Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0259/12
Data do Acordão:06/14/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
AUTOLIQUIDAÇÃO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO
ERRO
Sumário:I – O alcance do nº 2 do art. 78º da LGT, ao estabelecer que, para efeitos de admissibilidade de revisão do acto tributário, se consideram imputáveis à administração tributária os erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, em relação às que existiam no domínio do CPT, solução esta que está em sintonia com a directriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, que era de reforço das garantias dos contribuintes.
II – Aquele art. 78º, nº2, seria organicamente inconstitucional, por ser incompatível com aquele sentido da autorização legislativa, se fosse interpretado por forma que se reconduza a que a revisão oficiosa, em casos de autoliquidação, só fosse possível quando o contribuinte tivesse apresentado reclamação graciosa e impugnação judicial da autoliquidação.
Nº Convencional:JSTA00067673
Nº do Documento:SA2201206140259
Data de Entrada:03/08/2012
Recorrente:DIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - REVISÃO
Área Temática 2:DIR CONST
Legislação Nacional:LGT98 ART43 N1 N3 ART78 ART95 N2 D
CPC95 ART684 N3 ART685-A N1
CONST76 ART103 N2 ART112 N2 ART165 N1 I
CPPTRIB99 ART86 N4 A ART131
CPTRIB91 ART151 ART94 N2
L 41/98 DE 1998/08/04 ART1 N2
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC532/07 DE 2007/11/28; AC STA PROC26233 DE 2001/02/12; AC STA PROC1171/04 DE 2005/02/02
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I-RELATÓRIO

1. A……, S.A., com a identificação constante dos autos, moveu uma acção administrativa especial contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, requerendo a anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico, relativo ao seu pedido de revisão oficiosa, com o fundamento em que tal pedido havia sido apresentado intempestivamente, mais solicitando a condenação da Administração Fiscal a apreciar o seu pedido de revisão oficiosa, que foi julgada procedente.
2.Não se conformando com tal decisão, o Ministério das Finanças veio interpor recurso, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentou as suas Alegações, formulando as seguintes Conclusões:
“A)Ao condenar a AT à apreciação do pedido de revisão apresentado pela então A. e ora recorrida, por o mesmo não ser intempestivo, a sentença recorrida, salvo o devido respeito, fez uma incorrecta interpretação e aplicação do n° 2 do art. 78° da LGT e art. 131° do CPPT, aos factos.

B) Na verdade, a única questão jurídica que estava em causa apreciar e resolver nos presentes autos era a da interpretação do disposto nos n° 1 e 2 do art. 78° da LGT e saber se a A. podia obter a revisão da autoliquidação de IRC do ano de 2000, não obstante ter sido dado como facto provado que a ora recorrida apresentou o pedido de revisão de autoliquidação, para além do prazo de 2 anos, previsto no art. 131° n° 1 do CPPT, contado da apresentação da declaração Mod. 22.

C) Ora, nos termos do n° 2 do art. 78° da LGT foi considerado, tendo em vista a possibilidade de se poder proceder à revisão do acto tributário, o erro praticado na autoliquidação como erro imputável aos Serviços.

D) E, deste modo, os erros cometidos pelo sujeito passivo que procedam a uma autoliquidação são susceptíveis de serem revistos, nos mesmos termos em que o são as liquidações efectuadas pela AT, em que existiu erro imputável aos Serviços.

E) No entanto, note-se que, enquanto face ao n° 1 do art. 78° da LGT, o sujeito passivo pode pedir essa revisão no prazo de que dispõe para reclamar administrativamente, com fundamento em qualquer ilegalidade, findo este prazo, só pode obter a revisão no prazo de 4 anos ou a todo o tempo se o imposto ainda não estiver pago, em caso de existir erro imputável aos Serviços, já no n° 2 desse artigo 78°, se estipula que a revisão efectuada em casos de autoliquidação, embora sempre ficcionada em erro imputável aos Serviços, não pode ser feita em prejuízo dos ónus de reclamação ou impugnação impostos ao contribuinte.

F) Deste modo e, contrariamente ao decidido pelo Mm° Juiz “a quo” entenderam, e bem, os Acórdãos do STA, de 31/10/07, proferido no proc. n° 0593/07, e de 21/05/08, proferido no proc. n° 0863/07 que, embora o art. 95° n° 1 da LGT assegure o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos do interessado, tal artigo também acrescenta que esse direito se deve conformar ás formas de processo prescritas na lei.

G) É que, quanto aos actos de autoliquidação, está consagrada na lei a obrigatoriedade de uma reclamação graciosa, que é prévia à abertura da via da impugnação judicial.

H) Pelo que, o contribuinte não está impedido de impugnar a autoliquidação, tem é que previamente reclamar da mesma.

I) A consagrar-se a tese defendida pela sentença ora recorrida, na esteira do deliberado no Acórdão do STA, de 28/11/07, proc. n° 0532/07, está a contornar-se e a derrogar-se o regime legal previsto no art. 131° do CPPT, permitindo-se a abertura de mais uma via graciosa e outra contenciosa, esta última contra eventual indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

J) O que consubstanciaria uma interpretação contra a letra e o espírito da lei, dado que, inequivocamente, o que se pretende é que haja uma reclamação graciosa, e não uma revisão oficiosa, obrigatória e prévia à utilização do meio contencioso, até como forma de suscitar a prática de um acto da AT do qual o sujeito passivo possa recorrer.

L) E está a decidir-se, igualmente, contra a jurisprudência já mencionada, constante dos Acórdãos do STA, de 31/10/07, proferido no proc. n° 0593/07, e de 21/05/08, proferido no proc. n° 0863/07, uma vez que, não obstante o sujeito passivo não ter apresentado reclamação graciosa prévia, no prazo de que para tal dispõe, o mesmo pode sempre reagir contenciosamente contra a autoliquidação, desde que, suscite um pedido de revisão oficiosa do acto para além do prazo daquele reclamação prévia.

M) Por outro lado, não se antevê que esta interpretação contenda com a intenção do legislador, de reforço das garantias do contribuinte, que alargou, no n° 2 do art. 78° da LGT, as possibilidades de revisão oficiosa em caso de autoliquidação.

N) É que, o regime que consta da LGT, quanto à revisão do acto de autoliquidação é bem mais abrangente que aquele que constava do anterior CPT, uma vez que se possibilita, em casos em que é desenvolvida acção de inspecção dirigida contra o contribuinte dentro do prazo de caducidade do imposto, que a AT reveja o acto de autoliquidação praticado pelo mesmo, tendo em conta as correcções feitas, quer a favor da AT quer, por razões de equidade, a favor do próprio sujeito passivo (e não apenas nos casos em que tivesse havido correcção dos elementos evidenciados na declaração, como sucedia no regime constante do n° 2 do art. 94° do CPT).

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Ex.a, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo a sentença recorrida ser revogada e ser substituída por outra que julgue improcedente a acção, com todas as legais consequências.”

3.Foram apresentadas Contra-alegações pela A……, SA., com as seguintes Conclusões:
“I. Resulta dos n°s 1 e 2 do artigo 78.° da LGT que a Revisão dos actos tributários pode operar por iniciativa, quer (i) do sujeito passivo, (ii) quer da Administração Fiscal.

II. Quando a iniciativa é da Administração Tributária, o prazo para interposição do pedido de Revisão é de 4 anos, sendo certo que, nestes casos, o fundamento de tal pedido tem de ser, necessariamente, o erro imputável aos serviços, determinando o n.° 2 do artigo 78.° da LGT que se considera imputável aos serviços o erro na auto-liquidação.

III. É entendimento pacífico e unânime na Jurisprudência dos Tribunais Superiores que não obstante a iniciativa de tal Revisão pertença à Administração Fiscal, ela pode ser despoletada por iniciativa dos contribuintes — neste sentido, por exemplo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, datados de 06/10/2005, proferido no âmbito do processo n.° 0653/05 (Jorge Lopes de Sousa); de 02/07/2003 e proferido no processo n.° 0945/03 (Mendes Pimentel); de 28/11/2007 (Jorge de Sousa) e proferido no âmbito do processo n.° 0532/07; de 14/12/2011 e proferido no âmbito do processo n.° 0366/11 (Dulce Neto). No Tribunal Central Administrativo Sul, por exemplo, os Acórdão datado de 11/01/2005 e proferido no âmbito do processo n.° 00262/04 (Gomes Correia) e de 25/11/2009 e proferido no âmbito do processo n.° 02842/09 (José Correia).

IV. Tal é, também, confirmado pela doutrina administrativa emanada da própria Administração Fiscal, nomeadamente no Despacho n.° 1695/2002, datado de 08/05/2002 da Direcção de Serviços de Justiça Tributária.

V. Face ao exposto, é manifesto que a Sentença recorrida encontra-se fundamentada, faz uma correcta interpretação do Direito aplicável e não merece, por isso, qualquer censura e deve, em consequência, manter-se na Ordem Jurídica (…)”.

4. O Digno Representante do Ministério Público, junto do STA, emitiu douto Parecer no sentido da improcedência do recurso, no seguimento de jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal “(Neste sentido a jurisprudência consolidada do STA: Acórdãos de 2002.03.20, processo n.º 26580; de 2002.12.17, processo n.º 1182/03; 2003.10.29, processo 462/03; de 2003.04.02, processo 1771/02; de 2003.07.20, processo n.º 945/03; 2005.05.11, processo n.º 319/05; 2006.05.17, processo n.º 16/06; de 2007.112.28, processo 523/07 e de 2011.12.14, processo n.º 366/11).”

5. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II- FUNDAMENTOS

1- DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
“1). Em 31.05.2001, a A. apresentou a declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao exercício de 2000.
2). Em 21.08.2001, a administração tributária emitiu a liquidação de IRC n°25000910860 relativa ao exercício de 2000, com um reembolso à A. no montante de € 188.180,03.
3). Em 31.05.2005, a ora A. requereu ao abrigo do disposto no art. 78° da LGT e do art.10° n°1, al. b) do CPPT a revisão oficiosa da liquidação referida em 2).
4). Tal pedido de revisão oficiosa foi indeferido, por extemporaneidade.
5). Em 22.09.2006, a A. apresentou recurso hierárquico da decisão pedido de revisão oficiosa para o Sr. Ministro das Finanças.
6). Por despacho de 08.06.2012, foi indeferido o recurso hierárquico apresentado pela A. com fundamento na extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa referente à liquidação referida em 2).
7). Em 30.06.3008, foi remetido à A. o ofício n° 47796/0354 com o conteúdo do despacho referido em 6).
8). A presente acção foi instaurada em 30.09.2008.”

2- DE DIREITO

2.1. Questão a apreciar e decidir


A recorrida intentou acção administrativa especial pedindo a anulação do despacho da Directora de Serviços, da direcção de Serviço de IRC, de 12/06/08, que indeferiu o recurso hierárquico apresentado face ao indeferimento de pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2000, ao abrigo do art. 78º da LGT.
Vem o presente recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 13 de Outubro de 2011, que julgou procedente a referida acção.
Para tanto ponderou a Mmª Juíza “a quo”, entre o mais, que:
· Como resulta dos autos, o acto de indeferimento do recurso hierárquico objecto da presente acção assentou exclusivamente na extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa referente à liquidação do ano de 2000, apresentado pela ora A.
· Assim, a primeira questão que cumpre apreciar é a de saber se este acto é (ou não) válido e, consequentemente, se deve (ou não) ser revogado e substituído por outro.
· A Autora sustenta, desde logo, ser hoje jurisprudência pacífica, que a revisão do acto tributário ainda que impulsionada por pedido do contribuinte, dentro do prazo de revisão - 4 anos - caso se verifiquem os respectivos pressupostos legais, conduz à abertura da via contenciosa.
· Por seu turno, a entidade demandada entende que a revisão oficiosa da autoliquidação tem de ser precedida de reclamação graciosa necessária e autónoma, a apresentar nos termos do artigo 131° do CPPT.
· Porém, como é jurisprudência pacífica e reiterada, tal não significa que o contribuinte não possa, no prazo da revisão oficiosa, ou seja, no prazo de 4 anos, pedir essa mesma revisão (…)
· Como se escreveu nas conclusões do supra citado Ac. de 28/11/2007, Proc. 0532/07: “1- O alcance do n° 2 do art° 78° da LGT, ao estabelecer que, para efeitos de admissibilidade de revisão do acto tributário, se consideram imputáveis á administração tributária os erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, em relação às que existiam no domínio do CPT, solução esta que está em sintonia com a directriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, que era a de reforço das garantias dos contribuintes. II - Aquele art° 78°, n° 2, seria organicamente inconstitucional, por ser incompatível com aquele sentido da autorização legislativa, se fosse interpretado por forma que se reconduza a que a revisão oficiosa, em casos de autoliquidação, só fosse possível quando o contribuinte tivesse previamente apresentado reclamação graciosa e impugnação judicial da autoliquidação.
· Conclui-se, assim, na esteira deste Acórdão e cujo entendimento sufragamos, que apesar de não ter sido apresentada reclamação graciosa pela Autora nos termos do art. 131° do CPPT, esta não estava impedida de pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efectuar e, consequentemente, pela tempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pela ora Autora.”

Conta este entendimento se insurge a Administração Fiscal, argumentando, em síntese, que a consagrar-se a tese defendida pela sentença está a contornar-se e a derrogar-se o regime legal previsto no art. 131° do CPPT, o que consubstancia uma interpretação contra a letra e o espírito da lei, dado que, inequivocamente, o que se pretende é que haja uma reclamação graciosa, e não uma revisão oficiosa, obrigatória e prévia à utilização do meio contencioso, até como forma de suscitar a prática de um acto da AT do qual o sujeito passivo possa recorrer.
Em face das conclusões, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos arts. 684º, nº3, e 685º-A/1, do CPC, a questão a decidir gira em torno da interpretação do sentido e alcance do disposto no art. 78º, nºs 1 e 2, da LGT, com vista a verificar se andou bem a sentença recorrida ao considerar que a recorrida podia validamente requerer a revisão oficiosa de uma autoliquidação de IRC, nos quatro anos posteriores à respectiva emissão, ainda que não tenha deduzido reclamação prévia nos termos do estatuído no artigo 131.° do CPPT.


2.2 Sentido e alcance do art. 78º, nºs 1 e 2, da LGT

Como é salientado no Parecer do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, a interpretação do art. 78º, nºs. 1 e 2, da LGT tem sido objecto de numerosos arestos deste Supremo Tribunal, sendo já firme e uniforme a jurisprudência vazada, entre outros, no Acórdão de 28/11/2007, proc nº 0532/07, que serviu de fundamento à sentença recorrida. Como se trata de questão idêntica porque assente nos mesmos pressupostos de direito e uma vez que concordamos com o decidido no mencionado Acórdão, vamos, com a devida vénia, transcrever o mencionado Acórdão, com as devidas adaptações se as houver.
No mencionado Acórdão começa-se por dizer que “Desde logo, é de notar que na autorização legislativa em que se baseou a aprovação da LGT pelo Governo se indicava como princípio primacial a assegurar o «reforço das garantias dos contribuintes» (artº 1º, nº 2, da Lei nº 41/98, de 4 de Agosto), pelo que, estando estas garantias incluídas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [arts. 103º, nº 2, e 165º, nº 1, alínea i), da CRP], é de concluir com segurança que qualquer norma da LGT que, na sua redacção inicial, concretize uma redução dessas garantias será organicamente inconstitucional.
“É a esta luz que se tem de interpretar o artº 78º da LGT que estabelece o regime da revisão dos actos tributários.
Este artº 78º, na redacção inicial, estabelece o seguinte:
Artigo 78º
Revisão dos actos tributários
1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.
3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória.
4 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
5 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.
6 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.
“Embora este artº 78º da LGT, no que concerne a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do «prazo de reclamação administrativa», no seu nº 6 (nº 7 na redacção actualmente vigente) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte. Idêntica referência é feita no nº 1 do artº 49º da LGT, que fala em «pedido de revisão oficiosa».
“Esta possibilidade de a revisão «oficiosa», que deve ser da iniciativa da administração tributária, ser suscitada por um pedido do contribuinte veio a ser confirmada pela alínea a) do nº 4 do artº 86º do C.P.P.T., que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviços».
“É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação), que se faça, também na sequência de pedido seu, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar por sua iniciativa).
“Por outro lado, a alínea d) do nº 2 do artº 95º da L.G.T. refere os actos de indeferimento de pedidos de revisão entre os actos potencialmente lesivos, que são susceptíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz, aqui qualquer distinção entre actos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efectuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa a actos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que, aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os actos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (artº 268º, nº 4, da C.R.P.).
“Também à face da LGT, não é indiferente para o contribuinte impugnar ou não os actos de liquidação dentro dos respectivos prazos, pois em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e, no caso de erro imputável aos serviços, há direito a juros indemnizatórios (artº 43º, nº 1, da LGT), enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do artº 43º, nº 3, da LGT e a anulação apenas pode ter por fundamento erro imputável aos serviços e duplicação de colecta (artº 78º, nºs 1 e 6, da LGT). “Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do acto de liquidação, não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta (Cfr., entre outros, os Acórdão do STA de 12/2/2001, rec nº 26233/2001; 19/2/2003, rec. nº 1461/02;9/4/2003, rec nº 422/03; e de 2/2/2005, rec nº 1171/04.). (…).
“Exposto este regime da revisão do acto tributário e impugnação das decisões proferidas (ou omitidas) no seu âmbito, chega-se à conclusão que não obsta à possibilidade de impugnação contenciosa a falta da reclamação prevista no artº 151º do CPT e, depois, no artº 131º do CPPT.
“Na verdade, essa reclamação era necessária para a impugnação judicial do acto de autoliquidação, com o regime geral da impugnação de actos anuláveis e com aos efeitos retroactivos próprios dos meios anulatórios.
“Porém, a sua falta não obsta (como também não obsta a impugnação judicial dos actos que podem ser impugnados contenciosamente por via directa), a que possa ser pedida a revisão oficiosa, com os efeitos próprios desta, limitados à cessação dos efeitos do acto, traduzida na restituição do que foi recebido pela administração tributária e que não deveria ter sido pago, à face do regime substantivo aplicável (eventualmente acrescida de juros indemnizatórios nos termos do nº 3 do artº 43º da LGT, sem natureza retroactiva)”.
“Em face do exposto é de concluir que, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do artº 151º do CPT, a impugnante ora recorrida podia pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efectuar, e, ao contrário do defendido pela recorrente, podia impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento.
“Regressando ao Acórdão que temos vindo a seguir, sempre se dirá que “o nº 2 do referido artº 78º, ao estabelecer que «sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação», poderia sugerir uma interpretação no sentido de, nos casos de autoliquidação, sem reclamação ou impugnação prévia não poder haver revisão. (É incompreensível a referência feita no início deste nº 2 ao «ónus legais de reclamação ou impugnação», parecendo mesmo que se trata de um lapso, pois o que seria compreensível e adequado seria referirem-se os «direitos legais de reclamação e impugnação», que, naturalmente, como sucede relativamente a qualquer outra liquidação, não são prejudicados pelo facto de haver possibilidade de revisão do acto tributário.)
“Porém, pelo que se disse sobre o sentido da autorização legislativa em que se baseou a aprovação da LGT pelo Governo, assente que à face do CPT era possível a revisão oficiosa nos casos de autoliquidação quando não tivesse sido apresentada reclamação graciosa e estivesse expirado o prazo para a apresentar, se aquele nº 2 pudesse ser interpretado com o sentido de impedir a revisão oficiosa quando não tivesse havido nem pudesse haver já reclamação graciosa, estar-se-ia perante uma situação em que a LGT diminuiria as garantias dos contribuintes, o que implicaria a inconstitucionalidade orgânica daquela norma, por ser uma iniciativa legislativa contrária à lei de autorização (artº 112º, nº 2, da CRP).
“No entanto, a interpretação referida não é forçosa, pois, embora a redacção do nº 2 do artº 78º seja infeliz, pela falta de clareza, o seu perceptível alcance, ao ficcionar que todos os erros na autoliquidação, para efeitos do nº 1, se consideram imputáveis aos serviços, é o de admitir a possibilidade de revisão oficiosa em todos os casos.
“Na verdade, a imputação de todos os erros da autoliquidação à administração tributária é uma ficção que está em manifesta dissonância com a realidade, pois, sendo o contribuinte quem faz a autoliquidação, o que é normal é que os erros lhe sejam imputáveis a ele próprio, que a fez, e não à administração tributária, que não a fez. “Apenas se entrevê a possibilidade de erros na autoliquidação serem imputáveis à administração tributária nos casos em que esta procedeu a correcções ou em que o contribuinte incorreu em erros seguindo instruções que aquela lhe forneceu.
“Por outro lado, esta ficção de que todos os erros da autoliquidação são imputáveis à administração tributária vale apenas «para efeitos do número anterior», que estabelece as condições de admissibilidade da revisão oficiosa, fazendo depender a revisão por iniciativa da administração tributária da existência de erro imputável aos serviços. Isto é, esta ficção não vale para outros efeitos, designadamente para determinar direito a juros indemnizatórios.
“Por isso, é de concluir que o objectivo que se teve em vista com o nº 2, foi alargar as situações em que é admissível a revisão em casos de autoliquidação, permitindo-a sempre (e não apenas nos caso em que tivesse havido correcção dos elementos evidenciados pela declaração, como sucedia no regime do artº 94º, nº 2, do CPT), inclusivamente quando o erro é imputável ao contribuinte, que passou a ficcionar-se como imputável à administração tributária.
“É, aliás, uma solução legal que se compreende, pois a restrição das possibilidades de revisão aos casos em que se comprovasse que o erro era imputável à administração tributária reconduzia-se a que as possibilidades de revisão oficiosa nos casos de autoliquidação fossem muito menores do que as que existam em relação à generalidade dos actos de liquidação.
“Assim, sendo a intenção legislativa subjacente ao nº 2 do artº 78º da LGT alargar as possibilidades de revisão em relação às existentes anteriormente, tem de se rejeitar a interpretação defendida pela administração tributária, segundo a qual a revisão só podia ser efectuada se tivesse sido apresentada previamente reclamação graciosa, pois ela consubstanciaria uma diminuição das possibilidades de revisão em relação às existentes no domínio do CPT, em que ela era admissível sem dependência dessa condição.
“Por outro lado, seria incompreensível exigir-se o preenchimento desta condição, pois, se o contribuinte tivesse apresentado reclamação graciosa tempestivamente, a correcção dos erros que detectasse poderia ser efectuada nesse processo de reclamação ou no subsequente processo de impugnação judicial, não sendo necessária a revisão oficiosa”.
Atento o exposto, concluímos, com o referido Acórdão, no sentido de que é contrária ao sentido do nº 2 do artº 78º a interpretação defendida, no caso sub judice, pela Fazenda Pública, que se reconduziria a uma restrição das possibilidades de revisão oficiosa, que só seria possível quando o contribuinte tivesse apresentado reclamação no prazo de dois anos.
A sentença recorrida que decidiu em conformidade com a jurisprudência vazada, entre outros, no Acórdão transcrito, não merece qualquer censura, pelo que deve ser confirmada e, nessa sequência, deve ser rejeitado o presente recurso.


III- DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 14 de Junho de 2012. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro GonçalvesLino Ribeiro.