Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0520/09
Data do Acordão:09/30/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
ATRASO NA DECISÃO
PRAZO
REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:Há direito a juros indemnizatórios nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 43.º da LGT, quando a reclamação graciosa de um acto de autoliquidação é decidida favoravelmente ao contribuinte e a decisão é proferida mais de um ano a contar da data da apresentação da reclamação e o atraso não for imputável à Administração Tributária.
Nº Convencional:JSTA00065989
Nº do Documento:SA2200909300520
Data de Entrada:05/08/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - JUROS.
Legislação Nacional:LGT98 ART35 N10 ART43 N1 N3 B C ART78 N1 N2 N4 N6 N7 ART100.
CPPTRIB99 ART61 N3.
CONST97 ART22.
CCIV66 ART559 N1 ART562 ART806 N1 N2 N3.
CPTRIB91 ART93 ART94.
CPA91 ART135 ART158 N2 A ART161 ART165.
PORT 263/99 DE 1999/04/12.
PORT 291/2003 DE 2003/04/08.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1155/05 DE 2006/05/24.; AC STA PROC1040/06 DE 2007/01/17.; AC STA PROC1041/06 DE 2007/02/15.; AC STA PROC604/06 DE 2006/11/02.; AC STA PROC606/06 DE 2007/06/06.; AC STA PROC65/09 DE 2009/04/15.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A A…, S.A., impugnou no Tribunal Tributário de Lisboa uma decisão de indeferimento parcial de uma reclamação graciosa, relativa a liquidação de IRC e derrama do ano de 1998, na parte em que recusou o pagamento de juros indemnizatórios.
Aquele Tribunal julgou a impugnação improcedente.
Inconformada, a Impugnante interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
a) Nos termos do art. 43º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, quando o património do contribuinte tenha sido atingido em resultado de um erro da Administração Fiscal, e tal erro tenha sido declarado, o que ocorre, implicitamente, sempre que seja proferida uma decisão de anulação do acto de liquidação, nasce o direito a juros indemnizatórios;
b) Embora no art. 43º, n.º 1 da Lei Geral Tributária se refira apenas a reclamação graciosa e a impugnação judicial, esta norma deve ser interpretada no sentido de abranger qualquer meio administrativo ou contencioso que os sujeitos passivos possam utilizar para atacar o acto de liquidação;
c) Mas existem outras situações em que, sem haver erro dos serviços, se constitui o direito a juros indemnizatórios – são as situações previstas no art. 43º, n.º 3 da Lei Geral Tributária;
d) Estas situações têm em comum a demora na prática de um acto, surgindo o direito a juros indemnizatórios como um mero efeito jurídico dessa situação de facto;
e) O art. 43º, n.º 1 da Lei Geral Tributária consagra uma responsabilidade subjectiva, que depende da prática de um erro, enquanto o art. 43º, n.º 3 da Lei Geral Tributária consagra uma responsabilidade objectiva, que nasce em exclusivo pelo decurso do tempo;
f) E também o art. 43º, n.º 3 da Lei Geral Tributária, que apenas refere a revisão oficiosa do acto tributário, não pode deixar de ser interpretado no sentido de abranger qualquer meio administrativo ou contencioso que os sujeitos passivos possam utilizar para atacar o acto de liquidação;
g) Até porque esta interpretação é a única que verdadeiramente é compatível com o disposto no art. 20º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito à decisão das causas em prazo razoável;
h) Acresce que também só assim não se contende com o disposto no art. 100º da Lei Geral Tributária, que consagra o direito à reconstituição da situação que existiria caso o acto reclamado, impugnado ou recorrido não tivesse sido praticado e presume que o dano é reparado mediante o pagamento de juros indemnizatórios, podendo, contudo, o sujeito passivo alegar e demonstrar que o dano efectivamente sofrido excede tal quantitativo e exigir o seu pagamento;
i) Para diferentes responsabilidades, consagram-se diferentes cominações;
j) O art. 43º, n.º 1 da Lei Geral Tributária consagra uma responsabilidade subjectiva, geradora do direito a juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento da dívida tributária em excesso até ao efectivo reembolso;
k) Já o art. 43.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária consagra uma responsabilidade objectiva, geradora do direito a juros indemnizatórios, contados desde o termo do prazo considerado razoável para a prática de determinado acto e até efectivo reembolso;
l) A pendência de uma reclamação graciosa, por período superior a um ano, faz nascer na esfera do sujeito passivo que venha a obter ganho de causa, o direito a juros indemnizatórios, contados desde um ano após a apresentação do pedido e até efectivo reembolso.
Por tudo o exposto, deve a douta sentença recorrida ser anulada e substituída por decisão judicial que condene no pagamento de juros indemnizatórios a favor da ora Recorrente, assim se fazendo a verdadeira e costumada JUSTIÇA!
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
A recorrente cometeu um erro na autoliquidação, por preenchimento incorrecto da declaração de rendimentos, tendo apresentado reclamação graciosa solicitando o reembolso de 3.187.357,31 €, correspondente ao imposto liquidado e pago em excesso.
Pediu igualmente o pagamento de juros indemnizatórios.
A A.T. veio dar-lhe razão parcialmente, deferindo o pedido de restituição de imposto liquidado e pago em excesso, mas indeferindo o pedido de juros indemnizatórios.
O que está em causa é saber se no caso sub judicio é aplicável a alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, invocado pela recorrente como fundamento legal para o seu pedido.
Julgamos carecer de razão, desde logo porque o pagamento de juros indemnizatórios, previstos no artigo 43.º da LGT, está sempre condicionado à existência de erro imputável aos serviços.
Esta asserção é inequívoca no que respeita aos n.º 1 e 2 do citado preceito e nas alíneas a) e b) do n.º 3. Vejamos se o mesmo acontece relativamente à alínea c).
A recorrente interpreta extensivamente este preceito legal, para concluir que a expressão revisão dos actos tributários deve abranger qualquer meio administrativo ou contencioso que os sujeitos passivos possam utilizar para atacar o acto de liquidação.
Entendemos não ser possível dar esta dimensão àquela norma, pois o Legislador separou bem as águas e expressou-se claramente quando no n.º l do artigo 43.º da LGT se referiu a reclamação graciosa e a impugnação judicial e, na alínea c) do n.º 3, referiu apenas a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte. De facto, esta última não se confunde nem equivale às primeiras, parecendo destinar-se a abranger apenas os casos em que não tenha sido deduzida, no prazo legal, reclamação ou impugnação, ou seja, casos em que o acto tributário se encontra consolidado na ordem jurídica.
As consequências jurídicas de uns e de outro são bem diferentes, pois enquanto na reclamação graciosa ou impugnação judicial se visa a anulação total ou parcial dos actos tributários, na revisão dos actos tributários prevista no artigo 78.º da LGT, o que se tem em vista é a revogação, ratificação, reforma, conversão e rectificação dos actos tributários.
Assim sendo e partindo do princípio que o legislador se exprimiu correctamente, a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, tem sempre por base um erro imputável aos serviços, seja ele assumido pela própria A.T. ou da iniciativa do contribuinte.
Nem é correcta a alegação de assim o contribuinte ficar indefeso perante a inércia da A.T. pois, como bem se refere na decisão recorrida, quando se verifique o incumprimento do prazo para decisão de uma reclamação graciosa, é dado ao reclamante, após formação do acto tácito de indeferimento, a possibilidade de deduzir impugnação judicial, sem ter de esperar que seja proferida uma decisão na reclamação graciosa.
Nestes termos entendemos que, tendo havido um erro da recorrente na autoliquidação do imposto, erro esse por ela assumido, não estão reunidos os pressupostos previstos na lei para o pagamento dos requeridos juros indemnizatórios.
CONCLUSÃO
Deste modo é nosso parecer não merecer o recurso provimento, devendo, em consequência, ser confirmada a decisão recorrida.
As partes foram notificadas deste douto parecer, apenas se pronunciando da Fazenda Pública, acompanhando a posição aí assumida.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
A. A Impugnante apresentou, em 31 de Maio de 1999, a declaração periódica de rendimentos do exercício de 1998, para efeito de IRC, na qual foi declarado um lucro tributável de € 530.090.310,78 (106.273.565.685$00), tendo autoliquidado imposto no valor de € 66.881.035,71 (13.408.443.801$00), o qual foi pago nessa mesma data, conforme admite a Administração Fiscal – fls. 8 a 14 do PAT apenso aos autos e informação de fls. 122 a 126 dos autos de reclamação apensa;
B. Por considerar ter cometido um erro na autoliquidação, por preenchimento incorrecto da declaração de rendimentos referida em A, apresentou a Impugnante, em 09 de Julho de 1999, reclamação graciosa (n.º 3298-99/400065.0) da mesma, solicitando o reembolso de € 3.187.357,31 (639.007.768$00) correspondente ao imposto liquidado e pago em excesso, bem como o pagamento de juros indemnizatórios, a atribuir se a "revisão do acto tributário ocorrer nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43º da LGT -fls. 3 a 7 dos autos de reclamação apensa;
C. Pelo despacho de 30 de Maio de 2003, de que a Impugnante foi notificada em 05 de Junho do mesmo ano, foi a reclamação graciosa deferida parcialmente, deferindo o pedido de restituição de imposto no valor de € 3.187.357,31 (639.007.768$00) e indeferindo o pedido de atribuição de juros indemnizatórios, por considerar não ser aplicável à situação em análise a disposição legal invocada pela ora Impugnante (alínea c) do n.º 3 do artigo 43º da LGT) – cfr. despacho de deferimento parcial e correspondente informação, ofício de notificação e respectivo aviso de recepção, a fls. 122 a 128 dos autos de reclamação apensa.
3 – Como resulta da matéria de facto fixada, a Recorrente, depois de ter autoliquidado IRC, apresentou uma reclamação graciosa, em 9-7-1999, considerando ter cometido um erro e solicitando o reembolso da quantia de 639.007.768$00, a que corresponde actualmente o valor de € 3.187.357,31, e o pagamento de juros indemnizatórios, se «a revisão do acto tributário ocorrer nos termos da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT».
A reclamação graciosa veio a ser decidida favoravelmente, na parte relativa ao reembolso da quantia, mas foi negada a pretensão de pagamento de juros indemnizatórios.
O IRC e derrama que foram autoliquidados indevidamente reportam-se ao ano de 1998, a reclamação graciosa foi apresentada em 9-7-1999 e foi decidida em 30-5-2003, sendo a Impugnante notificada em 5-6-2003.
A questão que é colocada no presente recurso jurisdicional é a de saber se são devidos juros indemnizatórios, nos termos do n.º 3 do art. 43.º da LGT, quando uma reclamação graciosa está pendente, sem decisão, por mais de um ano.
4 – O art. 43.º da LGT estabelece o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
Como se vê, no n.º 1 deste artigo faz-se referência à reclamação graciosa como meio processual em que pode ser apurada a responsabilidade da Administração Tributária por juros indemnizatórios, baseada em erro imputável aos serviços.
Nestes casos, os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito (art. 61.º, n.º 3, do CPPT). Trata-se de situações em que há anulação do acto impugnado, o que é corolário da existência de erro imputável aos serviços. Nestas situações, o contribuinte tem direito a que seja a reconstituída «a legalidade do acto ou situação objecto do litígio» (art. 100.º da LGT), isto é, a que seja plenamente reconstituída a situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado. Naturalmente, que o direito a esta reconstituição plena não se esgota no pagamento de juros indemnizatórios, pois, por força do disposto no art. 22.º da CRP, os cidadãos têm o direito a ser plenamente indemnizados da totalidade dos prejuízos que lhes provoquem actos ilegais da Administração Tributária, nos termos previstos para a responsabilidade civil extracontratual, em sintonia com o princípio geral sobre o âmbito do dever de indemnizar, enunciado no art. 562.º do Código Civil.
Nas alíneas b) e c) do n.º 3 deste artigo, não se faz depender a responsabilidade por juros indemnizatórios da existência de erro imputável aos serviços, prevendo-se que o direito do contribuinte deriva de demora excessiva no processamento da nota de crédito e demora na apreciação do pedido de revisão do acto tributário.
O campo de aplicação desta norma são casos em que não há lugar a anulação do acto de liquidação, com os efeitos retroactivos que são próprios da anulação, pois, nos casos em que esta ocorre, os juros indemnizatórios contam-se nos termos do referido art. 61.º, n.º 3, do CPPT, abrangendo um período de tempo maior do que os previstos nas referidas alíneas b) e c) do n.º 3 do art. 43.º.
Na situação prevista na alínea c) do n.º 3 do art. 43.º, que aqui está em causa, «há, portanto, uma restrição, justificada pela inércia do interessado, que podendo ter obtido anteriormente a anulação do acto, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro. O direito a juros indemnizatórios é menos extenso, contando-se eles só passado um ano após o seu pedido, decerto por se considerar que todo o tempo decorrido desde o desembolso até esse pedido correu por conta do contribuinte que não reclamou nem impugnou, e que um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a sua decisão, quando favorável ao contribuinte.
Repare-se que, sendo a iniciativa da revisão da Administração, de acordo com a alínea b) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, também os juros indemnizatórios se não contam a partir do desembolso, o que se justifica, do mesmo modo, pela inércia do interessado» ( ( ) Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 24-5-2006, recurso n.º 1155/05; de 17-1-2007, recurso n.º 1040/06; e de 15-2-2007, recurso n.º 1041/06. )
No entanto, também aqui, o não cumprimento dos prazos referidos nestas alíneas b) e c), como factos ilícitos que são, podem implicar uma maior responsabilidade da Administração, por força do referido art. 22.º da CRP e das normas sobre responsabilidade civil extracontratual.
A atribuição de juros indemnizatórios em montante predeterminado constitui só um meio simples e prático de ressarcir o contribuinte pelos prejuízos que lhe provocou a falta de disponibilidade de uma quantia que devia estar em seu poder, não o privando de ser indemnizado de todos os prejuízos sofridos, se demonstrar a verificação dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, designadamente danos superiores ao montante dos juros indemnizatórios. (( ) Neste sentido, tem vindo a decidir este Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos acórdãos de 2-11-2006, recurso n.º 604/06; de 6-6-2007, recurso n.º 606/06.
Escreve-se nestes arestos:
Em súmula, o artigo 43º da LGT, em vez de conflituar com o artigo 22º da Constituição, dá-lhe corpo, prevendo um meio rápido, fácil e cómodo para os interessados obterem ressarcimento dos danos presumidos causados pela actuação da Administração nos casos a que é aplicável. Ou porque, por erro que lhe é imputável, exigiu imposto indevido, ou porque excedeu prazos procedimentais a que estava obrigada, a Administração é forçada, por directa e imediata decorrência da lei, independentemente de alegação e prova feitas pelo interessado, a satisfazer os juros indemnizatórios estabelecidos no artigo 43º da LGT.
Nos casos que extravasam a previsão deste artigo o interessado não fica sem ressarcimento dos prejuízos que suportou – mas eles não se presumem, e tem de convencer de que os sofreu.
Se a Constituição impõe ao Estado a obrigação de reparar os danos causados no exercício das suas funções e por causa desse exercício, não constrange a lei ordinária a presumi-los; nem a impede de exigir a prova dos danos e sua medida; nem de estabelecer meios de que o lesado deva necessariamente lançar meio para obter essa reparação; nem sequer parece que impeça o estabelecimento de limites à indemnização, conexionados, designadamente, com a maior ou menor diligência do lesado; ou que exija que se irreleve a inércia daquele que, por assim dizer, se torna co-responsável pela produção dos danos quando, dispondo de meios para lhes pôr termo, se não socorre deles, permitindo o seu incremento.)
Esta é, aliás, a regra em matéria de responsabilidade civil derivada de factos ilícitos, de que resulte a indisponibilidade de quantias por aqueles que a elas têm direito, estando prevista para a generalidade das obrigações pecuniárias no art. 806.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CC, em que se estabelece que:
1. Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
2. Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.
3. Pode, no entanto, o credor provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos no número anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente, quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.
Por outro lado, por força da referida imposição constitucional de responsabilidade civil da Administração Pública por factos ilícitos geradores de prejuízos para os cidadãos, o facto de haver situações em que a lei prevê a eliminação jurídica do acto de liquidação, mas não prevê direito a juros indemnizatórios (como sucede nos caso de anulação por vício de forma ou incompetência, ou erro não imputável à Administração Tributária), não significa que se esteja perante casos em que não há o dever de indemnizar, mas sim que se trata de situações em que legislativamente se entendeu não ser de presumir a existência de prejuízos imputáveis à Administração, em que, portanto, se impõe ao lesado o ónus de demonstrar que se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, para deles ser ressarcido.
5 – No caso em apreço, foi deduzida uma reclamação graciosa de um acto de autoliquidação, dentro do prazo legal.
Mas, não se estando perante uma situação enquadrável no n.º 2 do referido art. 43.º, por a Impugnante não ter efectuado a autoliquidação em sintonia com instruções genéricas publicadas da Administração Tributária, o erro de que enferma essa autoliquidação não pode considerar-se imputável aos serviços.
Por isso, está afastada a possibilidade de reconhecimento de direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do art. 43.º e do art. 61.º, n.º 3, do CPPT, sendo em consonância com esta constatação que a Impugnante pede juros apenas nos termos da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º, derivados da não observância do prazo de decisão.
Esta alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT refere-se aos casos em que tenha sido efectuada revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte e não aqueles em que foi apresentada reclamação graciosa, como sucedeu no caso em apreço.
Por isso, numa primeira análise, com base em teor literal desta alínea c), é sugerida a interpretação de que se está perante uma situação em que não se prevê a atribuição de juros indemnizatórios e em que, por isso, o eventual direito que a Impugnante tenha a ser indemnizada pelo atraso na decisão da reclamação graciosa carecerá de ser demonstrado, através da prova da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
No entanto, uma eventual conclusão no sentido da exclusão da reclamação graciosa do âmbito deste alínea c), carece da prévia demonstração de que a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, quando o pedido é formulado dentro do prazo da «reclamação administrativa», prevista no art. 78.º, n.º 1, da LGT, não pode ser considerada, substancialmente, como uma forma de reclamação graciosa.
Com efeito, a reclamação graciosa é um meio de impugnação administrativa de actos de liquidação e o pedido de revisão do acto de liquidação, apresentado dentro do prazo legal de impugnação administrativa, reconduz-se também a um meio impugnatório, a que podem ser atribuídos efeitos idênticos aos de uma reclamação graciosa, pelo menos para alguns efeitos. (( ) Neste sentido, pronunciou-se já este Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de e 15-4-2009, recurso n.º 65/09, a propósito da equiparação, para efeitos de suspensão de eficácia da execução fiscal, da reclamação graciosa e do pedido de revisão do acto de liquidação formulado no prazo da reclamação administrativa, como pode ver-se pelo respectivo sumário:
Se o contribuinte reage questionando a legalidade de um acto tributário, no prazo da impugnação administrativa, através de um pedido de revisão do acto tributário, deverá ser dada a sua pretensão o tratamento de uma reclamação graciosa, designadamente a nível dos efeitos no caso de reconhecimento da ilegalidade imputada pelo contribuinte.
Se o pedido de revisão do acto tributário é apresentado depois daquele prazo, assume a natureza de um "pedido de revisão oficiosa", na terminologia do art. 78.º, n.º 7, da LGT, que não tem os efeitos nem o tratamento jurídico de uma impugnação administrativa tempestiva.
Só o pedido de revisão do acto tributário que é apresentado no prazo da reclamação administrativa pode ser considerado como uma "reclamação" para efeitos de viabilizar a suspensão da execução fiscal, com prestação de garantia.)
Por isso, importa apreciar se essa equiparação deve valer também para este efeito da responsabilidade por juros indemnizatórios, nos casos de ser ultrapassado o prazo de um ano previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 43.º da LGT.
6 – Os meios impugnatórios de actos de liquidação que foram criados especialmente para fornecerem aos cidadãos uma tutela pela dos seus direitos que sejam violados por actos ilegais imputáveis à Administração Tributária são a reclamação graciosa e o processo de impugnação judicial, com evidencia o art. 100.º da LGT, ao estabelecer que da sua procedência resulta a imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, inclusivamente o direito a juros indemnizatórios abrangendo integralmente o período em que o contribuinte ficou indevidamente privado da quantia liquidada, quando essa privação é imputável a actuação ilícita da Administração Tributária.
A revisão oficiosa do acto tributário foi instituída, com carácter geral, nos arts. 93.º e 94.º do CPT, não como um meio impugnatório de actos tributários, mas sim como um meio administrativo de correcção de erros no apuramento da situação tributária, que não pode ser utilizado, nomeadamente, para a anulação de actos por vícios que não se reconduzam a esse errado apuramento (designadamente, vícios de forma, ou incompetência).
O art. 78.º da LGT reformulou o regime da revisão do acto tributário e, no seu n.º 1, previu a possibilidade de essa revisão ser efectuada por iniciativa do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade.
Quando um pedido de revisão é apresentado no prazo da reclamação administrativa, o seu regime deve ser o mesmo que tem a reclamação graciosa, pois não há qualquer razão para distinguir, designadamente a nível da preclusão de direitos de impugnação que deriva da não observância dos prazos legais de impugnação. (( ) Sobre esta questão e as dúvidas que se podem suscitar sobre se este prazo é o da reclamação prevista nos arts. 158.º, n.º 2, alínea a), e 161.º a 165.º do Código do Procedimento Administrativo ou o da reclamação graciosa, pode ver-se o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 15-4-2009, recurso n.º 65/09.
A apreciação da questão, no entanto, é irrelevante para apreciação do caso dos autos, em que foi deduzida uma reclamação graciosa.)
Sendo assim, a revisão do acto de liquidação, quanto aos seus efeitos relativamente ao contribuinte, na melhor das hipóteses é equiparável a uma reclamação graciosa, designadamente, nos referidos casos em que é apresentada no prazo da reclamação administrativa.
Nos restantes casos, a revisão do acto tributário, quando é decidida oficiosamente ou pedida pelo contribuinte fora do prazo da impugnação administrativa ( ( ) Sobre a possibilidade de o contribuinte pedir a revisão «oficiosa», pode ver-se o n.º 7 do art. 78.º da LGT e o citado acórdão proferido no recurso n.º 65/09. ), por iniciativa do contribuinte, é um meio de protecção dos interesses do contribuinte menos garantístico do que a reclamação graciosa, pois são limitados os tipos de vícios que podem ser imputado ao acto (o erro imputável aos serviços, em que se inclui o erro na autoliquidação, a duplicação de colecta e a injustiça grave ou notória no apuramento da matéria tributável, nos termos art. 78.º, n.ºs 1, parte final, 2, 4 e n .º 6, da LGT) e os juros indemnizatórios que podem vir a ser atribuídos são-no apenas nos termos da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, mesmo que o erro de que enferma o acto de liquidação seja imputável aos serviços.
Com efeito, se a procedência da reclamação graciosa conduz à reconstituição plena da situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto anulado (art. 100.º da LGT), que é o máximo da tutela dos direitos do contribuinte, os efeitos da procedência de pedido de revisão do acto tributário serão, na melhor das hipóteses, idênticos.
Sendo assim, é evidente que não haverá razão para a procedência da reclamação graciosa não proporcionar ao cidadão lesado por um acto ilegal da Administração Tributária menos direitos do que os que proporciona um pedido de revisão do acto tributário.
Por isso, tendo em mente o princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento interpretativo primacial, e a coerência valorativa e axiológica das soluções legais que ele postula, deve entender-se que é reconhecido direito a juros indemnizatórios, fora dos casos em que há erro imputável aos serviços, nas situações em que o contribuinte deduziu reclamação graciosa e teria direito a esses juros se tivesse apresentado um pedido de revisão do acto de liquidação.
Na verdade, no caso em apreço, não seria compreensível que a Impugnante, que apresentou uma reclamação graciosa tempestiva não tivesse direito a juros indemnizatórios por ter sido ultrapassado o prazo de um ano sem decisão administrativa sobre o pedido e os tivesse qualquer outro contribuinte que tivesse deixado expirar o prazo legal de impugnação e apresentado um pedido de revisão.
Seria incompaginável com o princípio constitucional da igualdade uma interpretação do art. 43.º, n.º 3, alínea c), que se reconduzisse a uma discriminação negativa na atribuição do direito a juros indemnizatórios dos que apresentaram reclamação graciosa em relação aos que apresentaram pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação, pois a diferença entre as duas situações não justifica uma distinção quando àquele direito.
7 – Assim, verificando-se que a decisão favorável ao contribuinte foi proferida depois de se ter completado um ano sobre a data da apresentação da reclamação o direito a juros indemnizatórios nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 43.º da LGT apenas é excluído quando «o atraso não for imputável à administração tributária».
No caso em apreço, não se demonstrou que o atraso não é imputável à Administração Tributária, pelo que não se verifica esta condição negativa.
Pelo exposto, é de concluir que deve ser reconhecido à Impugnante o direito a juros indemnizatórios, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 43.º da LGT, a partir do período de um ano posterior à apresentação do pedido de reclamação graciosa e até que seja emitida nota de crédito.
Consequentemente, o acto que decidiu a reclamação graciosa, ao recusar o reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios nos termos da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação (art. 135.º do CPA).
8 – Assim, a Impugnante tem direito a juros indemnizatórios, que são devidos a partir de 10-7-2000 (data em que se completa mais de um ano sobre a apresentação da reclamação graciosa) até à data em que a Impugnante tiver sido reembolsada da quantia indevidamente autoliquidada, que não consta do probatório.
Os juros são devidos tendo por base a quantia indevidamente autoliquidada e em conformidade com as taxas de juros legais que vigoraram até ao momento do reembolso daquela quantia (e que vigorarem futuramente, se o referido reembolso ainda não ocorreu) nos termos dos arts. 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 559.º, n.º 1, do Código Civil, aplicando-se a taxa de 7%, prevista na Portaria n.º 263/99, de 12 de Abril ao período que tiver decorrido antes do reembolso entre 10-7-2000 e 30-4-2003, e a taxa de 4% prevista na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, ao período que tiver decorrido a partir de 1-5-2003, se o reembolso não ocorreu antes desta data.
Termos em que acordam em
– conceder provimento ao recurso jurisdicional;
– revogar a sentença recorrida;
– julgar a impugnação procedente;
– anular o acto impugnado;
– condenar a Fazenda Pública a pagar à Impugnante juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto 8.
Sem custas neste Supremo Tribunal Administrativo, por a Fazenda Pública não ter contra-alegado [art. 2.º, n.º 1, alínea g), do CCJ].
Custas pela Fazenda Pública na 1.ª instância, com 1/8 de procuradoria.
Lisboa, 30 de Setembro de 2009. – Jorge de Sousa (relator) – António Calhau – Isabel Marques da Silva.


Segue acórdão de 25 de Novembro de 2009.

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública vem requerer a reforma do acórdão de 30-9-2009, quanto a custas, invocando que o processo se iniciou no ano 2000 e a Fazenda Pública goza de isenção.
É manifesta a razão que assiste à Reclamante, pois o regime introduzido pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro apenas se aplica a processos iniciados após a sua entrada em vigor, em 1-1-2004, nos termos do seu art. 14.º, n.º 1.
Assim, deferindo o pedido de reforma, acordam em alterar a parte final do acórdão de 30-9-2009, na parte em que se condena em custas a Fazenda Pública, substituindo-a pela seguinte declaração: «Sem custas».
Sem custas, este incidente.
Lisboa, 25 de Novembro de 2009. Jorge de Sousa (Relator) - António Calhau -Isabel Marques da Silva.