Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0119/14
Data do Acordão:06/18/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO
INSOLVÊNCIA
Sumário:I - O art. 100º do CIRE estabelece uma causa de suspensão da contagem do prazo de prescrição desde a prolação da sentença que decrete a insolvência até ao termo do respectivo processo, sendo o mesmo aplicável às dívidas tributárias, maxime às dívidas provenientes de actos de liquidação de IRC.
II - O art. 100º do CIRE não enferma de inconstitucionalidade orgânica por violação dos arts. 103º, nº 2, e 165º, nº 1, alínea i), da CRP.
III - Tal causa de suspensão é oponível não só à devedora originária do tributo, mas também aos demais responsáveis tributários, como decorre do disposto no art. 48º, n.º 2 da LGT.
Nº Convencional:JSTA00068767
Nº do Documento:SA2201406180119
Data de Entrada:01/31/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART48 ART49 ART489 ART180.
CIRE04 ART85 ART88 ART100.
CCIV66 ART321 N1.
CONST76 ART103 N2 ART165 N1 J.
DL 53/2004 DE 2004/03/18.
L 39/2003 DE 2003/08/22.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01225/12 DE 2012/12/05.; AC STA PROC0115/14 DE 2014/05/14.; AC TC PROC133/10 DE 2010/07/05.; AC TC PROC280/10.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG321-322.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de total procedência da oposição que A……… deduziu à execução fiscal nº 0450200501079549, que contra si reverteu para cobrança de dívidas provenientes de IRC do ano de 2003 e legais acréscimos, no montante global de € 33.361,83, procedência essa fundada na extinção, por prescrição, da dívida exequenda.
Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:

I) Na sentença sob recurso julgou-se procedente a oposição deduzida, porquanto se concluiu pela “verificação da prescrição em relação aos créditos exequendos” (IRC/2003), tendo sido determinada, consequentemente, a extinção da execução em relação àquele.

II) Tal decisão fundou-se no entendimento de que a suspensão da contagem do prazo prescricional decorrente do estatuído no art. 100º CIRE não era oponível ao aqui Oponente enquanto responsável tributário subsidiário.

III) Sempre ressalvado o devido respeito, a Fazenda Pública não se conforma com o entendimento subjacente à decisão de procedência da Oposição, antes entendendo que in casu o efeito da suspensão da contagem do prazo de prescrição da dívida tributária decorrente do disposto no art. 100º do CIRE é extensível ao Oponente e responsável subsidiário.

IV) O citado art. 100º do CIRE estabelece uma causa de suspensão da contagem dos prazos de prescrição desde a prolação da sentença que decrete a insolvência até ao termo do respetivo processo, sendo o mesmo aplicável às dívidas tributárias, maxime ao IRC.

V) Tal causa de suspensão é oponível não só à devedora originária do tributo, mas também aos demais responsáveis tributários, como decorre do disposto no art. 48º, n.º 2 da LGT.

VI) Sendo aquela uma causa de suspensão da contagem do prazo prescricional não é aplicável o preceituado no nº 3 do art. 48º da LGT, o qual apenas se refere à não extensão de efeitos de causa de interrupção relativamente aos responsáveis subsidiários.

VII) Tendo na douta decisão sob recurso se entendido aplicável quanto à suspensão do prazo decorrente daquele art. 100º do CIRE o referido nº 3 do art. 48º da LGT fez-se uma errada interpretação e aplicação do Direito em violação dos arts. 48º da LGT e 100º do CIRE, pelo que aquela não pode manter-se.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

1.2. O Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso, por assistir razão à Fazenda Pública quando defende a suspensão do prazo de prescrição por força da aplicação do art. 100º do CIRE, esgrimindo com a seguinte argumentação:

«(…)

Assim e ao contrário do que resultava do CPEREF (aprovado pelo Dec.Lei nº 132/93, de 23 de Abril), em que a suspensão do prazo de prescrição apenas se verificava no processo de recuperação da empresa (art. 29º, nº 1) e não no caso da declaração de falência (art. 154º, nº 3), e no âmbito de cuja vigência foram proferidos diversos arestos do STA nesse sentido (cfr. entre outros os acórdãos do STA de 12/06/2007 e 12/04/2012, recursos nº 0436/07 e 0115/2, respectivamente), no CIRE a declaração de falência implica a suspensão de todos os prazos de prescrição.

Por outro lado e como se deixou exarado no citado acórdão do STA de 05/12/2012 (rec. nº 01225/12), a suspensão do prazo de prescrição é extensível ao responsável subsidiário, uma vez que o disposto no nº 3 do artigo 48º da LGT apenas se aplica aos efeitos interruptivos da prescrição.

Assim e embora o recorrido/oponente tenha sido citado para além do prazo de cinco anos decorridos desde a verificação do facto tributário, dado estarmos perante um facto suspensivo, o mesmo é igualmente extensível ao responsável subsidiário. Quer isto dizer que há assim que apurar qual foi o período de suspensão ocorrido entre a declaração da insolvência da executada originária e a declaração de encerramento do processo e consequente devolução do processo ao Serviço de Finanças.

Ora, contrariando o princípio de que deve ser levada à matéria de facto todos os factos pertinentes às diversas soluções plausíveis da questão de direito a decidir, o Mmo juiz “a quo” não levou ao probatório quaisquer elementos sobre se o processo de execução fiscal foi ou não remetido ao processo de insolvência e a data em que o processo de insolvência foi encerrado e determinada a devolução dos processos de execução fiscal avocados.

Mostra-se, assim, necessário para apreciação da questão da prescrição da obrigação tributária ampliar a matéria de facto nesse âmbito, motivo pelo qual entendemos que a sentença recorrida deve ser revogada, por erro de julgamento sobre os pressupostos de direito, e o processo ser devolvido à 1ª instância para esse efeito.».

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.


2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:

1. Com vista à cobrança de créditos de IRC referentes a 2003 e legais acréscimos, no montante global de € 33.361,83, foi instaurado contra “B………, Lda”, Contribuinte Fiscal nº ………, o Processo de Execução Fiscal nº 0450200501079549, que corre termos no Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão - 1.

2. No Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, em 26 de Agosto de 1997 foi outorgada escritura pública de aumento de capital e alteração parcial do contrato de constituição da sociedade comercial “B…….., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ………, na qual figura o oponente enquanto sócio e gerente.

3. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 31/32, relativo às alterações efectuadas à sociedade comercial B…….., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ……..

4. No Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, em 10 de Março de 2003 foi outorgada escritura pública de compra e venda de um imóvel da sociedade comercial “B…….., Lda”, Contribuinte Fiscal nº ………., na qual figuram em representação da sociedade, C……. e D……...

5. Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 35/38 que consubstanciam ‘prints” relativos ao património da sociedade comercial “B………, Lda”.

6. Na Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Famalicão, pela Ap. 02/19900426 foi registado o contrato de constituição da sociedade comercial “B…….., Lda”, Contribuinte Fiscal nº …….., em que figuram como sócios e gerentes A………., ora oponente, C…….. e D…….., cada um deles com uma quota com o valor nominal de 3.500.000$00.

7. Na Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Famalicão, pela Ap. 32/20051220 foi registada a sentença de declaração de insolvência da sociedade comercial “B………, Lda”, Contribuinte Fiscal nº ………….

8. Em 22/2/2012, no Processo de Execução Fiscal aludido em 1, foi lavrado o despacho constante de fls. 40 (projecto de reversão), que se dá por reproduzido, e determinada a notificação do oponente, para exercer o direito de audição prévia em relação ao projecto de reversão.

9. A Administração Tributária remeteu ao oponente, sob registo postal, o ofício datado de 22/2/2012, que consta a fls. 42 e se dá por reproduzido, com vista à notificação do oponente para exercer o direito de audição prévia em relação ao projecto de reversão.

10. O oponente, em 5/3/2012, apresentou no Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão o requerimento que consta a fls. 43/45 e se dá por reproduzido.

11. No Processo de Execução Fiscal aludido em 1, em 3/4/2012, foi lavrado o despacho de reversão constante de fls. 46/47 que se dá por reproduzido, e determinada a citação do oponente A……, e demais gerentes, enquanto responsáveis subsidiários.

12. A Administração Tributária remeteu ao oponente A………, sob registo postal com AR, o oficio nº 3696 que consta a fls. 49, datado de 24/4/2012, que se dá por reproduzido.

13. O aviso de recepção relativo ao ofício aludido em 14 foi assinado pelo oponente em 10/5/20 12.

14. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 77 que consubstancia uma informação prestada pela Administração Tributária relativamente à não realização citação da sociedade comercial “B……….., Lda”, Contribuinte Fiscal nº ………, por ter sido declarada insolvente.

15. Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 78/80 relativa à liquidação donde emergiram os créditos ora em execução, e comprovativo da notificação dessa liquidação à devedora originária.

16. Dá-se por reproduzido o “print” de fls. 82 relativo à tramitação do processo de execução fiscal identificado em 1.

17. Dá-se por reproduzida a documentação de fls. 85/95 que consubstancia cópia da sentença proferida no Processo nº 1681/05.4TJVNF, que correu termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, no âmbito do qual foi declarada a insolvência da sociedade comercial “B………., Lda”, Contribuinte Fiscal nº …………, e decisão que qualificou tal insolvência como culposa.

18. A presente oposição foi apresentada em 21/5/2012.


3. A questão que cumpre apreciar e decidir no presente recurso – considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões da respectiva alegação – consiste unicamente em saber se a sentença recorrida incorreu em erro ao julgar que se encontrava prescrita a dívida em cobrança na execução nº 0450200501079549 (IRC/2003).

Nela julgou-se que a dívida exequenda se encontrava extinta pelo decurso do prazo de prescrição de oito anos previsto no art. 48º da LGT, com base na seguinte argumentação:
«… em relação aos créditos fiscais em causa, referentes a 2003, o prazo em questão iniciou-se em 1/1/2004. Como decorre de fls. 77, a devedora originária nunca foi citada.

Por outro lado, o prazo prescricional de 8 anos, contado desde 1/1/2004, só foi interrompido pela citação do oponente em 10/5/2012, citação que teve lugar depois de esgotado o prazo prescricional de 8 anos.

Na verdade, o prazo de oito anos contado desde 1/1/2004, relativo aos créditos fiscais referentes a 2003, esgotou-se em 1/1/2012, antes de levada a cabo a citação do oponente, que apenas ocorreu em 10/5/2012.

A Fazenda Pública entende que a prescrição ainda não ocorreu por força da suspensão decorrente do processo de insolvência.

Porém, afigura-se que não lhe assiste razão. Como ensina o Ac. do STA de 5/12/2012, Proc. nº 1225/12, “Por força do disposto no art. 48º, nº 2, da LGT, “As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários”. (…)

O sentido e alcance do art. 100º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), tem de ser entendido na sua preordenação à satisfação dos interesses da insolvência, que coenvolve, além do interesse prevalecente dos credores, na satisfação célere e eficiente dos seus créditos, relevantes interesses públicos e do próprio insolvente.

Trata-se de uma regra específica de suspensão do prazo de prescrição apenas dirigida aos credores colocados numa situação especial, para que tenham a possibilidade de serem pagos pelo produto da massa insolvente, em condições de igualdade e de proporcionalidade, fazendo confluir as execuções dos seus créditos numa execução universal, através da avocação dos respectivos processos ao da insolvência.

Reconhecendo o próprio legislador a incerteza quanto à possibilidade de satisfação dos direitos de todos os credores e, por conseguinte, a eventual inutilidade da avocação dos processos, por insuficiência da massa insolvente, não seria legítimo que o prazo de prescrição corresse contra os mesmos, em decorrência de um princípio geral acolhido no art. 321º, nº 1, do Código Civil, segundo o qual a prescrição se suspende durante o período de tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito.

Não contendendo o art. 100º do CIRE com o regime de suspensão da prescrição das dívidas tributárias, consagrado nos arts. 48º a 49º da LGT, não enferma de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos arts. 103º, nº 2, e 165º, nº 1, alínea i), da CRP.”
Consequentemente, os créditos fiscais ora em execução, referentes a 2003, não podem ser exigidos ao oponente, mas tão só à devedora originária, tendo de proceder a oposição.

A Fazenda Pública, ora Recorrente, não põe em causa que o prazo de prescrição aplicável é o de oito anos previsto no art. 48º da LGT, nem põe em causa que esse prazo só se podia ter interrompido com a citação do oponente, ocorrida em 10/05/2012, face à ausência de citação da sociedade devedora originária. O que advoga é que se incorreu em erro ao julgar-se que na data da citação do oponente se encontrava já esgotado o prazo prescricional de oito anos, pois, na sua óptica, a prescrição ainda não ocorrera face à suspensão do prazo de prescrição à luz do disposto no art. 100º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

No que lhe assiste razão.

Como se deixou explicitado no acórdão proferido por esta Secção em 05.12.2012, no recurso nº 01225/12, e também no acórdão proferido em 14.05.2014, no recurso nº 0115/14, cuja doutrina sufragamos, o prazo de prescrição de créditos tributários suspende-se durante a pendência do processo de insolvência da executada originária, em conformidade com a norma contida no art. 100º do CIRE, suspensão que é aplicável tanto ao devedor originário como ao devedor subsidiário, norma que não se encontra ferida de inconstitucionalidade quando interpretada no sentido de suspender o prazo prescricional de dívidas tributárias.

Escreveu-se, a propósito da questão, naquele primeiro acórdão:

«Uma das orientações centrais que preside ao Novo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, traduz-se em dar “primazia à liquidação do património do insolvente (…) que é a vontade dos credores, enquanto titulares do principal interesse que o direito concursal visa acautelar: o pagamento dos respectivos créditos, em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente de o património do devedor não ser, à partida e na generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral. Cessa, assim, porque desnecessária, a duplicação de formas de processo especiais (de recuperação e de falência) existentes no CPEREF, bem como a fase preambular que lhes era comum”.

É nesta sequência que o art. 85º do CIRE dispõe:

“1-Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimoniais intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.”

2-O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos de insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente.

3-(…).”

Por sua vez, segundo o estatuído no art. 88º do CIRE a declaração de insolvência determina a “suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência (…)” (No mesmo sentido, cfr. o art. 180º do CPPT.).

Finalmente, o art. 100º do CIRE estabelece que “A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo”.

Foi por aplicação do mencionado regime que a sentença recorrida considerou aplicável ao caso a suspensão ocorrida entre 31/01/2008 a 24/02/2011, desde a data da sentença de declaração de insolvência da devedora originária até à data em que foi proferida a decisão judicial de encerramento do processo de insolvência (pontos 4 e 5 do probatório).

Durante o mencionado período, refere a Mª Juíza “a quo” que se verificou a “avocação de todos os processos de execução já instaurados ao processo de falência e insolvência a correr termos no Tribunal do Comércio de Lisboa”.

No sentido da aplicação do art. 100º do CIRE à suspensão da prescrição escreve JORGE LOPES DE SOUSA que “No CEPEREF, estabelece-se que, proferido o despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa, ficam imediatamente suspensas todas as execuções instauradas contra o devedor e todas as diligências de acções executivas que atinjam o seu património, incluindo as que tenham por fim a cobrança de créditos com privilégio ou com preferência; a suspensão, nos processos de recuperação da empresa, abrange todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor (art. 29º nº 1) e a declaração de falência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido (art. 154º nº 3). Não se estabelece, no caso de declaração de falência, mas apenas nos de recuperação da empresa, suspensão dos prazos de prescrição (o art. 29º, nº 1 do CPEREF está incluído no Titulo II, relativo ao processo de recuperação da empresa), o que se justificará por o processo de falência ser uma forma de prosseguir o processo executivo.
No CIRE estabelece-se regime idêntico quanto à suspensão de acções executivas, estabelecendo-se que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência (art. 88.º nº 1). Porém, ao contrário do que sucede com a falência, a sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo (art. 100º)” (Cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª edição, volume III, anotação 4 ao art. 180.°, pp. 321/322.).

(…)

2.2.2. Quanto à alegada inconstitucionalidade orgânica do art. 100º do CIRE

Alega, por fim, o recorrente que o citado art. 100º do CIRE, porque consta de decreto-lei simples, não cumpre as exigências constitucionais em termos de competência legislativa, considerando-se violado o princípio da legalidade formal, tal como decorre da aplicação conjunta dos arts. 103º, nº 2, e 165º, nº 1, al. j), da CRP.

Em primeiro lugar, cumpre salientar que, ao contrário do alegado, o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei nº 39/2003, de 22 de Agosto. O que significa que não se trata de um decreto-lei simples mas sim de um decreto-lei credenciado por uma lei de autorização da Assembleia da República, o que significa que está legitimado a intervir em matéria reservada àquela.

A eventual procedência da inconstitucionalidade suscitada poderia derivar do facto de a referida lei de autorização, no que respeita ao objecto, sentido e extensão, ser omissa quanto a autorizar o governo a interferir com o regime de prescrição das dívidas tributárias.

Constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal fixada, entre outros, no Acórdão de 14 de Outubro de 2009, proc nº 528/09, que “As normas que regulam o regime da prescrição da obrigação tributária, inclusivamente as relativas ao regime da sua suspensão, inserem-se nas «garantias dos contribuintes», pelo que se inclui na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre essa matéria”. No mesmo sentido vai a jurisprudência do Tribunal Constitucional consignada, entre outros, no Acórdão de 5 de Julho de 2010, proc nº 133/10.

Também a doutrina maioritária vai no sentido de que “(…) quer a prescrição como a caducidade, contendem com as garantias dos contribuintes, quando referidas às relações jurídico-tributárias, estão como tal, subordinadas ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal, consagrado no nº 2 do art. 103º da Constituição da República, e aos seus postulados”, que há-de englobar “(…) todo o critério de decisão ou de qualificação de quaisquer efeitos concernentes à prescrição tem de constar da norma de tributação emitida nos sobreditos termos”, incluindo, por conseguinte, “a enunciação das suas causas de interrupção ou suspensão (…)” (Cfr. BENJAMIM RODRIGUES, “A Prescrição no Direito Tributário”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário”, Vislis Editores, 1999, pp. 261 e 266).

A questão dos autos está em saber se, tal como vem recortada a situação, o art. 100º do CIRE interfere com as garantias dos contribuintes, e, por conseguinte, matéria reservada da Assembleia da República.

A função garantística da reserva de lei fiscal, quando incidente em aspectos essenciais da relação jurídica tributária, tais como a prescrição, reporta-se ao regime de prescrição das dívidas tributárias, tal como se encontra regulado, em termos gerais, nos arts. 489º e 49º da Lei Geral Tributária.

Nesta sequência, o que importa averiguar é se o legislador ao consagrar o art. 100º do CIRE visa interferir com aquele regime, em especial, com as causas de suspensão do prazo de prescrição das dívidas tributárias.

A Lei de Autorização nº 39/2003, ao definir o seu objecto, dispõe no seu art. 1º, nº 2, que “[o] Código da Insolvência e Recuperação de Empresas regulará um processo de execução universal que terá como finalidade a liquidação do património de devedores insolventes e a repartição do produto obtido pelos credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência que, nomeadamente, se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”.

Ao fazer confluir todos os processos executivos e credores numa execução universal, onde a própria Administração Fiscal, despojada dos privilégios conferidos pelo processo de execução fiscal, concorre como qualquer credor, o objectivo do legislador é o da satisfação dos interesses dos credores, na garantia dos seus créditos. Interesses estes que se centram em acautelar “o pagamento dos respectivos créditos, em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente de o património do devedor não ser, à partida e na generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral”.

Para alcançar este objectivo e evitar perturbações no processo, o legislador estabelece que, entre a data da sentença da insolvência e o decurso do processo, ocorre a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor (art. 100º do CIRE).

Trata-se, por conseguinte, de uma regra que não é especialmente dirigida às dívidas tributárias, tendo, pelo contrário, um conteúdo genérico, porque aplicável a todos os credores, com vista a possibilitar que todos possam ser pagos pelo produto da massa insolvente, em condições de igualdade e proporcionalidade, através da avocação dos respectivos processos ao da insolvência.

Ora, reconhecendo o próprio legislador a incerteza quanto à possibilidade de satisfação dos direitos de todos os credores e, por conseguinte, a eventual inutilidade da avocação dos processos, por eventual insuficiência da massa insolvente, não seria legítimo que corresse contra os mesmos o prazo de prescrição, como aconteceu, aliás, no caso dos autos.

Deriva de um princípio geral, acolhido no art. 321º, nº 1, do Código Civil, que “A prescrição suspende-se durante o período de tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito”. E este princípio, que é um corolário do princípio geral da boa-fé, princípio basilar da ordem jurídica, igualmente válido no direito tributário, encontra a sua razão de ser na natureza do instituto da prescrição.
(…)
Assim sendo, se em situações como as dos autos, em que um credor, em homenagem aos interesses da insolvência, é colocado numa situação em que é obrigado a abrir mão dos processos de execução fiscal, ainda assim corresse contra ele o prazo de prescrição, teríamos uma solução contrária aos mais elementares princípios da justiça e da boa-fé.

No contexto apontado, o mencionado art. 100º do CIRE tem de ser encarado como estabelecendo uma regra específica de suspensão do prazo de prescrição, apenas aplicável aos credores (ainda que a todos) colocados numa situação especial, isto é, que vejam os seus processos executivos avocados a um processo de insolvência, valendo a suspensão durante o período que vai da data da declaração de insolvência até ao termo do processo, nos termos do fixado no art. 230º do CIRE (Refere o mencionado preceito que o juiz encerra o processo, designadamente, “Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente” [nº 1 alínea d)]).

Em face do exposto, o sentido e o alcance do art. 100º do CIRE têm de ser entendidos na sua preordenação à satisfação estrita dos interesses da insolvência, que coenvolve, além do interesse prevalecente dos credores, na satisfação célere e eficiente dos seus créditos, relevantes interesses públicos e do próprio insolvente, na medida em que “[s]endo a garantia comum dos credores o património do devedor, é aos credores que cumpre decidir quanto à melhor efectivação dessa garantia, e é por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado”.

Na verdade, como se pode ler no preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004, “[q]uando na massa insolvente esteja compreendida uma empresa que não gerou os rendimentos necessários ao cumprimento das suas obrigações, a melhor satisfação dos credores pode passar tanto pelo encerramento da empresa como pela sua manutenção em actividade(…)”, competindo ao direito da insolvência, “a tarefa de regular juridicamente a eliminação ou reorganização financeira de uma empresa segundo uma lógica de mercado, devolvendo o papel central aos credores, convertidos, por força da insolvência, em proprietários económicos da empresa”.

Por outro lado, a solução recebida no art. 100º do CIRE encontra justificação num princípio geral, sem pretender introduzir uma nova causa de suspensão da prescrição das dívidas tributárias e, dessa forma, contender com o regime da prescrição consagrado nos arts. 48º e 49º da LGT.

Assim como ficou consignado no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 280/10, “Se a função garantística da reserva de lei fiscal, (…) visa assegurar a previsibilidade dos elementos essenciais do imposto (e da situação fiscal) e a tutela de confiança do contribuinte”, torna-se claro que nenhum motivo existe também aqui para uma intervenção parlamentar, quando o que está em causa é igualmente a definição de uma solução jurídica exigida pela própria lógica do regime de insolvência e que se encontra justificada à luz de um princípio geral de direito (art. 321º, nº 1, do Código Civil).

Por tudo o que vai exposto, não contendendo o art. 100º do CIRE com o regime de suspensão da prescrição das dívidas tributárias, consagrado nos arts. 48º a 49º da LGT, não enferma de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos arts. 103º, nº 2, e 165º, nº 1, alínea i), da CRP, pelo que improcede a argumentação do recorrente.».

Por conseguinte, o artigo 100º do CIRE estabelece uma causa de suspensão da contagem do prazo de prescrição desde a prolação da sentença que decrete a insolvência até ao termo do respectivo processo, suspensão que é aplicável às dívidas tributárias, maxime às dívidas provenientes de actos de liquidação de IRC, sendo tal suspensão oponível não só à devedora originária do tributo, mas também aos demais responsáveis tributários, como decorre do disposto no art. 48º, n.º 2 da LGT.

Neste contexto, pese embora o oponente, ora recorrente, tenha sido citado para além do prazo de oito anos contado a partir de 1/1/2004, há que apurar e fixar os factos pertinentes para a determinação do período de eventual suspensão ocorrido à luz do art. 100º do CIRE. E não tendo o Mmº Juiz do tribunal de 1ª instância levado ao probatório, como devia, todos os factos pertinentes às diversas soluções plausíveis da questão de direito a decidir, já que não fixou quaisquer elementos sobre se o processo de execução fiscal foi ou não remetido ao processo de insolvência e a data em que o processo de insolvência foi encerrado, torna-se necessário para a apreciação da questão da prescrição da obrigação tributária ampliar a matéria de facto nesse âmbito.

Neste contexto, e considerando que este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o STA, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – torna-se essencial que o tribunal “a quo” amplie a matéria de facto de modo a fixar o quadro factual suficiente para o julgamento da causa.

Termos em que se impõe revogar, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 682 do Código de Processo Civil, a sentença impugnada, para ser substituída por outra que decida após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito de acordo com o que se atrás se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em revogar a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que decida após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que se atrás se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.

Sem custas.

Lisboa, 18 de Junho de 2014. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes – Casimiro Gonçalves.