Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0515/17
Data do Acordão:06/29/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR ANTECIPATÓRIA
FUMUS BONI JURIS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:I - Não faz parte do âmbito de conhecimento do requisito do “fumus boni iure” em processo cautelar, nos termos do art. 120º do CPTA, o conhecimento das ilegalidades assacadas ao acto na acção principal mas antes a aferição, e sem necessidade de grandes averiguações, se se afigure ao primeiro olhar, ser a acção de provável procedência.
II - Não é de provável procedência a acção com fundamento no vício de falta de fundamentação por terem sido invocados “critérios gestionários”.
III - Não é de provável procedência a acção baseada na violação do artigo 114º da LGTFP, assim como nos artigos 59.º, n.º 1, al. b), 67.º nº 2 al. h) e artigo 68º, em especial o n.º 4, todos da CRP, por não se impor numa primeira impressão o deferimento do pedido de jornada contínua baseado nos mesmos.
IV - Se um fundamento invocado for suficiente para a sustentação do acto, ainda que seja invocado um fundamento mais discutível, tal não interfere com a validade do mesmo.
V - Os juízos de conveniência eleitos pela Administração no sentido de paridade entre todos os funcionários e de não se negar posteriormente a um funcionário o que se deferiu a outro é um critério que, embora discutível, não é, só por si, suficiente para numa primeira abordagem podermos dizer que a pretensão formulada na acção administrativa interposta venha com probabilidade a ser julgada procedente.
VI - É duvidosa a procedência da invocação pela Requerente de que o indeferimento da jornada contínua, consubstanciado no Despacho n.º 015/SG/2016, de 20 de Maio de 2016, atenta contra o princípio da igualdade de tratamento já que a igualdade imposta pela CRP não é uma igualdade absoluta, mas a proibição da diferenciação injustificada.
Nº Convencional:JSTA00070264
Nº do Documento:SA1201706290515
Data de Entrada:05/05/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:SUSPEFIC
Objecto:DESP SGER AR.
Decisão:INDEFERIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - SUSPEFIC
Legislação Nacional:DL 214-G/2015 DE 2015/02/10.
CPTA02 ART120 N1 N2.
LGTFP14 ART114 N1 N2 ART4 N1 D ART110 N1 ART114 N3 A E.
CTRAB09 ART213 N2 ART89 ART56 ART57 ART90.
CONST76 ART59 N1 B ART67 N2 H ART68 N4 ART266 ART13.
EFP12 ART88 N3 ART6.
Referência a Pareceres:P 230/CITE/2016.
Referência a Doutrina:JORGE MIRANDA - MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL VOLII 2003 PÁG269.
FREITAS DO AMARAL - DIREITO ADMINISTRATIVO TOMOII PÁG201.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. A…………, devidamente identificada nos autos, requereu no TAC de Lisboa providência cautelar antecipatória de reconhecimento do direito de prestar serviço em regime de jornada contínua, fundamentado no facto de ser mãe de dois filhos gémeos menores, nascidos em 20 de Maio de 2014, direito que lhe havia sido indeferido pelo acto do Secretário-Geral da Assembleia da República, de 20 de Maio de 2016.

2- O TAC de Lisboa declarou-se incompetente em razão do território, e territorialmente competente o TAF de Sintra.

3- Notificada dessa decisão, veio a Requerente, dela reclamar para o Presidente do TCAS, invocando o art. 105º, nº4, CPC, aplicável ex vi dos art.s 1º e 140º CPTA.

4- A Assembleia da República, notificada da reclamação, invocando o disposto no art. 24º, nº1, ii) do ETAF, concluiu que, em face da competência do Supremo Tribunal Administrativo [STA], deveria ser revogado o despacho reclamado e substituído por outro a determinar a remessa dos autos ao STA (art. 14º, nº1, do CPTA).

5- A A. respondeu, mantendo a reclamação, invocando que o acto objecto de pedido de anulação na acção principal não é um acto praticado pelo Secretário-Geral da AR enquanto órgão de soberania, mas, tão só, um acto instrumental relativo à prestação de trabalho por funcionária parlamentar, pelo que deveria a reclamação ser remetida ao TCAS.

6- A reclamação foi admitida por despacho de 9.9.2016, que determinou a sua subida para o Presidente do TCAS, o qual por despacho de 3 de Outubro de 2016, considerou territorialmente competente para a tramitação dos autos o TAC de Lisboa.

7- Citada a Entidade Requerida, veio a mesma deduzir oposição, concluindo “… Não se verifica o preenchimento cumulativo dos pressupostos de que depende o decretamento da providência, tal como é exigido pelo artigo 120º, nº1, CPTA, pois, contrariamente ao alegado pela Requerente, não só é manifestamente improvável a procedência da pretensão formulada no processo principal como não se verifica qualquer urgência na regulação provisória da sua situação jurídica pela verificação do periculum in mora, razão pela qual deve ser indeferido o pedido cautelar formulado nos autos...
- Deve declarar-se a incompetência, em razão da hierarquia, dos tribunais administrativos de círculo para conhecer do pedido de tutela cautelar formulado contra a Assembleia da República e, em consequência, ser o processo remetido ao Supremo Tribunal Administrativo, por ser o competente para dele conhecer; - Por fim, deve julgar-se não verificado o preenchimento cumulativo dos pressupostos de que depende o decretamento da providência, e, em consequência, a Assembleia da República ser absolvida do pedido cautelar.”

8- Em 6.4.2017 o TAC de Lisboa decidiu:
“a) Declarar a incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal… para conhecer da presente providência; b) Ordenar a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo, Secção de Contencioso Administrativo”.

9 - Em 23 de Março de 2017 foram apensos aos autos desta providência (Proc. nº 1732/16.7BELSB TAC LISBOA) a acção principal (Proc. nº 1735/16.BELSB TAC LISBOA).
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FACTOS COM INTERESSE PARA O CONHECIMENTO DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR

1 – A requerente é funcionária parlamentar, com a categoria de assessora parlamentar, do mapa de pessoal permanente da Assembleia da República, desde 9/7/2001 (cf. doc. n.º 2, junto com a p.i. e aqui dado por reproduzido).

2 – A requerente é mãe de dois filhos gémeos, ………… e …………, nascidos em 20/5/2014 (cf. docs. 3 e 4, juntos com a p.i. e aqui dados por reproduzidos).

3 – Após o gozo da licença de parentalidade subsequente ao nascimento dos dois filhos, a requerente comunicou a intenção de gozar a dispensa para aleitamento prevista na lei, requerendo o seu gozo num único período de duas horas e meia por dia, até estes completarem 12 meses de idade, e sem prejuízo da disponibilidade permanente a que estava vinculada (doc. 5).

4 – O pedido do gozo em período único (no final do dia) foi deferido, tendo a autora beneficiado da dispensa de duas horas e meia por dia no período de 26 de janeiro a 20 de maio de 2015 (doc. 6).

5 – Em 22/7/2015, a aqui requerente requereu a prestação de trabalho em regime de jornada contínua, para acompanhamento dos seus dois filhos, então com 1 ano de idade, sem prejuízo da disponibilidade permanente a que estava vinculada, ao abrigo da alínea a) do n.º 3 do artigo 114.º da Lei 35/2014, de 20/6. (doc. 7 junto com a p.i. da acção principal e aqui dado por rep.).

6 – Em 10/12/2015, a autora foi notificada do projeto de indeferimento do seu pedido, suportado na “Informação n.º 105/DRHA/2015” de 23/10/2015 e dos pareceres nela exarados, donde se extrai «Em suma, do ponto de vista legal o presente pedido de concessão de jornada contínua tem fundamento na al. a) do n.º 3 do art. 114º da LTFP, porém como se trata de matéria que integra o acervo de competências discricionárias da Administração há que ponderar outros critérios, designadamente, de gestão e organização interna da Assembleia da República. (…) Face ao que antecede submete-se à consideração superior o pedido apresentado pela assessora parlamentar A…………» (doc. 8)” assim como no parecer lavrado em 9/11/2015 sobre essa informação, pela Chefe da Divisão de Recursos Humanos«Não obstante a requerente mencione que a concessão do regime de jornada contínua não colocaria em causa a disponibilidade permanente a que está obrigada - intenção da qual não se duvida e que não se questiona -, vê-se com dificuldade a possibilidade de conciliação prática do mesmo com o regime especial de trabalho dos funcionários parlamentares, sobretudo quando aplicável ao universo dos funcionários em idênticas situações, e atenta, também, a escassez de recursos humanos existente na AR. Assim, concordando com o que se propõe e informa, coloca-se à consideração superior o indeferimento do pedido apresentado”.

7– Em 21/12/2015, a aqui requerente apresentou a sua pronúncia sobre o projecto de indeferimento, em sede de audiência prévia, nos termos e com os fundamentos constantes do doc. 9 junto com a p.i., e que aqui se dá por reproduzido.

8– Em 15/4/2016, a aqui requerente remeteu ao Secretário-Geral a mensagem de correio eletrónico, referindo-se ao facto de, decorridos quase nove meses desde a apresentação do seu pedido, este não ter sido até então objeto de uma decisão final (doc. 10 junto com a p.i e aqui dado por rep.).

9 – Na mesma data, a aqui requerente recebeu do Secretário-Geral a mensagem que consta de doc. 11 junto com a p.i e aqui dado por reproduzido.

10 – Em 9/5/2016, a aqui requerente foi notificada do Despacho n.º 11/SG/2016, do Secretário-Geral, que junta como doc. 12 da p.i e que aqui se dá por reproduzido e donde se extrai:
«A resposta à pronúncia, elaborada pelos Serviços, reitera o entendimento de que o regime de jornada contínua poria em causa a resposta às necessidades de funcionamento da AR.
Na verdade, tendo a requerente considerado que a eventual invocação de uma opção gestionária para fundamentar a não atribuição do pedido de jornada contínua teria de assentar em factos concretos, vem a DRHA informar sobre o levantamento feito no sentido de apurar o universo de funcionários parlamentares em condições de requererem aquele regime. No conjunto dos 307 efetivos da AR, não contando com os dirigentes que estão, pela natureza das funções desempenhadas, isentos de horário de trabalho, 51 funcionários reúnem condições para requerem aquele regime. Este número corresponde a 16,6% do total de funcionários parlamentares efetivos nesta data; sendo que na DAC, essa percentagem sobe para 26,1%. Caso todos estes funcionários solicitassem a atribuição do regime de jornada contínua, tal poria em causa a regular prestação dos serviços, com reflexos óbvios ao nível do cumprimento das funções atribuídas à AR, ainda para mais num contexto, por todos reconhecido, de défice de recursos humanos (...) A não opção pelo regime de jornada contínua não põe em causa quaisquer direitos constitucionais ou previstos na lei geral, visto que continua a depender das chefias diretas a justificação das ausências necessárias para acompanhamento dos filhos menores de 12 anos, sem deixar de assegurar a possibilidade de gerir os recursos existentes com a eficiência e flexibilidade necessária (...) que seja solicitado às chefias diretas da Dra. A………… que, em conjunto com a requerente, tentem encontrar uma solução, ajustada aos interesses de ambas as partes e que não passando pela atribuição do regime de jornada contínua (de forma a não contender com o regime especial de trabalho dos funcionários parlamentares, nem a comprometer a gestão e organização interna da AR) assegure, ainda assim, uma melhor conciliação entre a vida familiar e profissional».

11 - Em 12/5/2016 a aqui requerente remeteu ao Secretário-Geral a mensagem de correio eletrónico que aqui junta como doc. 13 da p.i. e aqui se dá por integralmente reproduzida.

12 – Em 16/5/2016, a aqui requerente apresentou uma sugestão de alteração do Regulamento de Horário em vigor na Assembleia da República, nos termos do doc. 14 junto com a p.i, e que aqui se dá como reproduzido.

13 – Na mesma data, essa proposta foi encaminhada ao Secretário-Geral pela Diretora de Serviços de Apoio Técnico e de Secretariado (cf. doc. 15, junto com a p.i e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

14 – Em 27/5/2016, a aqui requerente foi notificada da decisão de indeferimento do Secretário-Geral, através do Despacho n.º 015/SG/2016, datado de 20/5/2016 (doc. 16 junto com a p.i e aqui dado por rep.) donde se extrai:
«Relativamente ao pedido apresentado em 22 de julho de 2015 pela Assessora Parlamentar A………… no sentido de lhe ser atribuído o regime de jornada contínua e atentas todas as diligências entretanto desenvolvidas, incluindo as ocorridas na sequência do meu despacho n.º 11/SG/2016, indefiro o referido pedido, pelas razões e com os fundamentos constantes das informações nºs 105/DRHA/2015 e 22/DRHA/2016».

15 – A Informação n.º 22/DRHA/2016 dos serviços, datada de 23/2/2016, refere:
«A atribuição do horário de trabalho em regime de jornada contínua - tal como está contemplada na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho - depende não só da verificação dos requisitos legais (que no caso em apreço se encontram preenchidos) como também da ponderação de critérios gestionários orientados para a prossecução do interesse público, por se tratar de um poder discricionário;
b) ora, no caso dos Serviços de Apoio à AR e no momento actual de grave carência de recursos humanos, a prossecução do interesse público passa por encontrar o justo equilíbrio entre, por um lado, assegurar os direitos dos funcionários, designadamente no âmbito da protecção da parentalidade, e por outro garantir o funcionamento regular e eficaz dos Serviços, nomeadamente do Plenário e das Comissões;
c) como é do conhecimento geral, a AR tem a decorrer diversos procedimentos concursais de recrutamento e em paralelo tem estado a recorrer ao mecanismo da cedência de interesse público para colmatar, no imediato e pontualmente, as falhas de pessoal decorrentes de situações de doença e outras. E, ainda assim, está à beira do colapso em termos de gestão de recursos humanos;
d) deste modo não se pode ignorar o impacto negativo que o deferimento do pedido teria - com particular incidência na gestão e desempenho da Divisão de Apoio às Comissões (DAC) - porquanto iria, seguramente, desencadear a apresentação de idênticos pedidos por parte dos funcionários da DAC que se encontram nas mesmas condições da requerente (que, na presente, data ronda os 25% do total de funcionários daquela Divisão). Ter cerca de 1/4 dos actuais funcionários da Divisão a trabalhar em regime de jornada contínua tornaria impossível o funcionamento da mesma.
3. Face ao que antecede propõe-se a manutenção do indeferimento do pedido de jornada contínua constante da informação n.º 105/DRHA/2015» (doc. 16).

16 – Sobre esta informação foi, em 23/2/2016, lavrado um parecer pela Chefe da Divisão de Recursos Humanos, dele constando, nomeadamente, o seguinte:
«À consideração superior, com a minha concordância com o que se informa. Reitera-se assim o entendimento de que o regime de jornada contínua poria em causa a resposta às necessidades de funcionamento da AR, que é missão dos Serviços assegurar, designadamente atendendo a que é necessário garantir igualdade de tratamento de todos os outros funcionários em idênticas circunstâncias. Atentas as atuais condições dos recursos humanos da AR e considerando o regime especial de trabalho que vincula os funcionários parlamentares, com tudo o que o mesmo implica, designadamente um horário especial de trabalho e uma remuneração suplementar, o mesmo não se coaduna com um regime de jornada contínua. O levantamento feito no sentido de apurar o universo de funcionários parlamentares em condições de requererem este regime não deixa margem para dúvidas - no conjunto dos 307 efetivos da AR (não contando com os dirigentes, pois estão, pela natureza das funções desempenhadas, isentos de horário de trabalho), 51 reúnem condições para requerem aquele regime. Este número corresponde a 16,6% do total de funcionários parlamentares efetivos nesta data; na DAC, essa percentagem sobe para 26,1 %, mais de 1/4 dos funcionários presentemente lá colocados. Num mapa de pessoal extremamente depauperado, estas percentagens assumem proporções tremendas. Não se considera, por outro lado, que sejam, desta forma, postos em causa quaisquer direitos constitucionais ou previstos na lei geral, uma vez que continua a depender das chefias diretas a justificação das ausências necessárias para acompanhamento dos filhos menores de 12 anos» (doc. 16).
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O DIREITO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
1. Da apreciação dos requisitos do artigo 120.º do CPTA.
A providência cautelar que agora se aprecia deu entrada no TAC de Lisboa em 27.07.2016, sendo-lhe, portanto, aplicáveis as alterações introduzidas neste domínio pelo DL n.º 214-G/2015, de 02.10.
Actualmente, o artigo 120.º prescreve no seu n.º 1 que deve ser “provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.
Este preceito torna, assim, requisito comum a todas as providências, exigências que eram próprias de uma providência cautelar antecipatória na versão anterior do CPTA (art. 120º nº1 al. c)).
E, se torna mais difícil obter a tutela cautelar em geral, tal exigência já existia na situação dos presentes autos porque sempre estamos perante uma providência cautelar antecipatória.
O significado deste preceito é, assim, como aliás já foi referido por Mário Aroso de Almeida e Carlos F. Cadilha em anotação ao art. 120º in Comentário ao CPTA edição de 2005, pág. 609, que o requerente tem de fazer uma prova sumária do bem fundado da sua pretensão no processo principal, ou seja, o critério do fumus boni iuris (ou da aparência do bom direito).
Para além deste requisito, o art. 120º do CPTA, na redacção supra referida, exige, ainda, ocorrência do requisito do periculum in mora (fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal - nº 1) e, caso estejamos perante o mesmo, a devida ponderação dos interesses públicos e privados em presença - nº 2 do mesmo preceito.
Cumpre-nos, assim, aferir se se encontram preenchidos os requisitos para a concessão da providência cautelar aqui em causa.
1.1. Do fumus boni juris
Vejamos, então, se com base nos elementos de que dispomos, é provável que a pretensão a formular no processo principal venha a proceder.
Para tal impõe-se ter presente as ilegalidades que a requerente cautelar assaca ao acto que pretende ver anulado na acção principal em que também se pede a condenação na prática do acto devido, o qual se traduz no deferimento do requerimento por si deduzido.
Não podemos esquecer que não faz parte do âmbito deste processo o conhecimento das ilegalidades assacadas ao acto na acção principal, sob pena de esta perder o objecto e de se estar a transformar um processo cautelar urgente num processo principal sem as garantias que só este pode assegurar.

Reporta-se, antes, este preceito àquelas situações em que ao juiz, e sem necessidade de grandes averiguações, se afigure ao primeiro olhar, ser a acção de provável procedência.

1.1.1.A aqui requerente remete para as ilegalidades assacadas ao acto na petição da acção principal, onde começa por aludir à ilegalidade por falta de fundamentação do acto já que, a seu ver, não podiam ter sido invocados “critérios gestionários”, como o foram, o que equivale a falta de fundamentação.

Diz o acto nesta parte:

«do ponto de vista legal o presente pedido de concessão de jornada contínua tem fundamento na al. a) do n.º 3 do art. 114º da LTFP, porém como se trata de matéria que integra o acervo de competências discricionárias da Administração há que ponderar outros critérios, designadamente, de gestão e organização interna da Assembleia da República”.
Ora, desde logo, uma coisa é a falta de fundamentação e outra o erro na fundamentação.
E tanto o acto está fundamentado nesta parte que a requerente vem dizer que não se podiam ter invocado os critérios que foram.
Também do mesmo não consta apenas o que a requerente transcreve, já que são integrados no mesmo as informações do serviço n.º 105/DRHA/2015 de 23/10/2015 e 22/DRHA/2016 de 23/2/2016, extraindo-se desta última:
b) ora, no caso dos Serviços de Apoio à AR e no momento actual de grave carência de recursos humanos, a prossecução do interesse público passa por encontrar o justo equilíbrio entre, por um lado, assegurar os direitos dos funcionários, designadamente no âmbito da protecção da parentalidade, e por outro garantir o funcionamento regular e eficaz dos Serviços, nomeadamente do Plenário e das Comissões;
c) como é do conhecimento geral, a AR tem a decorrer diversos procedimentos concursais de recrutamento e em paralelo tem estado a recorrer ao mecanismo da cedência de interesse público para colmatar, no imediato e pontualmente, as falhas de pessoal decorrentes de situações de doença e outras. E, ainda assim, está à beira do colapso em termos de gestão de recursos humanos;
d) deste modo não se pode ignorar o impacto negativo que o deferimento do pedido teria - com particular incidência na gestão e desempenho da Divisão de Apoio às Comissões (DAC) - porquanto iria, seguramente, desencadear a apresentação de idênticos pedidos por parte dos funcionários da DAC que se encontram nas mesmas condições da requerente (que, na presente, data ronda os 25% do total de funcionários daquela Divisão). Ter cerca de 1/4 dos actuais funcionários da Divisão a trabalhar em regime de jornada contínua tornaria impossível o funcionamento da mesma.
3. Face ao que antecede propõe-se a manutenção do indeferimento do pedido de jornada contínua constante da informação n.º 105/DRHA/2015»
O acto permite, assim, a um destinatário normal aperceber-se da motivação que está na sua base, pelo que não existe qualquer probabilidade de procedência da acção principal com base na ocorrência da ilegalidade por falta de fundamentação do acto.
E, se o despacho aqui em causa invocou critérios que não podia, a questão já será de erro na fundamentação.
Sendo que, a análise deste erro está intimamente ligada à interpretação e violação dos preceitos legais e constitucionais invocados, pelo que será atendida aquando do conhecimento dos mesmos.
Não pode, assim, a invocação desta ilegalidade conduzir, à partida, à provável procedência da acção principal.
1.1.2. Seguidamente, vem a requerente dizer que, nos termos do artigo 114º da LGTFP, assim como dos artigos 59.º, n.º 1, al. b), 67.º nº2 al. h) e artigo 68º, em especial o n.º 4, todos da CRP, se impunha o deferimento da sua pretensão.
Vejamos, então, se a acção é de provável procedência por violação dos referidos preceitos.
Pretende a recorrente que lhe é aplicável o art. 114º da LGTFP por força do seu nº4 e do art. 88.º, n.º 3 do Estatuto dos Funcionários Parlamentares.
E tem efectivamente razão já que resulta dos referidos preceitos que lhe são aplicáveis as normas relativas à jornada contínua da LGTFP.
Na verdade, não é pelo facto de vigorar na Assembleia da República um regime especial de trabalho ou de não ter tido ainda lugar a alteração regulamentar anunciada no referido despacho n.º 015/SG/2016 que a Assembleia da República se deve em abstracto considerar desonerada, sem mais, de aplicar aos trabalhadores parlamentares os mesmos mecanismos de protecção na maternidade e na paternidade dispostos por lei para os trabalhadores que exercem funções públicas, conforme resulta dos artigos 4.º, n.º 1, alínea d), da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas e artigo 88.º, n.º 3, do Estatuto dos Funcionários Parlamentares.
Situação diferente será a de saber se efectivamente resulta da referida Lei o seu direito à mesma.
Invoca, também, a requerente, para além daquele referido preceito, que a redução do período normal de trabalho em até uma hora diária, por via da modalidade de proteção na parentalidade em que consiste a jornada contínua, corresponde ao legítimo exercício de um direito fundamental do trabalhador, o qual, encontra expressa consagração constitucional nos artigos 59.º, n.º 1, al. b), 67.º, nº 2, al. h) e 68.º - em particular no seu n.º 4 – todos da CRP.
E que, tais garantias constitucionais estão integradas no elenco dos direitos e deveres económicos e sociais e, portanto, porque análogas aos direitos, liberdades e garantias, beneficiam do seu regime próprio: são direitos fundamentais que vinculam imediatamente os poderes públicos e privados, podendo ser-lhes opostos directamente.
Entende a aqui requerente, assessora jurídica parlamentar a exercer funções na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que estando integrada em equipa composta por mais dois assessores jurídicos com as mesmas funções que ela e ainda duas técnicas de apoio parlamentar com funções de secretariado, nenhum dos quais beneficiando de regime de dispensa horária ou de redução do período normal de trabalho (não ocorrendo qualquer prejuízo para o serviço) e estando apenas em causa a perda do direito à pausa mínima de uma hora para almoço, substituída por prestação de trabalho à ré, o que lhe permite antecipar em duas horas o termo do período mínimo de permanência no local de trabalho, se impunha face aos referidos preceitos legais e constitucionais, o deferimento da sua pretensão.
Acrescenta, ainda, a existência de um precedente de que os funcionários parlamentares que exercem funções como assistentes operacionais nas portarias de S. Bento e do edifício novo da Assembleia da República trabalham em regime de jornada contínua o que revela a admissibilidade da aplicação do regime de jornada contínua “no interesse do serviço” (isto é, ao abrigo da alínea g) do n.º 3 do artigo 114.º da LGTFP), tal como a requerida reconheceu expressamente na Informação n.º 105/DRHA/2015. Por fim,
Por fim, invoca a existência na AR de um estatuto do funcionário parlamentar estudante (publicado no DAR, II Série-E, n.º 32, de 18/5/2012) que admite, entre outras prerrogativas, que “o funcionário parlamentar ou trabalhador estudante beneficia de dispensa do exercício de funções parlamentares, sem perda de quaisquer direitos, contando como prestação efetiva de serviço, até um máximo de 6 horas semanais, designadamente para frequência de aulas no estabelecimento de ensino onde se encontra matriculado” (art.º 6.º), para além de gozar “também do direito de dispensa do exercício de funções parlamentares, para a prestação de provas de avaliação”.
Conclui que não resulta da lei que na decisão sobre a jornada contínua se tenha de ponderar outros critérios, designadamente, de gestão e organização interna da Assembleia da República já que esta não aponta ao intérprete que critério seja oponível à concessão do regime.
E que, se a lei não aponta ao intérprete que critério seja oponível à concessão do regime, ela aponta inequivocamente que este não pode ser negado simplesmente com fundamento no “prejuízo para o serviço” já que o trabalhador é, por natureza, necessário ao serviço.
Ou seja, se o pedido do exercício do direito aqui em causa pudesse ser indeferido com base nesse simples fundamento, a sua consagração constitucional e legal não passaria de pura letra morta, em desconformidade com a Constituição.
Então vejamos.
Como supra já referimos cumpre atentar que aferir se a pretensão formulada ou a formular no processo venha a ser julgada procedente não pressupõe uma análise exaustiva das ilegalidades mas antes o que resulta duma análise sumária dos mesmos.
Dispõe o art. 67º nº2 al. h) sob a epígrafe “Família” que incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família:
“h) Promover, através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.”
Por sua vez, o artigo 68º sob a epígrafe “Paternidade e maternidade” refere:
“1. Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.
2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.
3. As mulheres têm direito a especial protecção durante a gravidez e após o parto, tendo as mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa do trabalho por período adequado, sem perda da retribuição ou de quaisquer regalias.
4. A lei regula a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar.”
É certo que as supra referidas normas constitucionais invocadas pela Requerente têm por objectivo possibilitar às mães e aos pais trabalhadores uma efectiva e adequada conciliação da actividade profissional com a vida familiar, incluindo a protecção na maternidade e na paternidade e que, enquanto direitos fundamentais, vinculam as entidades públicas, as quais devem conformar material e formalmente todas as suas condutas em obediência e no sentido da promoção, efectivação e protecção de tais direitos.
Não obstante, e porque estão em causa normas programáticas a sua exequibilidade depende de intermediação legislativa, assim como de criação das condições económicas, financeiras e sociais que permitam o seu exercício.
Como refere Jorge Miranda (in Manual de Direito Constitucional, Tomo II, Coimbra Editora, 2003, pág. 269), são normas que se dirigem «a «certos fins e a transformações não só de ordem jurídica mas de estruturas sociais», pelo que «implicam a verificação pelo legislador, no exercício de um verdadeiro poder discricionário, da possibilidade de as concretizar».
E é como forma de executar essas normas programáticas, que surge o art. 114º nºs 1 e 2 da LGTFP assim como o CT/2009.
Os valores e fins constitucionais acima referidos encontram, assim, concretização no Código de Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Dezembro - adiante CT/2009), aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas, actualmente, por força do artigo 4.º, n.º 1, alínea d), da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LGTFP).
Ora, desde logo, não vem directamente regulado no CT/2009 o regime de jornada contínua apenas se podendo colocar a sua aplicabilidade no âmbito do art. 213.º/2 e através de uma negociação colectiva (consagração em AE, CCT ou ACT).
Diferentemente a LGTFP expressamente se refere à jornada contínua no seu artigo 114.º, n.º 3 ao dispor:
«a jornada contínua pode ser adotada nos casos de horários específicos previstos na presente lei e em casos excecionais, devidamente fundamentados, designadamente nos seguintes:
a) Trabalhador progenitor com filhos até à idade de 12 anos».
A LGTFP prevê, assim, a possibilidade de aplicação da jornada contínua em casos excecionais e devidamente fundamentados aos trabalhadores em funções públicas, sendo que o legislador elenca exemplificativamente a situação do trabalhador progenitor de crianças menores de 12 anos.
Ora, os termos utilizados de “ pode” , em “ casos excepcionais” e “ devidamente fundamentados” inculca logo que estamos no âmbito de um poder discricionário, o que não significa arbitrariedade.
Isto é, a lei concede à Administração uma margem de actuação no sentido da aferição da possibilidade de concessão do regime da jornada contínua, fazendo parte dessa margem de actuação a ponderação do interesse do serviço.
Trata-se de uma solução normativa que os órgãos e agentes administrativos da Assembleia da República devem aplicar na resolução dos casos concretos, por força da exigência de subordinação à lei em que se traduz o princípio da legalidade.
Solução essa que não revela de imediato a violação de qualquer daqueles preceitos constitucionais.
Na verdade, e como vimos, o regime da jornada contínua não é a única forma prevista na lei para cumprimento dos referidos preceitos constitucionais.
E não podemos dizer que a regulamentação da jornada contínua tal como resulta da lei viole os referidos preceitos.
Desde logo, o referido preceito permite que a jornada possa ser adotada tanto no interesse do serviço como no interesse dos trabalhadores que se encontrem numa das situações acima referidas, mas não significa qualquer direito subjectivo à mesma.
Ao fazer depender a fixação do horário da natureza da atividade exercida e das necessidades do regular funcionamento dos serviços, o legislador deixou à margem de livre apreciação do empregador público a avaliação, em cada caso, sobre se a jornada contínua era ou não adequada à realização desses interesses, não obstante reconhecer aos trabalhadores com responsabilidades familiares um interesse legítimo em beneficiarem do regime da jornada contínua.
A este propósito extrai-se do parecer n.º 230/CITE/2016 da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), que a jornada contínua é uma «faculdade concedida pelo legislador, dependente, pois, de autorização da entidade empregadora pública, o que implica que a decisão de deferir ou indeferir um pedido para exercer atividade nos termos dessa modalidade de horário, seja discricionária, desde que fundamentada, importando a devida ponderação dos interesses em causa, nomeadamente o do/a trabalhador/a e o do funcionamento do serviço.»
Invoca a aqui requerente a existência na AR de um estatuto do funcionário parlamentar estudante (publicado no DAR, II Série-E, n.º 32, de 18/5/2012) que admite que o funcionário parlamentar ou trabalhador estudante beneficia de dispensa do exercício de funções parlamentares, sem perda de quaisquer direitos, contando como prestação efetiva de serviço, até um máximo de 6 horas semanais, para concluir que não resulta da lei que na decisão sobre a jornada contínua se tenha de ponderar outros critérios, designadamente, de gestão e organização interna da Assembleia da República já que esta não aponta ao intérprete que critério seja oponível à concessão do regime.
Ora, não se pode argumentar que, pela existência do referido estatuto do trabalhador estudante, a interpretação a fazer aos preceitos relativos à jornada contínua deva ser feita em termos idênticos aos previstos na lei para a frequência de aulas no regime de trabalhador estudante.
É que, foi opção do legislador no que diz respeito ao trabalhador-estudante fazer a proteção das condições de trabalho do trabalhador estudante a que alude o artigo 59.º, n.º 2, alínea f), da CRP, nos termos previstos nos artigos 89.º e seguintes do CT2009, normas que regulam certas especificidades do regime laboral do trabalhador estudante.
Questão diversa é a de saber se o legislador, no CT/2009 devia ter previsto, da forma que o fez para o trabalhador estudante, regime idêntico para a situação dos presentes autos.
É que, quanto à concreta medida da jornada contínua, a lei apenas refere que a entidade requerida, uma vez respeitadas as referidas vinculações legais, na fixação do horário de trabalho, goza de discricionariedade, podendo adoptar uma, ou simultaneamente mais do que uma, das cinco modalidades de horário de trabalho, elencadas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 110.º da LGTFP (horário flexível, horário rígido, horário desfasado, jornada contínua e trabalho por turnos).
E, não constituindo a jornada contínua uma variante do horário flexível dos artigos 56.º e 57.º do CT/2009, foi deixado pelo legislador ao critério do empregador público a sua adopção, uma vez que é a ele que cabe escolher a modalidade de horário em cada caso mais ajustada à prossecução dos interesses que estão na base do poder que lhe assiste de direção e organização dos serviços que lhe assiste de direcção e organização dos serviços, tal como deriva do referido n.º 1 do art. 110.º da LGTFP.
É, pois, ao empregador público que, casuisticamente ou através de regulamento, cabe definir, com base na sua própria avaliação, quais as situações a que excepcionalmente deve ser aplicado o regime de prestação de trabalho em jornada contínua.
E isso, não obstante a lei considerar em abstracto merecedoras de tal regime as situações elencadas nas alíneas a) a e) do n.º 3 do artigo 114.º da LGTFP, onde se inclui a situação dos autos, de trabalhadores progenitores com filhos até à idade de 12 anos, ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica [alínea a)], trabalhadores em situação equiparada àqueles [alíneas b), c) e d)], bem como trabalhadores estudantes [alínea e)].
Não podemos, pois dizer, que se afigura provável que a acção principal venha a ser julgada procedente com base na violação os referidos preceitos legais e constitucionais pela invocação de motivos gestionários para indeferir a pretensão da requerente.
1.1.3 Alega, ainda, a requerente que a lei obriga - mesmo que se admita que o deferimento fosse uma mera “opção gestionária” - à aferição do seu caso concreto, nomeadamente se, nas circunstâncias organizacionais e funcionais em que se encontra, a sua dispensa em uma hora diária poderia causar prejuízo significativo ao serviço em que se integra, sem nunca deixar de se ter em conta o dano decorrente do não deferimento do pedido e não sem se considerar a hipótese de o eventual “prejuízo significativo para o serviço” e/ou para o exercício do direito ser minimizado mediante a elaboração de escalas de serviço entre os interessados ou por mobilidade para outra unidade orgânica onde as exigências do funcionamento da Assembleia da República pudessem ser mais facilmente asseguradas.
O que sempre viola os princípios do interesse público, da proporcionalidade e da proibição do excesso.
Para tanto invoca que o interesse público relevante no caso não é exclusivamente o do regular funcionamento dos serviços da Assembleia da República.
E que, conferir à Administração o poder de determinar discricionariamente quando existe ou não o direito consagrado no art. 68.º, n.º4, da CRP, não foi a intenção do legislador constitucional até porque isso significaria o total esvaziamento de conteúdo da consagração desse direito como fundamental.
Na verdade, antes cabe à Administração encontrar a solução de modo, por um lado, a salvaguardar o direito do interessado, e, por outro, a minimizar o prejuízo que o exercício desse direito poderá acarretar para o serviço e não indeferir o pedido do exercício desse direito com fundamento em que é prejudicial para o serviço já que qualquer medida desta natureza acarreta, necessariamente, prejuízo para o serviço, visto ser da própria essência da existência do funcionário a sua necessidade para o serviço.
Vejamos.
Em primeiro lugar, não podemos esquecer que a jornada contínua é um dos meios entre vários outros a que supra já aludimos de manifestação e execução dos referidos princípios constitucionais, regime que no CT/2009 não vem expressamente referido, conforme supra se referiu.
O que significa que, sem ele, não deixam de os referidos preceitos ter eficácia e regulamentação adequada.
Questão diferente será, a nosso ver, o facto de a ré ter invocado o “prejuízo para a regular prestação dos serviços” aludindo à possibilidade de todos os potenciais interessados requererem a jornada contínua.
Isto é, à validade da invocação de “... que é necessário garantir igualdade de tratamento de todos os outros funcionários em idênticas circunstâncias.” sem se aferir concretamente se no momento da formulação do requerimento da requerente o facto de a mesma prestar serviço em jornada contínua causava prejuízo para o serviço não obstante a carência de pessoal e o decurso de concursos.
Mas, desde logo, há que atentar que a fundamentação do indeferimento do pedido de jornada contínua foi-o com fundamento em se ver com “dificuldade a possibilidade de conciliação prática do mesmo com o regime especial de trabalho dos funcionários parlamentares, sobretudo quando aplicável ao universo dos funcionários em idênticas situações.”
O que significa que também esteve em causa a dificuldade de conciliação do regime especial de trabalho dos funcionários parlamentares de per si, sendo utilizada a inaplicabilidade ao universo dos funcionários parlamentares como enfase do fundamento.
Por outro lado, também não se pode ignorar que consta de informação que esteve na base do acto de indeferimento da pretensão da requerente que:
b) ora, no caso dos Serviços de Apoio à AR e no momento actual de grave carência de recursos humanos, a prossecução do interesse público passa por encontrar o justo equilíbrio entre, por um lado, assegurar os direitos dos funcionários, designadamente no âmbito da protecção da parentalidade, e por outro garantir o funcionamento regular e eficaz dos Serviços, nomeadamente do Plenário e das Comissões;
c) como é do conhecimento geral, a AR tem a decorrer diversos procedimentos concursais de recrutamento e em paralelo tem estado a recorrer ao mecanismo da cedência de interesse público para colmatar, no imediato e pontualmente, as falhas de pessoal decorrentes de situações de doença e outras. E, ainda assim, está à beira do colapso em termos de gestão de recursos humanos”.
Ou seja, para além da questão da impossibilidade de paridade entre todos os funcionários ocorre um fundamento concreto de colapso em termos de gestão de recursos humanos.
E, se um fundamento invocado for suficiente para a sustentação do acto, ainda que seja invocado um fundamento mais discutível, tal não interfere com a validade do mesmo.
Sendo que, de qualquer forma, os juízos de conveniência eleitos pela Administração no sentido de paridade entre todos os funcionários e de não se negar posteriormente a um funcionário o que se deferiu a outro é um critério que, embora discutível, não é, só por si, suficiente para numa primeira abordagem podermos dizer que a pretensão formulada na acção administrativa interposta venha com probabilidade a ser julgada procedente.
1.1.4. Por fim, a requerente invoca a violação do princípio da igualdade.
Alega a requerente que viola o princípio constitucional da igualdade o facto de haver funcionários parlamentares que exercem funções em regime de jornada contínua, ao abrigo da al. g) do n.º 3 do artigo 114.º da LTFP negando-se-lhe o mesmo quando está em causa um “trabalhador progenitor com filhos até à idade de 12 anos”, isto é, ao abrigo da alínea a) do mesmo preceito.
E que, também, viola o mesmo princípio o tratamento concedido pela Assembleia da República ao funcionário parlamentar estudante a quem se concede o direito de dispensa do exercício de funções em 6 horas por semana, não o podendo recusar, designadamente com fundamento em prejuízo para o serviço, organizando para o efeito, nomeadamente em dias de trabalhos parlamentares, escalas de serviço entre os trabalhadores da unidade orgânica em causa, o que podia também ter feito no caso concreto.
Sendo que, no caso do trabalhador estudante, está em causa o exercício de um direito fundamental do trabalhador, a valorização pessoal e profissional, direito legalmente consagrado, enquanto, no caso concreto, está em causa o direito fundamental, de valor superior, de protecção na parentalidade, o qual, para além da já invocada configuração legal, encontra expressa consagração constitucional, estando o direito a “dispensa de trabalho” previsto no artigo 68.º, n.º 4.
Então vejamos.
Dispõe o art. 266º nº da CRP que:

“1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.”

No mesmo sentido o art. 13º da CRP.

Diz Freitas do Amaral in Dº Administrativo, V.II, pág. 201 que este princípio significa que "a Administração Pública deve harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados".

De acordo com o princípio da igualdade e nos termos do art. 5º do CPA: “nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão da ascendência, sexo, raça, língua…etc”.

Viola, assim, este princípio aquela diversidade de tratamento que não encontre justificação e fundamento na realização de outros interesses e princípios constitucionais e legais, também eles conformadores da actividade da Administração, e considerados preferentes, em abstracto pelo legislador, em concreto pelo autor do acto quando agindo no âmbito da sua discricionariedade.

Pelo que, tratar desigualmente diversos administrados não será forçosamente violar o princípio da igualdade, se afinal se estiver a tratar de modo desigual o que e no que é efectivamente desigual.

Em suma, não é exigível uma parificação absoluta no tratamento das situações, mas apenaso tratamento igual de situações iguais entre si e um tratamento desigual de situações desiguais”, devendo as diferenciações de tratamento de situações aparentemente iguais justificar-se sempre, no mínimo, por um qualquer fundamento ou razão de ser que não se apresente arbitrário ou desrazoável.

Isto é, a margem de livre apreciação do legislador não pode corresponder a “impulsos momentâneos ou caprichosos, sem sentido e consequência”.

Pelo que, em cada caso concreto, há que examinar se a “discriminação ou desigualdade” é arbitrária ou desrazoável, se tem o sentido de um privilégio injustificado ou se comporta uma justificação objectiva, razoável, não arbitrária.

Assim, os motivos devem ter carácter objectivo e razoável quando perspectivados em função de certo direito, o que implica uma análise casuística da razoabilidade.

A arbitrariedade revela, precisamente, o carácter não pertinente do motivo.

Ora, e em síntese, consistindo o princípio da igualdade numa proibição do livre arbítrio e constituindo um limite externo de liberdade ao poder de conformação de decisão dos poderes públicos, atenhamo-nos, no caso concreto, aos fundamentos invocados pela requerente para a violação deste princípio constitucional.

Desde logo, a invocação da situação dos assistentes operacionais que exercem funções nas portarias do Palácio de S. Bento e no edifício novo contíguo (cfr. artigos 59 a 63 da petição da ação principal) revela que está em causa uma carreira diferente da dos funcionários parlamentares que, desde logo, não beneficiam da flexibilidade de horário aplicável à generalidade dos funcionários parlamentares conforme resulta de doc. 2 junto com a petição, o que significa que não se está perante a mesma situação.

Sendo que, conforme vem alegado pela requerida, apenas a portaria do edifício novo contíguo ao Palácio de S. Bento tem, neste momento, uma redução horária configurável como jornada contínua, pela única razão de funcionar durante um mínimo de 11 horas diárias (entre as 8h e as 19h, ou uma hora após o plenário) e ser assegurada por dois funcionários que trabalham em turnos rotativos (um abre, o outro encerra e na semana seguinte trocam), sendo por esse facto que beneficiam de uma redução de uma hora não sendo a pausa de 30 minutos para almoço contabilizada como tempo de trabalho (art. 103º da resposta).
Por outro lado, a aqui requerente não identificou qualquer concreta colega que estivesse numa situação precisamente igual à sua a quem tenha sido deferido o mesmo pedido que está em causa nestes autos.
Sendo que, mesmo que tivesse invocado tal, poderia a situação de facto na altura em que a mesma foi concedida ser diversa do actual contexto.
Quanto ao alegado relativamente aos trabalhadores estudantes, verifica-se que o artigo 6.º do Regulamento do Estatuto do Funcionário Parlamentar Estudante limita-se a adequar às carreiras parlamentares, sem carácter inovatório, o direito a dispensa de trabalho para frequência de aulas conferido aos trabalhadores estudantes pelo artigo 90.º do CT/2009.
Daí que, estando o regime de dispensa de trabalho para frequência de aulas dos trabalhadores estudantes legalmente consagrado, a atribuição a estes (individualmente ou através de regulamento) do referido crédito semanal de cinco horas traduz-se, diferentemente do que ocorre com a jornada contínua, no exercício de um poder de decisão vinculado por lei.
E, assim sendo, mostra-se de duvidosa a procedência da invocação pela Requerente de que o indeferimento da jornada contínua, consubstanciado no Despacho n.º 015/SG/2016, de 20 de Maio de 2016, atenta contra o princípio da igualdade de tratamento já que a igualdade imposta pela CRP não é uma igualdade absoluta, mas a proibição da diferenciação injustificada.
Não podemos, assim, também dizer que a acção principal é de provável procedência com base na violação do princípio da igualdade com os elementos disponíveis.
*
1.2. Não ocorrendo o requisito do fumus boni iuris, fica prejudicado o conhecimento dos restantes requisitos do artigo 120º do Novo CPTA.
*
Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em indeferir a presente providência cautelar.
Custas pela requerente.
D.N.
Lisboa, 29 de Junho de 2017. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.