebidos por conta dos clientes;
77. Assim, impunha-se que o Tribunal - ao abrigo, além dos demais - do princípio da capacidade contributiva, considerasse antes o montante que resulta da diferença entre os valores recebidos (entradas nas contas bancárias) e os valores despendidos (saídas das contas bancárias);
78. O regime regra de determinação da matéria tributável é o da avaliação directa, em consonância com o princípio cia capacidade contributiva, constitucionalmente consagrado no artigo 104.° da Constituição da República Portuguesa;
79. A avaliação indirecta é uma forma subsidiária da avaliação directa da matéria tributável (cfr. n.º 1 do artigo 85.º da LGT), e excepcional dado que somente pode ser aplicada nos casos e condições expressamente previstas na lei (cfr. artigo 81°, n.º 1 da LGT).
80. Ainda assim, e mesmo quando se está no âmbito da avaliação indirecta, o intuito do regime legal em vigor - que decorre, nomeadamente, da parte final do n.º 3 do artigo 74.º da LGT - é, em última análise, a aproximação possível ao rendimento efectivo, ao rendimento que resultaria da aplicação das regras e critérios previstos no CIRS, in fine, da efectiva capacidade contributiva do contribuinte. Isso mesmo decorre dos critérios previstos no artigo 90.° da LGT;
81. O que significa que, sempre seria, de considerar, para efeitos de quantificação do rendimento colectável, os montantes cuja prova resulta evidente que não são/foram rendimentos do contribuinte (ora Recorrente), mas antes valores que lhe forem entregues no âmbito da sua actividade de intermediação (ainda que irregular);
82. Donde, errou o Tribunal nesta parte, ao desconsiderar os valores de saída das contas para efeitos de quantificação por, além do mais, violar expressamente os princípios da capacidade contributiva (com previsão no artigo 4 da LGT) e da tributação pelo rendimento real (com consagração constitucional no artigo 104°, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP);
83. Qualquer outra interpretação deste regime, especificamente a vertida na douta sentença, que impossibilita a rectificação da quantificação do valor dos incrementos patrimoniais (quando decorrente do procedimento de acesso às contas bancárias) e, consequentemente, não permita ao contribuinte corrigir a quantificação da matéria colectável através de métodos e/ou operações que aproximem o resultado do apuramento da sua efectiva capacidade contributiva, incorre em violação do princípios constitucional assente no n.º 1 do artigo 104.º da CRP;
84. Este impõe, mesmo no âmbito da avaliação indirecta, o atendimento a correcções que permitam aproximar aos fins ali previstos, a diminuição das desigualdades, impondo um imposto progressivo tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.
TERMOS EM QUE,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, nos termos e para todos os efeitos legais.
Só assim se decidindo
SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA»

Foram apresentadas contra alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«I. Vai requerida a ampliação do objecto do recurso quanto à fixação da matéria de facto e quanto à aplicação e interpretação do direito.
ll. O A, desde 26 de Junho de 2017 que sabe que se ausentaria do país entre os dias 23/08/2017 e 11/09/2017.
III. Em 23 de agosto de 2017— último dia em Portugal, como confessa e prova - deu entrada por via postal, uma peça não assinada, denominada - Direito de audição prévia, onde o A informa que não conseguiria apresentar os elementos em causa, solicitando um prazo adicional.
IV. Não informa que estaria ausente do país, desde essa data até 11/09/2018 — cfr. fls. 98 a 100 do PA.
V. Em 28-08-2017, foi autorizado que o direito de audição fosse alargado para o prazo máximo permitido por lei - 25 dias -, previsto no n° 6 do artigo 60° da LGT. Ora o A, tendo sido notificado em 08/08/2017, sabe que nos termos da referida norma nunca o prazo seria estendido para além dos 25 dias,
VI. Donde, saberia que o seu pedido de prorrogação só poderia ser deferido até ao prazo máximo legal, com termo em 04/09/2017 — ou seja em período que saberia estar ausente da residência.
VII. Impondo-se portanto, com interesse para a apreciação da causa e da aplicação do direito aos factos, o aditamento da matéria de facto com os seguintes factos:
“Em 26/06/2017, o A adquiriu bilhetes de avião com saída de Portugal em 23/08/2017 e regresso em 11/09/2017;
“Na notificação para o exercício de audição foi-lhe concedido, para o respectivo exercício, o prazo de 16 dias com termo em 25/08/2017”,
“Na exposição dirigida à DF de Leiria em 22/08/2017, o A não informa que estaria ausente do país, desde 23/08/2018 até 11/09/2018—cfr. fls. 98 a 100 do PA.”
VIII. Devendo ainda a sentença fixar a matéria de facto não provada:
“Não se provou que o A tenha informado a DF de Leiria que estaria ausente da sua residência de 23/08/2017 a 11/09/2018”;
“Não se provou que o A tenha diligenciado para o reencaminhamento da correspondência.”
IX. Em face do provado nos autos, e do que vem de se demonstrar decidiu, e bem o meritíssimo juiz a quo: “não foi a primeira comunicação para o exercício da audição prévia, mas a comunicação de decisão em resposta a requerimento de prorrogação do prazo de audiência prévia apresentado pelo Recorrente (…) - isto em momento em que, (...) já sabia que se fria ausentar do pais, desde o dia seguinte (...) e por um período de tempo relativamente prolongado (...) sem que tenha referido a esta circunstância à AT para efeitos dos contactos a estabelecer consigo”,
X. Acrescentando que, “(...) quanto à alegada preterição de formalidade respeitante à notificação da decisão que deferiu a prorrogação do prazo de audiência prévia, conclui-se que o Recorrente se colocou voluntariamente na situação de não lhe poder ser notificada a decisão que referiu expressamente ficar a aguardar e, por isso, não se considera esta actuação conforme com o princípio da cooperação segundo os ditames da boa-fé [artigo 48°, n.º 2 do CPPT, 59°, n.º 1 LGT e 9.° do RCPITA], para efeitos da invocação da ausência da comunicação daquela decisão, como factor impeditivo do exercício do direito de audição na parte correspondente àquelas duas contas bancárias, que seja de relevar como preterição de formalidade essencial com carácter invalidante da decisão recorrida (…)”.
XI Porém, em contramão, vem o tribunal a concluir, noutro segmento, sem qualquer sustentação de facto e de direito, que: “ ter sido postergado o direito de participação do Recorrente e terem sido violados os Princípios do inquisitório e da verdade material, redundando a actuacão administrativa em vício de falta de fundamentação da decisão por violação do disposto no n.º 7 do artigo 60.° da LGT, sendo que, como se disse, a necessidade de fundamentação é tanto maior quanto maior seja a necessidade de assegurar a transparência da actividade administrativa e a possibilidade do controlo contencioso do acto praticado quanto á legalidade dos pressupostos, designadamente dos seus elementos de facto, no caso presente, os correspondentes à propriedade dos fundos nas três contas bancárias visadas pela alegação do Recorrente” — sublinhado nosso.
XII. O que constitui nulidade de sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão e por excesso de pronúncia - art. 615°, n° 1 alíneas c) e d) do CPC.
XIII. Resulta dos autos que o A. foi efectivamente notificado do projecto de relatório, e foi notificado do relatório final, ambos amplamente fundamentados.
XIV. Não tendo feito uso do dispositivo, ao seu alcance, e na sua disponibilidade, previsto no artigo 37º do CPPT, precisamente porque apreendeu o sentido da decisão — no segmento em apreço - tanto assim que sobre ela extensamente se insurgiu na PI e sobre ela se debruçou, em sede de audiência de julgamento, na tentativa de produção de prova.
XV. Devendo em consequência a decisão ser anulada neste segmento.
XVI. Contra alegando, não assiste razão ao recorrente.
XVII. Quanto à prova que o A entende ter sido impedido de produzir em sede de audiência prévia, tendo podido exercer tal faculdade em sede judicial, e tendo-o feito efectivamente, não logrou obter sucesso na demonstração dos factos que alega, donde resulta que, a alegada violação de formalidade, nunca se poderia ter tido por essencial, porquanto, ultrapassado o impedimento invocado pelo A, para a produção da prova, esta se revelou não produzida.
XVIII. Mais, nunca tal suposta violação teria como consequência a anulabilidade total da decisão, antes se conteria nos estritos limites da matéria sobre a qual o A entendia produzir prova.
XIX. Quanto aos alegados rendimentos por conta dos clientes bem andou o Tribunal ao decidir como decidiu, porquanto da prova produzida em audiência, não resultou que tais rendimentos não o sejam do A. Tendo ao invés a AT demonstrado o acréscimo patrimonial.
XX. O A não demonstrou nos autos que o rendimento efectivo não haja sido o apurado pela AT, cabendo-lhe, quanto aos alegados custos, fazer prova dos mesmos.
XXI. Bem sabe o A que poderia ter procedido à regularização voluntária da sua situação tributária, durante o procedimento inspectivo, por via da declaração mod 3 de IRS, aí declarando os rendimentos, por categoria, e os respectivos custos, - alega que a AT deveria ter tido em consideração - mas que ele próprio optou por omitir.
XXII. Assim como o poderia ter feito, no decurso do processo judicial — o que não fez.»

O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«1. Questões Prévias
I. 1. Veio a Recorrida AT, no âmbito das respetivas contra-alegações, requerer, ao abrigo do artigo 636.º do CPC, a ampliação do objeto do presente recurso jurisdicional às questões em que decaiu, imputando à sentença recorrida as nulidades por oposição entre os fundamentos e a decisão e por excesso de pronúncia, previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e, outrossim, erros de julgamento, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à de direito (v., designadamente as conclusões I, VII, VIII, XII e XV, insertas a fls. 789 e verso do processo em suporte físico, de ora em diante, abreviadamente, p. f.).
Sucede que, conforme melhor resulta das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2 do supramencionado artigo 636°, a requerida ampliação é admissível se e quando o Recorrido venha arguir a nulidade do aresto em crise ou “impugnar a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto”, o que efetivamente ocorreu.
Todavia, consta, de fls. 791 do p. f., que o tribunal a quo proferiu, em 14, de março de 2018, o despacho a ordenar a subida dos autos a este Colendo STA, mas nele não consignou qualquer referência ao pedido de ampliação do objeto do recurso e, bem assim, às invocadas nulidades, conforme lhe era imposto pelo preceituado no n.º 1 do artigo 641° do CPC.
Como quer que seja, e a acrescer, é seguro que o tribunal a quo não facultou o exercício do contraditório à aqui Recorrente, tendo em vista pronunciar-se sobre a requerida ampliação, nos termos e para os efeitos do n.º 8 do artigo 638° do CPC (cfr. fls. 785 e seguintes do p. f.)
Cumpre, pois, neste âmbito, invocar hic et nunc, a questão prévia da omissão do cumprimento pela 1ª. instância destes citados preceitos legais, sobretudo a inobservância desta última disposição, que mais não constitui do que um aforamento do princípio do contraditório previsto no artigo 3.° do mesmo diploma.
Na verdade, como melhor se alcança do teor literal dessa disposição, trata-se de uma norma imperativa e, qua tale, inderrogável pelo tribunal superior que a ela fica igualmente vinculado.
Sucede que é ao juiz relator que cumpre aferir da verificação, em cada caso, dos pressupostos ou requisitos legais da regularidade e legalidade da instância de recurso jurisdicional (cfr. o artigo 652°, n.º 1, alínea b), do CPC).
A omissão do cumprimento, com inegável carácter obrigatório, dos mencionados preceitos implica in casu o não conhecimento imediato do objecto do recurso e a consequente baixa dos autos à 1.ª instância, com vista a sanar as irregularidades do processado, dando-se cumprimento aos aludidos artigos 638°, n.º 8 e 641°, n.º 1, ambos do referido Código.
1. 2. Sem prejuízo e sem conceder, ainda que se entenda que se trata aqui de meras irregularidades que não contendem com a regularidade da instância recursiva e com o princípio inviolável do contraditório, é irrefutável que a Secção de Contencioso Tributário deste Colendo Supremo Tribunal Administrativo é incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional, em que a requerida ampliação do recurso incide sobre a alteração da matéria de facto levada ao probatório (v., mormente as conclusões I, VII e VIII, constantes de fls. 789 do p. f.)
É este o entendimento plasmado no douto aresto deste Supremo Tribunal, de 03/02/2016, tirado no Processo n.º 0231 / 15, em cujo sumário se consagrou que “Interposto recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão de um tribunal tributário 1ª instância, se o recorrido requerer a ampliação do respetivo âmbito, ao abrigo do disposto nº 2 do artigo 636° do Código de Processo Civil suscitando questões de facto, o Supremo Tribunal Administrativo não é competente para a apreciação do recurso, ainda que o recorrente não levante senão questões de direito”.
II. CONCLUSÃO
Destarte, o Ministério Público emite parecer no sentido de que deverá ordenar-se a baixa dos autos à 1.ª instância nos termos e com os fundamentos acima expostos.»

Por despacho do ora relator, a fls. 796, foram as partes notificadas do teor do parecer do Ministério Público e a recorrida veio a fls.799 e 800 sustentar que o seu requerimento de contra-alegações já foi notificado à recorrente e que os autos devem baixar à 1ª instância para cumprimento do disposto no artº 641º 1 do CPC, o que foi feito verificando-se que foi dado cumprimento a este preceito tendo sido admitida a requerida ampliação do objecto do recurso ( vide fls. 820-a dos autos).

O Ministério Público neste STA teve, de novo, vista dos autos e reiterou o parecer de que este STA é incompetente em razão da hierarquia sendo competente para o efeito o TCA Sul para o qual deverá ser remetido o processo, sem custas por o Recorrente não ter dado causa ao incidente.

3- DO DIREITO:
Em face do teor das conclusões das alegações e contra-alegações do recurso, e do parecer do Ministério Público, importa em primeiro lugar conhecer da questão prévia suscitada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, relativa à incompetência em razão da hierarquia deste STA para o conhecimento do recurso.

É consabido que a competência em razão da hierarquia integra pressuposto processual relativo ao Tribunal, constituindo requisito de interesse e ordem pública, devendo, por isso mesmo, o seu conhecimento preceder o de qualquer outra matéria – cf. artigos 16º n.º 1 e 2 do CPPT e 13º do CPTA.

Ora, de harmonia com o disposto nos artigos 26º al. b) e 38º al. a) do novo ETAF e 280º n.º 1 do CPPT-, à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo compete apenas conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com exclusivo fundamento em matéria de direito.
Sendo que aos Tribunais Centrais Administrativos compete, por sua vez conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com excepção dos referidos na alínea b) do n.º 1, do citado art. 26.º do referido Estatuto.
Como se disse no acórdão deste STA de 03/02/2016 tirado no recurso 0231/15 em que se suscitava também a mesma questão prévia relativa a incompetência em razão da hierarquia do STA A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender que a repartição da competência para apreciar os recursos jurisdicionais interpostos de decisões da 1ª instância é a seguinte: Em regra, tais recursos são apreciados pelo Tribunal que imediatamente se segue na hierarquia, o seja, o TCA.
Como excepção, é chamado a intervir o Supremo Tribunal Administrativo, quando as questões a conhecer sejam exclusivamente de direito. Havendo questões de facto e de direito, é aplicável a regra.
A lógica que preside ao sistema é a de reservar ao STA o papel de tribunal de revista, só o fazendo intervir quando a matéria de facto em disputa no processo esteja estabilizada e apenas o direito se mantenha em discussão.
Assim, sempre que algum dos intervenientes suscite uma questão de facto, o que significa que no processo ainda se discute a factualidade, que o STA não pode estabelecer, e que, consequentemente, tais factos ainda não estão definitivamente estabilizados, a competência não cabe ao STA. De outro modo, este não interviria a final, e julgaria a causa, de direito, antes ainda do seu integral julgamento sobre os factos. Sendo certo que o julgamento de direito consiste na eleição do regime legal que interessa ao caso, sua interpretação e aplicação aos factos antes apurados (Cf., neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17.05.2006, recurso 1210/05, e de 21.04.2010, recurso 189/10.)”.
No caso dos autos o recurso versa também apreciação da matéria de facto suscitada, pelo menos pela recorrida Fazenda Pública a qual nas suas contra-alegações apresentou o pedido de ampliação do objecto do recurso manifestando inconformismo com a matéria de facto fixada na sentença e solicitando desde logo como resulta dos pontos VII e VIII da contra-alegação supra destacada. Ali se pode ler:
“VII. Impondo-se portanto, com interesse para a apreciação da causa e da aplicação do direito aos factos, o aditamento da matéria de facto com os seguintes factos:
“Em 26/06/2017, o A adquiriu bilhetes de avião com saída de Portugal em 23/08/2017 e regresso em 11/09/2017;
“Na notificação para o exercício de audição foi-lhe concedido, para o respectivo exercício, o prazo de 16 dias com termo em 25/08/2017”,
“Na exposição dirigida à DF de Leiria em 22/08/2017, o A não informa que estaria ausente do país, desde 23/08/2018 até 11/09/2018—cfr. fls. 98 a 100 do PA.”
VIII. Devendo ainda a sentença fixar a matéria de facto não provada:
“Não se provou que o A tenha informado a DF de Leiria que estaria ausente da sua residência de 23/08/2017 a 11/09/2018”;
“Não se provou que o A tenha diligenciado para o reencaminhamento da correspondência.”

Estando ampliado o objecto do recurso jurisdicional, impõe-se ao tribunal de recurso que, em caso de procedência dos fundamentos alegados pela recorrente, conheça também dos fundamentos apresentados pela recorrida Fazenda Pública – que integram inequivocamente, matéria de facto em abstracto relevante para a decisão da causa.
Procede, consequentemente, a questão suscitada no parecer do Exmº. Procurador-Geral Adjunto.

Ocorre, pois, a incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo já que versando o recurso, também, matéria de facto, será competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo Sul – arts. 280º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26º alínea b) e 38º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
4- DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes deste STA em julgar a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional, declarando-se competente para o efeito o Tribunal Central Administrativo Sul (Secção do Contencioso Tributário).
Sem custas.

Lisboa, 5 de Setembro de 2018. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - António Pimpão.