Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0125/11
Data do Acordão:03/02/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário: I - A revogação do nº 2 do art. 49° da LGT (operada pelo art. 90° da Lei n° 53-A /2006, de 29/12) é inaplicável nos casos em que o período superior a um ano de paragem do processo de execução fiscal já tinha decorrido antes do início da vigência dessa norma revogatória (cfr. o art. 91° da citada Lei nº 53-A/2006, de 29/12).
II - A reclamação prevista nos arts. 276º e sgts. do CPPT não se inclui entre os casos de suspensão da prescrição abrangidos pelas designações genéricas de meios processuais incluídas no n° 4 do art. 49° da LGT.
Nº Convencional:JSTA00066837
Nº do Documento:SA2201103020125
Data de Entrada:02/14/2011
Recorrente:CM DE LISBOA
Recorrido 1:FUND NOSSA SENHORA DO BOM SUCESSO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Indicações Eventuais:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART1 N2 ART48 N1 ART49 N1 N2 N3 N4.
CPPTRIB99 ART97 N1 N ART169 N1 ART276.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1049/05 DE 2006/02/15.; AC STA PROC1099/05 DE 2006/11/22.; AC STA PROC1258/09 DE 2010/01/20.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA NOTAS PRÁTICAS 2ED PAG54 PAG55.
JORGE DE SOUSA CPPT ANOTADO E COMENTADO 5ED VII PAG202.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A Câmara Municipal de Lisboa recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, julgou procedente a reclamação de actos do órgão da execução fiscal deduzida pela executada Fundação Nossa Senhora do Bom Sucesso contra o acto da Directora Municipal de Finanças que determinou a redução da penhora efectuada no âmbito da respectiva execução fiscal por dívidas da taxa de conservação de esgotos e declarou prescritas aquelas dívidas quanto aos anos de 1999 e 2000.
1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1ª - A sentença recorrida apenas considerou relevante a verificação de factos interruptivos da prescrição, nos termos previstos na Lei Geral Tributária (LGT), negando o efeito suspensivo da mesma prescrição relativamente aos factos invocados pela Fazenda Pública, ao abrigo do nº 4, do artigo 49°, da mesma Lei.
2ª - A correcta aplicação do nº 4, do artigo 49°, da LGT, designadamente, no que respeita à suspensão da contagem da prescrição no período correspondente à pendência dos autos de oposição à penhora teria obstado à declaração da prescrição da dívida exequenda.
3ª - A dívida exequenda reporta-se à taxa de conservação de esgotos relativa aos anos de 1999 e 2000 e tratando-se de um tributo periódico, o prazo de prescrição começou a correr a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos termos do nº 1, do artigo 48°, da LGT – respectivamente 1 de Janeiro de 2000 e 1 de Janeiro de 2001.
4ª - Porque as dívidas em questão se reportam presentemente aos anos de 1999 e 2000, elegeu-se o processo de execução fiscal mais antigo como processo principal.
5ª - No âmbito deste processo salientam-se os seguintes factos relevantes para apreciação da matéria em apreço – suspensão da contagem do prazo prescricional:
a) A execução foi autuada em 28 de Maio de 2001 sob o nº 1106200101063065;
b) A executada foi citada em 5 de Junho de 2001;
c) O processo de execução fiscal esteve parado desde 5 de Junho de 2001 até 30 de Outubro de 2007, data em que se efectuou a penhora de créditos de conta bancária na Caixa Geral de Depósitos;
d) A Reclamante deduziu oposição à penhora cm 5 de Dezembro de 2007.
e) Por Acórdão proferido em 16 de Junho de 2009, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, transitado em julgado em 2 de Julho de 2009, foi decidido, em confirmação da sentença proferida em 15 de Janeiro de 2009:
1 - Declarar a prescrição da dívida dos anos de 1997 e 1998;
2 - Julgar improcedente o pedido relativo à impenhorabilidade do saldo da conta de depósito a prazo;
3 - Julgar a reclamação procedente relativamente a custas;
4 - Julgar parcialmente procedente o pedido de levantamento de penhora, determinando a redução da penhora na proporção do valor da dívida.
f) Em execução da mencionada decisão judicial, por despacho proferido em 16 de Março de 2010, pela Senhora Directora Municipal de Finanças, da Câmara Municipal de Lisboa, foi determinada a anulação das dívidas prescritas, a redução da penhora e a notificação da executada para efectuar o pagamento da dívida exequenda, sob cominação de accionamento da garantia – é este o acto reclamado nos presentes autos.
6ª - Porque com a redacção dada ao artigo 49°, da LGT, pela Lei nº 100/99, de 26 de Julho, a citação passou a ter efeito interruptivo, substituindo-se à instauração da execução, o prazo prescricional interrompeu-se em 5 de Junho de 2001.
7ª - Aplicando-se à presente contagem a redacção do nº 2, do artigo 49°, da LGT, a interrupção durou até 5 de Junho de 2002, ou seja, decorreram até esta data, 1 ano, 5 meses e 5 dias.
8ª - Em 5 de Dezembro de 2007 foi deduzida oposição à penhora – entre estas duas datas – 5 de Junho de 2002 e 5 de Dezembro de 2007 – decorreram 5 anos e 6 meses.
9ª - Entre 5 de Dezembro de 2007 e 2 de Julho de 2009, data do trânsito em julgado do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, a Recorrente entende que a contagem do prazo prescricional se encontrou suspensa, ao abrigo do nº 4, do artigo 49°, da LGT.
10ª - A sentença recorrida erra quando restringe os efeitos da suspensão da contagem do prazo prescricional aos casos de impugnação judicial e de reclamação graciosa contra o acto de liquidação, dado que o nº 4, do artigo 49°, introduzido pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2007, determina que O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento em prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida (destaque nosso).
11ª - A ora Recorrente não pretende retirar da Lei nenhum efeito que esta não preveja expressamente: a Recorrida deduziu oposição à penhora e esse meio processual constitui um dos factos suspensivos da contagem do prazo legal de prescrição, nos termos expressamente previstos na redacção do nº 4, do artigo 49°, da LGT, pelo que se impõe, como imperativo lógico a conclusão de que o prazo prescricional não correu no período compreendido entre 5 de Dezembro de 2007 e 2 de Julho de 2009, data do trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, supra mencionado.
12ª - Durante o período em que estiveram pendentes os autos de oposição à penhora a Administração tributária esteve impedida de prosseguir com o processo de execução fiscal para cobrança coerciva da dívida, pelo que se impõe a suspensão da contagem do prazo prescricional.
13ª - Existe uma causa de suspensão autónoma em relação ao facto com efeito interruptivo, que produz os seus próprios efeitos, independentemente dos produzidos pelo facto interruptivo.
14ª - Admitindo, ainda, que o prazo de prescrição teria recomeçado a correr a partir da data de trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul – 3 de Julho de 2009 – sempre se dirá que por força do mesmo nº 4, do artigo 49°, da LGT, tal prazo ficou novamente suspenso por força da presente reclamação contra o acto do órgão de execução fiscal, a qual foi apresentada, como vimos em 14 de Abril de 2010.
15ª - É que se o nº 3 do artigo 49° apenas admite um facto interruptivo da prescrição da dívida tributária, o nº 4, do mesmo artigo não estabelece qualquer limite ao número de causas suspensivas da mesma prescrição: uma vez verificadas, estas operam os respectivos efeitos.
16ª - A questão sub judice prende-se precisamente com este ponto. É que, quer a reclamante nos presentes autos, quer a sentença recorrida se limitaram a contar o prazo de prescrição da dívida em apreço, atendendo apenas ao facto interruptivo da prescrição, sem atender aos factos suspensivos da mesma prescrição, violando, assim, o disposto no nº 4, do artigo 49°, da LGT.
17ª - A correcta aplicação do nº 4, do artigo 49°, da LGT teria obstado à declaração de prescrição da dívida exequenda relativa aos anos de 1999 e 2000.
18ª - O despacho reclamado não padece de vícios e assim deve manter-se na ordem jurídica, prosseguindo os processos de execução fiscal supra identificados termos até efectiva cobrança da dívida exequenda.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a consequente manutenção do despacho reclamado.
1.3. A Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo do seguinte modo:
I – A interrupção do decurso do prazo de prescrição ocorreu, por uma única vez, com a citação da executada, em 25.05.2001 e 23.09.2003;
II – Decorrido um ano sobre a interrupção, recomeçou a contagem do prazo de prescrição, somando-se o período de tempo decorrido até à interrupção ao que decorreu após o decurso do prazo de suspensão;
III – Encontram-se prescritos ambos os tributos exequendos;
IV – A douta sentença recorrida fez correcta aplicação da Lei, pelo que deve ser confirmada.
Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.
1.4. O MP emite Parecer no sentido da improcedência do recurso, nos termos seguintes:
«1. A dívida exequenda remanescente emerge da falta de pagamento voluntário de taxa de conservação de esgotos (anos 1999 e 2000).
É aplicável o prazo de prescrição de 8 anos, iniciado em 1.01.2000 e 1.01.2001 (art. 48° nº 1 LGT).
A citação da reclamante como executada em 6.06.2001 e 26.09.2003, nos respectivos processos de execução fiscal (PEF), interrompeu o prazo de prescrição (art. 49° nº 1 LGT; probatório nºs. 1/2).
O efeito interruptivo cessou em consequência da paragem dos PEF, por período superior a um ano e por motivo não imputável à executada, em 7.06.2002 (taxa do ano 1999) e em 27.09.2004 (taxa do ano 2000) (factos enunciados no discurso jurídico da sentença e não contraditados pelas partes - fls. 197 e 198); os prazos prescricionais retomaram o seu curso, somando-se o período decorrido desde o início (1.01.2000 e 1.01.2001) até à data da autuação dos PEF (28.05.2001 e 23.09.2003, respectivamente) ao que decorrer após 7.06.2002 e 27.09.2004 (art. 49° nº 2 LGT).
A revogação do art. 49° nº 2 LGT (operada pelo art. 90° Lei nº 53-A/2006, 29 Dezembro) é inaplicável, porque o período superior a um ano de paragem dos PEF já tinha decorrido antes do início da vigência da norma revogatória (art. 91° Lei nº 53-A/2006, 29 Dezembro).
Posteriormente à cessação da interrupção não se verificaram outros factos com eficácia interruptiva ou suspensiva do prazo de prescrição.
A soma dos períodos temporais relevantes supra indicados ultrapassa o período de 8 anos, correspondente ao prazo de prescrição.
2. A oposição à penhora apresentada pela executada foi convolada para reclamação contra acto praticado pelo órgão da execução fiscal (art. 276° CPPT; probatório nº 3, 5ª conclusão das alegações de recurso).
A reclamação contra decisão proferida pelo órgão da execução fiscal não suspende o prazo de prescrição pelos motivos que se enunciam:
- não está contemplada como facto com eficácia suspensiva na previsão da disposição normativa aplicável (actual art. 49° nº 4 LGT; anteriormente art. 49° nº 3 LGT).
- inscrevendo-se a prescrição das obrigações tributárias no domínio das garantias dos contribuintes, está sujeita ao princípio da legalidade tributária e abrangida na reserva de lei da Assembleia da República (arts. 103° nº 2 e 165° n°1 al. i) CRP RC/97; art. 8° nº 1 LGT).
- eventual lacuna de norma tributária sobre garantias dos contribuintes não é susceptível de integração analógica (art. 11° nº 4 LGT).
- a expressão reclamação deve ser interpretada como significando reclamação graciosa, por conjugação com a norma constante do art. 169° nº 1 CPPT, onde se estabelece a suspensão da execução fiscal em consequência da apresentação de reclamação graciosa, desde que constituída ou prestada garantia ou efectuada penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido.
No contexto descrito verifica-se a prescrição das dívidas tributárias exequendas.»
1.5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. O processo apenso nº 1106200101063065, é relativo a duas prestações em dívida provenientes da taxa de conservação de esgotos do ano de 1999, no valor de € 28.466,77, acrescidos no valor de € 10.248,04 e custas, foi autuado em 28/5/2001, tendo a ora Reclamante sido citada em 6/6/2001 (cfr. fls. 32 e fls. 10).
2. O processo apenso nº 1106200401308238, é relativo a duas prestações em dívida provenientes da taxa de conservação de esgotos do ano de 2000, no valor de € 28.466,77, acrescidos no valor de € 10.248,04 e custas, foi autuado em 23/9/2003, tendo a citação ocorrido a 26/9/2003 (idem e fls. 6 do PET).
3. Em 5/12/2007 a ora Reclamante deduziu oposição que veio a ser convolada em reclamação (idem).
4. Por sentença de 15/1/2009 deste Tribunal, proc. nº 1412/08, foi declarada a prescrição da dívida no âmbito do processo de execução fiscal nº 1106199801120247 quanto aos anos de 1997 e 1998 (cfr. fls. 26 e s.).
5. Por Acórdão do TCA Sul de 16/6/2009, proc. 3207/07 foi negado provimento ao recurso interposto da decisão supra identificada, mantendo a decisão recorrida (cfr. fls. 76 e s.).
6. Por despacho de 16/3/2010 da Directora Municipal de Finanças da Câmara Municipal de Lisboa, foi determinada a anulação das dívidas prescritas, a redução da penhora e a notificação da executada para efectuar o pagamento da dívida exequenda (cfr. doc. de fls. 75).
7. A presente reclamação foi autuada em 13/4/2010 e junta ao apenso executivo por termo de 10/5/2010 (cfr. fls. 70 e 137).
3.1. Com base nesta factualidade, a sentença recorrida veio a julgar procedente a reclamação, com a fundamentação seguinte:
- Sendo, no caso, aplicável o prazo de prescrição de 8 anos, tendo sido instauradas execuções fiscais (em 28/5/2001 - processo nº 1106200101063065; e em 23/9/2003 – processo nº 1106200401308238), apesar de a prescrição se ter interrompido com a citação da executada, em 6/6/2001 e em 26/9/2003, respectivamente, nos termos do disposto no nº 1 do art. 49° da LGT (redacção da Lei nº 100/99, de 26/7), se verificou que, posteriormente, depois das citações ambos os processos de execução fiscal pararam por mais de um ano, por facto não imputável à contribuinte. E esse ano de paragem completou-se em 7/6/2002 (no processo de execução da dívida relativa à Taxa do ano de 1999) e em 27/9/2004 (no processo de execução da dívida relativa à Taxa do ano de 2000).
- Pelo que, por virtude de tal paragem por mais de uma ano, cessou a interrupção do prazo da prescrição, tendo o mesmo voltado a correr (nº 2 do art. 49 da LGT - anteriormente à sua revogação pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12) e “somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
- E como o prazo de prescrição voltou a correr a partir de 7/6/2002, para a dívida reportada à Taxa relativa ao ano de 1999 e a partir de 27/9/2004, para a dívida reportada à Taxa relativa ao ano de 2000, então:
- relativamente à dívida de 1999, somando o prazo decorrido desde 1/1/2000 até 28/5/2001 (autuação do processo de execução) com o que decorreu depois de 7/6/2002 (data em que se completou 1 ano após a paragem do processo de execução) perfez-se já o prazo total de 8 anos da respectiva prescrição.
- relativamente à dívida de 2000, somando o prazo decorrido desde 1/1/2001 até 23/9/2003 (autuação do processo de execução) com o que decorreu depois de 27/9/2004 (data em que se completou 1 ano após a paragem do processo de execução) perfez-se já o prazo total de 8 anos da respectiva prescrição.
- Por outro lado, os factos constantes dos nºs. 3 a 7 do Probatório não são susceptíveis de suspender o prazo de prescrição (cfr. art. 48.° da LGT), uma vez que nem o acto de liquidação foi impugnado, nem foi deduzida reclamação graciosa.
3.2. Discorda a recorrente Fazenda Pública, continuando a sustentar que a correcta aplicação do disposto no nº 4 do art. 49° da LGT, no que respeita à suspensão da contagem da prescrição no período correspondente à pendência dos autos de oposição à penhora, teria obstado à declaração da prescrição da dívida exequenda.
Isto, porque, tendo a recorrida deduzido, em 5/12/2007, oposição à penhora, e tendo a última decisão (o acórdão do TCAS, de 16/6/2009, que confirmou a sentença da 1ª instância proferida em 15/1/2009) que recaiu sobre esse pedido, transitado em julgado em 2/7/2009 [aí se tendo decidido: (i) declarar a prescrição da dívida dos anos de 1997 e 1998; (ii) julgar improcedente o pedido relativo à impenhorabilidade do saldo da conta de depósito a prazo; (iii) julgar a reclamação procedente relativamente a custas; e (iv) julgar parcialmente procedente o pedido de levantamento de penhora, determinando a redução da penhora na proporção do valor da dívida], então havia que considerar que entre 5/12/2007 e 2/7/2009 a contagem do prazo prescricional se encontrou suspensa, ao abrigo do nº 4 do art. 49°da LGT.
Pelo que a sentença recorrida erra quando restringe os efeitos da suspensão da contagem do prazo prescricional aos casos de impugnação judicial e de reclamação graciosa contra o acto de liquidação, dado que o nº 4, do art. 49°, introduzido pela Lei nº 53- A/2006, de 29/12, determina que o prazo de prescrição legal se suspende enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo nos casos, além do mais, de oposição, quando determine a suspensão da cobrança da dívida.
E, assim sendo, durante o período em que estiveram pendentes os autos de oposição à penhora a AT esteve impedida de prosseguir com o processo de execução fiscal para cobrança coerciva da dívida, pelo que se impõe a suspensão da contagem do prazo prescricional.
3.3. A questão a decidir é, portanto, a de saber se, no caso, o prazo de prescrição esteve suspenso durante o período decorrido entre 5/12/07 e 2/7/09, por virtude da dedução da invocada oposição à execução fiscal. Vejamos.
4.1. As dívidas exequendas respeitam a taxas de conservação de esgotos relativas aos anos de 1999 e 2000.
Atentando nos termos em que o nº 2 do art. 1° da LGT considera as relações jurídico-tributárias e nos termos em que também o seu art. 3º classifica os tributos (ali incluindo as taxas), no presente caso será aplicável o prazo de prescrição de 8 anos referido no nº 1 do art. 48º da LGT [cfr., aliás, no sentido da aplicação de tal prazo de prescrição, os acs. desta Secção do STA, de 15/2/2006, rec, nº 01049/05 e de 22/11/2006, rec. nº 01099/05, entre outros; veja-se, igualmente, que é de 8 anos o prazo fixado actualmente no nº 1 do art. 15º da Lei nº 53-E/2006, de 29/12 (Regime geral das taxas das autarquias locais)].
O prazo de prescrição das dívidas exequendas é, portanto, de 8 anos, contados do início do ano seguinte àquele em que tivesse ocorrido o facto tributário, ou seja, tal prazo iniciou-se em 1/1/2000 e 1/1/2001, respectivamente (nº 1 do art. 48º da LGT).
Assim, o prazo de prescrição terminaria em 1/1/2008 para a dívida emergente da taxa relativa ao ano de 1999 e em 1/1/2009 para a emergente da taxa do ano de 2000.
Todavia, em 6/6/2001 e em 26/9/2003, ocorreram factos a que a lei reconhece efeito interruptivo: as citações da executada, nos respectivos processos de execução fiscal (cfr. o nºs. 1 e 2 do Probatório).
Na verdade, tal citação constitui-se como facto interruptivo da prescrição, conforme resulta do disposto no art. 49º da LGT (a partir da alteração da Lei 100/99, de 26/7).
E este efeito interruptivo das citações originaria, em princípio, a inutilização do prazo de prescrição até então decorrido.
Porém, tal efeito interruptivo veio a cessar em consequência da paragem do processo de execução fiscal, por período superior a um ano e por motivo não imputável à executada, entre as datas de 7/6/2001 a 19/11/2007 (na execução nº 1106200101063065) e entre as datas de 27/9/2003 a 19/11/2007 (na execução nº 1106200401308238) - factos estes que são enunciados e tidos como assentes nos autos no discurso jurídico da sentença e não contraditados pelas partes - fls. 197 e 198).
Na verdade, nos termos do disposto no nº 2 do art. 49º da LGT (na redacção anterior à sua revogação pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12), a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo, faz cessar a interrupção da prescrição, voltando a correr esse prazo e «somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação».
Com efeito, a revogação deste nº 2 do art. 49° da LGT (operada pelo art. 90° da citada Lei n° 53-A /2006, de 29/12) é inaplicável ao presente caso, uma vez que o período superior a um ano de paragem do processo de execução fiscal já tinha decorrido antes do início da vigência dessa norma revogatória (cfr. o art. 91° da mesma Lei, que dispõe: «a revogação do nº 2 do artigo 49º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo».
Ou seja, se o curso do prazo de prescrição já tivesse sido reatado em 1/1/2007 (data em que opera a revogação do nº 2 do art. 49º da LGT), por força de paragem do processo nos termos ali previstos, essa revogação não pode produzir efeitos sobre essa consumada cessação do efeito interruptivo e a sua transmutação em efeito meramente suspensivo da prescrição.
Assim, no caso dos autos, a referida interrupção não teve virtualidade de inutilizar para a prescrição todo o prazo até então decorrido. Ao invés, os prazos prescricionais retomaram o seu curso, somando-se o período decorrido desde o seu início (1/1/2000 e 1/1/2001) até à data da autuação dos PEF (28/5/2001 e 23/9/2003, respectivamente) ao que tiver decorrido após 7/6/2002 e 27/9/2004 (art. 49° nº 2 LGT), uma vez que o período superior a um ano de paragem dos processos de execução fiscal já tinha decorrido antes do início da vigência daquela norma revogatória.
Ora, na data em que foi proferida a sentença ora recorrida (30/9/2010 – cfr. fls. 191 a 198) tinham decorrido:
a) Relativamente à dívida proveniente da taxa do ano de 1999:
Desde 1/1/2000 até 28/5/2001 (data da instauração da execução) – decorreram 1 ano, 4 meses e 28 dias;
Desde 7/6/2002 (dia seguinte àquele em que se completou 1 ano de paragem do processo) até 30/9/2010 – decorreram 8 anos, 3 meses e 23 dias.
Ou seja, somando os dois períodos de tempo, decorreram mais do que 8 anos.
b) Relativamente à dívida proveniente da taxa do ano de 2000:
Desde 1/1/2001 até 23/9/2003 (data da instauração da execução) – decorreram 2 anos, 8 meses e 23 dias;
Desde 27/9/2004 (dia seguinte àquele em que se completou 1 ano de paragem do processo) até 30/9/2010 – decorreram 6 anos e 3 dias.
Ou seja, somando os dois períodos de tempo, decorreram mais do que 8 anos.
4.2. A recorrente sustenta, porém, que, uma vez que o prazo de prescrição esteve suspenso desde 5/12/2007 até 2/7/2009 (enquanto decorreu o processo de oposição deduzida pela recorrida) ainda não se completou o prazo de prescrição de 8 anos.
Afigura-se-nos, porém, que carece de razão legal quanto a tal alegação.
Com efeito em 5/12/2007 a recorrida deduziu oposição à execução, mas por despacho proferido em 17/4/2008 (cfr. fls. 171 a 173) foi liminarmente indeferida tal oposição e ordenado que o processo passasse a seguir a forma de reclamação previstas no art. 276º do CPPT (cfr. o nº 3 do Probatório e a Conclusão 5ª das alegações de recurso).
Resulta dos autos que tal despacho transitou em 2/5/2008 e que, posteriormente, a respectiva petição inicial foi autuada como reclamação, prosseguindo os seus termos.
Ora, a entender-se que a recorrida deduziu a alegada oposição, a suspensão do prazo de prescrição a ela associada, só operaria até 3/5/2008 (pois que, embora se tenha socorrido desse meio processual, a respectiva petição inicial veio a ser indeferida liminarmente e veio a ser ordenado que a mesma seguisse a forma da reclamação prevista nos arts. 276º e sgts. do CPPT (cfr. fls. 172/173).
Ou seja, teria que descontar-se ao período total contado nos termos das alíneas a) e b) do Ponto 4.1 supra, o período de 4 meses e 27 dias decorrido entre 5/12/2007 e 2/5/2008, desconto esse que, ainda assim, não obstaria a que até 30/9/2010 tivessem decorrido mais de 8 anos, relativamente a ambas as dívidas ali referidas.
Mas será que, de todo o modo, essa reclamação também suspendeu o prazo de prescrição?
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Com efeito, como observa o MP, a reclamação prevista nos arts. 276º e sgts. do CPPT, não está contemplada como facto com eficácia suspensiva na previsão da disposição normativa aplicável (actual nº 4 e, anteriormente, o nº 3, ambos do art. 49° da LGT), pois que a expressão «reclamação» ali mencionada deve ser interpretada como significando reclamação graciosa, por conjugação com a norma constante do art. 169° nº 1 CPPT, onde se estabelece a suspensão da execução fiscal em consequência da apresentação de reclamação graciosa, desde que constituída ou prestada garantia ou efectuada penhora que garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido.
Assim, na falta de preceito que tal disponha, não pode entender-se que a reclamação prevista nos arts. 276º e segts. do CPPT suspenda a execução, pois que, por um lado não se encadeia com a prestação de garantia e, por outro lado, é processada nos próprios autos de execução fiscal, sendo que também o recurso dela interposto sobe nos próprios autos, (imediatamente, aliás, quando se invocar prejuízo irreparável ou quando a retenção lhe fizer perder a respectiva utilidade - cfr. por todos, o ac. de 20/1/2010, rec. nº 01258/09).
Conclui-se, portanto, que a reclamação prevista nos arts. 276º e sgts. do CPPT, forma processual para a qual foi convolada a oposição que fora deduzida pela recorrente, não teve a virtualidade de suspender o prazo de prescrição que, no caso, estava em curso, sendo que, mesmo tendo em conta que, como se disse, tal reclamação é processada nos próprios autos da execução, também nada obstava a que os processos (apensados) relativos às dívidas referentes aos anos de 1999 e 2000, aqui em causa e aos quais não dizia respeito a reclamação apresentada pela recorrida, continuassem os respectivos termos.
É certo que o Cons. Jorge de Sousa (Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª ed., 2010, pags. 54/55; cfr., também, do mesmo autor, o CPPT, anotado, 5ª ed., Vol. II, pag. 202) refere, a este propósito, que entre os casos de suspensão da prescrição se enquadrarão todos os que sejam abrangidos pelas designações genéricas de meios processuais incluídas no n° 4 do art. 49° da LGT, aí se incluindo «a reclamação de actos praticados pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária [prevista nos arts. 276° a 278° do CPPT, denominada também como «recurso» no art. 101°, alínea d), da LGT e no art. 97°, n° 1, alínea n), do CPPT], desde que seja invocado um fundamento de inexigibilidade (pois só nestes casos se suspenderá a execução, à face do n° 1 do art. 169° do CPPT)».
Mas, ainda que assim fosse, nem este entendimento aproveitaria à recorrente, já que, no caso dos autos, apesar de ter sido efectuada penhora, na petição inicial da reclamação convolada (cfr. fls. 150 a 154) não foi invocado nenhum fundamento de inexigibilidade das presentes dívidas exequendas [apenas se invocou a ilegalidade da penhora efectuada e a prescrição de parte (que não a correspondente às actuais dívidas) das quantias exequendas - as dívidas pelas taxas de conservação de esgotos dos anos de 1996 e 1997 e respectivos juros – cfr. arts. 4º e 10º a 14º da dita petição inicial].
Aliás, constituindo a inexigibilidade da dívida fundamento de oposição, não haveria, então, fundamento legal para que se tivesse decidido que a oposição inicialmente apresentada seguisse sobre a forma de reclamação.
No caso, não se verificou, portanto, o mencionado efeito suspensivo do qual a recorrente pretende extrair a conclusão de que não decorreu ainda o prazo de prescrição.
Impõe-se, pelo exposto, decidir pela improcedência das Conclusões do recurso.
DECISÃO
Nestes termos acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 2 de Março de 2011. - Casimiro Gonçalves (relator) – Brandão de Pinho – Isabel Marques da Silva.