Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0539/08
Data do Acordão:10/29/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:IRS
IMPOSTO DE MAIS VALIAS
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
MAIS VALIAS
Sumário:Por força do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão de terrenos agrícolas que foram adquiridos antes da vigência do CIRS e se mantinham com essa natureza no momento da sua entrada em vigor.
Nº Convencional:JSTA00065289
Nº do Documento:SA2200810290539
Data de Entrada:06/16/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA NORTE.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
DIR FISC - MAIS VALIAS.
Legislação Nacional:DL 442-A/88 DE 1988/11/30 ART5 N1.
DL 141/92 DE 1992/06/17.
CCIV66 ART8 N3.
CIMV65 ART10 N1 PAR2 ART1.
CONST ART103 N3.
Jurisprudência Nacional:AC TC PROC203/89 DE 1990/06/20.; AC STA PROC179/07 DE 2007/06/06.; AC STA PROC763/07 DE 2007/02/13.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1- A... e mulher, com os demais sinais dos autos, vêm recorrer do acórdão do TCA Norte que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do TAF de Viseu, que julgara procedente a impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, relativa ao ano do 1992, formulando as seguintes conclusões:
1ª) Ao abstrair da qualificação do prédio em 1989, aquando da entrada em vigor do CIRS, o douto Acórdão recorrido afastou-se da orientação jurisprudencial deste mesmo Supremo Tribunal Administrativo e, dessa forma, incorreu em violação do estatuído no Art° 5° do DL n° 442-A/88, de 30/11 - vd. parágrafo 3.a) supra - e,
2ª) ao considerar tal prédio como alienado na data da respectiva escritura de compra e venda, desatendendo a sua anterior tradição e ajuste de revenda, e ao qualificá-lo como “terreno para construção”, mesmo sem verificação dos requisitos demandados para o efeito pelo quadro legal em vigor à data dos factos, o douto Acórdão recorrido incorreu em violação das prescrições do Art° 10°/3 a) do CIRS, do Art° 6°/3 do CCA e dos Art°s. 2° (§ 1º/1 e § 2°) e 49° (§ 3°) do CIMSISD - vd. parágrafos 4 a 12 supra
2- A recorrida Fazenda Pública contra-alegou nos termos que constam de fls. 213 e seguintes, concluindo do seguinte modo:
1. A aplicação do art. 5.°, 1 do Dec. Lei 442-A/88 de 30 de Novembro implica a realização de percurso intelectual, consistente na realização de diversas e especificas operações, sendo que o resultado de cada uma delas determina a prossecução para uma das fases subsequentes ou o termo do processo lógico-dedutivo.
2. A primeira operação consiste na qualificação do ganho obtido face ao CIMV; se esse ganho for tributável nos termos daquele diploma, é-o também nos termos do CIRS.
3. Se se verificar que a mais-valia não era sujeita a tributação em sede do anterior imposto das mais-valias, impõe-se prosseguir para a operação subsequente, que implica a determinação da data da aquisição do bem ou direito alienado.
4. Caso essa aquisição seja anterior à entrada em vigor do CIRS, não há tributação; se posterior, as mais-valias são sujeitas face à nova lei.
5. No caso em apreço, o acórdão em recurso quedou-se na primeira fase porque, operando com as regras do CIMV, verificou que a mais-valia era sujeita à luz daquele diploma, o que determina a sua imediata e automática sujeição às regras do CIRS.
6. Ao decidir como decidiu, não tinha que atender à data da aquisição do imóvel alienado, mas apenas ao momento da sua transmissão, o único relevante atenta a circunstância de se tratar de uma mais-valia tributável face à legislação revogada.
7. Igualmente não tinha que fazer uso das regras do CCA e CSISSD porque o que o legislador impõe é que se averigue se o ganho era sujeito ao antigo Imposto de Mais-Valias, o que implica que se utilizem os critérios e regras daquele imposto.
8. A data da transmissão do imóvel alienado (1991 ou 1992) é irrelevante porque o Recorrente não ignorava, desde a assinatura do contrato-promessa, que estava a transmitir um terreno destinado à construção.
3- O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
«Objecto recurso: a questão objecto do presente recurso consiste em saber se os ganhos (Mais-Valias) resultantes da venda, em 1992, de um terreno, agora destinado a construção, mas adquirido como prédio rústico em 1981 (na proporção de ¼) e em 1988 (na proporção de ¾), estão isentos de IRS por estarem abrangidos no regime transitório previsto no artº 5º nº 1 do Decreto-Lei nº 442-A/88 (redacção do Decreto-Lei nº 141/92 de 17/6).
Alega o recorrente que ao abstrair da qualificação do prédio em 1989, aquando da entrada em vigor do CIRS o acórdão recorrido incorreu em violação do estatuído no artº 5º do Decreto-Lei 442-A/88 de 30.11.
Fundamentação: afigura-se-nos que o recurso merece provimento.
É que, conforme resulta da matéria de facto provada, na data da aquisição (1974) o imóvel em causa era um prédio rústico e até à data da entrada em vigor do Código do IRS (1 de Janeiro de 1989) detinha essa mesma qualidade.
Com efeito o que interessa para a aplicação do regime transitório do artº 5º nº 1 do Decreto-Lei nº 442-A/88 (diploma que aprovou e regulou a entrada em vigor do Código do IRS) é saber a qualidade que o bem detinha no momento da entrada em vigor daquele diploma legal.
Nos termos do art. 1º do CIMV o imposto de mais-valias incidia sobre os ganhos realizados através da transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que fosse o título por que se operasse, quando dela resultassem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17º da Lei nº 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4º do Decreto-Lei nº 41 616, de 10 de Maio de 1958, e que não tivessem a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial.
Dispunha por sua vez o nº 2 do mesmo normativo que eram «havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo. Já o regime do art. 10º nº 1 Código do IRS, na sua redacção original, classificou como rendimentos da categoria G os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, resultassem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Porém, o regime transitório da categoria G, previsto pelo art. 5º nº 1 do DL. 442-A/88 de 30.11, veio estabelecer que “os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 46 373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código”.
Como se sublinha no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.12.2006, «o que se pretendeu com a mudança de regime de tributação operada a partir de 1989 foi tributar em IRS, categoria G, todas as transmissões onerosas sobre imóveis; todavia, para evitar efeitos retroactivos, estabeleceu-se que para serem tributadas tais transmissões era necessário que os bens abrangidos fossem adquiridos e alienados dentro da vigência da nova lei, com excepção daqueles que já eram antes tributados por força do CIMV, ou seja, os terrenos para construção, os quais passariam agora a ser tributados nos termos do Código do IRS».
Ainda a propósito se disse no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.06.2007, recurso 179/07, in www.dgsi.pt, «a tributação em IRS da valorização de terrenos agrícolas que haviam sido adquiridos antes da sua entrada em vigor incluiria, parcialmente, a aplicação retroactiva do novo regime de tributação a ganhos obtidos com a valorização dos prédios rústicos, pois forçosamente se iriam tributar, além dos ganhos correspondentes à valorização gerada na vigência do novo Código, também alguns correspondentes à valorização que, como prédios rústicos, pode ter tido ocorrido antes da sua entrada em vigor.
Ora, essa aplicação retroactiva de normas de incidência tributária, que, a partir da revisão constitucional de 1997 é absolutamente proibida pela nova redacção dada ao art. 103º, nº 3, da CRP, só era tolerável anteriormente em situações especiais em que estivesse em causa o interesse geral (essencialmente neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional nº 216/90, de 20-6-1990, processo nº 203/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº 398, página 27), que não se vislumbram em matéria de tributação de mais-valias».
No caso em apreço e tanto quanto resulta da matéria de facto dada como provada, o prédio em questão era, à data da entrada em vigor do Código do IRS - 1 de Janeiro de 1989 - um prédio rústico destinado ao cultivo agrícola tendo sido adquirido, também nessa qualidade, antes da vigência do referido diploma legal.
Assim sendo, haverá de concluir-se que os ganhos resultantes da respectiva venda estão isentos por estarem abrangidos no regime transitório previsto no artº 5º nº 1 do Decreto-Lei nº 442-A/88 (redacção do Decreto-Lei nº 141/92 de 17/6).
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida.»
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
4- O acórdão recorrido fixou a seguinte matéria de facto:
1. Os impugnantes adquiriram em 1981, na proporção de 1/4 e em 1988, na proporção de 3/4, um prédio rústico, composto por terreno de cultura, pomar e pinhal, com a área de 14.530 m2, sito no lugar ..., freguesia e concelho de Águeda, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 7526.
2. Em 31/07/1991 os impugnantes outorgaram com a sociedade comercial denominada “B..., Lda” um contrato promessa de compra e venda, mediante o qual prometeram vender o prédio referido em 1).
3. Estipulava a cláusula 2ª do contrato referido em 2) que:
“O preço acordado é de Esc. 44.500.000$00 … que será pago pela Segunda Outorgante da seguinte forma:
a) Esc. 3.000.000$00…já entregues aos Primeiros Outorgantes…
b) Esc. 41.500.000$00... quando da outorga da escritura pública de compra e venda …”
4. Nos termos da cláusula 4ª, al. a) do mesmo contrato, os primeiros outorgantes, ora impugnantes, obrigaram-se perante a segunda outorgante a “entregar-lhe o objecto do presente contrato promessa devoluto de pessoas e bens e livre de quaisquer ónus ou encargos, quando da outorga da escritura pública de compra e venda”.
5. Nos termos da cláusula 4ª, al. c) do mesmo contrato, os primeiros outorgantes, ora impugnantes, obrigaram-se perante a segunda outorgante a “permitir-lhe que ela ceda, se o desejar, a outra pessoa singular ou colectiva, a posição, direitos e obrigações que assume, por este contrato promessa, desde que a promitente compradora lhe comunique por escrito e até dez dias antes da escritura pública de compra e venda, a identificação do cessionário”.
6. Em 30/01/92 os impugnantes outorgaram com a “B..., Lda” um aditamento ao contrato promessa de compra e venda referido em 2), mediante o qual foi acordado em não outorgar nessa data a escritura de compra e venda do prédio em causa, tendo nessa ocasião os primeiros recebido o remanescente do preço, ou seja, Esc. 41.500.000$00.
7. Em 30/01/1992 os impugnantes outorgaram uma procuração notarial conferindo ao gerente da “B..., Lda” poderes para vender o imóvel identificado em 1), com expressa dispensa da obrigação de prestação de contas, sendo irrevogável. 8. Em 1995 os impugnantes foram fiscalizados por parte da Divisão de Inspecção e Prevenção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro, a qual procedeu à tributação em sede de IRS do valor das mais valias operadas com a venda do terreno referido em 2), com base nos seguintes fundamentos:
“(…)
Constata-se, com interesse, para o assunto em epígrafe, nomeadamente o seguinte:
a) O comprador, B... Portugal, requereu em 5/3/91, à Câmara Municipal de Águeda, a viabilidade de construção num terreno que diz já possuir..., tendo recaído o despacho de deferimento em reunião de 16/4/91;
b) A locadora, C… veio requerer à Repartição de Finanças de Águeda a redução das coimas que se mostrarem devidas, relativamente às seguintes faltas:
“…1 - A requerente, em sede de contrato de locação financeira outorgado com “D..., Lda” adquiriu um terreno para construção, sito em ..., freguesia de Águeda, inscrito ma matriz predial rústica sob o Artigo 7526, com a área de 14.530 m2 ... cuja tradição a favor do locatário se verificou em 05.03.91.
A sisa respectiva foi liquidada em 30.4.92, pelo conhecimento n.° 529, não tendo sido declarado que o terreno se destinava a construção, a escritura de compra e venda teve lugar em 4.05.92.
2 - Aquele terreno não foi participado para efeitos de inscrição matricial no prazo de noventa dias a contar da data de aquisição ou da aprovação do respectivo projecto de construção.
3 - Tendo sido concluídas as obras do edifício destinado a supermercado construído no terreno em questão em 10.6.92, não participou no prazo de noventa dias tal facto para efeitos de inscrição matricial.”
c) Em 16/4/91 foi deferido, em reunião da Câmara Municipal de Águeda, o pedido de viabilidade de construção naquele terreno.
d) No anexo 1.3 datado de 31.01.92 consta o Alvará de Licença n.° 160/1992 para a referida obra de construção;
e) O contrato promessa de compra e venda do terreno … foi lavrado em 31/7/91, tendo-se aí consignado o preço acordado de Esc. 44.500.000$00, cujo pagamento foi estabelecido: 3.000 contos com este acto e 41.500 contos aquando da outorga da escritura pública de compra e venda a realizar-se dentro dos seis meses seguintes, contados a partir da data deste contrato promessa;
f) Por contrato de Aditamento celebrado em 30/1/92 foi efectuado o restante pagamento da compra do terreno (41.500 contos), em como o acordo em adiar a efectivação da escritura de compra e venda para 31/7/92 ou com prorrogação por mais 6 meses a partir dessa data. Também neste acto foi consignado a entrega ao comprador duma procuração adequada irrevogável de venda do referido imóvel…a favor do apresentante (sócio gerente) do mesmo comprador.
g) A escritura de compra e venda foi lavrada no 3° Cartório Notarial do Porto em 4/5/92.
2.3. Da consulta dos mod. 2 de IRS e anexos, dos exercícios de 1991 e 1992 apresentados pelo contribuinte - vendedor, acima identificado, verifica-se que não foi apresentado e/ou incluído o valor da venda do terreno para construção, no exercício em que se verificou a tradição, 1991 ou no exercício da outorga da escritura de compra e venda, 1992, através do anexo G.
(…)
2.6. Assim, face ao exposto, existem indícios fortes que, aquando da posse do terreno pelo comprador (tradição), o terreno já era classificado como “terreno para construção”. O que o vendedor não poderá ignorar é que à data da escritura de venda já existia, implementado no terreno, uma construção quase ultimada, apesar de, ainda de forma expressa o mesmo consignar na escritura de venda tratar-se de terreno rústico, o que representa uma simulação relativamente à declaração da qualificação, face à realidade à data.
Assim, à data da escritura de compra e venda o terreno destinava-se à construção (pois já existia construção nesse terreno), sendo, por isso, os ganhos obtidos, enquadrados no art. 10° do Código do IRS, por não se verificar a exclusão prevista no art. 5° do Decreto-Lei 442-A/88, de 28/11.
(…).”
9. Na sequência da acção de fiscalização referida em 8), foi efectuada a liquidação adicional de IRS para o exercício de 1992, a qual obteve o n.º 5320110584, no montante de Esc. 14.603.448$00.
10. Os impugnantes apresentaram requerimento de regularização de dívidas a que se refere o n.º 1 do artigo 14º do Decreto-Lei n.º 124/96, de 10/8.
5- A questão que vem colocada no presente recurso prende-se em saber se a transmissão de um terreno, destinado a construção, operada em 1992, mas adquirido como prédio rústico em 1981 (na proporção de ¼) e em 1988 (na proporção de ¾), está sujeita a tributação em sede de IRS, a título de mais-valias ou dela está isento por se encontrar abrangida pelo regime transitório previsto no artigo 5.º n.º 1 do DL n.º 442-A/88 (redacção do DL n.º 141-A/88, de 30/11)
Em sentido afirmativo se entendeu no acórdão sob recurso, para o que se considerou ser decisivo para a sujeição a tributação em sede de IRS o facto da venda do terreno em causa, destinado a construção, se ter concretizado em 1992, sem que tivesse sido atendida a circunstância de à data da entrada em vigor do CIRS (1/1/89) esse terreno ainda ser qualificado como prédio rústico.
Ora, acontece que o entendimento perfilhado no acórdão recorrido é desconforme com jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de forma firme e reiterada, que acolhe também a nossa inteira concordância, e de acordo com a qual por força do disposto no art. 5.º n.º 1 do DL 442-A/88, de 30 de Novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão de terrenos agrícolas que foram atribuídos antes da vigência do CIRS e se mantinham com essa natureza no momento da sua entrada em vigor (cfr. acórdãos de 9/11/05, 29/03/06, 12/12/06, 6/6/07 e 13/2/07, nos recursos n.ºs 733/05, 1213/05, 1100/05, 179/07 e 763/07).
Como assim, tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º, nº 3 do CC), limitar-nos-emos a acompanhar o que, de forma exaustiva e proficiente, foi dito no acima citado de 6/6/07, proc. 179/07, em situação similar.
Escreveu-se nesse aresto:
“O art. 5.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o CIRS, estabelece um «Regime transitório da categoria G» nos termos do qual, na redacção inicial «os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.° 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código».
No que concerne a terrenos, o Código do Imposto de Mais Valias apenas previa a tributação no caso de «transmissão onerosa de terreno para construção» (art. 10, n.° 1.º, daquele Código).
Nos termos do § 2.° do mesmo artigo, «são havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo».
No caso em apreço, não vem provado que o terreno em causa estivesse integrado em zona urbanizada ou compreendida em plano de urbanização, pelo que a qualificação como terreno para construção, para efeito do Imposto de Mais-Valias, só poderia advir de declaração como tal no «título aquisitivo». -
Este «título aquisitivo» era o título através do qual o transmitente do terreno, que era o sujeito passivo do Imposto de Mais-Valias, o adquiriu e não o título através do qual o transmitiu, pois este, na mesma terminologia, teria, decerto, a designação de «título transmissivo» ou «título translativo».
No caso em apreço, não se demonstrou que no título aquisitivo do terreno em causa tivesse sido declarado que a aquisição do terreno tinha em vista a construção, pelo que os ganhos obtidos com transmissão do prédio em causa não estavam sujeitos a Imposto de Mais-Valias.
É certo que há uma valorização dos terrenos agrícolas quando são transformados em terrenos para construção e afectados a actividade comercial ou industrial dos seus titulares, situação que passou a ser tributada em sede de IRS, na categoria de mais-valias, com a redacção dada à alínea a) do n.° 1 do art. 10.° do CIRS pelo Decreto-Lei n.° 141/92, de 17 de Julho. No entanto, essa situação não era tributada em sede de Imposto de Mais-Valias e, ao passar a sê-lo em sede de I.R.S., a título de mais-valias, também em relação a estas valorizações se limitou o âmbito de incidência aos casos em que «a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código», como se estabeleceu na nova redacção que naquele diploma foi dada ao art.° 5.° do Decreto-Lei n.° 442-A/88. (A redacção do n.° 1 deste art. 5.º passou a ser a seguinte:
«os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.° 46373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código».)
Assim, para que a transmissão do terreno referida nos autos fosse tributada em sede de IRS era necessário que, antes da data da entrada em vigor do CIRS, que ocorreu em 1-1-1989, o terreno em causa fosse qualificado como terreno para construção, pois só a valorização de terrenos com esta qualificação era tributada em sede de Imposto de Mais-Valias.
Não valem, neste contexto de tributação em sede de mais-valias, considerações atinentes à materialidade económica das situações da valorização de terrenos agrícolas, derivada da sua transformação em terrenos de construção e à sua pretensa identidade com as situações de valorização de terrenos adquiridos e transmitidos como terrenos para construção.
Na verdade, é patente pelo art. 1.º do Código do Imposto de Mais-Valias que ele não tinha a vocação para tributar a generalidade das situações de valorização de bens que tem o CIRS.
Aliás, o próprio Preâmbulo do Código do Imposto de Mais-Valias expressamente refere a deliberada restrição do âmbito de incidência do imposto, a título experimental, a algumas das situações de valorização de bens, alguns dos ganhos «trazidos pelo vento» e não todas as situações que poderiam abstractamente considerar-se equiparáveis.
Com efeito refere-se no ponto 2 desse preâmbulo que «a ideia de que se partiu para traçar os limites do imposto foi a de considerar mais-valias os aumentos de valor dos bens que os contribuintes não produziram nem adquiriram para venda. É uma ideia decerto sujeita a reparos sob o ponto de vista teórico, mas que tem a vantagem de poder ser utilizada na prática. No entanto, resolveu-se aplicá-la, não a todos os bens naquelas condições, e sim apenas aos bens cujas mais-valias se verificam com maior frequência, são de maior vulto ou não oferecem dificuldades sérias de determinação. E o que acontece, sem dúvida, com os terrenos para construção; com os elementos do activo imobilizado das empresas (entre eles os trespasses e os alvarás) e os seus bens de rendimento; com o direito ao arrendamento dos escritórios e consultórios; com as quotas em sociedades e as acções».
«Caem precisamente sob a alçada do imposto as mais-valias desses quatro grupos de bens. Mas fica a porta aberta para se alargar a base da incidência, trazendo-lhe outros bens com as respectivas mais-valias, muito embora só possa pensar-se em fazê-lo depois de colhida a experiência deste diploma e de bem delineados em vários sectores os contornos da evolução económica que está em curso».
Por outro lado, o afastamento pelo art. 5.° do Decreto-Lei n.° 442-A/88 da tributação em IRS, a título de mais-valias, dos ganhos obtidos com a transmissão de terrenos que, à data da entrada em vigor do CIRS, eram qualificados como terrenos agrícolas (e, por isso, estavam fora do âmbito de incidência do Código do Imposto alias) compreende-se pelo facto de, tendo-se optado pelo cálculo dos ganhos tributáveis a título de mais-valias com base na diferença entre o valor da aquisição e o valor da transmissão, a tributação em IRS da valorização de terrenos agrícolas que haviam sido adquiridos antes da sua entrada em vigor incluiria, parcialmente, a aplicação retroactiva do novo regime de tributação a ganhos obtidos com a valorização dos prédios rústicos, pois forçosamente se iriam tributar, além dos ganhos correspondentes à valorização gerada na vigência do novo Código, também alguns correspondentes à valorização que, como prédios rústicos, pode ter tido ocorrido antes da sua entrada em vigor.
Ora, essa aplicação retroactiva de normas de incidência tributária, que, a partir da revisão constitucional de 1997 é absolutamente proibida pela nova redacção dada ao art.º 103.°, n.° 3, da CRP, só era tolerável anteriormente em situações especiais em que estivesse em causa o interesse geral (Essencialmente neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.° 216/90, de 20-6-1990, processo n.° 203/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.° 398, página 2 a 7.), que não se vislumbram em matéria de tributação de mais-valias.
No caso em apreço, o terreno em causa foi adquirido como terreno agrícola e era terreno agrícola à data da entrada em vigor do CIR, pelo que é de concluir que, em face do disposto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, os ganhos obtidos com a sua transmissão não se inserem no âmbito de incidência do IRS.”
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se o aresto recorrido e mantendo-se a sentença.
Sem custas.
Lisboa, 29 de Outubro de 2008. – Miranda de Pacheco (relator) – Jorge de Sousa – António Calhau.