Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0634/17.4BEPRT
Data do Acordão:05/21/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ARQUIVAMENTO DO PROCESSO DISCIPLINAR
IMPUGNAÇÃO
PARTICIPANTE
LEGITIMIDADE ACTIVA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão da presente revista visto estar em discussão quaestio juris respeitante ao reconhecimento ou não ao participante disciplinar de legitimidade ativa para impugnar a decisão de arquivamento da queixa disciplinar pelo mesmo apresentada, questão que envolve análise de temática de algum melindre e dificuldade e que se revela complexa, disso sendo indício não apenas a divergência entre as instâncias, mas, também, o próprio voto de vencido lavrado no acórdão recorrido, e cuja elucidação assume relevo jurídico, sendo suscetível de ser repetível e recolocada em casos futuros.
Nº Convencional:JSTA000P25958
Nº do Documento:SA1202005210634/17
Data de Entrada:02/26/2020
Recorrente:B........................
Recorrido 1:ORDEM DOS MÉDICOS DENTISTAS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. B………, contrainteressado, invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 15.11.2019 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 262/279 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que concedeu provimento ao recurso que A………. [doravante A.] havia deduzido por inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel [doravante TAF/P], que havia absolvido da instância a ORDEM DOS MÉDICOS DENTISTAS [doravante R.] e o aqui recorrente [por procedência da exceção dilatória de ilegitimidade da A.], tendo revogado esta decisão e determinado «a baixa dos autos à 1.ª instância, para que aí prossigam os seus ulteriores trâmites processuais».

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 293/307] na relevância social e jurídica da questão objeto de litígio que, assume na sua visão «uma importância fundamental» [questão que se prende com o determinar se um participante de uma demanda disciplinar goza ou não de legitimidade para impugnar a decisão que o órgão disciplinar competente venha a tomar no procedimento em causa, mormente quando arquive a queixa disciplinar pelo mesmo apresentada], e, bem assim, «para uma melhor aplicação do direito» [fundada in casu, no acometido erro de julgamento de direito, por infração dos arts. 09.º, n.º 1, e 55.º, n.º 1, al. a), do CPTA].

3. A A. produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 313/328] nas quais pugna, desde logo, pela não admissão da presente revista.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. Como referido o TAF/P julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade da A., absolvendo da instância a R. e o Contrainteressado, ora recorrente, fundando seu juízo no entendimento de que «os denunciantes ou as pessoas diretamente envolvidas na situação concreta em que se levante uma alegada violação de deveres deontológicos não têm qualquer interesse legítimo na decisão proferida ou a proferir no âmbito do processo disciplinar, quer seja ela de arquivamento, quer seja de aplicação de ato punitivo» [cfr. fls. 186/191].

7. O TCA/N, por maioria, revogou este juízo, para o efeito considerando haver o mesmo incorrido em erro de julgamento no julgamento da exceção de ilegitimidade ativa, tendo determinado o prosseguimento da ação.

8. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar «preliminar» e «sumariamente» se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação, por este Supremo Tribunal, é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

9. E entrando nessa análise temos que a quaestio juris envolve análise de questões de algum melindre e dificuldade e revela-se complexa, disso sendo indício não apenas a divergência entre as instâncias, mas, também, o próprio voto de vencido, constituindo temática cuja elucidação assume relevo jurídico e é suscetível de ser repetível e recolocada em casos futuros, reclamando a necessária intervenção deste Tribunal.

10. Por outro lado, o entendimento firmado no acórdão recorrido mostra-se, primo conspectu, em sentido dissonante com a jurisprudência convocada no voto de vencido, sendo que a jurisprudência produzida sobre a problemática por este Supremo Tribunal foi-o no quadro do anterior regime contencioso administrativo [LPTA/RSTA] [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo de 15.01.1997 (Pleno) - Proc. n.º 029150, de 08.06.2000 - Proc. n.º 041879, de 14.05.2003 - Proc. n.º 01681/02, de 22.10.2003 - Proc. n.º 0136/03, de 26.11.2003 - Proc. n.º 046/02, de 07.06.2006 - Proc. n.º 01089/05], nela se admitindo e reconhecendo ao participante «legitimidade ativa para impugnar contenciosamente o ato que determina o arquivamento do processo de inquérito se, dos termos em que se mostra elaborada a petição de recurso, se concluir que ele não se limita a invocar interesses coletivos, antes visa obter a reparação, ainda que reflexa, de valores eminentemente pessoais que hajam sido lesados com a conduta denunciada, como os inerentes à sua integridade física ou moral, honra, bom nome e reputação», entendimento jurisprudencial este que importará ser revisitado e reanalisado, à luz do atual regime do contencioso administrativo, com vista a uma melhor interpretação e aplicação do Direito.

11. Flui do exposto a necessária a intervenção deste STA, e daí que se justifique a admissão da revista.
DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas. D.N..


Lisboa, 21 de maio de 2020. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – Madeira dos Santos.