Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02998/16.8BEPRT 0965/17
Data do Acordão:09/19/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:GARANTIA
FIANÇA
CONSTITUCIONALIDADE
REFORMA DE ACÓRDÃO
Sumário:I - Cumpre à AT, perante o caso concreto, averiguar da idoneidade da garantia oferecida em ordem à suspensão da execução fiscal, idoneidade que deve aferir-se pela susceptibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, caso seja necessário executar a garantia (arts. 169.º, 199.º e 217.º, do CPPT, e art. 52.º, da LGT).
II - Sendo oferecida como garantia uma fiança prestada por uma sociedade, o critério legal de avaliação da garantia prescrito pelo art. 199.º-A do CPPT (aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, Lei do Orçamento do Estado para 2016) manda atender ao valor do património (n.º 1) da sociedade garante e faz corresponder este ao valor da totalidade dos títulos representativos do seu capital social, determinado nos termos do art. 15.º do CIS (n.º 2) e deduzido dos montantes referidos nas alíneas do n.º 1 daquele preceito.
III - Ainda que o critério legal, aplicado na sua literalidade a uma sociedade gestora de participações sociais que tinha no último ano um activo de € 212.147.138,00, um passivo de € 194.848.665,00 e capitais próprios de € 17.298.473,00, conduza a uma situação patrimonial líquida negativa, levando à recusa de uma fiança a prestar pelo valor de € 93.870,61, o mesmo critério, de acordo com o julgamento efectuado pelo Tribunal Constitucional nestes autos, não pode ter-se como desadequado ao fim que legalmente devia prosseguir nem como violador dos cânones de proporcionalidade a que o legislador está constitucionalmente obrigado.
IV - Consequentemente, reformando anterior acórdão de acordo com o juízo de não inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional, é de manter a sentença que julgou improcedente a reclamação deduzida pelo executado contra a decisão do órgão da execução fiscal que, aplicando esse critério, recusou a prestação da fiança nos referidos termos.
Nº Convencional:JSTA000P23598
Nº do Documento:SA22018091902998/16
Data de Entrada:08/29/2017
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 2998/16.8BEPRT


* Este acórdão já contém as rectificações feitas pelo acórdão de 26.09.2018.

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A…………, S.A.” (adiante Executada, Reclamante ou Recorrida) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a reclamação por ela deduzida ao abrigo dos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) contra a decisão do órgão da administração tributária que lhe indeferiu o pedido de prestação de garantia através de fiança, em ordem à suspensão da execução fiscal por a Executada ter impugnado judicialmente a liquidação do imposto que está na origem da dívida exequenda.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal. - As notas que no original estavam em rodapé serão transcritas no texto, entre parêntesis rectos.):

«i. Resulta evidenciado dos autos que a AT logrou induzir o legislador na consagração acrítica de uma metodologia para aferição da idoneidade da fiança oferecida, que na prática impossibilita o uso da fiança como garantia – mormente quando estejam em causa SGPS.

ii. Não se descortina qualquer fundamento válido para a lei desconsiderar, no cômputo do património de uma SGPS, precisamente O ÚNICO ACTIVO que as mesmas sociedades podem legalmente deter.

iii. O caso dos autos é demonstrativo disso mesmo, face à conclusão absurda segundo a qual o valor a deduzir da participada, de € 9.525.790,00, é superior ao valor total das acções da própria sociedade participante, de € 8.649.236,50.

iv. No sentido da total inadequação da metodologia estabelecida no artigo 199.º-A do CPPT ao fim legal milita também constatação de que a AT considera inidónea uma garantia prestada por uma empresa que tem um activo de € 212.147.138,00 e capitais próprios de € 17.298.473,00 – face à (pretensa) dívida exequenda no inexpressivo valor de € 73.799,09 – pelo que a garantia em causa é manifestamente “susceptível de assegurar os créditos do exequente”31 [31 Cfr. artigo 199.º n.º 1 do CPPT.].

v. Para aferição da idoneidade da garantia, o artigo 199.º-A do CPPT estatui que “Na avaliação da garantia, com excepção de garantia bancária, caução e seguro-caução, deve atender-se ao valor dos bens ou do património do garante” – sendo que, porque a fiadora é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais, nos termos da Lei n.º 495/88 de 30.12 os únicos bens que pode deter são participações sociais.

vi. Em cumprimento do referido preceito legal, impunha-se que a AT determinasse qual o valor das participações sociais detidas pela fiadora – as quais constituem, portanto, o património que serve de garantia – e não que determinasse o valor das acções da própria fiadora.

vii. Como o legislador veio acriticamente a dar guarida à inadequada metodologia proposta pela AT, deveria o Tribunal a quo desaplicar o artigo 199.º-A do CPPT – por violação manifesta dos princípios constitucionais da justiça e proporcionalidade, consignados nos artigos 55.º da LGT e 266.º n.º 2 da CRP.

viii. Como resulta dos autos, a AT entende que a avaliação do património da fiadora, feita com base na metodologia prevista no artigo 15.º do CIS, visa determinar o seu “património líquido – sendo que, como é entendimento da nossa Jurisprudência, «(...) a lei não alude à existência de suficiente património líquido, mas à existência de bens suficientes, que abrange todo o seu património, líquido e ilíquido (…)»32 [32 Cfr. Ac. TCAN, de 11.10.2012, dado no proc. n. 944/12.7BEPRT.].

ix. Face à adopção do critério actualmente constante do artigo 199.-A do CPPT, este Supremo Tribunal 33 [33 Cfr. Ac. STA de 24.02.2016, dado no proc. n.º 082/16.] decidiu que:

«Não basta que o critério de avaliação do património do fiador para efeitos de avaliar a sua idoneidade para assegurar o pagamento da dívida exequenda garantida e acrescido seja objectivo, necessário é também que seja adequado ao fim tido em vista, que só poderá ser, nos termos da lei, o de averiguar da susceptibilidade do património do fiador para responder pela dívida exequenda e acrescido e não o de permitir à AT recusar como garantes fiadores cujo património ofereça suficiente consistência para responder pela dívida garantida».

x. Como resulta evidenciado nos autos, também no caso concreto a aplicação da metodologia prevista no artigo 199.º-A do CPPT conduz a resultado absurdo – na medida em que o valor a deduzir da participada é superior ao das partes de capital da própria sociedade participante!

xi. E daí que, a aplicação da metodologia em causa, em lugar de se destinar a determinar a idoneidade da garantia face à exigência legal de ser “susceptível de assegurar os créditos do exequente 34 [34 Cfr. artigo 199.º n.º 1 do CPPT.] – destina-se, outrossim, a inviabilizar por completo a prestação de garantia através de fiança.

xii. Mesmo por referência ao ilegal critério do “património líquido”, a aplicação da metodologia prevista no artigo 199.º-A do CPPT demonstra o desacerto da solução legal consagrada acriticamente, na medida em que o artigo 15.º do CIS contém uma fórmula legal que não faz qualquer sentido para a aferição da idoneidade da garantia 35 [35 Cfr. Ac. STA de 07.06.2016, dado no proc. n.º 0728/16.] 36 [36 Cfr. Ac. STA de 20.04.2016, dado no proc. n.º 413/16.] a prestar para suspensão da execução fiscal – atenta a finalidade prevista nos artigos 52.º da LGT e 199.º do CPPT.

xiii. No caso dos autos, os “passivos contingentes” determinados pela AT somam a quantia de € 17.866,06 – pelo que, aplicando mutatis mutandis a ponderação deste Supremo Tribunal, jamais a sua dedução ao património da fiadora seria susceptível de indiciar, muito menos de determinar inapelavelmente a inidoneidade da garantia.

xiv. A determinação do “património líquido” com base numa putativa responsabilidade decorrente de eventos futuros e incertos 37 [37 Cfr. Ac. STA de 19.09.2012, dado no proc. n.º 0909/12.] – como é o caso do “passivo contingente” revela a clara inadequação do critério constante do artigo 199.º-A do CPPT à finalidade legal constante do artigo 52.º LGT e 199.º CPPT.

xv. Em consequência:

i.- porque o critério constante do artigo 199.º-A do CPPT acarreta a impossibilidade de prestação de garantia através de fiança em circunstâncias concretas onde a fiadora, manifestamente, possui património mais do que suficiente para garantir o bom pagamento da dívida exequenda;

ii.- porque o critério constante do artigo 199.º-A do CPPT restringe de modo desproporcional os direitos dos Contribuintes, na medida em que não existe qualquer fundamento ou justificação razoável para expurgar do património da fiadora relevantes componentes, sobretudo no caso das SGPS e;

iii.- porque o critério constante do artigo 199.º-A do CPPT se revela manifestamente inadequado à finalidade legal que supostamente pretende cumprir – como reiteradamente decidido por este Supremo Tribunal 38 [38 Cfr. Ac. STA de 02.12.2015, dado no proc. n.º 1458/15, de 20.02.2016, dado no proc. n.º 82/16 [(Pensamos ter existido lapso na indicação do aresto: em 20 de Fevereiro de 2016 (que foi sábado) não foi proferido acórdão no processo n.º 82/16, mas sim em 24 de Fevereiro de 2016, como a Recorrente, aliás, menciona de seguida. )], de 24.02.2016, dado no proc. n.º 082/16, de 20.04.2016, dado no proc. n.º 413/16, de 11.05.2016, dado no proc. n.º 0531/16, de 07.06.2016, dado no proc. n.º 0728/16, de 15.06.2016, dado no proc. n.º 0630/16, de 20.04.2016, dado no proc. n.º 413/16, de 29.06.2016, dado no proc. n.º 0727/16.];

iv.- resta concluir pela sua inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade, constante do artigo 266.º n.º 2 CRP e ínsito no princípio do Estado de Direito democrático consagrado no artigo 2.º da CRP – na medida em restringe desproporcionalmente a possibilidade de os Contribuintes obterem a suspensão da instância executiva, na medida em que pretendem discutir, graciosa ou contenciosamente a dívida tributária, e é demasiadamente gravosa, mesmo em face do interesse creditório do Estado.

xvi. Destarte, e ainda que tal norma fosse aplicável ao caso dos autos – o que não se concede – a mesma deveria ser desaplicada pelo Tribunal 39 [37 Cfr. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, Lisboa, p. 441, sublinhado nosso.], atenta a sua inconstitucionalidade, nos sobreditos termos.

Nestes termos, deve conceder-se provimento ao presente recurso, anulando-se a sentença recorrida por erro de julgamento da matéria de Direito - o que se deverá fazer por obediência à Lei e por imperativo de JUSTIÇA!».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

1.4 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer do seguinte teor:

«1. A fundamentação contida na contestação da Fazenda Pública (fls. 213/17 e v.) e seguida pela sentença recorrida é inatacável. Quando a fiança foi apresentada já estava em vigor o art. 199.º-A do CPPT que, por isso, é de aplicar no presente caso. DURA LEX, SED LEX.
2. Ficou provado que a empresa garante B………… SGPS, SA não tem capacidade para libertar meios líquidos suficientes para pagamento da quantia exequenda e, assim, a fiança prestada no valor de 93.870,61 Euros não é idónea.
3. Acresce que a garante é a B………… e é apenas e tão-só o seu património que responde e jamais o património do Grupo ………… onde a mesma está inserida. A redacção do art. 199.º-A, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CPPT não deixa dúvidas. Como assim, não se vislumbra onde fica violado o princípio da proporcionalidade.
4. Salvo o devido respeito, não se vê como este STA pode alterar o decidido e, por isso, somos de parecer que o recurso não merece provimento».

*1.6 Proferido acórdão por este Supremo Tribunal, que concedeu provimento ao recurso com fundamento na inconstitucionalidade da norma constante dos n.ºs 1 e 2 do art. 199.º-A do CPPT, o mesmo foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, que proferiu juízo de não inconstitucionalidade da mesma norma.

1.7 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.8 A questão suscitada pela Recorrente é a de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento quando decidiu pela não verificação da invocada inconstitucionalidade material da norma do art. 199.º-A do CPPT por violação do princípio da proporcionalidade e, consequentemente, manteve a decisão administrativa que recusou a prestação de garantia mediante fiança, questão que ora cumpre apreciar de acordo com o juízo de não inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«1. A sociedade reclamante é detida a 100% pela sociedade C…………, SA, cujo único accionista é a B………… SGPS, SA, NIPC ……… - Cfr. fls. 121e 266 do processo físico.

2. A sociedade B………… SGPS, SA é detida pela …………, tem um capital social de 4.900.000,00 representado por 4.900.000 acções não cotadas, com valor nominal de 1 Euro cada - Cfr. fls. 121 do processo físico.

3. A sociedade B…………, SGPS, SA, referida em 02), tinha em 31.12.2014:
- ACTIVOS NÃO CORRENTES (investimentos financeiros), no valor de € 84.370.564,00, sendo o total do ACTIVO € 208.523.916,00;
- TOTAL do PASSIVO € 188.259.907,00; e
- TOTAL do CAPITAL PRÓPRIO € 20.264.088,00 - Cfr. fls. Demonstrações Financeiras da B…………, SGPS constantes de fls. 95/116 do processo físico, nomeadamente fls. 97 do mesmo processo físico, cujo teor se tem como reproduzido para os devidos efeitos legais.

4. A sociedade referida em 03) tinha em 31.12.2015:
- ACTIVOS NÃO CORRENTES (investimentos financeiros), no valor de € 92.029.071,00, sendo o total do ACTIVO € 212.147.138,00;
-TOTAL do PASSIVO € 194.848.665,00; e
- TOTAL do CAPITAL PRÓPRIO € 17.298.473,00 – Cfr. fls. Demonstrações Financeiras da B…………, SGPS constantes de fls. 95/116 do processo físico, nomeadamente fls. 97 do mesmo processo físico, cujo teor se tem como reproduzido para os devidos efeitos legais.

5. Em 31.12.2015, a sociedade C…………, SA, em investimentos em empresas do Grupo, nomeadamente na detenção da sociedade executada – A…………, SA, referida em 01), despendeu o valor de € 9.525.790,00 – Cfr. Demonstrações Financeiras da C………… SA juntas a fls. 134/152 do processo físico (e Doc 1 da Resposta da FP), nomeadamente fls. 146 daquelas DF, cujo teor se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.

6. Em 31.05.2016, contra a sociedade reclamante, A…………, SA, NIPC ………, foi instaurado, pelo Serviço de Finanças da Maia, o processo de execução fiscal n.º 1805201601131583 para cobrança da quantia de € 73.799,09 respeitante a IVA de 2015 - Cfr. fls. 84 do processo físico.

7. A reclamante deduziu impugnação judicial contra a liquidação de IVA referida em 06) - Cfr. Doc. 4 junto com a PI; Consulta SITAF ao processo n.º 2037/16.9BEPRT.

8. A reclamante, em 25.07.2016, no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) referido em 06) requereu a suspensão daquele PEF, tendo oferecido como garantia uma fiança prestada pela sociedade B………… SGPS, SA, no valor de € 93.870,61, declarando aquela garante que renuncia ao benefício de excussão prévia - Cfr. fls. 85/86 e 93 do processo físico, cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

9. Com o requerimento referido no ponto anterior foram juntos os seguintes documentos:
- Balanço; Demonstração de Resultados; Demonstração de Fluxos de Caixa; Mapa de alterações de capitais próprios; Passivos contingentes; Listagem de Financiamentos contraídos; Garantias reais assumidas; Carteira de participações; Anexos às Demonstrações Financeiras; Relação entre sociedades (Garante e C…………, SA); Relatório de Auditoria Externa e Certificação legal de contas – Cfr. fls. 85/86, 95/116 do processo físico cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

10. Na sequência da apresentação da garantia / Fiança referida no ponto anterior, foi efectuada uma informação em 17.08.2016, pela Divisão de Gestão da dívida executiva da Autoridade Tributária (AT), para apreciação da fiança prestada, nos termos constantes de fls. 120/125 do processo físico cujo teor se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

11. Consta da apreciação/avaliação referida no ponto anterior, entre o mais, o seguinte:
“(...) II. ELEMENTOS DE BASE ANÁLISE FINANCEIRA:
(...) a sociedade fiadora B………… detém a totalidade do capital da C………… (...) detém a totalidade do capital da executada.
- Por outro lado, terá de ser feita a avaliação em “concreto” da capacidade mediante a avaliação do património do fiador, que ateste a sua suficiência em face da susceptibilidade do seu património responder pela dívida exequenda e pelo acrescido, pois qualquer credor não é obrigado a aceitar um fiador que não tenha capacidade de se obrigar, nem tão pouco património suficiente para garantir a obrigação.
A presente análise é efectuada tendo por base as Demonstrações Financeiras (DF) da fiadora a 2015.12.31, bem como as informações prestadas pelo devedor no âmbito do ónus da prova (art. 74.º da LGT) e do princípio da colaboração (art. 59.º da LGT).
III. APRESENTAÇÃO DA EMPRESA GARANTE:
A fiadora B…………, SA, ... pelo que a presente análise se centrará exclusivamente no seu património individual.
IV. ENQUADRAMENTO LEGAL DA GARANTIA PRESTADA
(...)
Acresce ainda a necessidade de uma avaliação casuística, individual e concreta quanto à susceptibilidade da garantia assegurar o pagamento da quantia exequenda e acrescido. Nesta medida, deverá pugnar-se pela verificação que a garantia oferecida assegura o pagamento integral da dívida, durante todo o período da dívida e no caso específico da fiança, que esta seja prestada por entidade com demonstrada capacidade de cumprimento...
(...)
No caso concreto, a empresa garante, declarou constituir-se fiadora da sociedade executada até ao montante de 93.870,61 euros fixado como valor da garantia a prestar. O fiador assume expressamente a responsabilidade de pagamento até à sobredita quantia, com renúncia ao benefício da excussão prévia prevista no artigo 639.º do Código Civil.
Mais acresce que toda e qualquer garantia apresentada com vista à suspensão prevista no artigo 169.º do CPPT está sujeita a tributação em sede do imposto do selo ...
(...)
No que respeita ao caso vertente foi a presente fiança prestada com a finalidade de suspender o processo de execução fiscal ...
V. ANÁLISE
A aferição da idoneidade da fiança ... implica desde logo uma avaliação do Património, nomeadamente do património positivo, o qual indicia a suficiência do património (capital próprio) da empresa para satisfazer os créditos garantidos.
Neste particular, pode-se considerar que existe uma norma tributária que suporta a avaliação do valor do capital, embora limitando-se ao valor unitário por acção: artigo 15.º do Código do Imposto do Selo, e que tem vindo a ser utilizada na determinação do valor das participações sociais e outros títulos de crédito.
Desta forma, a avaliação da suficiência do património da fiança é sustentada pelas normas constantes do disposto no artigo 199.º-A do CPPT (aditado pela lei 7-A/2016 de 30 Março – LOE 2016), sendo de aplicar com as necessárias adaptações em função da tipologia jurídica da garante (sociedade de capitais, de pessoas ou mistas, com títulos cotados (ou não) em mercado regulamentado):
• Caso a entidade garante seja cotada o valor da avaliação deve reflectir o somatório do valor da cotação das acções à data da avaliação, deduzidos dos montantes previstos no artigo 199.º-A do CPPT;
• Caso a entidade garante não seja cotada o valor da avaliação deverá ser expresso mediante a utilização da fórmula constante do artigo 15.º n.º 3 al. a) do Código do Imposto do Selo, deduzido dos montantes previstos no artigo 199.º-A do CPPT.
Assim, ao valor da totalidade dos títulos representativos do capital da garante, deverão ser deduzidos os seguintes montantes:
• Garantias concedidas e outras obrigações extrapatrimoniais;
• Partes de capital do executado que sejam detidas, directa ou indirectamente, pelo garante;
• Passivos contingentes; e
• Quaisquer créditos do garante sobre o executado.
Sendo que a empresa em análise não é uma sociedade cotada em mercado regulamentado, procede-se de seguida à avaliação do seu património.
V.1 AVALIAÇÃO DO PATRIMÓNIO DA GARANTE:
V.1. Património líquido: O capital próprio investido na entidade/empresa até certo e determinado momento é algebricamente superior ao capital alheio nesta igualmente aplicado. Quanto maior for a medida desta diferença positiva mais idóneo é o garante. Se pelo contrário tal diferença for negativa, quanto maior for essa diferença, menos idónea é a fiadora.
No caso em análise, não tendo a empresa as suas acções cotadas, o cálculo do valor de cada acção resulta da aplicação da fórmula constante da parte final da al. a) do referido artigo 15.º do Código Imposto Selo:
Va = 1/2n[S+(RI+R2)/2*f]
Em que:
Va representa o valor de cada acção à data de referência das demonstrações financeiras da sociedade garante;
n é o número de acções representativas do capital da sociedade garante;
S é o valor substancial, que corresponde ao valor do Capital próprio àquela data;
R1 e R2 são os resultados líquidos obtidos nos períodos 2014 e 2015 respectivamente, considerando-se R1+R2 = 0 nos casos em que o somatório dos resultados for negativo;
f é o valor de capitalização dos resultados líquidos cálculo com base na taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu e em vigor à data de referência das Demonstrações Financeiras da garante, neste caso f = 1/0,05%.
No vertente caso a empresa apresenta em 2015-12-31 um valor de cada acção (Va) de 1,76515 euros.
Va = 1/(2 * 4.900.000) * [17.298.473,00 + 0/2 * 1/0,0005] = 1.76515
Em que:
Número de acções representativas do capital da sociedade garante n = 4.900.000 acções;
Capital próprio no período N, S = 17.298.473,00 euros
Os resultados líquidos obtidas no período e no período imediatamente anterior
R1 + R2 = - 2.965.535,00 - 2.512.717,00 = -5.478.252,00 (que sendo negativo assume o valor 0), logo R1+ R2 = 0
A taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu no período N = 0.05%
Assim, o valor total das acções da empresa garante é de 8.649.236,50 euros.
Se a este valor expurgarmos as deduções previstas no art. 199.º-A do CPPT nomeadamente:

a) Garantias concedidas e outras obrigações extrapatrimoniais:
De acordo com a nota n.º 26 do Anexo às Demonstrações Financeiras (Relatório de Contas de 2015 da B…………, SGPS, SA) a empresa indica ter as garantias bancárias prestadas e processos judiciais em curso. Quantifica as garantias bancárias em € 92.295. Conforme se demonstra:
NIPC
PEF
VALOR
77.475
14.820
TOTAL
92.295
Por outro lado, a fiadora já apresentou fianças em processos executivos da executada e de outros executados, num montante global de € 455.792,88. Pelo que este valor também deverá ser considerado conforme se demonstra
(…)
Assim, as garantias concedidas a abater ascendem a 548.087,88 euros = (92.295 + 455.792,88).

b) Partes de capital do executado que sejam detidas, directa ou indirectamente pelo garante:
Deverá ainda ser retirado o valor da participação que a empresa garante detém na sociedade executada. De acordo com o ponto 4.1 do Relatório e contas de 2015 da B…………, SGPS, o valor da participação que esta sociedade detinha no A………… ascendia a 9.525.790,00 euros.

c) Passivos Contingentes
i) Não se conhecem acções executivas contra si instauradas ou planos de recuperação extrajudiciais (PERSI, SIREVE) e judiciais (PER ou declaração de insolvência)
As dívidas da garante à AT ascendem a 17.866,06 euros, relativo ao PEF 1805200801217453, que se encontra suspenso com garantia associada.
ii) Não se conhecem dívidas à Segurança Social

d) Quaisquer créditos do garante sobre o executado
Conforme ponto 22 do Anexo às demonstrações financeiras individuais para o exercício de 2015 são mencionados os seguintes valores:
Empréstimos concedidos
€ 2.000,00
Total
€ 2.000,00
Face ao exposto, o património líquido da sociedade é negativo em 1.444.507,44 = (548.087,88 - 9.525.790,00 -17.866,06 - 2.000,00)
B…………, SGPS, SA
A) Valor nos termos do art. 15.º do Código do Imposto de Selo
8.649.236,50
(a) GARANTIAS CONCEDIDAS
VALOR GARANTIA BANCÁRIA – SUB TOTAL 1
92.295,00
VALOR FIANÇAS – SUB TOTAL 2
455.792,88
TOTAL (1 + 2)
548.087,88
(b) PARTES DE CAPITAL DO EXECUTADO
9.525.790,00
(c) PASSIVOS CONTINGENTES
17.866,00
(d) QUAISQUER CRÉDITOS DO GARANTE EXECUTADO
2.000,00
B) TOTAL = (a) + (b) + (c) + (d)
10.093.743,94
PATRIMÓNIO LÍQUIDO DO GARANTE = A - B
- 1.444.507,44

De referir que no entanto não foram tidas em consideração as reservas reportadas pelo órgão de fiscalização da sociedade no seu parecer sobre as Demonstrações Financeiras que agravariam de forma substantiva a situação patrimonial da sociedade.
(…)
VI. SÍNTESE E CONCLUSÕES
VI.1. SÍNTESE
A análise do património líquido plasmada neste relatório técnico à B…………, SGPS, SA ... enquanto garante do valor global de 75.389,06 euros, no processo de execução.... Em que é devedora A…………, SA, pode ser sintetizada pelos seguintes pontos, de análise cumulativa:
a) O património (corrigido) da garante é negativo em 1.444.507,44 euros
b) Importa ainda ter presente que o valor das garantias já prestadas a favor da contribuinte e aceites pela AT ascende a 548.087,88 euros.
c) O valor da garantia é de 93.870,61 euros.
d) A garante não tem acções executivas conhecidas e as dívidas perante a AT estão totalmente garantidas.
e) A garante não evidencia a perda de metade do capital social.
f) A garante não tem dívidas à Segurança Social.
5.2 CONCLUSÕES
A executada, com vista à execução do PEF n.º .... apresentou como garantia um instrumento jurídico titulado por fiança em que a sociedade, empresa B…………, SGPS, SA …, se obriga até ao montante de 93.870,61 euros.
Daqui decorre que a dívida global que ela pretender garantir, entre as suas próprias dívidas e as garantias que já concedeu, somariam a verba de 565.953,94 euros, conforme se demonstra:
B…………, SGPS, SA
DÍVIDA PRÓPRIA
17.866,06
SUB TOTAL 1
17.866,06
GARANTIAS BANCÁRIAS E FIANÇAS CONCEDIDAS
GARANTIAS BANCÁRIAS
92.295,00
FIANÇAS CONCEDIDAS
455.792,88
SUBTOTAL 2
548.087,88
TOTAL 1 + 2
568.953,94
Recusa da garantia:
A análise integrada recolhida dos indicadores de natureza quantitativa usados nesta avaliação do património autónomo da empresa/entidade - garante, permitem concluir que esta não conseguirá libertar os meios financeiros líquidos suficientes, considerando a grandeza dos passivos correntes e contingentes, a falta de capacidade de cumprimento de curto prazo revelada pelo que neste contexto não está em condições de se assumir como fiadora e que, com elevada probabilidade não tem capacidade de cumprir com as obrigações que a legislação fiscal estabelece para os garantes. (...)” - Cfr. fls. 117/125 do processo físico.

12. Em 22.08.2016, com base no relatório referido no ponto anterior, foi, pela Directora de Finanças Adjunta, proferido o seguinte despacho: “Concordo. Indefiro o pedido. Notifique.” - Cfr. fls. 117 do processo físico.

13. À reclamante foi remetido o Relatório e Despacho referidos em 11) e 12), através do ofício de 04.08.2016 - Cfr. fls. 126 do processo físico.

14. A reclamante apresentou reclamação, junto do órgão de execução fiscal, do indeferimento da prestação de fiança em 07.09.2016 - Cfr. fls. 153/201 e 205 (verso) do processo físico.

15. O indeferimento da prestação de fiança foi mantido por despacho de 22.11.2016, tendo sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal, dando origem aos presentes autos - Cfr. fls. 205 do processo físico».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Numa execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da quantia de € 73.799,09, dívida proveniente de IVA, a sociedade executada, em ordem à suspensão da execução nos termos do art. 169.º do CPPT, veio oferecer garantia – cujo valor foi fixado em € 93.870,61 – por fiança prestada por uma outra sociedade, que detém a totalidade do capital social da sociedade que, por seu turno, detém a totalidade do capital social da sociedade executada (Note-se que, de acordo com o art. 6.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), as sociedades só podem prestar garantias a dívidas de outras entidades «se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo» (n.º 3).) e que declarou renunciar ao benefício da excussão prévia.
A Directora de Finanças Adjunta, por delegação do Director de Finanças do Porto (Nos termos do art. 199.º, n.º 9, do CPPT, o órgão competente para apreciar as garantias é aquele a que competiria autorizar o pagamento em prestações, ou seja, de acordo com o art. 197.º do mesmo Código, aquela competência reparte-se entre o órgão periférico regional e o órgão da execução fiscal, consoante o valor da dívida exequenda seja ou não superior a 500 UC. Para maior desenvolvimento, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume III, anotação 8 ao art. 199.º, pág. 415.) proferiu despacho de indeferimento do pedido de suspensão do processo executivo com fundamento em «falta de idoneidade da garantia apresentada».
Nos termos da informação incorporada por esse despacho, e em síntese, para avaliar a idoneidade da fiança há que proceder à avaliação do património do fiador, em ordem a indagar da suficiência desse património para garantir a dívida exequenda e o acrescido – sendo que o valor da garantia a prestar foi estimado, nos termos do art. 199.º do CPPT, em € 93.870,61 –, e o critério a observar é o imposto pelo art. 199.º-A do CPPT, disposição legal que foi aditada ao Código pelo art. 176.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento do Estado para 2016). Assim, considerou a AT que na avaliação do património da sociedade fiadora há que observar o disposto no n.º 2 do referido art. 199.º-A do CPPT, que dispõe que, caso o garante seja uma sociedade, «o valor do seu património corresponde ao valor da totalidade dos títulos representativos do seu capital social determinado nos termos do artigo 15.º do Código do Imposto do Selo, deduzido dos montantes referidos nas alíneas do número anterior», ou seja, deduzido dos montantes respeitantes às «a) Garantias concedidas e outras obrigações extra patrimoniais assumidas; b) Partes de capital do executado que sejam detidas, directa ou indirectamente, pelo garante; c) Passivos contingentes; d) Quaisquer créditos do garante sobre o executado».
Assim, e porque a sociedade garante não está cotada, a AT, para avaliar as respectivas acções, nos termos da segunda parte da alínea a) do n.º 3 do art. 15.º do Código do Imposto de Selo (CIS), considerou que «O valor das acções é […] o que resultar da aplicação da seguinte fórmula […]: Va = [ 1 / ( 2 x n ) ] x [ S + ( (R1 + R2) / 2 ) x f ] em que: Va representa o valor de cada acção à data da transmissão; n é o número de acções representativas do capital da sociedade participada; S é o valor substancial da sociedade participada, o qual é calculado a partir do valor contabilístico correspondente ao último exercício anterior à transmissão com as correcções que se revelem justificadas, considerando-se, sempre que for caso disso, a provisão para impostos sobre lucros; R1 e R2 são os resultados líquidos obtidos pela sociedade participada nos dois últimos exercícios anteriores à transmissão, considerando-se R1 + R2 = 0 nos casos em que o somatório desses resultados for negativo, sendo f o factor de capitalização dos resultados líquidos calculado com base na taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu às suas principais operações de refinanciamento, tal como publicada no Jornal Oficial da União Europeia e em vigor na data em que ocorra a transmissão». Aplicando essas regras e tendo em conta que o número de acções (n) é de 4.900.000, que o capital próprio (S) no final de 2015 é de € 17.298.473,00, que a soma dos valores R1 e R2 é 0 (pois os resultados líquidos nos exercícios de 2014 e 2015 são negativos) e que a taxa de juros praticada pelo Banco Central Europeu (f) em 2015 era de 0,05% (Note-se que a AT considerou como factor de capitalização 0,05%, pois aplicou a alínea a) do n.º 3 do art. 15.º do CIS na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, e que dispunha: «[…] f é o factor da capitalização dos resultados líquidos calculado com base na taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu às suas principais operações de refinanciamento, tal como publicada no Jornal Oficial da União Europeia e em vigor na data em que ocorra a transmissão». Isto porque entendeu que era a aplicável por ser a que estava «em vigor à data de referência das Demonstrações Financeiras da garante». No entanto, à data em que foi apreciada a idoneidade da garantia oferecida nos presentes autos estava já em vigor a nova redacção dada ao preceito pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, segundo a qual «[…] sendo f o factor de capitalização dos resultados líquidos calculado com base na taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu às suas principais operações de refinanciamento, tal como publicada no jornal da União Europeia e em vigor na data em que ocorra a transmissão, acrescida de um spread de 4 %». A ratio da alteração da lei é bem perceptível e foi expressamente referida na exposição de motivos que antecede o diploma: visa corrigir «uma distorção criada pela redacção anterior, na medida em que a taxa de referência do Banco Central Europeu se encontra actualmente em níveis próximos do zero, alterando, assim, a ratio subjacente à fórmula criada para o efeito». E tanto assim é que logo na Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento do Estado para 2016) – por que foi aditado ao CPPT o art. 199.º-A – foi concedida ao Governo autorização legislativa para «estabelecer que à taxa de juro referida na parte final da alínea a) do n.º 3 do artigo 15.º acresce, para efeitos de cálculo do factor de capitalização, um spread de 4 %». A AT justificou a aplicação da redacção anterior com o fundamento de que era a que estava «em vigor à data de referência das Demonstrações Financeiras da garante». Mas, a nosso ver, na apreciação da idoneidade da fiança deve observada a lei em vigor nessa data, inexistindo fundamento para a aplicação da lei em vigor à data a que se referem as demonstrações financeiras. Note-se que uma coisa é averiguar da legalidade das demonstrações financeiras, tarefa em que se há-de observar a lei em vigor à data, e outra, bem diversa, é aferir da idoneidade da garantia, tarefa que deve ser efectuada à luz das regras legais vigentes nesse momento. Desde logo, porque é o que resulta da regra geral de aplicação da lei no tempo, consagrada no n.º 3 do art. 12.º da LGT, nos termos da qual, «As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes». Poderá eventualmente argumentar-se que o art. 15.º do CIS não é uma norma de procedimento, mas uma norma substantiva, pois se refere à avaliação da matéria tributável. É certo que assim é, mas apenas para efeitos de Imposto de Selo. Ora, na situação dos autos não está em causa a aplicação do art. 15.º do CIS enquanto norma de determinação da matéria tributável para efeitos do respectivo imposto; o que aqui está em causa é o procedimento de verificação da idoneidade da garantia, sendo que as regras de avaliação do art. 15.º do CIS são indicadas como critério de avaliação do património da sociedade garante. Depois, porque, na ausência de regras de direito transitório, a idoneidade da garantia deve ser apreciada à luz da lei em vigor à data dessa apreciação. Nem faria sentido que fosse de outro modo, pois, a admitir-se que a garantia fosse apreciada pela AT com regras que já não eram as em vigor nem na data em que a garantia foi oferecida nem na data em que foi apreciada, sempre o executado poderia vir novamente apresentar a mesma garantia, anteriormente recusada. Aliás, todo o regime da garantia, atenta a sua teleologia, está perpassado pela ideia de que o valor da garantia deve estar actualizado a todo o tempo, sendo disso exemplos as regras dos n.ºs 5, 10 e 11 do art. 199.º do CPPT.
Seja como for, na situação sub judice o factor f é irrelevante para efeitos da aplicação da fórmula constante da alínea a) do n.º 3 do artigo 15.º, na medida em que (R1+R2) deve considerar-se igual a zero, uma vez os resultados líquidos obtidos pela sociedade garante em 2014 e 2015 são negativos.), a AT procedeu à avaliação das acções da sociedade garante, chegando a um valor unitário de € 1,76515, o que dá um valor total de € 8.649.236,50.
Tomando esse valor, a AT, sempre invocando o art. 199.º-A do CPPT, deduziu-lhe i) as garantias bancárias apresentadas pela sociedade fiadora em processos de execução fiscal em que é executada, do montante de € 92.295,00, e as fianças que prestou quer à Executada quer a outros executados, do montante de € 455.792,88, ii) o valor da participação da sociedade fiadora na sociedade Executada, do montante de € 9.525.790,00, iii) os passivos contingentes, constituídos exclusivamente por dívidas, do montante de € 17.866,06, da sociedade fiadora à Segurança Social, em cobrança mediante execução fiscal, que se encontra suspensa mediante prestação de garantia e iv) os empréstimos concedidos, do montante de € 2.000,00, o que tudo ascende a € 10.093.743,94, assim obtendo como «PATRIMÓNIO LÍQUIDO DA GARANTE» o montante, negativo, de € 1.444.507,44 (€ 8.649.236,50 - € 10.093.743,94 = - € 1.444.507,44).
Tendo chegado a este valor, a AT, considerou que a «análise do património líquido» para efeitos de averiguação da idoneidade da garantia em causa «pode ser sintetizada pelos seguintes pontos, de análise cumulativa: a) O património (corrigido) da garante é negativo em 1.444.507,44 euros. b) Importa ainda ter presente que o valor das garantias já prestadas a favor da contribuinte e aceites pela AT ascende a 548.087,88 euros. c) O valor da garantia é de 93.870,61 euros. d) A garante não tem acções executivas conhecidas e as dívidas perante a AT estão totalmente garantidas. e) A garante não evidencia a perda de metade do capital social. f) A garante não tem dívidas à Segurança Social».
Terminou a AT a avaliação da idoneidade da garantia oferecida considerando que a «análise integrada recolhida dos indicadores de natureza quantitativa e qualitativa usados nesta avaliação do património autónomo da empresa/entidade garante, permitem concluir que esta não conseguirá libertar os meios financeiros líquidos suficientes, considerando a grandeza dos passivos correntes e contingentes, a falta da capacidade de cumprimento de curto prazo revelada, pelo que neste contexto não está em condições de se assumir como fiadora e que, com elevada probabilidade não tem capacidade de cumprir com as obrigações que a legislação fiscal estabelece para os garantes». Assim, concluiu que «porque o credor AT não pode ser forçado a aceitar como fiador quem não tiver capacidade para se obrigar ou não dispuser de património líquido suficiente para garantir a dívida em causa, deve ser recusada a garantia apresentada com fundamento na falta de capacidade para pagar demonstrada pelo fiador».
Discordando desta decisão administrativa de não aceitação da fiança oferecida como garantia, a Executada dela reclamou para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ao abrigo do disposto nos arts. 276.º a 278.º do CPPT e a Juíza daquele tribunal, decidindo pela improcedência da reclamação, manteve o acto reclamado.
A Recorrente discorda da sentença na parte em que nesta não se considerou procedente a invocada inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proporcionalidade, do art. 199.º-A do CPPT, na medida em que prescreve um critério de avaliação que, na tese da Reclamante e ora recorrente, se revela manifestamente desadequado à finalidade prosseguida (a aferição da idoneidade da garantia), desadequação mais flagrante no caso em que a fiadora é uma sociedade gestora de participações sociais, restringindo de modo desproporcional os direitos dos executados, designadamente o de obter a suspensão da execução fiscal mediante a prestação de garantia, e que tem como consequência prática a inviabilidade da prestação de garantia por fiança em casos em que o património da fiadora é manifestamente suficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda e do acrescido.
Na verdade, na petição inicial da reclamação judicial a Executada logo alegou – aliás suportando boa parte da alegação em considerandos constantes da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, tirada relativamente a situações em que não se aplicava o art. 199.º-A do CPPT, a respeito do método de avaliação da garantia que este artigo veio consagrar – que o método prescrito pelo n.º 2 deste artigo para avaliação do património da sociedade garante enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade. Porque a sentença não acolheu a tese da inconstitucionalidade, a Recorrente vem novamente suscitar a questão perante este Supremo Tribunal Administrativo.
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir nestes autos é a de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento quando manteve a decisão administrativa que recusou a prestação de garantia mediante a constituição de fiança, o que passa por indagar se o critério de avaliação do património da sociedade fiadora utilizado pela AT e prescrito pelo art. 199.º-A do CPPT respeita o princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Este Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão proferido nestes autos em 27 de Setembro de 2017, entendeu que, por desconformidade constitucional, mormente com o princípio da proporcionalidade, não será de aplicar o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 199.º-A do CPPT ao determinar que o património da sociedade garante que seja sociedade gestora de participações sociais corresponde ao valor das suas acções, determinado nos termos do art. 15.º do CIS, deduzido, para além do mais, do valor das participações sociais da sociedade executada. Em conformidade, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença e, julgando procedente a reclamação judicial, anulou a decisão administrativa que recusou a garantia oferecida mediante a prestação de fiança.
Na sequência do recurso desse acórdão interposto pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, foi proferido pelo Tribunal Constitucional acórdão (fls. 527 a 559) em de 2018 ( Disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180349.html.), que decidiu:
«a) Não julgar inconstitucional a norma, extraída do artigo 199.º-A, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário, na parte i) em que impõe que, para efeitos de avaliação de fiança prestada por Sociedade Gestora de Participações Sociais não cotada em bolsa constituída há mais de dois anos, a aferição do seu património corresponda ao valor da totalidade dos títulos representativos do seu capital social, determinado nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 15.º do Código do Imposto do Selo; e ii) na parte em que, sendo a fiança prestada com renúncia ao benefício da excussão prévia, impõe, nos termos da alínea b) do n.º 1, que ao valor encontrado nos termos do artigo 15.º do Código do Imposto do Selo, seja deduzido o montante das partes de capital do executado afiançado que sejam detidas, directa ou indirectamente, pela sociedade fiadora.
b) Em consequência, conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida, em conformidade com o presente juízo de não inconstitucionalidade».
Cumpre, pois, proceder à reforma do acórdão proferido por este Supremo Tribunal, nos termos do julgamento do Tribunal Constitucional.


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2.2.2 DA CONFORMIDADE CONSTITUCIONAL DO CRITÉRIO PARA A AVALIAÇÃO DA IDONEIDADE DA FIANÇA

Atento o julgamento efectuado pelo Tribunal Constitucional no acórdão supra mencionado, impõe-se-nos concluir pela não inconstitucionalidade da norma legal que instituiu o critério utilizado na avaliação da sentença.
Impõe-se-nos também a aceitação de que o referido critério, de cuja aplicação, no caso sub judice, resultou que uma sociedade gestora de participações sociais que tinha no último ano um activo de € 212.147.138,00, um passivo de € 194.848.665,00 e capitais próprios de € 17.298.473,00, tem situação patrimonial líquida negativa, levando à recusa de uma fiança a prestar pelo valor de € 93.870,61, não pode ter-se como desadequado ao fim que legalmente devia prosseguir nem como violador dos cânones de proporcionalidade a que o legislador está constitucionalmente obrigado.
Resta-nos, de harmonia com essa imposição, concluir que o recurso – que tinha como fundamento exclusivo a inconstitucionalidade da norma que impunha esse critério – não pode ser provido.


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2.2.3 CONCLUSÕES
I - Cumpre à AT, perante o caso concreto, averiguar da idoneidade da garantia oferecida em ordem à suspensão da execução fiscal, idoneidade que deve aferir-se pela susceptibilidade de assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, caso seja necessário executar a garantia (arts. 169.º, 199.º e 217.º, do CPPT, e art. 52.º, da LGT).
II - Sendo oferecida como garantia uma fiança prestada por uma sociedade, o critério legal de avaliação da garantia prescrito pelo art. 199.º-A do CPPT (aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, Lei do Orçamento do Estado para 2016) manda atender ao valor do património (n.º 1) da sociedade garante e faz corresponder este ao valor da totalidade dos títulos representativos do seu capital social, determinado nos termos do art. 15.º do CIS (n.º 2) e deduzido dos montantes referidos nas alíneas do n.º 1 daquele preceito.
III - Ainda que o critério legal, aplicado na sua literalidade a uma sociedade gestora de participações sociais que tinha no último ano um activo de € 212.147.138,00, um passivo de € 194.848.665,00 e capitais próprios de € 17.298.473,00, conduza a uma situação patrimonial líquida negativa, levando à recusa de uma fiança a prestar pelo valor de € 93.870,61, o mesmo critério, de acordo com o julgamento efectuado pelo Tribunal Constitucional nestes autos, não pode ter-se como desadequado ao fim que legalmente devia prosseguir nem como violador dos cânones de proporcionalidade a que o legislador está constitucionalmente obrigado.
IV - Consequentemente, reformando anterior acórdão de acordo com o juízo de não inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional, é de manter a sentença que julgou improcedente a reclamação deduzida pelo executado contra a decisão do órgão da execução fiscal que, aplicando esse critério, recusou a prestação da fiança nos referidos termos.

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3. DECISÃO

Pelo exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.


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Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 19 de Setembro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.

Segue acórdão de 26 de Setembro de 2018:

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 2998/16.8BEPRT

Verificamos agora que no acórdão proferido no dia 17 de Setembro de 2018 nos presentes autos, no ponto 1.6 do relatório foi omitida parte do texto, por lapso.

Assim, procedendo à pertinente rectificação, ao abrigo do disposto no art. 614.º, n.º 1, aplicável aos acórdãos ex vi do n.º 2 do art. 666.º, ambos do Código de Processo Civil, onde ficou escrito «1.6 Proferido acórdão por este Supremo Tribunal, que concedeu provimento ao recurso com fundamento na inconstitucionalidade da, o mesmo foi», deve passar a ler-se: «1.6 Proferido acórdão por este Supremo Tribunal, que concedeu provimento ao recurso com fundamento na inconstitucionalidade da norma constante dos n.ºs 1 e 2 do art. 199.º-A do CPPT, o mesmo foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, que proferiu juízo de não inconstitucionalidade da mesma norma».

Notifique.


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Lisboa, 26 de Setembro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.