Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01443/17
Data do Acordão:06/27/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
Sumário:Não existe oposição de acórdãos prevista no artº 284º do Código de Processo e Procedimento Tributário quando a divergente solução alcançada num e noutro acórdão resulta, exclusivamente da valoração da prova produzida em cada um dos processos sem que haja qualquer confronto quanto à questão de direito.
Nº Convencional:JSTA000P23468
Nº do Documento:SAP2018062701443
Data de Entrada:12/20/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
Decisão recorridadecisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no proc. n.º 05690/12, em 19 de Novembro de 2015.
Acórdão fundamentoTribunal Central Administrativo Norte no proc. n.º 01417/05.0BEVIS, em 16 de Abril de 2015.


1.
A…………. notificado do acórdão nos autos de oposição nº 05690/12, em 19 de Novembro de 2015, em que é entidade requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, veio deduzir recurso com fundamento na oposição de acórdãos, nos termos do artº 280º nº 2 do CPPT, invocando oposição do ali decidido com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido no proc. n.º 01417/05.0BEVIS, em 16 de Abril de 2015, pelos fundamentos que se mostram sintetizados nas seguintes conclusões:

1. Nos presentes autos, a principal questão controvertida prende-se com a correcta delimitação do conceito de gerência de facto relevante como fundamento da responsabilidade subsidiária de administradores, directores ou gerentes de pessoas colectivas por dívidas tributárias destas últimas, nos termos do estatuído no art. 24.º, n.º 1, da LGT (ou por dívidas equiparadas, como sucede com as dívidas à Segurança Social, ex vi art. 13.º do Decreto-Lei n.º 103/80, em vigor à data dos factos).

2. No acórdão rec.do. adoptou-se um conceito formal de gerência de facto, considerando que bastava, para a qualificar como tal, a conjugação de: i) nomeação como gerente de direito, ii) a sociedade formalmente se vincular com a assinatura (também) do gerente em causa (independentemente da apreciação do poder efectivo de esse gerente controlar e determinar a vontade social) e iii) este ter sido responsável pela área técnica empresarial da sociedade (considerando que todos os actos praticados nas diversas áreas funcionais de uma empresa são susceptíveis de se repercutir na sua saúde financeira).

3. Porém, tal como tem sido defendido pela jurisprudência mais recente, designadamente no acórdão fundamento do presente recurso, a correcta delimitação do conceito de gerência de facto, relevante para efeitos da aplicação do art. 13.° do CPT e art. 24.º da LGT, pressupõe que o gerente em causa, formalmente nomeado como tal, também tenha o poder de controlar e determinar a vontade social definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias,

4. A lei, ao referir a "culpa" na insuficiência do património para satisfazer as dívidas tributárias (art. 24.º, n.º 1 da LGT), exige um efectivo nexo de causalidade entre as opções do gerente e o incumprimento fiscal, sendo que só quem tem poderes efectivos de gerência está em condições de assegurar esse nexo de causalidade, e "responder" pelas opções tomadas no pagamento ou não pagamento das dívidas.

5. Em face dos factos que foram dados como provados, designadamente os factos narrados sob as als. H), I), J) e K), não pode deixar de se entender, como fez a sentença de fls., que «da prova testemunhal produzida decorre que as contratações efectuadas em nome da sociedade eram efectuadas pelo sócio B………., [que era] quem geria a parte administrativa e financeira da empresa, efectuando todos os pagamentos, negociando os contratos e financiamentos. Sendo de salientar que o Oponente tinha a seu cargo as questões técnicas, sem autonomia quanto à negociação da efectivação das despesas inerentes à contratação de pessoal, equipamento ou consumíveis, função que era desempenhada pelo outro sócio, pelo que não pode concluir-se ter o Oponente exercido de facto a gestão da devedora originária, sendo assim parte ilegítima na presente execução».

6. À semelhança do caso objecto do acórdão fundamento, o ora oponente limitava-se a praticar actos formais de gerência (como a assinatura de cheques, muitas vezes em branco!), fazendo-o «na dependência do gerente efectivo que lhe assinala a «oportunidade», o «que» e o «como» fazer. A sua função «esgota-se» nas assinaturas e não «pode» (porque não tem o poder) ir para além disso. Precisamente porque lhe falta a densidade substantiva do cargo».

7. Deste modo, impõe-se concluir que o ora recte. nunca exerceu as funções de gerência de facto relevantes para efeitos de aplicação do art. 13.° do CPT e do art. 24.º da LGT, pelo que o Tribunal a quo errou ao entender que se verificam, relativamente ao oponente, ora recte., os requisitos da reversão e a sua legitimidade para a execução ora em causa.

8. Ainda que assim não se tivesse entendido, o que apenas como hipótese e por dever de patrocínio se refere, sem conceder, importa considerar que dos factos assentes e provados se retira, por um lado, que também não pode ser imputado ao oponente a falta de pagamento das contribuições de Segurança Social relativas aos meses de Dezembro de 1998 e de Fevereiro a Junho de 1999, já que era o sócio gerente B………… quem decidia e procedia aos pagamentos, designadamente de contribuições à Segurança Social.

9. Por outro lado, tendo ficado demonstrado que o oponente nunca teve intervenção nas questões administrativas e financeiras da sociedade, que esta ainda se manteve em funcionamento, com clientela e encomendas, após a saída do oponente e que a insuficiência do património da sociedade para solver os créditos fiscais exequendos ocorreu apenas em finais de 2003, ou seja, mais de 4 anos após o oponente ter deixado a gerência formal da sociedade, igualmente se deve concluir que nunca poderá ter sido por sua culpa que o património da sociedade executada se terá tornado insuficiente.

10. Deste modo, não pode deixar de se concluir que não estão reunidos os requisitos de que depende a legalidade da reversão, previstos, no que toca ao caso mencionado na conclusão 8.ª, no art. 13.º do Decreto-Lei n.º 103/80 e no art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, e previstos, no que toca à hipótese referida na conclusão 9.ª, no art. 13.° do Decreto-Lei n.º 103/80 e no art. 13.º do CPT (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, e que o Tribunal a quo não teve em consideração, tendo, aqui, também incorrido em erro quanto à determinação da norma aplicável).

11. Face a tudo quanto se deixou alegado, não pode deixar de se concluir que o acórdão recdo. deve ser revogado, por ter feito uma errada interpretação do conceito de gerência de facto relevante como fundamento da responsabilidade subsidiária de administradores, directores ou gerentes de pessoas colectivas por dívidas tributárias ou equiparadas e, consequentemente, ter feito uma errada valoração e aplicação do direito aos factos provados nos autos, para além de ter feito uma errada determinação do direito aplicável no que toca à dívida emergente da falta de pagamento da contribuição relativa ao mês de Outubro de 1998.

Termos em que, com o douto suprimento de V.Excelências a quanto alegado, deve ser dado provimento ao presente recurso, com as demais consequências legais.

2.
Admitido liminarmente o recurso não foram presentes contra-alegações pela recorrida, mas foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público, que considerou que não se mostram reunidos os pressupostos legais da admissibilidade do recurso que deve, pois, ser julgado findo.

Colhidos os vistos legais, impõe-se o conhecimento do recurso.

3.
O despacho de admissão liminar do recurso, com efeitos meramente ordenadores do rito processual não impede, nem dispensa a análise da verificação dos pressupostos legais da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, como impõe o artº 692º, n.º 3 do Código de Processo Civil e, que o artº 152º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos define pela necessidade de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento, e o artº 688º, n.º 1 do Código de Processo Civil, circunscreve ao domínio da mesma legislação, e, desde que a orientação perfilhada pela decisão recorrida não esteja de acordo com jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo – artº 152º, n.º 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -.

4. Pressupostos da oposição de acórdãos

4.1 - Thema decidendum

Na decisão recorrida proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul - secção tributária - estava em causa, para o que aqui releva, «analisando o discurso fundamentador da sentença recorrida constata-se, com efeito, que se verifica erro de julgamento de facto relativamente às ilações que se retiram dos factos provados, pois aqueles não são adequados e suficientes para sustentar o juízo que deles se retiram».

No acórdão fundamento proferida pelo Tribunal Central Administrativo Norte - secção tributária – num processo de oposição à execução fiscal «o thema decidendum, assenta em determinar se o oponente havia ou não exercido a gerência de facto da sociedade devedora originária e se foi por sua culpa que o património da sociedade se delapidou.»


4. 2 – Matéria de facto provada

Na decisão recorrida foi julgada provada a seguinte matéria de facto:
A. A sociedade C……….., Ld.ª, foi constituída por escritura pública em 18/8/1993, por dois sócios, o Oponente e B……….., ambos designados gerentes, prevendo-se como forma de obrigar a sociedade a intervenção de dois gerentes ou de dois procuradores - cf. fls. 16;

B. O Oponente renunciou à gerência em 30/7/1999, facto registado na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa – 4ª Secção, em 7/10/1999- cf. fls. 17;

C. Corre termos no Serviço de Finanças de Lisboa - 11, contra C…………., Ld.ª, o processo de execução fiscal n° número 3344-00/1034847 e apensos, visando a cobrança coerciva de € 35 750,00 relativa a dívidas de contribuições da segurança social dos meses de Outubro e Dezembro de 98 e Fevereiro, Maio, Julho e Agosto a Dezembro de 99, cuja data limite de pagamento era o dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam - cf. certidão emitida em 27/6/2000 a fls. 46;

D. A executada originária foi citada em 14/11/2000 - cf. fls. 47 e 48;

E. Foi ordenada a penhora de bens da executada, e verificando-se que a penhora de todos os bens encontrados em nome da executada se revelaram "insuficientes para ao pagamento dos autos. Não são conhecidos quaisquer outros bens susceptíveis de penhora em nome da devedora originária afim de proceder ao pagamento coercivo" por despacho de 12/1/2004 foi determinada a audição prévia dos gerentes inscritos na Conservatória do Registo Comercial, invocando-se os artigos 13° do DL 103/80, de 9/5, 13° e 239°, nº 2 alínea b) do CPT e artigos 23° e 24° da LGT - cf. fls. 54;

F. Após notificação para audição prévia, foi determinada a reversão da referida execução contra o Oponente e outros nas respectivas proporções com as seguintes menções: "De acordo com os elementos junto aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, (...) nos termos dos artigos n° 13° do DL 103/80, de 9/5, 13° e 239º, nº 2 alínea b) do CPT (...)" - cf. fls. 57;

G. O Oponente foi citado através do ofício nº 2496 de 19/2/2004 - cf. fls. 58 e sg;

H. O oponente até 1996 foi Director Comercial passando até 1999 a desempenhar as funções de Director Técnico, incumbindo-lhe a organização dos turnos dos cerca de 10 trabalhadores da executada, dirigindo todos à excepção da funcionária administrativa, determinava que equipamentos deveriam ser adquiridos e devido ao seu contacto com fornecedores alertava o sócio B…………, para a necessidade de efectuar compra de bens ou equipamentos e de efectuar os respectivos pagamentos - cf. documento de fls. 19 e depoimento da testemunha D…………..;

I. O oponente assinava cheques quando necessário, algumas vezes em branco, que depois eram preenchidos por B…………, de acordo com as necessidades - cf. depoimento prestado por D…………. e …………;

J. O sócio do Oponente – B…………, desempenhava as funções de Director Administrativo e Financeiro, a quem incumbia contactar com clientes, contratar com fornecedores, efectuar o pagamento de fornecedores, e efectuar todos os contactos com o contabilista contratado - cf. fls. 19 e depoimento da testemunha D…………;

K. A contratação de pessoal era efectuada, de acordo com a área, pelo Oponente ou pelo Director Comercial, sendo a remuneração acordada directamente com o Director Financeiro – B……….. - cf. depoimento da testemunha …………;

L. Em finais do ano de 1999 a executada tinha clientes e encomendas, e encontrava-se em laboração, verificando-se a falta de pagamento - cf. depoimento das testemunhas ……….. e ………..;



4. 4 – Decisões jurídicas em confronto

· Na decisão recorrida decidiu-se o seguinte:
«(…) Assim sendo, não se poderá concluir pela não gerência de facto do Oponente quando resulta da prova documental que a sociedade se vincula com a assinatura dos dois únicos gerentes da sociedade, e da prova testemunhal que aquele exercia de funções na empresa na área técnica.

Para sustentar a tese da sentença seria necessária a produção de uma prova mais robusta, mais contundente da qual resultassem factos dos quais se pudesse extrair a completa irrelevância para a sociedade dos actos praticados pelo Oponente no exercício das funções técnicas, com por exemplo, a ausência de no exercício dessas funções, demonstrada através da instrumentalização do Oponente pelo outro gerente.

Das regras da experiência comum resulta que o Oponente tendo sido nomeado gerente de direito, e a sociedade obrigando-se com a assinatura dos dois únicos gerentes, juntamente com o facto de o Oponente exercer funções na área técnica empresarial da sociedade executada originária, da qual era o responsável, o Oponente também tomava decisões que condicionavam o destino da sociedade na obtenção de proveitos, e nessa medida, pelo menos nessa parte, tinha o controlo da empresa, praticava actos efectivos de gestão.

Deste modo, conclui-se que o Oponente exerceu de facto e de direito a gerência, e, portanto, cumpre aferir se estão reunidos os demais pressupostos para a responsabilização do oponente nos termos do art. 24.º, n.º 1 da LGT.»

No acórdão fundamento decidiu-se:

«(…) Então, voltando ao caso dos autos, vemos que a ATA cumpriu o seu ónus alegando na contestação factos que traduzem o exercício efectivo da gerência do ora recorrido na devedora originária (factos alegados nos artigos 7º, 8º 11 e 12), alguns dos quais resultaram provados, (factos provados n.º 10º).

Porém, não obstante tais factos, o oponente conseguiu fazer prova de que não era gerente da sociedade como refere a MMª juiz «a quo» e assim resulta efetivamente da prova alcançada (factos n.º 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º).

Por conseguinte, poder-se-á concluir que não obstante ter assinado documentos (cheques) não o fez por sua iniciativa (ou seja, não o fez a coberto dos poderes de gerência) mas sim acolhendo determinação de outrem, em quem residiam aqueles efectivos poderes (facto provado n.º 10º: O oponente assinava os cheques sem fazer perguntas).

Nestas circunstâncias, não sendo gerente efectivo da devedora originária, o recorrido não pode ser responsabilizado subsidiariamente pelas dívidas tributárias desta.».

O confronto das duas decisões permite verificar claramente que enquanto no acórdão recorrido se considerou que os factos provados permitiam concluir que o oponente exerceu de facto e de direito a gerência, no acórdão fundamento concluiu-se, também face aos factos provados, que «que não obstante ter assinado documentos (cheques) não o fez por sua iniciativa (ou seja, não o fez a coberto dos poderes de gerência) mas sim acolhendo determinação de outrém, em quem residiam aqueles efectivos poderes (facto provado n.º 10º: O oponente assinava os cheques sem fazer perguntas). Nestas circunstâncias, não sendo gerente efectivo da devedora originária, o recorrido não pode ser responsabilizado subsidiariamente pelas dívidas tributárias desta», isto é, que estávamos face a um gerente de direito sem exercício de funções de gerência.

A divergente solução alcançada num e noutro acórdão resulta, exclusivamente da valoração da prova produzida em cada um dos processos sem que haja qualquer confronto quanto à questão de direito.

Não estão, pois, reunidos os pressupostos que determinam que se conheça do mérito das pretensões neste recurso por oposição de julgados.

Deliberação:

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar findo o recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Junho de 2018. – Ana Paula da Fonseca Lobo (relatora) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – António José Pimpão – Dulce Manuel da Conceição Neto – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado.