Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02226/18.1BELSB
Data do Acordão:04/23/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
ASSINATURA
DOCUMENTOS
Sumário:I - No carregamento progressivo, ou de ficheiro aberto, não é exigida prévia assinatura de documentos, ou de ficheiros, que poderão ser alterados até à data da submissão, momento em que o sistema desencadeia a sua encriptação;
II -. A assinatura electrónica qualificada que lhes é aposta nesse momento da submissão mostra-se legalmente suficiente.
Nº Convencional:JSTA000P25811
Nº do Documento:SA12020042302226/18
Data de Entrada:02/28/2020
Recorrente:COMPANHIA CARRIS DE FERRO DE LISBOA, S.A. (E OUTROS)
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. COMPANHIA CARRIS DE FERRO DE LISBOA, E.M., S.A. [doravante CCFL], e A…….., Lda. [doravante A… ], interpõem revistas independentes do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], de 19.06.2019, que concedeu provimento à apelação da A.., revogou a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC] e anulou o acto administrativo impugnado.

Porque na revista da A… foi imputada «omissão de pronúncia» ao acórdão recorrido, o TCAS, por acórdão de 26.09.2019, apreciou e supriu essa nulidade, razão pela qual, para além de anular o acto administrativo anulou também o contrato - se entretanto celebrado - e condenou a CCFL a adjudicar o concurso em causa à A….

A CCFL veio interpor também recurso de revista deste último acórdão.

2. A CCFL retira as seguintes conclusões das alegações da sua primeira revista:

1- A 2ª instância decidiu anular o acto impugnado por entender que o regime da Lei nº96/2015, de 17.08, obriga a que os documentos juntos com a proposta têm de estar já encriptados e assinados, com recurso a assinatura electrónica qualificada, no momento do carregamento, como exige o nº4 do artigo 68º dessa lei;

2- A 2ª instância fixou, além do mais, os seguintes factos materiais:

H) Aquando da submissão de cada um dos ficheiros que constituem os documentos da proposta da contra-interessada B…. foi aposta assinatura electrónica qualificada de …………;

I) Após a submissão dos ficheiros que compunham os documentos da proposta da contra-interessada B…. ficou a constar da plataforma, e de forma discriminada por relação a cada documento, a data e hora da respectiva submissão e dados do certificado qualificado da assinatura electrónica utilizada, mormente que foi utilizado o certificado ………. [Valida] Certification Authority 002;

3- Dúvidas não podem sequer subsistir de que cada um dos documentos da contra-interessada B… tem associada uma assinatura electrónica, ou seja, cada um dos documentos foi assinado aquando da sua submissão na plataforma electrónica, na medida em que deles e a cada um deles consta a aposição - como se observa na plataforma electrónica de contratação - de um certificado digital emitido pela …….. Certification Authority 002;

4- Por via deste certificado digital é então possível relacionar directamente o assinante com a entidade em apreço, ficando assegurado que o concorrente expressou a sua vontade e pretendeu vincular-se à proposta apresentada, estando ainda garantida a inalterabilidade da proposta desde a sua submissão, pelo que se afigura plenamente concretizado o desempenho das 3 funções requeridas à assinatura electrónica, a saber: i) Função identificadora; ii) Função finalizadora ou confirmadora; e iii) Função de inalterabilidade;

5- Resulta, assim, que os documentos apresentados pela contra-interessada B… foram efectivamente assinados com recurso a assinatura electrónica qualificada, encontrando-se em conformidade com o que é disposto na Lei nº96/2015, de 17.08, ainda que no texto de tais documentos, em formato PDF, não se visualizasse a assinatura electrónica qualificada, uma vez que a aludida norma não exige, em momento algum, a justaposição dúplice ou em dois momentos de uma assinatura, ou a aposição da assinatura electrónica qualificada no texto dos documentos, ou seja, antes do carregamento, mas somente que os mesmos sejam assinados aquando da submissão da proposta na plataforma electrónica;

6- O AC deste STA, de 06.12.2018 [Rº0278/17.0BECBT] decidiu:

I- Enquanto no carregamento de «ficheiro fechado» o concorrente elabora a proposta localmente, no seu próprio computador, inserindo os documentos em ficheiros que introduz na plataforma electrónica depois de encriptados e assinados, no carregamento progressivo ou de «ficheiro aberto», a que alude o nº5 do artigo 68º da Lei nº96/2015, de 17.08, o ficheiro está em processo de carregamento até ao momento da submissão, não sendo a sua assinatura exigida até este momento.

II- Estando assente que se teria de considerar que a modalidade de carregamento era a de «ficheiro fechado», em virtude de a plataforma electrónica utilizada no concurso não ter as potencialidades necessárias para permitir o carregamento progressivo nos termos do mencionado artigo 68º, nº5, e resultando dos factos provados que, em violação do nº4 deste artigo 68º, os ficheiros da proposta da adjudicatária só foram assinados electronicamente depois de carregados no portal, há que averiguar se a formalidade essencial omitida se degradou em não essencial por as funções da assinatura electrónica terem sido asseguradas.

III- Tendo-se provado que todos os ficheiros associados à proposta da adjudicatária foram assinados através de um certificado de assinatura electrónica a ela pertencente e garantindo a plataforma a possibilidade de aferir se uma cópia electrónica que dela tenha sido extraída corresponde ao documento original submetido pelo concorrente, é de concluir que o facto de os ficheiros não terem sido assinados na altura determinada pela lei, mas só em momento posterior, se degrada em formalidade não essencial.

7- Da conjugação do disposto no nº5 do artigo 68º e do nº2 do artigo 70º da Lei nº96/2015, resulta que, nos casos em que o concorrente opta pelo carregamento progressivo dos documentos é no momento em que o concorrente submete os ficheiros [documentos da proposta] que o sistema desencadeia o processo de encriptação dos mesmos, de forma a cumprir com as exigências dos artigos 53º nº1, 73º nº1, e 74º nº1, da Lei nº96/2015, os quais serão encriptados nesse momento, sendo-lhes aposta a assinatura electrónica qualificada [artigo 69º nº1];

8- O procedimento de carregamento dos ficheiros a que se reporta o nº5 do artigo 68º, permite que o concorrente insira os documentos um a um na plataforma [constituindo, assim, a sua proposta], sem que os mesmos se encontrem encriptados ou assinados, dado que no momento da sua submissão, a própria plataforma electrónica, de forma automática, procede à encriptação e à assinatura electrónica qualificada dos documentos;

9- Porque se atentarmos ao disposto no artigo 2º alínea g) da Lei nº96/2015, de 17.08, segundo o qual a submissão das propostas ocorre no momento em que o concorrente ou o candidato efectiva a entrega da proposta da candidatura, após o respectivo carregamento na plataforma electrónica, sendo que a proposta se considera apresentada, para efeitos do CCP, quando o concorrente ou candidato finaliza o processo de submissão, nos termos do artigo 70º nº1 da Lei nº96/2015, constata-se que quer a assinatura aposta na primeira folha de cada um dos documentos que compõem a proposta da ora recorrida, quer a assinatura aposta nos documentos da contra-interessada quando da submissão dos documentos, fornecem os mesmos dados e cumprem com os desígnios das disposições legais aqui analisadas;

10- O tribunal a quo ao decidir como decidiu, sem averiguar se, no caso concreto a falta de assinatura dos documentos das propostas antes do seu carregamento na plataforma electrónica, as finalidades visadas com essa exigência legal consignada no nº4 do artigo 68º da Lei nº96/2015 foram ou não alcançadas por outra via, e ao não aplicar a teoria da degradação das formalidades essenciais em não essenciais, hoje até já convertida em regra-geral [artigo 163º, nº5, alínea b), do CPA] violou os princípios da proporcionalidade, da boa-fé na vertente da primazia da materialidade subjacente e do aproveitamento dos actos administrativos de que aquela teoria é corolário;

11- Por recurso à teoria das formalidades não essenciais, deve, como foi, ser afastada a exclusão da proposta da contra-interessada B…, por os objectivos subjacentes à exigência decorrente do nº4 [e no nº6] do artigo 68º da Lei nº96/2015 terem sido alcançados com a assinatura electrónica dos ficheiros aquando da submissão da proposta;

12- O artigo 7º, nº1, do DL nº290-D/99, de 02.08 [na redacção resultante do DL nº88/2009, de 09.04] prevê que a aposição de uma assinatura electrónica equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que: a) A pessoa que apôs a assinatura é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa colectiva titular da assinatura electrónica; b) A assinatura electrónica foi feita com intenção de assinar o documento electrónico; c) O documento electrónico não foi alterado desde a aposição da assinatura. Correspondendo estas presunções legais aos fins prosseguidos pela exigência de assinatura electrónica qualificada, é de entender que esta tem uma função identificadora, finalizadora ou confirmadora e de inalterabilidade;

13- A 2ª instância, ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 54º, e 68º, nºs 4 e 5, da Lei nº96/2015, de 17.08, 62º, nºs 1 e 4, e 146º, nº2 alínea l), do CCP;

Termina pedindo a admissão da revista e o seu provimento, com a revogação do acórdão recorrido.

3. A A…. conclui a sua revista da forma seguinte:

A) Vem a presente revista interposta do acórdão do TCAS que, muito embora concedendo provimento ao recurso apresentado pela aqui recorrente, não se pronunciou sobre parte do pedido por esta formulado, concretamente sobre a [i] condenação da CCFL a praticar novo acto de adjudicação [a favor da proposta da recorrente] e [ii] declaração de nulidade/anulação do contrato público celebrado com base no acto de adjudicação impugnado;

B) Na decisão do acórdão recorrido apenas se encontra inscrita decisão de «conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e anular o acto administrativo impugnado», nada se referindo quanto aos restantes pedidos formulados pela recorrente em 1ª instância e no recurso apresentado;

C) É sobre este segmento decisório - que omite decisão quanto a dois pedidos formulados - que incide este recurso, na medida em que há evidente omissão de pronúncia que resulta em nulidade;

D) A revista justifica-se porque a intervenção deste Alto Tribunal é claramente necessária para «melhor aplicação do direito»;

E) No caso sub judice impor-se-ia que o trecho decisório do acórdão recorrido se referisse directamente à decisão sobre os pedidos de condenação na prática de acto administrativo e de anulação do contrato celebrado e essa omissão é, tal como resulta da fundamentação do acórdão, clara omissão de pronúncia que só a intervenção deste STA pode sanar;

F) Na falta de intervenção deste STA, o direito aplicável ao caso não ficará, como deve, definitivamente firmado, podendo dar azo a nova violação por parte da recorrida, que se poderá recusar a praticar os actos em cuja prática deveria ter sido condenada pelo TCAS, gerando um resultado iníquo decorrente de o direito ter sido mal aplicado ou, mais propriamente, aplicado com tal grau de contrariedade face ao direito processual aplicável que reclama a intervenção correctora do STA para uma necessária melhor aplicação;

G) Mesmo se, ao contrário do que entende a recorrente, a questão não se apresentar a este Alto Tribunal como uma questão complexa do ponto de vista lógico e jurídico, tal não impedirá a requerida intervenção, já que esse entendimento, podendo ser motivo para rejeitar o recurso com fundamento em ausência de relevância jurídica das questões, não diminui a necessidade de intervenção do STA quando se verifique ter existido uma grosseira ou manifestamente má aplicação do direito no caso concreto, sendo irrelevante saber se o direito mal aplicado exige ou não complexas operações lógicas e jurídicas na sua aplicação;

H) O acórdão recorrido é nulo porque o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre específicas questões que devia apreciar, nos termos da 1ª parte da alínea d) do nº1 do artigo 615º do CPC;

I) O facto de o TAC não ter decidido sobre dois dos pedidos que haviam sido formulados e cuja apreciação constitui consequência lógica do decidido no acórdão recorrido é perfeitamente compreensível e lógico, já que, entendendo «não haver qualquer fundamento de exclusão da proposta, a adjudicação teria de operar, como não poderia deixar de ser, de acordo com a graduação das propostas efectuada pelo júri do procedimento», assim se justificando que a sentença do TAC não tenha conhecido do pedido de condenação na prática de acto substitutivo da adjudicação nem do pedido de anulação do contrato entretanto celebrado;

J) O mesmo não se pode dizer da decisão recorrida, já que lhe competia pronunciar-se sobre a totalidade do pedido formulado pela recorrente na presente acção, tal como expressamente requerido nas alegações de recurso [além de peticionado na petição inicial], o que, de resto, o tribunal recorrido não ignora, já que expressamente reconhece que a sua decisão quanto à existência de causa de exclusão da proposta adjudicada, que não foi reconhecida de entidade demandada, torna «o acto administrativo impugnado inválido, o mesmo ocorrendo com o eventual contrato adjudicado»;

K) O segmento decisório do acórdão apenas contém a decisão de «conceder provimento ao recurso, revogar a sentença e anular o acto administrativo impugnado», nada se referindo quanto aos outros pedidos formulados;

L) A falta de decisão quanto a tais pedidos gera a nulidade do acórdão nos termos constates da 1ª parte da alínea d) do nº1 do artigo 615º do CPC;

M) Os pedidos em causa foram claramente formulados na petição inicial, e reiterados nas alegações de recurso de apelação, e constituem, além disso, uma evidente consequência jurídica decorrente do que foi efectivamente decidido pelo TCAS uma vez que [i] a anulação do contrato decorre da anulação judicial do acto de adjudicação que lhe serve de base, e [ii] a condenação da entidade demandada na prática de um acto substitutivo é também uma evidente necessidade e uma imposição decorrente da parte final do nº1 do artigo 71º do CPTA, que exige do tribunal que se pronuncie «sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do acto devido», não se verificando, de resto, qualquer das limitações ditas nos números 2 e 3 do mesmo artigo;

N) É também uma decorrência necessária da respectiva invalidade do acto administrativo impugnado a imposição à entidade demandante do dever de praticar um novo acto que não reincida na ilegalidade identificada, o que significa, concretamente, a prática de acto que determine a exclusão da proposta que - nas palavras desse Alto Tribunal - «devia ter sido excluída ao abrigo do artigo 146º, nº2 alínea l) do CCP», e, consequentemente, a prática do acto de adjudicação à recorrente, por a sua proposta ser a ordenada em 2º lugar no acto impugnado;

O) Assim, impor-se-ia que o trecho decisório do acórdão referisse directamente a decisão sobre os pedidos de prática na condenação de acto administrativo e de anulação do contrato celebrado e essa omissão é fundamento de nulidade do acórdão nos termos da 1ª parte da alínea d) do nº1 do artigo 615º do CPC, uma vez que viola os nºs 1 e 2 do artigo 608º do mesmo código.

Termina pedindo a admissão da revista, a declaração de nulidade do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que mantenha a anulação do acto de adjudicação, condene a CCFL a praticar novo acto de adjudicação agora à proposta da recorrente, e declare nulo ou anule o contrato público que foi celebrado entre a CCFL e a B…, com base no acto de adjudicação impugnado, e, entretanto, anulado pela decisão recorrida.

4. Na revista do acórdão de 26.09.2019, a CCFL repete as 12 primeiras conclusões que apresentou na revista do primeiro acórdão do TCAS, e acrescentou o seguinte:

[…]

13- O acórdão de 19.06.2019 julgou totalmente procedente o primeiro pedido formulado pela A… e não se pronunciou sobre os outros dois pedidos, e foi notificado às partes em 21.06.2019;

14- Deste acórdão a recorrida interpôs «recurso de revista» a 09.07.2019, cujo âmbito se restringiu à omissão de decisão quanto aos restantes 2 pedidos formulados - omissão de pronúncia que resulta em nulidade processual;

15- Para a A… a decisão constante do acórdão de 19.06.2019 não é passível de recurso ordinário por não se verificarem os pressupostos da sua admissibilidade, e não tendo ficado vencida nem sequer lhe assiste legitimidade para tal, face ao disposto no artigo 141º, nº1, do CPTA;

16- A nulidade invocada pela A… podia ser apreciada e decidida pela 2ª instância, apenas e só a titulo de reclamação, mas desde que fosse utilizado o prazo de reclamação que é de 5 dias [artigo 102º, nº3 alínea c), do CPTA];

17- A recorrida A…, ao proceder como procedeu, descobriu a forma de triplicar o prazo para reclamar, pois o prazo de recurso ordinário é de quinze dias, isto é, devia ter apresentado reclamação até ao dia 01.07.2019, tendo-o feito no dia 09.07.2019, para além do prazo legal [fora notificada a 21.06.2019]. É, pois, extemporânea a apresentação da reclamação;

18- A 2ª instância, ao apreciar, e ao decidir no acórdão de 26.09.2019 o suprimento da nulidade invocada, devia apenas declarar a extemporaneidade de tal reclamação, o que não fez;

19- A 2ª instância decidiu a adjudicação do contrato à A… apenas com base na graduação constante do relatório preliminar, em clara violação das regras do procedimento do concurso público;

20- A 2ª instância, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 54º e 68º, nºs 4 e 5, da Lei nº69/2015, de 17.08, e 62º, nºs 1 e 4, e 146º, nº2 alínea l), do CCP, e interpretou e aplicou de modo errado o disposto nos artigos 141º, 142º nº1, 147º nº1, 150º nº1, e 102º nº3 alínea c), do CPTA.

Termina pedindo a admissão da revista e o seu provimento, revogando-se o decidido na 2ª instância tanto no primeiro como no segundo acórdãos.

5. A A… contra-alegou as duas revistas interpostas pela CCFL, reiterando, relativamente à primeira, a tese já exposta na sua própria revista, e suscitando, quanto à segunda, a questão da «impropriedade do meio utilizado para reagir ao segundo acórdão do TCAS» - invocando para o efeito o artigo 617º, nºs 2 a 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 140, nº3, do CPTA.

6. Este Supremo Tribunal decidiu admitir as revistas - «Formação Preliminar» a que alude o artigo 150º, nº6, do CPTA.

7. O Ministério Público pronunciou-se pelo provimento das duas primeiras revistas, com a consequente revogação do acórdão recorrido, e pelo não provimento da segunda revista da CCFL se vier a ser conhecida - artigo 146º, nº1, do CPTA. Desta pronúncia veio discordar a A… - artigo 146º, nº2, do CPTA.

8. Sem vistos, por se tratar de processo urgente, cumpre apreciar e decidir as revistas - artigo 36º, nº1 alínea c), e nº2, do CPTA.

II. De Facto

São os seguintes os factos provados que nos vêem das instâncias:

A) Mediante deliberação de 13.09.2018, com o nº1009297, a entidade demandada «aprovou a decisão de contratar» quanto ao concurso público para Contratação de serviços de produção, comunicação, estratégia de meios, meios publicitários e activação no âmbito do Programa Operacional Sustentabilidade no Uso de Recursos - POSEUR da «Companhia Carris de Ferro de Lisboa, E.M., S.A.» - ver o documento 1 do Processo Administrativo [PA] a página 304 do SITAF;

B) O «Anúncio» deste procedimento foi publicado na II série do Diário da República de 26.09.2018 - ver documento 2 do PA a página 308 do SITAF;

C) No âmbito desse concurso foi aprovado «Programa de Concurso» [PC] segundo o qual:

«Artigo 8º - Modo de apresentação das propostas

1. A participação no presente procedimento depende de prévia inscrição no Concurso Público para Contratação de serviços de produção, comunicação, estratégia de meios, meios publicitários e activação no âmbito do Programa Operacional Sustentabilidade no Uso de Recursos - POSEUR da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, E.M., S.A. - processo nº091/2017-DLP-C - a ser efectuada na plataforma electrónica, conforme indicado no artigo 5º, ficando registada a identificação, o nome do contrato e o endereço electrónico das entidades que se tenham inscrito.

2. Os documentos que constituem a proposta, referidos no artigo 12º do PC, devem ser apresentados na plataforma electrónica e assinados electronicamente mediante a utilização de certificados de assinatura electrónica qualificada, nos termos dos nºs 2 a 6 do artigo 54º da Lei nº96/2015, de 17 de Agosto.

3. Os certificados a que se refere o número anterior são emitidos por uma entidade certificadora credenciada pela Autoridade Nacional de Segurança [informação disponível em www.gns.gov.pt].

4. Nos casos em que o certificado digital não possa relacionar o assinante com a sua função e poder de assinatura, deve o concorrente submeter à plataforma electrónica um documento electrónico oficial indicando o poder de representação e assinatura do assinante, nos termos do nº7 do supracitado artigo 54º, e igualmente sob pena de exclusão da respectiva proposta.

5. A falta de assinatura electrónica nos documentos que constituem as propostas é motivo de exclusão - PP constante do documento 4 do PA a página 315 do SITAF;

D) A autora apresentou proposta ao concurso em causa - documento 10 do PA a página 416 do SITAF;

E) A contra-interessada B………, S.A., apresentou proposta ao concurso público em referência - documento 11 do PA a página 574 do SITAF;

F) A primeira página de cada documento que constitui a proposta da autora tem aposto no canto superior direito assinatura digital qualificada de ………… - documento 10 do PA a página 496 do SITAF;

G) Aos documentos que constituem a proposta da contra-interessada não foi aposta, em qualquer das páginas que os compõe, assinatura electrónica qualificada - facto admitido pelas partes - item 48º da petição inicial e item 48º da contestação e ficheiro 1 a 10 do PA junto aos autos a páginas 575 a 472 do SITAF;

H) Aquando da submissão de cada um dos ficheiros que constituem os documentos da proposta da contra-interessada B… foi aposta assinatura electrónica qualificada de ............. - facto admitido pelas partes - item 47 da petição inicial, e itens 48º e 58º da contestação, e documento 10 da petição inicial a folha 32 do SITAF e documentos da contestação, a página 771 do SITAF;

I) Após a submissão dos ficheiros que compunham os documentos da proposta da contra-interessada BBZ ficou a constar da plataforma, e de forma discriminada por relação a cada documento, a data e hora da respectiva submissão e os dados do certificado qualificado de assinatura electrónica utilizada, mormente que foi utilizado o certificado …….. [Valida] Certification Authority 002 - documento 10 da petição inicial a página 32 do SITAF e documentos da contestação a páginas 771 do SITAF;

J) Após deliberação, o Júri do procedimento elaborou «relatório preliminar», a 06.11.2018, e no qual, em função das pontuações atribuídas, propôs a seguinte ordenação das propostas - relatório preliminar constante do documento 12 do PA a página 390 do SITAF ujo teor se dá por integralmente reproduzido:


1º Lugar - Concorrente nº4 – B………………, S.A. ------------------ 83,5

2º Lugar - Concorrente nº6 – A……….......................... Lda. ------ 76,0

3º Lugar - Concorrente nº3 - ……………, Lda. ------------------------ 58,0

4º Lugar - Concorrente nº5……………………………., Lda. ------- 41,8


K) A 13.11.2018 a autora, ao abrigo do direito de «audiência prévia» apresentou a seguinte pronúncia que se transcreve no mais relevante [documento 13 do PA a página 406 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]:

«…a proposta apresentada pela concorrente B…. deveria ter sido excluída, pois contrariamente ao que resulta do relatório preliminar relativamente ao qual se exerce pronúncia, [i] não foi cumprido o previsto no artigo 8º do Programa de Concurso [concretamente o seu nº2] e [ii] verificam-se motivos de exclusão da proposta, nos termos da alínea l) do nº2 do artigo 146º do CCP, considerando que a falta de assinatura electrónica a todos [e cada um] dos documentos da proposta apresentada pela concorrente B… […]

6. Ora, analisada a proposta apresentada pela concorrente B…, verifica-se que nenhum dos documentos da respectiva proposta [que eram exigidos nos termos do nº2 do artigo 12º do PC] foram assinados electronicamente.

7. Assim, conforme resultará exposto, com o devido respeito que a proposta de decisão contida no relatório preliminar merece à exponente, é legalmente devida a exclusão da proposta da concorrente BBZ, considerando que a todos e cada um dos documentos da proposta apresentada pela concorrente BBZ lhes falta a assinatura electrónica […]

[…]

12. Veja-se que aquele nº4 do artigo 68º da Lei nº96/2015, de 17.08, é claro no sentido de que os documentos constituintes da proposta devem ser assinados electronicamente com recurso a assinatura electrónica qualificada, antes da sua submissão na plataforma e que essa assinatura deve ser aposta directamente nos ficheiros em formato PDF.

13. Sendo que, como se pode verificar dos documentos apresentados pela concorrente B… os documentos que constituem a sua proposta não se encontram assinados com o recurso a assinatura electrónica qualificada, aposta nos mesmos antes do carregamento.

[…]

15. Ora, decorre da lei que para que se possa dar por cumprida tal exigência, os documentos, no momento do seu carregamento na plataforma, já deverão estar assinados.

16. Certo é que, analisados os documentos apresentados, torna-se evidente que os mesmos não têm aposta qualquer assinatura electrónica, pelo que deveria a proposta apresentada pela B… ter sido excluída […]

[…]

20. Afigurando-se, então, essencial que os documentos da proposta sejam assinados electronicamente antes do carregamento dos mesmos na plataforma […]

[…]

37. Assim, em face do exposto, requer-se a exclusão da proposta apresentada pela concorrente B… com fundamento na violação das disposições conjugadas do nº4 do artigo 62º do CCP, do nº1 do artigo 54º e do artigo 68º, ambos da Lei nº96/2015, de 17.08, relativas a formalidades do modo de apresentação das propostas, o que constitui causa de exclusão das mesmas, nos termos da alínea l) do nº2 do artigo 146º do CCP»;

L) Após deliberação, o Júri do procedimento elaborou relatório final a 06.11.2018, o qual se transcreve no mais relevante [documento 15 do PA a página 418 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido]:

«5. Audiência Prévia

No prazo concedido para o efeito, manifestaram-se os concorrentes a seguir indicados pela ordem da submissão das respectivas propostas, as quais se dão por reproduzidas e constituem o Anexo II ao presente relatório:

1. Concorrente C… : 13.11.2018 às 11:48

2. Concorrente A…… : 13.11.2018 às 16:20

[…]

Pronúncia do concorrente A…..

No exercício do direito de audiência prévia o concorrente vem, em síntese, expor os seguintes fundamentos:

[…]

Ao contrário do aduzido pela requerente, da análise efectuada pelo júri resulta a observação de que a cada um dos documentos está associada uma assinatura electrónica qualificada, ou seja, que cada um dos documentos foi assinado aquando da sua submissão na plataforma electrónica de contratação, de um certificado emitido pela ……….. Certification Authority 002.

Por via deste certificado digital é então possível relacionar directamente o assinante com a entidade em apreço, ficando assegurado que o concorrente expressou a sua vontade e pretendeu vincular-se à proposta apresentada, estando ainda garantida a inalterabilidade da proposta desde a sua submissão, pelo que se afigura plenamente concretizado o desempenho das três funções requeridas à assinatura electrónica, a saber: i) função identificadora; ii) função finalizadora ou confirmadora; iii) função de inalterabilidade.

Resulta assim que os documentos apresentados pela concorrente B…. foram efectivamente assinados com o recurso a assinatura electrónica qualificada, encontrando-se em conformidade com o disposto na Lei nº96/2015, de 17.08, ainda que no texto de tais documentos, em formato PDF, não se visualizasse a assinatura electrónica qualificada, uma vez que o aludido normativo não exige, e, momento algum, a justaposição dúplice ou em dois momentos de uma assinatura, ou a aposição da assinatura electrónica qualificada no texto dos documentos, ou seja, antes do carregamento, mas somente que os mesmos sejam assinados aquando da sua submissão na plataforma electrónica.

Consequentemente, não assistindo [razão] ao requerente, o júri delibera, por unanimidade, confirmar o entendimento constante do relatório preliminar.

6. Proposta

Mantendo-se o teor e as condições do relatório preliminar, o júri, por unanimidade, delibera enviar o presente relatório final, juntamente com os demais documentos que compõem o procedimento, ao órgão competente para a decisão de contratar, propondo:

a) A exclusão da proposta apresentada pelo concorrente ………, S.A., por violação do disposto no artigo 8º do Programa de Concurso, nos termos conjugados da alínea l) do nº2 do artigo 146º e do nº4 do artigo 62 do CCP e do nº5 do artigo 54º da Lei nº96/2015, de 17.08;

b) A exclusão da proposta apresentada pelo concorrente C………., Lda., por violação do disposto no artigo 21º do Programa de Concurso e no artigo 65º do CCP, nos termos da alínea f) do nº2 do artigo 70º do CCP. Bem como, por violação do disposto no artigo 8º do Programa de Concurso, nos termos conjugados da alínea n) do nº2 do artigo 146º e do nº4 do artigo 132º do CCP e do nº7 do artigo 54º da Lei nº96/2015, de 17.08;

c) A admissão das propostas apresentadas pelos restantes concorrentes;

d) A adjudicação da contratação de serviços de produção, comunicação, estratégia de meios, meios publicitários e activação no âmbito do Programa Operacional Sustentabilidade no Uso de Recursos - POSEUR da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, E.M., S.A., à empresa B………., S.A.».

M) Mediante «deliberação de 16.11.2018, com o nº1018118», a entidade demandada aprovou o relatório final e autorizou a adjudicação à contra-interessada - documento 16 do PA a folha 436 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

III. De Direito

1. Na presente acção, de contencioso pré-contratual, está em causa a pretensão da 2ª classificada [ A….- autora da acção] no concurso público lançado pela CCFL [entidade demandada], de ver excluída a proposta da adjudicatária B… [contra-interessada], e assim anulado o acto de adjudicação, bem como o contrato, e a condenação da CCFL a «adjudicar-lhe a ela o contrato», e tudo com fundamento na não aposição de assinatura electrónica, por parte da B…, nos documentos constitutivos da respectiva proposta antes do seu carregamento na plataforma em que o concurso foi tramitado.

A 1ª instância julgou totalmente improcedente a acção, por entender, em síntese, que nos casos de carregamento progressivo dos documentos da proposta na plataforma não é exigida a prévia assinatura electrónica qualificada, a qual será aposta apenas no momento da respectiva submissão [artigo 68º, nºs 4 e 5, da Lei nº96/2015, de 17.08].

A 2ª instância revogou esta decisão e julgou totalmente procedente a acção, fazendo-o por entender, em síntese, que o carregamento do ficheiro assinado com uma assinatura electrónica qualificada - previsto no artigo 68º, nº4, da Lei nº96/2015, de 17.08 - consubstancia formalidade essencial insusceptível de degradação em mera irregularidade, para concluir que a falta da assinatura legalmente exigida implicava, necessariamente, a exclusão da proposta da B…, e a consequente anulação do contrato celebrado com fundamento na invalidade do acto de adjudicação.

Nas «revistas primitivas» a CCFL [entidade demandada] aponta erro de julgamento de direito ao acórdão da 2ª instância, e a A… [autora] assaca-lhe nulidade por omissão de pronúncia.

Na sua «segunda revista», a CCFL reage ao suprimento da nulidade invocada pela A…, alegando que nem esta invocação poderia ter sido utilizada como único fundamento da revista, nem a A… tinha, no caso, legitimidade para recorrer.

2. Na sua «primeira revista» a CCFL alega, fundamentalmente, que o acórdão recorrido ao não aplicar a teoria da degradação das formalidades essenciais em não essenciais - hoje convertida em regra legal, conforme artigo 163º, nº5 alínea b), do CPA - violou os princípios da boa-fé - na vertente da primazia da materialidade subjacente - da proporcionalidade e do aproveitamento do acto administrativo - de que aquela teoria é corolário - e alega ainda, neste sentido, que as três funções legalmente atribuíveis à aposição de assinatura electrónica qualificada antes do carregamento foram igualmente alcançadas - no caso dos autos - por via da aposição dessa assinatura electrónica quando os documentos já se encontravam carregados na plataforma.

Antes de prosseguir respiguemos dos pertinentes regimes jurídicos as normas que aqui são chamadas à colação.

Sobre o modo de apresentação das propostas diz o CCP que «os documentos que constituem a proposta são apresentados directamente na plataforma electrónica» [62º nº1], e que «os termos a que deve obedecer essa apresentação e recepção da proposta são definidos em diploma próprio» [62º nº4]. E o CCP sanciona com a «exclusão da proposta» a não observância das formalidades relativas ao seu modo de apresentação fixadas no artigo 62º [artigo 146º, nº2 alínea l)].

Sobre o carregamento das propostas diz a Lei das Plataformas Electrónicas - Lei nº96/2015, de 17.08 - que os documentos que constituem a proposta são encriptados, sendo-lhes aposta assinatura electrónica qualificada [69º nº1].

O conceito de assinatura electrónica qualificada é-nos dado pelo DL nº290-D/99, de 02.08 - redacção do DL nº88/2009, de 09.04 - segundo o qual é a «assinatura digital, ou outra modalidade de assinatura electrónica avançada, que satisfaça exigências de segurança idênticas às da assinatura digital baseadas num certificado qualificado e criadas através de um dispositivo seguro de criação de assinatura» [2º g)], sendo que a sua aposição num documento electrónico equivale à assinatura autógrafa desse documento com forma escrita sobre suporte de papel [7º nº1], e cria a presunção - além do mais - de que o documento não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura electrónica qualificada [7º, nº1 c)].

Voltando à Lei das Plataformas Electrónicas, nela se diz que os documentos submetidos na plataforma electrónica devem ser assinados com recurso a assinatura electrónica qualificada [54º, nº1], sendo que os elaborados por entidades adjudicantes e operadores económicos devem ser assinados com recurso a «certificados qualificados de assinatura electrónica» próprios ou dos seus representantes legais [54º nº2].

Sobre o carregamento das propostas diz a mesma lei que as plataformas devem permitir o seu carregamento progressivo pelo interessado até à data e hora prevista para a submissão das mesmas [68º, nº1], devem disponibilizar ao interessado aplicações informáticas que permitam, automaticamente, no acto de carregamento, encriptar e apor assinatura electrónica nos ficheiros da proposta, localmente, no seu próprio computador [68º, nº3], e durante o processo de carregamento devem assegurar aos interessados a possibilidade de substituírem ficheiros já carregados por outros novos, no âmbito do processo de construção de cada proposta [68º, nº15].

Diz ainda que, por regra, quando é feito o carregamento do ficheiro de uma proposta na plataforma electrónica, esse ficheiro deverá estar já encriptado e assinado com recurso a assinatura electrónica qualificada [68º, nº4], mas as plataformas electrónicas podem dar a possibilidade de os ficheiros serem carregados de forma progressiva na plataforma desde que encriptados, permitindo a permanente alteração dos documentos até ao momento da submissão [68º, nº5].

Nos termos da mesma lei, a submissão da proposta traduz «o momento em que o concorrente ou candidato efectiva a entrega da proposta, após o respectivo carregamento em plataforma electrónica» [57º nº1 g], e a proposta considera-se apresentada quando o concorrente «finaliza o processo de submissão» [70º nº1], sendo que nos casos em que a plataforma dá a possibilidade de os ficheiros serem carregados de forma progressiva [ver 68º nº5], o momento da submissão desencadeia o processo de encriptação de todos os ficheiros que compõem a proposta [70º nº2].

3. No presente caso a B… - adjudicatária - não assinou electronicamente os documentos da sua proposta - com recurso ao certificado de assinatura electrónica qualificada - antes do respectivo carregamento na plataforma electrónica [upload] na qual foi tramitado o procedimento pré-contratual em causa, fazendo-o, apenas, no momento da submissão da proposta, isto é, directamente no ambiente plataforma e em simultâneo para todos os documentos que a integram [pontos H) a I) do provado]. Daí colocar-se a questão - que alimenta esta revista - de saber se a omissão da assinatura electrónica qualificada dos documentos da proposta da B…, antes do seu carregamento na plataforma, deve ou não levar à exclusão da mesma, tendo sobretudo em conta que a Lei das Plataformas Electrónicas - aplicável à apresentação de propostas em procedimentos pré-contratuais por via do disposto no artigo 62º nº4, do CCP - prescreve, no artigo 68º, nº4, que «Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando o interessado realizar o carregamento, na plataforma electrónica, de um ficheiro de uma proposta, este deve estar já encriptado e assinado, com recurso a assinatura electrónica qualificada».

4. A questão da essencialidade da «primeira assinatura» já foi abordada por este STA em acórdão de 06.12.2018 [Rº0278/17.0BECTB]. E neste acórdão, com base nos números 4 e 5 do referido artigo 68º - Lei das Plataformas Electrónicas - fez-se a distinção entre duas modalidades de carregamento das propostas: a normal, a que se refere o nº4 desse artigo - e também seus nºs 1, 2, 3, 6 e 15 - geralmente denominada de carregamento de ficheiro fechado, e a prevista no nº5 do mesmo, denominada de carregamento progressivo ou de ficheiro aberto. E explica:

«Na primeira modalidade o concorrente elabora a sua proposta localmente, no seu próprio computador, inserindo os documentos em ficheiros e preenchendo os formulários disponibilizados que introduz na plataforma electrónica […] depois de estarem encriptados e assinados electronicamente, podendo esses ficheiros - embora já completos - serem substituídos por outros novos, ou pura e simplesmente retirados ou aditados, enquanto não houver lugar à submissão, permitindo-se, assim, que o concorrente adapte a sua proposta aos atributos que um estudo mais aprofundado lhe mostre ser necessário, sem pôr em causa as exigências de celeridade da fase de apresentação das propostas quando o seu termo se aproxima. Por sua vez, no carregamento progressivo, permite-se o envio para a plataforma de ficheiros abertos - encriptados mas não assinados - onde vão sendo incluídos documentos que, não estando finalizados, também podem ser alterados na própria plataforma electrónica até ao momento da submissão da proposta que é quando a assinatura electrónica é aposta - ver Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, 2011, páginas 681 e 897-899». Assim, enquanto na primeira modalidade o ficheiro fica carregado, e devendo, por isso, estar previamente assinado electronicamente, na segunda, porque está em processo de carregamento até ao momento da submissão não é de exigir a sua assinatura antes deste carregamento».

Porque no caso objecto dessa revista, estava em causa carregamento de ficheiro fechado, a que se aplicaria, portanto, o nº4 do referido artigo 68º - e os seus nºs 1, 2, 3, 6 e 15 - o STA entendeu aferir da essencialidade da primeira assinatura, isto é, da assinatura do ficheiro da proposta antes do seu carregamento na plataforma electrónica [upload] pois que no caso apenas tinha sido realizada a segunda, aquando da submissão da proposta. E lançando mão da teoria da degradação das formalidades essenciais em não essenciais - hoje convertida em regra legal, nos termos do artigo 163º nº5 alínea b) do CPA - identificou, na lei, os fins específicos que são visados pela norma que prescreve a formalidade violada - funções identificadora, finalizadora e de inalterabilidade -, testou o seu cumprimento, no caso concreto, e, concluindo que ele se verificava, manteve a adjudicação impugnada e revogou o acórdão que assim não decidira.

No presente caso não nos confrontamos com o carregamento de ficheiro fechado - usando a mesma linguagem do citado acórdão - mas antes com um carregamento progressivo ou de ficheiro aberto, como se pode constatar pelo documentado nos termos do ponto E) do provado - a que corresponde o documento 10 que foi junto com a petição inicial. E, sendo assim, como é, estamos no domínio do nº5 do artigo 68º da Lei das Plataformas Electrónicas, que não exige prévia assinatura de documentos [ou ficheiros] que ainda poderão ser alterados até à data da sua submissão, momento em que lhes deve ser aposta a assinatura electrónica qualificada.

Efectivamente, a conjugação do nº5 do artigo 68º, com o nº1 do artigo 69º, e o nº2 do artigo 70º, todos da referida Lei das Plataformas Electrónicas, aponta para que, nos casos em que o concorrente opta pelo carregamento progressivo - carregamento de ficheiro aberto - é no momento em que ele submete os documentos [ou ficheiros] que o sistema desencadeia o processo da sua encriptação, sendo-lhes então aposta a assinatura electrónica qualificada.

Foi o que ocorreu com a submissão dos ficheiros da contra-interessada B…, pois, nesse momento, foi-lhes aposta assinatura electrónica qualificada ficando a constar da plataforma - de forma discriminada, por relação a cada documento - a data e hora da sua submissão, e os dados do certificado de assinatura electrónica qualificada utilizado - ver pontos H) e I) do provado.

A aposição desta assinatura electrónica qualificada, para além «identificar» o seu autor, e exprimir a vinculação do concorrente ao conteúdo da proposta, cria a presunção de que «o documento não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura electrónica qualificada» [7º, nº1 c) do DL nº290-D/99, de 02.08, na redacção do DL nº88/2009, de 09.04]. E esta função de inalterabilidade atribuída à assinatura electrónica qualificada encontra-se ainda garantida pelas exigências legais impostas às «plataformas electrónicas onde são tramitados os procedimentos de contratação pública». Na verdade, estas estão obrigadas a assegurar a inalterabilidade dos originais informáticos dos documentos constitutivos das propostas, tal como foram entregues e assinados na plataforma. Assim impõe a Lei das Plataformas Electrónicas no seu artigo 31º, em cujos termos as plataformas devem manter os documentos no seu formato original, devidamente conservados, bem como um registo de todas as incidências do procedimento apto a servir de prova, em caso de litígio [nº2], de modo a que seja possível identificar o documento enviado, bem como a entidade e o utilizador que o enviou [nº3 alínea c)]. O artigo 50º da mesma lei prescreve que as plataformas devem, obrigatoriamente, registar os seguintes eventos […] Tentativas com sucesso ou fracassadas de modificação de dados [nº5 h)], e, nos termos do nº4 do artigo 52º, as plataformas devem ainda garantir a existência de cópias de segurança, que deverão estar protegidas contra modificação com recurso a mecanismos de assinatura digital.

5. Ressuma do exposto que, no caso de carregamento progressivo ou de ficheiro aberto, não resulta da lei a exigência de aposição de assinatura electrónica qualificada nos ficheiros ou documentos que constituem a proposta antes da sua submissão.

Assim, deverá ser concedido provimento à primeira revista interposta pela CCFL - entidade adjudicante no procedimento pré-contratual e entidade demandada na acção - e revogado o acórdão recorrido, mantendo-se na ordem jurídica a sentença proferida pela 1ª instância.

6. A revista interposta pela A… - autora da acção - tinha como objecto exclusivo a omissão de pronúncia imputada ao primeiro acórdão do TCAS, nulidade que foi suprida por este tribunal de 2ª instância, como dissemos.

E a segunda revista interposta pela CCFL - entidade demandada - suscitava questões relativas à alegada impropriedade do meio processual de que a A… se serviu para suscitar a dita nulidade e à sua legitimidade para recorrer.

Ora, sendo concedido provimento, como vai ser, à primeira revista da CCFL, resulta que o conhecimento de todo o resto perde qualquer utilidade prática, isto é, deixa de ser útil para a resolução do litígio, para a economia do processo. Na verdade, só um interesse meramente académico suportaria a sua abordagem, e como sabemos não essa a função dos tribunais.

IV. Decisão

Nos termos do exposto, decidimos conceder provimento ao primeiro recurso de revista interposto pela CCFL, e, em conformidade, revogar o acórdão recorrido, ficando tudo o demais prejudicado por esta decisão.

Custas pela recorrida A….

Lisboa, 23 de Abril de 2020. – José Veloso (relator) – Ana Paula Portela - Cláudio Ramos Monteiro.