Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0553/11.8BELRA
Data do Acordão:02/07/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ADMISSÃO DO RECURSO
REQUISITOS
FACTURAS
DEDUÇÃO
IVA
Sumário:Tendo presente que o direito à dedução constitui uma trave mestra do sistema do IVA que, em princípio, não pode ser limitado, e que as exigências formais que a lei impõe às facturas não são um fim em si mesmo, mas apenas encontram justificação nas finalidades de controlo do pagamento do imposto e do controlo da fraude e evasão fiscal, justifica-se a admissão da revista para reapreciação da questão de saber se as facturas/notas de débito em causa cumprem os requisitos formais das alíneas b) e f) do n.º 5 do art. 35.º (actual artigo 36.º) do CIVA), atenta a relevância jurídica e social da questão decidenda e como modo de fazer intervir na decisão o Supremo Tribunal, como órgão de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal.
Nº Convencional:JSTA000P31909
Nº do Documento:SA2202402070553/11
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –

1 – A..., LDA., com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 13 de julho de 2023, que concedeu provimento ao recurso da Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria na parte em que esta julgara procedente a impugnação judicial deduzida contra liquidações de IVA e juros compensatórios, ou seja, ” na parte correspondente à correção de IVA no valor de €195.289,21, e respetivos juros”, julgando-a, ao invés, improcedente e mantendo a liquidação sindicada.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

1. A questão que deu causa aos presentes autos reveste-se de enorme relevância jurídica, social e económica.

2. O presente Recurso de Revista vem interposto do douto Acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Autoridade Tributária, revogando a sentença recorrida, com fundamento em erro de julgamento e julgando a impugnação judicial improcedente.

3. Em causa está a interpretação das normas do artigo 35.º n.º 5 do Código do IVA – à data dos factos, correspondendo ao atual artigo 36.º n.º 5 do mesmo Código -, e da Diretiva IVA, relativa ao sistema comum Iva, no que se refere ao direito à dedução.

4. Concretamente, no ano de 2006, a Recorrente procedeu à dedução do IVA inscrito nas Faturas e Notas de Débito que lhe foram emitidas pelas B..., C... e D...

5. A Autoridade Tributária entendeu que a Recorrente deduziu indevidamente o IVA respeitante aos indicados documentos, porquanto não cumpririam as formalidades legais elencadas nas alíneas b) e f) do n.º 5 do artigo 35.º do Código do IVA – atuais alíneas b) e f) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA.

6. Salienta-se, não obstante, que a Autoridade Tributária não colocou em causa o preenchimento dos restantes pressupostos elencados no artigo 35.º, n.º 5 do Código do IVA, pelo que se impõe averiguar se as Faturas e Notas de Débito em causa, satisfazem os requisitos das alíneas b) e f) do mencionado artigo e, concomitantemente, do artigo 226.º n.º 6 e 7, da Diretiva IVA.

7. Das faturas e Notas de Débito em causa constam as seguintes descrições:

a) “Transferência de depósitos .../...” – descrição constante na Nota de Débito n.º ...06, emitida pela B...

b) “Comparticipação custos c/ pessoal e serv. Logística 2005” – “Combustíveis – Gasóleo” – descrição constante de Faturas emitidas pela C...;

c) “Combustíveis – Gasolina” – descrição constante de Faturas emitidas pela C...;

d) “Comunicações ...” – descrição constante de Faturas emitidas pela C...;

e) “Prestação de serviços administrativos” - descrição constante de Faturas emitidas pela C...; e

f) “Aluguer de equipamentos informáticos” - descrição constante de Faturas emitidas pela D...

8. O preenchimento dos requisitos formais das faturas e notas de débito em causa é imposto pelo artigo 19.º, n.ºs 2 e 6, do Código do IVA. Relativamente ao direito à dedução do IVA,

9. O qual deve ser interpretado considerando o teor dos artigos 167.º a 192.º da Diretiva IVA, dada a prevalência do Direito Europeu derivado.

10. Como é consabido, as regras nacionais devem ser interpretadas e aplicadas em conformidade com aquele quadro normativo, obedecendo sempre ao sentido que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia venha determinando.

11. Ora, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia tem determinado que o Direito Europeu se opõe a que, quando se verifique o incumprimento dos requisitos formais do artigo 226.º n.º 6, da Diretiva IVA, se limite o direito à dedução do imposto, quando a comprovação do imposto pago e o controlo das operações materiais realizadas se puder fazer por documentação ou outra prova complementar à fatura.

12. Desde que a Administração Tributária disponha dos dados necessários para determinar que o sujeito passivo é, enquanto adquirente de bens ou serviços, devedor de IVA, não poderá impor condições suplementares que possam ter por efeito tornar inútil o direito à dedução desse imposto – cf. Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia elencados nas “I. Das Motivações de Recurso”.

13. Assim o exige o princípio da neutralidade do IVA!

14. A dedução do imposto pago a montante deve ser permitida quando os requisitos substanciais tenham sido cumpridos, ainda que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais.

15. No caso sub judice, não obstante o prévio enquadramento da jurisprudência reiterada do Tribunal de Justiça da União Europeia levado a cabo pelo douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul ora recorrido, o sentido da decisão daquele aresto colide frontalmente com a interpretação que o Tribunal de Justiça da União Europeia faz das indicadas disposições da Diretiva IVA.

16. Razão pela qual, a questão em análise nos presentes autos reveste notória relevância jurídica!

17. Com efeito, é inequívoco que a apreciação da matéria em causa transcende a esfera jurídica da recorrente.

18. Considerando que, a temática em análise tem dado causa a diversos litígios judiciais, é incontestável que a decisão a ser proferida pelo colendo Supremo Tribunal Administrativo contribuirá para uma melhor e uniforme aplicação dos normativos respeitantes à dedução do IVA. Beneficiando todos os contribuintes a quem foi conferido o direito à dedução do IVA.

19. Não se pode olvidar que o tecido empresarial português tem sido crucificado com exigências formais desproporcionadas no que respeita à dedutibilidade do IVA mencionado em faturas e documentos análogos.

20. Quem tem de exercer o direito á dedução do IVA é o adquirente dos bens ou serviços e quem incumpre as indicadas formalidades é o emitente das faturas.

21. Com efeito, o mais das vezes, os adquirentes dos bens ou serviços efetuam o pagamento das respetivas faturas, de boa fé, apenas mais tarde se apercebendo – quando alertados pelos departamentos de contabilidade ou pelos contabilistas contratados – de que as faturas emitidas não cumprem escrupulosamente as formalidades legais elencadas no artigo 36.º, n.º 5, do Código do IVA.

22. Tal circunstância deve-se aos usos e costumes do tecido empresarial e à iliteracia da pessoa comum em matéria contabilística e tributária.

23. Nessa sequência, caso a interpretação dos indicados preceitos legais determinasse que as faturas que não cumprissem escrupulosamente as formalidades legais não confeririam o direito à dedução do imposto, tal traduzir-se-ia num desrespeito pelo sistema comum do IVA e numa flagrante injustiça para o contribuinte adquirente dos bens ou serviços.

24. Ademais, o tecido empresarial português é maioritariamente constituído por micro e pequenas empresas e o constante escrutínio e recusa de dedução do IVA, devido ao incumprimento de formalidades legais na emissão das faturas, é suscetível de destinar estas empresas ao fracasso, porquanto, pode comprometer o equilíbrio económico e financeiro destes agentes económicos.

25. Residindo aqui a relevância social da questão em causa nos presentes autos.

26. Por seu turno, a relevância económica da matéria discutida no presente recurso é sublinhada pela frequência com que a emissão de faturas ocorre no quotidiano empresarial.

27. Pois a venda de um bem ou a prestação de um serviço, são atos comerciais que carecem, obrigatoriamente, da emissão da correspondente fatura.

28. Ora, o IVA é um imposto que incide sobre o consumo, i.e., onera o consumidor final, sendo tendencialmente neutro para os agentes económicos, que participam nas várias “correntes mercantis” das transmissões de bens e das prestações de serviços.

29. Neste sentido, o direito à dedução é uma peça fundamental da arquitetura do Iva, assegurando a Não cumulatividade do imposto e, em definitivo, garante a neutralidade do Iva, do ponto de vista dos efeitos económicos.

30. Termos em que não se poderá deixar de ter aqui em conta a especificidade do IVA, que determina a sua incidência em praticamente todas as transações económicas, pelo que, naturalmente, na conceção do respetivo regime legal se terá tido a preocupação de não criar formalismos. Para lá dos estritamente necessários, que entorpeçam a operacionalidade e a capacidade de atuação dos agentes económicos.

31. Resulta, pois, evidente a relevância económica da questão em causa.

32. Recentemente, o douto Supremo Tribunal Administrativo admitiu recurso de revista excecional, em que fora invocada questão idêntica à dos presentes autos, sufragando que, «é de admitir o recurso, dada a importância fundamental da questão em razão da sua relevância jurídica e social, relativamente à questão de saber se o descritivo constante das faturas em causa viola ou não o disposto no n.º 5 do art. 36.º do CIVA»- cf. apreciação preliminar de 09.03.2022, no âmbito do processo n.º 02266/15.2BEPRT (disponível em www.dgsi.pt).

33. Perante tudo o que antecede, e em face da similitude de circunstâncias entre o caso dos autos e o caso apreciado pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo n.º 02266/15.2BEPRT, deverá o presente recurso ser admitido.

34. (…)

(…)

64. (…)

Nestes termos, e nos mais de Direito, que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser recebido como revista, ser revogado o douto Acórdão recorrido, com a consequente revogação dos atos tributários sindicados, melhor identificados nos autos, reconhecendo-se que assiste o direito de a ora Recorrente deduzir o imposto, com todas as consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

Subsidiariamente, requer o reenvio destes autos, a título prejudicial, para o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, com vista à aplicação e a interpretação do Direito da União Europeia e se mostrar necessário à decisão da causa.

2 – A recorrida não contra-alegou.

3 – O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste STA emitiu parecer no sentido da não admissão do recurso porquanto a questão que coloca tem natureza casuística e, em última análise, as divergências manifestadas também abrangem o próprio julgamento da matéria de facto, sem que se verifiquem os pressupostos previstos no n.º 4 do artigo 285.º, do CPPT, subjacente à decisão recorrida.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido e respectiva motivação (fls. 5 e 14 da respectiva numeração autónoma).

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA Sul sob escrutínio concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública de sentença do TAF de Leiria que julgara parcialmente procedente a impugnação de liquidação adicional de IVA resultante da desconsideração do direito à dedução de IVA constante de facturas e notas de débito que a AT considerou não cumprirem “as formalidades legais elencadas nas alíneas b) e f) do n.º 5 do artigo 35.º do Código do IVA – atuais alíneas b) e f) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA”.

Das faturas/notas de débito em causa constam as seguintes descrições:

a) “Transferência de depósitos .../...” – descrição constante na Nota de Débito n.º ...06, emitida pela B...

b) “Comparticipação custos c/ pessoal e serv. Logística 2005” – “Combustíveis – Gasóleo” – descrição constante de Faturas emitidas pela C...;

c) “Combustíveis – Gasolina” – descrição constante de Faturas emitidas pela C...;

d) “Comunicações ...” – descrição constante de Faturas emitidas pela C...;

e) “Prestação de serviços administrativos” - descrição constante de Faturas emitidas pela C...; e

f) “Aluguer de equipamentos informáticos” - descrição constante de Faturas emitidas pela D...

Para fundamentar o provimento do recurso, o acórdão sindicado exarou o seguinte:

«2.2.3. No que respeita à correcção relativa à Nota de Débito n.º ...06, a recorrente sustenta o acerto da correcção em exame.

A este propósito, consta da sentença recorrida, em síntese, o seguinte:

«Na Nota de Débito nº ...06 consta ―Transferência de depósitos .../...‖ (fls. 981 do PA). Interpelada durante a ação inspetiva, a agora impugnante juntou cópia da nota de débito de imobilizado nº ...05, de 30/9/2005, relativa a venda de imobilizado em estado de uso constante de lista anexa, pertencente a B... SA. // A AT considera que não é possível relacionar esses dois documentos porque a ND nº 5/2006 não identifica os depósitos transportados, a data do transporte, a matrícula da viatura que efetuou o transporte nem remete para outros documentos, considerando ter sido violados os artigos 19º, nºs 2 e 6, e 35º, nº 5, al. b) e f), do CIVA. // Os referidos requisitos formais remetem para a exigência de indicação da quantidade e denominação habitual dos bens ou serviços e da data em que os mesmos foram colocados à disposição ou da transmissão ―se essa data não coincidir com a da emissão da fatura‖. // (…) // As testemunhas referiram que os depósitos não possuem número ou qualquer outra referência identificativa, não vislumbrando qualquer outra descrição possível: tratou-se de um serviço de transporte de depósitos de vinhos a granel que se encontravam em ... e foram transferidos para ..., conforme compra de imobilizado discriminado na nota de débito nº ...06... Uma vez que a AT não deve fazer exigência suplementares não expressamente previstas na lei, nem fazer exigências excessivas que impossibilitem ou dificultem desproporcionadamente o exercício do direito à dedução, ao negar o direito à dedução de IVA em causa, no montante de € 4.746,00, o Tribunal considera que a AT agiu nesta parte com formalismo excessivo».

Apreciação. Está em causa a não aceitação da Nota de Débito n.º ...06... A... deduziu, em 28-02-2006, o IVA inscrito na “N/ Nota de Débito” N.º ...06 emitida, em 28-02-2006, por B..., NIPC ...57, à qual foi atribuído o n.º interno ...01, diário CCD, no valor de € 4.746,00, a título de "Transí. Depósitos .../... referir que o IVA deduzido foi contabilizado na conta #2432214 Mercado Nacional 21%”. A fundamentação da correcção é a que consta do ponto 18. do probatório.

Do probatório consta o seguinte:

i) A sociedade impugnante insere-se num grupo de empresas, independentes entre si e com liderança comum, do qual também fazem parte, entre outras, as sociedades “B..., SA‖, de ..., e “C..., SA”, de ... – (n.º 1).

ii) Até 2005 as sociedades “B..., SA” e “E..., SA” (agora impugnante) albergaram todas as áreas de negócio vitivinícola, desde a cultura da vinha à produção e distribuição do produto final, e a sociedade C..., SA, dedicava-se à atividade de transporte das mercadorias, para a qual dispunha do respetivo alvará, possuindo cada uma das empresas os seus próprios departamentos produtivos, comerciais e administrativos – (n.º 2).

iii) Por decisão da liderança do grupo, em maio de 2005 foi efetuada uma reestruturação das empresas, com vista à especialização, da qual resultou a centralização em ... da produção e engarrafamento do vinho e dos serviços administrativos, por serem essas instalações, da agora impugnante, as que tinham mais espaço e melhores condições – (n.º 3).

iv) Por causa dessa reestruturação, as instalações de ... passaram a funcionar como centro logístico, devido à proximidade do grande centro consumidor de Lisboa, pelo que os produtos acabados existentes nas instalações de ... foram transferidos para as instalações da B... SA, de ..., para posterior distribuição pelo serviço de logística (n.º 4).

v) Em setembro de 2005 foram transferidos para as instalações de ... todos os vinhos a granel da B... SA que se encontravam em ... – artigo 30º da p.i. e depoimentos das testemunhas, em particular da primeira, que melhor e com mais razão de ciência explicou essa operação (n.º ...).

vi) Os depósitos de vinho a granel que estavam em ... também foram transportados e instalados nas instalações da agora impugnante, em ..., onde se encontram (n.º 6).

vii) O transporte dos granéis e dos depósitos foi efetuado pela C..., SA (n.º 7).

viii) Na mesma altura, também os trabalhadores diretamente relacionados com os granéis (AA e BB) foram transferidos para ..., para trabalharem nas instalações da agora impugnante (n.º 8).

ix) Em outubro de 2005 foram também transferidos para ... os trabalhadores do departamento de aprovisionamento da produção da B..., SA (CC e DD) (n.º 9).

A recorrida alega que se trata da transferência de depósitos de vinho por parte da B... de ... para .... Sucede, porém, que a factura que titula a operação em causa não permite a determinação em concreto da mesma. O que inviabiliza a função descritiva e de titulação que deve ser exercida pela factura/nota de débito, no quadro do sistema do direito à dedução do IVA. Pelo que a não aceitação do direito à dedução no caso não merece censura, ao invés do decidido pela sentença recorrida.

Ao julgar no sentido referido, a sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser revogada, nesta parte.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.4. No que respeita à Nota de Débito nº ...06, a recorrente sustenta o acerto da correcção em exame.

A este propósito, consta da sentença recorrida, em síntese, o seguinte:

«Na Nota de Débito nº ...06 consta ―Comparticipação custos c/ pessoal e serv logística 2005‖ (fls. 982 do PA). A AT considerou que o documento não identifica a natureza dos custos com pessoal, nem as pessoas a que respeitam os custos, não quantifica os custos e não qualifica os serviços de logística, não refere a data da realização destes serviços nem remete para documentos externos, pelo que considera violados os requisitos previstos no artigo 35º, nº 5, alíneas b) e f), do CIVA acima referidos. // Por isso, a AT notificou a agora impugnante para esclarecer o sentido do referido descritivo e para juntar documentos probatórios e para demonstrar o apuramento do valor debitado e juntar documentos probatórios. // Na sequência, a agora impugnante reiterou a explicação já dada oralmente, relativa à operação de reestruturação das empresas do grupo e centralização da produção em ..., com necessidade de transferência dos granéis, depósitos e do pessoal associado a esses produtos e ao aprovisionamento, que identificou, concluindo que isso justificou os débitos referentes ao ano 2005, e juntou documentos destinados a comprovar esses factos, a saber: extrato de funcionários e balancetes de centros de custo, agora juntos como doc. 26 anexo à p.i., de fls. 86 a 120 do processo físico. // (…) Acresce que a data da prestação dos serviços, que é continuada e reportada ao ano em que foram prestados (2005), e a identidade dos trabalhadores constam expressamente dos documentos apresentados. // Além disso, é manifesto que a Nota de Débito contém a indicação do valor debitado e que os documentos complementares identificam os trabalhadores que originaram os custos com pessoal. // (…) // As testemunhas referiram que ocorreu a efetiva redistribuição do pessoal e que houve efetiva prestação dos serviços, o que necessariamente terá gerado os custos com pessoal, sendo esta descrição a habitual, embora se possam cogitar sempre mais pormenores descritivos menos habituais. // Uma vez que a AT não deve fazer exigência suplementares não expressamente previstas na lei, nem fazer exigências excessivas que impossibilitem ou dificultem desproporcionadamente o exercício do direito à dedução, o Tribunal considera que, ao negar o direito à dedução de IVA em causa, no montante de € 78.353,01, a AT agiu nesta parte com formalismo excessivo».

Apreciação. Está em causa a correcção relativa à nota de débito ...06 de B..., S.A., no valor de €451.462,57 a título de comparticipação em custos c/pessoal e serviços de logística. A fundamentação da correcção é a que consta do ponto 18. do probatório.

Considerando os elementos de facto recenseados no ponto anterior, a restruturação das empresas do grupo e a centralização da operação em ... implicou a transferência de funcionários, Sem embargo, compulsado o teor da factura em presença, verifica-se que a mesma não contem elementos que permitam identificar a prestação em causa. O que inviabiliza a função descritiva e de titulação que deve ser exercida pela factura/nota de débito, no quadro do sistema do direito à dedução do IVA. Os elementos constantes dos autos não permitem identificar as prestações em causa, tal como descritas na factura, dado que não existe relação entre uns e outros. Pelo que a não aceitação do direito à dedução no caso não merece censura, ao invés do decidido pela sentença recorrida.

Ao julgar no sentido referido, a sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser revogada, nesta parte.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.5. No que respeita à não aceitação das facturas emitidas pela sociedade C..., com descritivo ―Combustiveis – Gasóleo e ―Combustíveis – Gasolina, a recorrente sustenta o acerto da correcção em exame.

A este propósito, consta da sentença recorrida, em síntese, o seguinte:

«Nas faturas emitidas pela sociedade C..., com descritivo ―Combustiveis – Gasóleo e ―Combustíveis – Gasolina (fls. 121 a 146 do processo físico), a AT entendeu que não existem requisitos formais legais porque não indicam as quantidades, a data da colocação à disposição do cliente (data do abastecimento) e o local do abastecimento. // (…) // A impugnante reafirma que na decorrência da operação de reestruturação das empresas do grupo, a sociedade C..., SA ficou com a função de gestão e controlo, e, para isso, contratou com a petrolífera ... a utilização de cartões ―..., para empresas, que permite de forma permanente e segura efetuar uma significativa redução de custos de aquisição, aproveitando promoções e descontos exclusivos, e de custos administrativos e diminuição do tempo gasto em abastecimento e em trabalho administrativo fazendo a gestão da sua frota totalmente online e em tempo real (https://www.repsol.pt/profissionais/mobilidade/ cartoes/frota/.../). Os respetivos custos eram faturados diretamente à C..., SA e esta debitava às outras empresas do grupo em função do trabalhador que usava o veículo abastecido com aqueles cartões, conforme mapas elaborados para o efeito e que junta às faturas de débito. // Esses factos foram confirmados pelas testemunhas inquiridas, sendo certo que mais uma vez não está sob discussão o aspeto material da operação, mas apenas o formalismo do documento de suporte. // Ora, os mapas anexos às faturas de fls. 121 do processo físico, identificam claramente os trabalhadores da agora impugnante e a matrícula do veículo que cada um abasteceu, o tipo de combustível, valor do período do débito (mês e ano). // Além disso, resulta das faturas emitidas pela ... à sociedade titular do cartão ... que, uma vez que se trata de operações realizadas com esse cartão, a faturação é agrupada, por períodos, embora discrimine abastecimento-a-abastecimento e viatura-a-viatura (só a fatura de fevereiro de 2006 tem 98 páginas, de fls. 147 a 244 do processo físico)».

Apreciação. A fundamentação da correcção é que consta do ponto 18. do probatório.

A recorrida invoca que as facturas em causa correspondem ao uso de cartões de combustíveis pelos seus funcionários, mas cuja gestão cabe à empresa C..., SA. Compulsados os autos, verifica-se que as mesmas não contêm elementos que permitam identificar as prestações em causa. Falta a concretização das unidades, as quais multiplicadas pelo preço unitário, permitiriam chegar ao resultado da factura. Pelo que não se sabe ao certo que prestações, quantidades e valores estão em causa. O que inviabiliza a função descritiva e de titulação que deve ser exercida pela factura/nota de débito, no quadro do sistema do direito à dedução do IVA. Os elementos constantes dos autos não permitem identificar as prestações em causa, tal como descritas nas facturas, dado que não existe relação entre uns e outros. Não é possível fazer qualquer conciliação. Pelo que a não aceitação do direito à dedução no caso não merece censura, ao invés do decidido pela sentença recorrida.

Ao julgar no sentido referido, a sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser revogada, nesta parte.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso. (…).»

Do assim decidido requer a recorrente revista, alegando que esta se impõe dada a relevância jurídica, social e económica da questão decidenda e a similitude do caso com o decidido no Acórdão proferido no processo n.º 2266/15.2BEPRT, que admitiu a revista relativamente a questão similar, entretanto decidida, após reenvio prejudicial, em sentido favorável à pretensão da recorrente (cf. o Acórdão de 29 de novembro de 2023, proferido no processo).

Entendemos que, também no presente caso, se justifica a admissão da revista.

Não está em causa dos autos a veracidade das operações tituladas pelas faturas/notas de débito, apenas o cumprimento dos requisitos formais das mesmas por forma a permitir o direito à dedução.

É que, tendo presente que o direito à dedução constitui uma trave mestra do sistema do IVA que, em princípio, não pode ser limitado, e que as exigências formais que a lei impõe às facturas não são um fim em si mesmo, mas apenas encontram justificação nas finalidades de controlo do pagamento do imposto e do controlo da fraude e evasão fiscal, justifica-se a admissão da revista para reapreciação da questão de saber se as facturas/notas de débito em causa cumprem os requisitos formais das alíneas b) e f) do n.º 5 do art. 35.º (actual artigo 36.º) do CIVA, atenta a relevância jurídica e social da questão decidenda e como modo de fazer intervir na decisão o Supremo Tribunal administrativo, como órgão de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal.

A revista será, pois, admitida.

Em conclusão:

Tendo presente que o direito à dedução constitui uma trave mestra do sistema do IVA que, em princípio, não pode ser limitado, e que as exigências formais que a lei impõe às facturas não são um fim em si mesmo, mas apenas encontram justificação nas finalidades de controlo do pagamento do imposto e do controlo da fraude e evasão fiscal, justifica-se a admissão da revista para reapreciação da questão de saber se as facturas/notas de débito em causa cumprem os requisitos formais das alíneas b) e f) do n.º 5 do art. 35.º (actual artigo 36.º) do CIVA, atenta a relevância jurídica e social da questão decidenda e como modo de fazer intervir na decisão o Supremo Tribunal Administrativo, como órgão de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso de revista.

Custas a final.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2024. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Aragão Seia - Francisco Rothes.