Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01321/22.7BEPRT
Data do Acordão:02/28/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NATUREZA
PROCESSO EXECUTIVO
DECLARAÇÃO
TERMO INICIAL
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Não se omite pronúncia quando o tribunal a quo o deixou de apreciar certos argumentos tecidos pelo reclamante mas justificou porque, no seu entender, não lhe era lícito conhecer de tais questões.
II - O despacho por que o órgão da execução fiscal declara em falhas a dívida exequenda e o acrescido (e, consequentemente, a omissão dessa declaração ou a declaração que não tenha sido emitida oportunamente ou que não tenha sido reportada à data correcta) não constitui um acto susceptível de ser impugnado judicialmente de modo autónomo, apenas podendo a questão ser apreciada, incidentalmente, em sede de conhecimento da prescrição da obrigação tributária correspondente à dívida exequenda.
III - A declaração em falhas não constitui, pois, um acto susceptível de, por si só, produzir efeito jurídico algum que possa ser requerido pelo executado ou contra o qual este possa reagir judicialmente de modo autónomo, antes correspondendo a um acto meramente declarativo em execução fiscal, que sendo decisivo na configuração do processo, não transporta, em si mesmo, efeitos jurídicos autónomos, limitando-se a atestar situações preexistentes.
IV - Não obstante, para efeitos de contagem do prazo da prescrição, a declaração em falhas (rectius a ocorrência das circunstâncias que determinam a declaração em falhas) faz cessar o efeito duradouro da citação enquanto causa de interrupção da prescrição, o que significa que se iniciará novo prazo de prescrição, geralmente de oito anos, tão-logo se verifiquem as circunstâncias elencadas no art. 272.º do CPPT.
V - Isso em consonância com a jurisprudência pacífica do STA segundo a qual a interrupção da prescrição decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar ou, noutra formulação, que nos casos em que o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, mas sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas.
VI - Daí resulta, inequivocamente, que a data em que deve ser emitida essa declaração assume relevância para efeitos de prescrição, a qual, como é sabido, é de conhecimento oficioso (cfr. art. 175.º do CPPT), motivo por que, o tribunal deve dela tomar conhecimento independentemente do objecto do processo e de a questão ter ou não sido previamente colocada à administração tributária.
VII - Assim, se, como sucedeu no caso sub judice, o Executado, apesar de não invocar a prescrição, alega que a declaração em falhas deveria ter sido emitida em data que (constituindo o dies a quo do novo prazo da prescrição, nos anteditos termos) permitiria concluir que a obrigação tributária está prescrita, quer o órgão da execução fiscal quer o tribunal têm a obrigação de conhecer oficiosamente da prescrição.
VIII - É por isso que, no âmbito da indagação sobre a prescrição das dívidas exequendas, se admite que a nível incidental, se possa aferir se no caso em apreço ocorreram as causas que determinam a declaração em falhas e, na afirmativa, em que data.
IX - In casu, porém, em face do probatório fixado na sentença recorrida, é manifesto que as dívidas exequendas não estão prescritas porque a declaração em falhas nunca poderia ter ocorrido na data pretendida pelo Recorrente.
Nº Convencional:JSTA000P31968
Nº do Documento:SA22024022801321/22
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Foi interposto no Tribunal Central Administrativo Norte recurso jurisdicional, por AA, melhor sinalizado nos autos, visando a revogação da sentença de 29-01-2023, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a reclamação judicial deduzida contra o acto de indeferimento tácito do pedido de declaração em falhas formulado junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, nos processos de execução fiscal nºs ...20 e ...95 e apensos.

Irresignado, nas suas alegações, formulou o recorrente AA, as seguintes conclusões:

“A) O poder de decisão do tribunal no âmbito de reclamação do órgão de administração fiscal onde o Reclamante pretende que o ato de declaração em falhas deve produzir os seus efeitos no ano que se verificaram os pressupostos para tal declaração, abrange, declarando o direito que assiste ao Reclamante de ver a declaração em falhas produzir efeitos no ano correspondente ou seja em 2010, a condenação do órgão de execução fiscal a reconhecer que o ato teria que produzir os efeitos à data;
B) Com efeito, e ao contrário do declarado na decisão, a declaração em falhas produz efeitos externos e com relevo para o contribuinte, na medida em que por força da declaração em falhas cessa o efeito interruptivo da citação, e começa a correr de novo o prazo de prescrição, que de outro modo estaria suspenso;
C) Ao considerar que ao tribunal não assiste o poder de declarar o direito, com a consequente condenação do órgão de execução fiscal a reconhecer o direito, o tribunal deixou de se pronunciar sobre questão sobre a qual se devia pronunciar incorrendo assim a decisão em omissão de pronúncia que conduz à sua nulidade.
Termos em que deve ao presente recurso ser concedido provimento, com a revogação da decisão proferida e com a consequente prolação de acórdão, que, reconhecendo do direito, declare que a pretensão do Reclamante em ver reconhecido o seu direito e os efeitos da declaração em falhas com referência ao ano de 2010, por ser o correspondente à verificação dos pressupostos para a sua declaração, se afigura conforme com o direito”.

A Recorrida não apresentou contra–alegações.

Por Decisão Sumária de 22/08/2023, o Tribunal Central Administrativo Norte julgou-se incompetente, em razão da hierarquia, e competente o Supremo Tribunal Administrativo (STA), Secção do Contencioso Tributário, para conhecimento do recurso.

Remetidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da de o recurso não merecer provimento, com a seguinte fundamentação:

AA vem interpor recurso da sentença da Mmª Juiz do TAF do Porto que lhe julgou improcedente a reclamação do acto do órgão de execução fiscal, deduzida nos termos do artigo 276º do CPPT.
O ora recorrente reclamou do acto de indeferimento tácito do pedido de declaração em falhas formulado, junto do Chefe de Finanças do Serviço de Finanças da Maia, nos processos de execução fiscal nºs ...20 e ...95 e apensos, a quem assaca o vício de violação de lei por violação do disposto no artigo 272.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
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É jurisprudência pacífica que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pela recorrente das respectivas alegações.
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Alega, em resumo, que a decisão é nula por omissão de pronúncia, ao considerar que ao tribunal não assiste o poder de declarar o direito, com a consequente condenação do órgão de execução fiscal a reconhecer o direito, o tribunal deixou de se pronunciar sobre questão sobre a qual se devia pronunciar incorrendo assim a decisão em omissão de pronúncia que conduz à sua nulidade.
Mais refere que o julgador incorreu em erro de julgamento, porquanto, citamos:
A) O poder de decisão do tribunal no âmbito de reclamação do órgão de administração fiscal onde o Reclamante pretende que o acto de declaração em falhas deve produzir os seus efeitos no ano que se verificaram os pressupostos para tal declaração, abrange, declarando o direito que assiste ao Reclamante de ver a declaração em falhas produzir efeitos no ano correspondente ou seja em 2010, a condenação do órgão de execução fiscal a reconhecer que o ato teria que produzir os efeitos à data;
B) Com efeito, e ao contrário do declarado na decisão, a declaração em falhas produz efeitos externos e com relevo para o contribuinte, na medida em que por força da declaração em falhas cessa o efeito interruptivo da citação, e começa a correr de novo o prazo de prescrição, que de outro modo estaria suspenso;
Conforme aduz em sede conclusiva e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
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Os autos subiram a este Tribunal Superior por a Mmª Juiz Desembargadora relatora, ter entendido que o recurso, pese embora tenha sido dirigido ao TCAN, dizia respeito apenas a matéria de direito, pelo que, a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo era a competente para dele conhecer, ordenando a sua remessa.
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A recorrente refere, de forma genérica, que a sentença é nula por omissão de pronúncia.
Nos termos do artigo 125º nº 1 do CPPT “constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”
No entanto, tal nulidade só se verifica quando o Tribunal não se pronuncie sobre questão(ões) que lhe tenha(m) sido suscitada(s) e não sobre o conjunto de argumentos que tenham sido invocados pelas partes.
“Só se verifica a omissão de pronúncia quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” V. entre outros, o Ac. do STA de 13-04-2016, no processo 0862/15, in www.dgsi.pt.
A Mmª Juiz sustentou, em termos que não merecem censura, que não se verifica a imputada nulidade á decisão, referindo, citamos:
“Com efeito, e no que tange à alegada nulidade, a mesma não se verifica uma vez que, compulsado o teor da sentença recorrida, resulta ter o tribunal emitido efectiva pronúncia sobre todas as questões a decidir peticionadas pelo Reclamante (conforme pontos III e IV.2 da sentença) em sede de petição inicial.”
O que existe é, em nosso entender, discordância com o seu teor.
No demais, não assiste razão ao recorrente. Conhecendo o STA apenas de direito tal pressupõe a estabilidade da base factual que, aliás, não é posta em causa.
Resta apreciar se o julgador decidiu mal no tocante à existência do já mencionado vício de violação de lei.
Atenta a base factual dada como assente e as razões de direito em fundamentou a decisão, esta, em nosso entender, é merecedora de confirmação, não se verificando os invocados vícios.
O recurso, em nosso entender, não merecem provimento.
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Dispensados os vistos legais, dada a urgência do processo, os autos vêm à conferência.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) Em 15/10/2021, o Reclamante apresentou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira requerimento no âmbito dos processos de execução fiscal n.º ...20 e ...95 e apensos, do qual consta, entre o mais, o seguinte: "Termos em que, e ao abrigo do disposto no art.º 272.º do CPPT, vem requerer sejam declaradas em falhas as execuções acima referidas e seus apensos, sendo reportada a declaração em falhas a 1 de janeiro de 2010.” - cfr. fls. 15/20 do processo SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
B) Em 02/11/2021 foi elaborada informação pela Autoridade Tributária e Aduaneira - Direção de Finanças da Maia - Serviço de Finanças da Maia - sobre a qual foi proferido despacho pelo chefe do referido serviço de finanças, do qual consta, entre o mais, o seguinte: "(...) Nos termos do artigo 272.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), declarasse em falhas a dívida exequenda e acrescido referentes aos processos de execução fiscal supra indicados, uma vez que se encontram verificados os pressupostos legais e procedimentos, sancionados superiormente.
Em conformidade com o artigo 274.º do CPPT, a execução prosseguirá, sem necessidade de nova citação e a todo o tempo, salvo prescrição, logo que se tenha conhecimento de qualquer alteração na situação, ou seja que o executado, seus sucessores ou outros responsáveis, possuam bens ou direitos penhoráveis. (...)” – cfr. fls. 21/23 do processo SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
C) O Processo de Execução Fiscal ...20 encontra-se na fase “F800 – Declaração em Falhas”, desde ../../2022 e o PEF ...95 encontra-se na fase “F800 – Declaração em Falhas”, desde ../../2022 – cfr. fls. 86/92 do processo SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
D) Da tramitação do Processo de Execução Fiscal ...20 consta, entre o mais que: “(...)

[IMAGEM]

(...)” – cfr. fls. 86/92 do processo SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
E) Da tramitação do Processo de Execução Fiscal ...95 consta, entre o mais que: “(...)

[IMAGEM]

(...)” – cfr. fls. 86/92 do processo SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
F) Em 28/02/2022, a Reclamante apresentou a petição inicial da presente reclamação - cfr. fls. 1 do processo SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
G) Em 09/05/2022, o despacho referido em B) foi notificado à Reclamante – cfr. fls. 21/26 do processo SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
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2.2.- Motivação de Direito

2.2.1. - O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou improcedente a reclamação, (i) padece de nulidade, porquanto o tribunal deixou de se pronunciar sobre questão sobre a qual se devia pronunciar, incorrendo, assim, a decisão em omissão de pronúncia, o que conduz à sua nulidade, e, (ii) bem assim, em erro de julgamento, pois deveria ser reconhecido o seu direito e os efeitos da declaração em falhas com referência ao ano de 2010, por ser o correspondente à verificação dos pressupostos para a sua declaração e a condenação do órgão de execução fiscal a reconhecer que o acto teria que produzir os efeitos à data.

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2.2.2. - Enfrentando a questão da nulidade decisória de omissão de pronúncia, emerge da conclusão C) que a mesma ocorre porque ao considerar que ao tribunal não assiste o poder de declarar o direito, com a consequente condenação do órgão de execução fiscal a reconhecer o direito, o tribunal deixou de se pronunciar sobre questão sobre a qual se devia pronunciar.
Apreciando:
Prescreve o art. 615°/1, d) do CPC (em consonância com o artº 125º do CPPT), que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Um vício que tem a ver com os limites da actividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no art. 608º/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativa do objecto do recurso, conforme resulta dos artigos 635º/4 e 639º/1 e 2, do mesmo diploma legal.
Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão.
Vício relativamente ao qual importa definir o exacto alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade.
Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de Alberto dos Reis, na distinção a que procedia: «[….] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.»
«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.»
O mesmo é dizer, que o tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam, ou dizer ainda, o juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente.
Diz, a este mesmo propósito, Lebre de Freitas: «Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido.
Por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida.
Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-2) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.»
Numa que parece ser ainda maior exigência, referia Anselmo de Castro:
«A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da anulabilidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.»
Todavia, aquele autor logo ressalva que «Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”».
Omissão de pronúncia que se não verifica no caso em apreço, pois, contrariamente ao que diz o ora recorrente, em face do que se deixou dito antecedentemente, o facto de o Tribunal assim proceder não quer dizer que tenha deixado de apreciar os argumentos tecidos até porque justificou porque, no seu entender, não lhe era lícito conhecer de tais questões. Reiterando, o tribunal tem obrigação de fundamentar a sua convicção, porém, não está obrigado a justificar por que não acolheu todas as alegações da parte.
Ora, tendo a sentença recorrida emitido pronúncia sobre as questões suscitadas pelas partes resolvendo-as, e encontrando-se convenientemente fundamentado de facto e de Direito, não é configurável a omissão de pronúncia que lhe vem assacada.
Do que se conclui que apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou, convenhamos, de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes.
Por último importa não confundir a nulidade por falta de conhecimento com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz não decide acertadamente, por decidir «contra legem» ou contra os factos apurados [vd A. dos Reis, In “Código de Processo Civil”, Anotado, Volume V, pg. 130].
Ora, no caso em apreciação, o tribunal não conheceu de questão de que não devesse conhecer. Precisamente ao conhecer da questão da termos definidos no aresto em crise e de que cabia conhecer, aduziu a argumentação de que a mesma deveria ser aferida, nos termos que se sintetizam:
“Com efeito, e no que tange à alegada nulidade, a mesma não se verifica uma vez que, compulsado o teor da sentença recorrida, resulta ter o tribunal emitido efectiva pronúncia sobre todas as questões a decidir peticionadas pelo Reclamante (conforme pontos III e IV.2 da sentença) em sede de petição inicial.”
Em vista da situação concreta, Fernando Amâncio Ferreira adverte para uma confusão muito amiudada e que dá origem a que a omissão de pronúncia seja frequente e indevidamente invocada nos tribunais nos seguintes termos:
«Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumento aduzidos no decurso da demanda» e «não enferma de nulidade de omissão de pronúncia o acórdão que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por as reputar desnecessárias para a resolução do litígio» (Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9.ª edição, pág. 57).
Razões por que não colhe o alegado no tangente à nulidade, mais não sendo o ora peticionado, em bom rigor, a manifestação de uma mera divergência interpretativa, o que por si, não constitui fundamento para a pretendida reforma do Acórdão.
Não se verifica, pois, a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.
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2.2.3. - Do erro de julgamento

Esse erro deriva, segundo a alegação, do facto de que deveria ser reconhecido ao recorrente o direito e os efeitos da declaração em falhas com referência ao ano de 2010, por ser o correspondente à verificação dos pressupostos para a sua declaração e a condenação do órgão de execução fiscal a reconhecer que o acto teria que produzir os efeitos à data.
A esse respeito, consignou-se no aresto sob censura que:
“(…)
No entanto, poder-se-ia cogitar/hipotisar que o que pretenderia o Reclamante seria a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira à prática do ato de declaração em falhas desde 2010. Ora, quanto a esta eventual pretensão condenatória do Reclamante já se pronunciou este Tribunal no sentido da impossibilidade do seu conhecimento nesta sede.”
E foram estes os termos da pronúncia do tribunal a quo sobre a pretensão condenatória do Reclamante:
“(…)
Neste âmbito, considerando o pedido deduzido na petição inicial pelo Reclamante, cumpre notar que o Tribunal não dispõe nem exerce o poder de revogação de atos, pois que, tal poder é da competência da Administração Pública, sendo que o Tribunal - enquanto órgão do poder judicial e em obediência do Princípio da Separação de Poderes - apenas dispõe, em sede impugnatória, de poderes de anulação e/ou declaração de nulidade da decisão reclamada (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, in Código de Processo e Procedimento Tributário Anotado e Comentado, IV Vol., pág. 237 e ss, onde se refere que: “Independentemente da designação adequada, que é matéria sobre a qual o legislador não tem ideias muito assentes, a reclamação prevista neste art.º 276.º constitui um incidente do processo de execução fiscal, por ser uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal do processo, mas deve ser tratada, quanto aos requisitos da respetiva petição como sendo uma «ação de impugnação» (…)”.)
O mesmo se diga, mutatis mutandis, quanto à condenação da Reclamada em atuações que envolvem a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa. Tais limites inerem e derivam da arquitetura constitucional da separação dos poderes do Estado, concretamente, do poder executivo e do poder judicial pelo que, também o conhecimento deste pedido condenatório se encontra vedado a este Tribunal.”
Quid juris?
Como já dito acima, o tribunal não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5º, nº 2 do CPC).
Operando com esse princípio e em vista da justa composição do presente litígio, torna-se relevante definir com a maior precisão qual a natureza jurídica do processo de execução.
Como decorre do disposto no artigo 276.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado (ou de terceiro, segundo a redacção introduzida pelo artigo 50.° da Lei n.°109-B/2001, de 27 de Dezembro) são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância.
Mas sobre o processo de execução, dispõe o artº 103º da LGT que “O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional” (nº 1) e que “É garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz de execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do número anterior” (nº 2).
Como salientam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, LGT Comentada e Anotada, 3ª ed., Vislis, págs. 535/356, este normativo revela uma opção clara do legislador pela natureza do processo de execução fiscal como processo judicial, como processo que decorre debaixo de um apertado controlo de legalidade do tribunal e em que a intervenção da administração tributária está conformada como de simples participação na realização do seu escopo judicial.
Esteados agora em Jorge Sousa, in Código de Processo e Procedimento Tributário, anotado, 4ª edição de 2003, pág. 1043 e seguintes, diremos que “o processo de execução fiscal (deve) ser considerado um processo de natureza judicial … e por essa razão, pode entender-se que ele já está na dependência do juiz do tribunal tributário, mesmo na fase em que corre termos perante as autoridades administrativas,” (...) “tendo o processo de execução fiscal natureza judicial mesmo na fase em que corre perante as autoridades administrativas (art.º 103 n.º 1 da LGT) deverão considerar-se susceptíveis de reclamação, no mínimo, todos os actos que seriam susceptíveis de recurso jurisdicional se a decisão fosse proferida por um juiz (…)".
Sendo assim e em vista do caso concreto, pode o executado, de modo autónomo, pedir ao órgão da execução fiscal que declare em falhas a dívida exequenda e acrescido e, na afirmativa, que reporte essa declaração a uma determinada data?
Da resposta a essa questão depende a possibilidade de reagir judicialmente, ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do CPPT, contra a omissão dessa declaração ou contra a declaração que não se reporte à data pretendida pelo executado.
No caso, o executado pediu ao órgão da execução fiscal essa declaração reportada a uma data concreta, sendo que o órgão da execução fiscal deferiu parcialmente o pedido: reconheceu a execução fiscal em falhas, mas não a reportou à data pretendida.
Dessa decisão foi interposta reclamação judicial ao abrigo do art. 276.º do CPPT, que tem vindo a ser tramitada como processo urgente.
A nosso ver, o despacho por que o órgão da execução fiscal declara em falhas a dívida exequenda e o acrescido (e, consequentemente, a omissão dessa declaração ou a declaração que não tenha sido emitida oportunamente ou que não tenha sido reportada à data correcta) não constitui um acto susceptível de ser impugnado judicialmente de modo autónomo, apenas podendo a questão ser apreciada, incidentalmente, em sede de conhecimento da prescrição da obrigação tributária correspondente à dívida exequenda.
Elucidando:
A declaração em falhas, como resulta da sua regulamentação, constante dos arts. 272.º a 274.º do CPPT, tem como finalidade justificar que o órgão da execução fiscal – a quem compete tramitar a execução fiscal e extingui-la «dentro de um ano contado da instauração, salvo causas insuperáveis, devidamente justificadas» [cfr. arts. 10.º, n.º 1, alínea f), e 177.º do CPPT] –, mantenha o processo de execução fiscal parado (sem outras diligências em ordem à cobrança) quando verificar a impossibilidade da sua cobrança, decorrente de algum dos casos elencados no art. 272.º do CPPT. Nesses casos, o processo será mantido numa situação de “extinção provisória” (que pode converter-se em definitiva) até que ocorra a prescrição (momento em que a “extinção provisória” se torna definitiva) ou até que, dentro do prazo da prescrição, deixe de se verificar o motivo que determinou a declaração em falhas, caso em que a execução fiscal prosseguirá. Ou seja, a declaração em falhas tem como escopo permitir que o órgão da execução fiscal fique dispensado de outras diligências em ordem à cobrança da dívida e deixe o processo parado, sem consequência disciplinares ou até ao nível da responsabilidade subsidiária (cfr. art. 85.º, n.º 3, do CPPT) para os funcionários responsáveis pela sua tramitação.
Assim, não vislumbro como da declaração em falhas, da oportunidade da sua emissão ou da sua eventual omissão possa resultar qualquer restrição ilícita da posição do executado ou a lesão de qualquer seu interesse jurídico digno de protecção.
A declaração em falhas não constitui, pois, um acto susceptível de, por si só, produzir efeito jurídico algum que possa ser requerido pelo executado ou contra o qual este possa reagir judicialmente de modo autónomo; nas palavras de JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, a declaração em falhas, que caracteriza com um acto de ordenação, da categoria de mero trâmite, «corresponde a um acto meramente declarativo em execução fiscal, que sendo decisivo na configuração do processo, não transporta, em si mesmo, efeitos jurídicos autónomos, limitando-se a atestar situações preexistentes».
Sobre a natureza jurídica dos actos praticados em execução fiscal, ...19, pág. 51, e-book do Centro de Estudos Judiciários, A Execução Fiscal, disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=Vc5HNrD3V1U%3D&portalid=30. O mesmo artigo encontra-se também disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/59862/1/Nat%20jur%C3%ADdica%20atos%20PEF.pdf.
Sem prejuízo do que se deixou dito, não se pode ignorar o entendimento jurisprudencial adoptado por este Supremo Tribunal, de que, para efeitos de contagem do prazo da prescrição, a declaração em falhas (rectius a ocorrência das circunstâncias que determinam a declaração em falhas) faz cessar o efeito duradouro da citação enquanto causa de interrupção da prescrição, o que significa que se iniciará novo prazo de prescrição, geralmente de oito anos, tão-logo se verifiquem as circunstâncias elencadas no art. 272.º do CPPT.
Com efeito, há muito tempo que a jurisprudência sustenta que a interrupção da prescrição decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar ou, noutra formulação, que nos casos em que o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, mas sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas.
No mesmo sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, pág. 62.
Daí resulta, inequivocamente, que a data em que deve ser emitida essa declaração assume relevância para efeitos de prescrição, a qual, como é sabido, é de conhecimento oficioso (cfr. art. 175.º do CPPT), motivo por que, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «o tribunal deve dela tomar conhecimento independentemente do objecto do processo e de a questão ter ou não sido previamente colocada à administração tributária» (Ob. cit., 23).
Assim, se, como sucedeu no caso sub judice, o Executado, apesar de não invocar a prescrição, alega que a declaração em falhas deveria ter sido emitida em data que (constituindo o dies a quo do novo prazo da prescrição, nos termos acima referidos) permitiria concluir que a obrigação tributária está prescrita, quer o órgão da execução fiscal quer o tribunal têm a obrigação de conhecer oficiosamente da prescrição.
É por isso, e só por isso, que, no âmbito da indagação sobre a prescrição das dívidas exequendas, admitimos a nível incidental, que no caso se aprecie se ocorreram as causas que determinam a declaração em falhas e, na afirmativa, em que data.
Dito isto, afigura-se-nos patente, em face da matéria de facto que a sentença recorrida deu como provada, que as dívidas exequendas não estão prescritas porque a declaração em falhas nunca poderia ter ocorrido na data pretendida pelo Recorrente pelo que, contrariamente ao por ele pretendido, teremos de negar provimento ao recurso, com base no probatório fixado (alíneas D) e E)).
Quando não, vejamos:
Nos termos do disposto no artigo 272.º do CPPT, a declaração em falhas pressupõe a demonstração da falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários (alínea a)).
Ora, pelo menos antes da reversão da execução para os responsáveis, não é possível ao OEF verificar se este tem ou não bens penhoráveis, daí que, nunca antes deste acto possa haver declaração em falhas.
Decorre do probatório fixado que, no PEF terminado em 220, a reversão teve lugar em 28 de fevereiro de 2021 (alínea D)) e no PEF terminado em 295, a reversão teve lugar em 10/07/2020 (alínea E) do probatório).
Assim sendo, não podendo nós pôr em causa o probatório fixado, temos de julgar que bem andou a AT ao não julgar em falhas os PEF com referência a 2010, não sendo preciso apurar qualquer outra factualidade para sustentar esta conclusão.
É para nós pacífico que a declaração em falhas, quando não reportada ao momento em que se verificam os seus pressupostos legais, é judicialmente sindicável, mas in casu a AT não poderia reportá-la a 2010, como quer o recorrente.
Impõe-se, com base na presente fundamentação, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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3. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida mas com base na fundamentação que ficou exposta.

Custas pelo Recorrente.
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Lisboa, 28 de fevereiro de 2024. - José Gomes Correia (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.