Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:038/19.4BCLSB
Data do Acordão:09/10/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:DISCIPLINA DESPORTIVA
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Sumário:Artigos 19.º e 112.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP).
Nº Convencional:JSTA000P26246
Nº do Documento:SA120200910038/19
Data de Entrada:07/31/2020
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:A............ E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO

A…………. e B…………., devidamente identificados nos autos, recorreram para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), do Acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que condenou o primeiro na pena de suspensão de 113 dias e na sanção acessória de multa de 2.869,00€ e o segundo na pena de suspensão de 75 dias e na sanção acessória de multa de 1.913,00€.
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Por acórdão do TAD, proferido em 06 de Fevereiro de 2019, foi decidido, com um voto de vencido, a) julgar improcedente o vício de erro na apreciação da prova, b) julgar procedente o pedido de anulação das multas aplicadas no processo disciplinar …………, ao abrigo dos artigos 112º e 136° do RD e c) negar provimento ao pedido de reconhecimento de isenção de custas formulado.
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A FPF apelou para o TCA Sul e este, por acórdão proferido a 16 de Abril de 2020, negou provimento ao recurso, confirmando o julgado do TAD.
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A FPF, inconformada, veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
«1. A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 16 de abril de 2020, que confirmou o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto. Esta instância, por seu turno, havia decidido revogar a decisão de aplicação aos ora Recorridos de multa por violação do disposto nos artigos 112.º e 136.º do RD da LPFP.
2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes e respectivos dirigentes pelas declarações consideradas ofensivas da honra e reputação de agentes desportivos e de órgãos da estrutura desportiva e que podem com isso afetar a própria competição, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, tais declarações têm eco nos episódios de violência em recintos desportivos que têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno.
3. A Recorrente não pretende fazer deste recurso de revista e do STA uma terceira (ou quarta, se tivermos em consideração a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Requerida) instância de apreciação deste caso, o que, como se sabe, não é possível.
4. Contudo, a questão essencial trazida ao crivo deste STA – responsabilização dos clubes e respectivos dirigentes pelas declarações que difundem ou fazem difundir nas suas redes sociais e nos meios de comunicação social - revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito.
5. Recorde-se que em causa nos presentes autos estão publicações e declarações do Recorrido A…………., que melhor se referem supra e das quais se destacam as seguintes: “os jogos não se jogam dentro das quatro linhas (…). O Senhor C………… já ultrapassou todos os limites do ridículo”, ou “inacreditável… A pressão aos árbitros já mete nojo! Queres provocar o pânico aos árbitros nos jogos que arbitram o Sporting CP e ainda passar a mensagem que os jogadores do Sporting CP têm de estar a ser sempre punidos (…). C………. já não perdeu só o bom senso a nomear, já perdeu toda a noção do ridículo!”, mas também “São exemplos e factos concretos de que o futebol continua a ser jogado fora das quatro linhas, de que a forma como é feito já nem sequer é velada”.
6. Estão também em causa declarações do Recorrido B…………, melhor referidas supra e das quais se destacam as seguintes: “Isto é coação. Se perdoarem um penalti contra o Sporting, levam a sério. É um aviso aos árbitros”, ou “A saída das notas que apitaram o Sporting é a mais vil forma de coação sobre os árbitros. Só vejo nesta intenção coagir os árbitros que apitam o Sporting nas decisões que têm de tomar. Não tenho medo das palavras, o Conselho de Arbitragem não agir é uma espécie de conivência interna”, bem como “Para lançar maior perturbação na arbitragem foi feita a nomeação de D………… para o jogo do Benfica (…). Compreendo que dê conforto ao Benfica. (…) C……….. deixou cair a máscara. (…) E………. apitou dois jogos do Benfica e o Benfica perdeu os dois. Foi afastado por não dar 100 por cento de garantias ao Benfica” e também “As imagens televisivas demonstram claramente que a verdade dos factos não é o que vem no relatório do árbitro. (…) os sportinguistas já não duvidam que o facto de o Sporting ir em primeiro lugar incomoda muita gente”.
7. Por um lado, se é certo que o futebol é a modalidade desportiva com mais relevo na sociedade portuguesa, tal não torna os litígios com ele relacionados automaticamente relevantes do ponto de vista social, pese embora possam ter o seu espaço cativo diário nos órgãos de comunicação social.
8. Porém, o que assume especial relevância social é a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol – seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios clubes e/ ou dirigentes dos clubes, através dos seus meios de comunicação oficiais ou outros.
9. De igual forma, também este Supremo Tribunal Administrativo, quando aceitou conhecer este tipo de declarações, numa situação muito idêntica à dos presentes autos, entendeu, de forma clara, que imputações destas “atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa.”.
10. É também verdade que o STA não pode ser chamado a pronunciar-se sobre todas as questões que lhe são colocadas, mas apenas quando a sua intervenção seja necessária para uma melhor aplicação do direito.
11. O bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, ainda que existam normas punitivas semelhantes, por vezes coincidentes, que possam induzir o aplicador em erro. Deste modo, a análise subjacente num e noutro caso tem, também, de ser muito distinto.
12. A afirmação de que a responsabilidade disciplinar é independente e autónoma da responsabilidade penal está, desde logo, presente na Lei e nos Regulamentos Federativos.
13. Assim, quando analisados os artigos 112.º e 136.º do RD da LPFP é possível vislumbrar, em abstrato, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação.
14. Por outro lado, não se pode olvidar que os Recorridos têm deveres concretos que tem de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar.
15. Os Recorridos têm, nomeadamente, o dever de “manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva” (artigo 19.º, nº 1, do RDLPFP19); e de “manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes.” (artigo 51.º, nº 1 do Regulamento de Competições da LPFP).
16. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir pública e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP.
17. Quando uma entidade, qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, deontológicas, disciplinares, sancionatórias, etc..
18. Com efeito, para que os Recorridos, ou qualquer outra sociedade desportiva ou agente desportivo, sejam condenados pela prática dos ilícitos disciplinares previstos nos artigos 112.º e 136.º é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pela norma disciplinar: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem.
19. Ao contrário daquilo que entende o TCA, não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspetiva do direito penal.
20. Em suma, o Acórdão recorrido erra ao analisar a questão sub judice sob a perspetiva do direito penal e não da perspetiva do direito disciplinar, pelo que se impõe que este Supremo Tribunal proceda a uma correta aplicação do direito ao caso.
21. Ademais, a questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto, este tipo de casos, são cada vez mais frequentes, o que é facto público e notório.
22. O TCA entendeu, no seu aresto, que o conteúdo das publicações em causa não tem qualquer relevância disciplinar pois não configura uma lesão da honra e reputação dos órgãos ou equipas de arbitragem, mas sempre tendo por referência às normas penais que sancionam condutas típicas dos crimes de injúria ou difamação.
23. E é aí que reside o grande equívoco dos Exmºs. Senhores Desembargadores. Com efeito, a questão deve ser colocada, como acima se referiu, no âmbito da apreciação no campo disciplinar e não no campo do direito penal, autónomo e distinto deste.
24. Conforme já deixámos bem patente na parte inicial deste recurso, o valor protegido pelo ilícito disciplinar em causa, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180.º e 181.º, do Código Penal, é o direito “ao bom nome e reputação”, cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa em primeira linha, e ao mesmo tempo, a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.
25. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com estas normas (112.º e 136.º do RD da LPFP), são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.
26. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva.
27. Os Recorridos sabiam ser o conteúdo dos textos publicados e das declarações proferidas adequados a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação de agentes de arbitragem e do Presidente do Conselho de Arbitragem a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.
28. O conteúdo das declarações em questão está longe de ter uma base factual, sendo, pelo contrário, a imputação de um juízo pejorativo não só ao desempenho dos agentes de arbitragem e do Presidente de órgão da Recorrente (Conselho de Arbitragem), mas às suas próprias características, colocando deste modo em causa a própria integridade da competição.
29. Para além de imputar a tais agentes de arbitragem e ao Presidente do Conselho de Arbitragem a prática de atos ilegais, encerram em si um juízo de valor sobre os próprios árbitros e Presidente do Conselho de Arbitragem que, face às exigências e visibilidade das funções que estes desempenham no jogo e no exercício de funções como titular de órgão da Recorrente, colocam em causa a sua honra, pelo menos, aos olhos da comunidade desportiva.
30. Assim, não podemos deixar de considerar que se é legítimo o direito de crítica dos Recorridos à atuação dos árbitros e ao exercício de funções do Presidente do Conselho de Arbitragem, já a imputação desonrosa não o é, e aquelas publicações usaram esse tipo de imputação sem que se revele a respetiva necessidade e proporcionalidade para o fim visado.
31. Não se nega que expressões como as usadas pelos Recorridos são corriqueiramente usadas no meio desporto em geral e do futebol em particular.
32. Porém, já não se pode concordar que por serem corriqueiramente usadas não são suscetíveis de afetar a honra e dignidade de quem quer que seja ou de afetar negativamente a competição, ademais quando nos referimos a uma suspeita de falta de isenção por parte de agentes de arbitragem e titular de órgão da Recorrente, como é o Conselho de Arbitragem e respectivo Presidente, uma vez que tais afirmações têm intrinsecamente a acusação ou pelo menos a insinuação de que eventuais erros dos árbitros e actuação do Presidente do Conselho de Arbitragem são intencionais e com o propósito de prejudicar ou beneficiar determinado clube. Deste modo, vão muito para além da crítica ao desempenho profissional e de exercício de funções dos agentes.
33. O facto de os visados serem figuras públicas, sob maior escrutínio não pode legitimar que tudo se diga, não os destituindo do direito à honra e consideração, sob pena de se negar a protecção da honra das figuras públicas, conforme sufragou já o Tribunal da Relação;
34. Não se tratará nesta sede do legítimo exercício do direito à liberdade de expressão, este deverá ser harmonizado com outro direito fundamental, o direito ao bom nome e à reputação, na esteira do que entende a melhor doutrina do Professor Gomes Canotilho e também do Professor Jorge Miranda, que alerta que deve ter-se em consideração o direito geral de personalidade, bem como a jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa nesta matéria (Acórdão de 26-03-2014-RP201403262163/10.8TAPVZ.P1), onde se afirma que deve atender-se ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, segundo o qual se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua otimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível, razão pela qual, afirmamos nós, se é legítimo o direito de crítica por parte do arguido, já a imputação desonrosa não o é, como se verificou nos presentes autos.
35. O mesmo entendimento tem sido seguido e sufragado nalgumas decisões tiradas do TCA supra mencionadas, e bem assim, pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão tirado do processo 66/2018.7BCLSB, com objecto semelhante ao dos presentes autos;
36. O futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar, ao abrigo do famigerado direito à liberdade de expressão, muito menos se pode admitir que o facto de tal linguarejo ser comum torne impunes quem o utilize e que retire relevância disciplinar a tal conduta.
37. No sentido do que entendeu o Digníssimo Procurador do Ministério Público e ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, não se acompanha o entendimento de que, “é assim que o mundo do futebol funciona” e que as declarações em crise “mostram-se totalmente irrelevantes para o cidadão comum que já está imunizado a tal tipo de opiniões dos dirigentes do futebol”, razão pela qual deve ser admitida a presente Revista, porquanto as declarações dos agentes desportivos têm grande relevância e podem fomentar fenómenos de intolerância e violência no futebol, sendo um assunto de grande relevância social e de grande importância na consciencialização dos diversos “actores” desportivos, sobre a sua acrescida responsabilidade junto das massas que notoriamente influenciam.
38. Ao decidir da forma que fez, o Tribunal a quo violou os artigos 112.º e 136.º do Regulamento Disciplinar da LPFP, pelo que deve ser a revista admitida e o Acórdão recorrido, bem como a decisão arbitral, revogados, tendo em vista uma melhor aplicação do direito».
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Os recorridos não contra-alegaram.
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O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artº 150º do CPTA], proferido em 09 de Julho de 2020.
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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 146º, nº 1 e 147º do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Sem vistos, dada a natureza urgente do processo – artº 8º, nº 2 da Lei nº 74/2013 de 6 de Setembro e artº 36º, nº 2, do CPTA.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto assente nos autos, é a seguinte:
«O Conselho de Disciplina fundamentou a sua decisão essencialmente nos seguintes argumentos:
a) considerou provado:
· quanto ao demandante A……….
1. No dia 15 de janeiro de 2016, após o final do jogo Sporting SAD I CD Tondela, o arguido A……….., referindo-se ao então Presidente do Conselho de Arbitragem (C……….) proferiu, entre outras declarações: «os jogos não se jogam dentro das quatro linhas» «[g]osto pouco de estar a brincar ao futebol. O Senhor C……….. já ultrapassou todos os limites do ridículo».
2. No mesmo dia 15 de janeiro de 2016, persistindo, agora através das redes sociais, o arguido A…………, através da sua página de Facebook, publicou as seguintes declarações:
«[i]nacreditável... A pressão aos árbitros já mete nojo! Querem provocar o pânico aos árbitros nos jogos que arbitram do Sporting CP e ainda passar a mensagem que os jogadores do Sporting CP têm de estar a ser sempre punidos (na lista já estão F……… e G………). …….. já não perdeu só o bom senso a nomear, já perdeu toda a noção do ridículo!...»
3. No dia 23 de janeiro de 2016, em artigo de opinião publicado no jornal "……..", o mesmo arguido afirmou: «(t)em sido evidente, não posso deixar de salientar, a falta de critério e bom senso em muitas nomeações este ano, nunca sendo de atribuir a culpa aos árbitros porque estes apenas são nomeados. Tem sido claro que após conflitos públicos existentes entre a Instituição Sporting e alguns árbitros, no que diz respeito à sua atuação menos positiva, os mesmos têm sido constantemente escolhidos para arbitrar jogos do SCP numa perfeita afronta ao Clube e num total desrespeito com a própria defesa do respetivo árbitro»; «[s]ignifica apenas o total desnorte e falta de bom senso daquele que devia decidir em prol do futebol e da classe dos árbitros: C………….»; «São exemplos e factos concretos de que o futebol continua a ser jogado fora das quatro linhas, de que a forma como é feito já nem sequer é velada».
· quanto ao demandante B………..
4. No dia 16 de novembro de 2015, o demandante B………., em entrevista à "……", reproduzida nos jornais "……" e "……", pronunciando-se sobre a arbitragem de H……….., em Arouca, afirmou: «Não queremos que se crie a ideia que somos nós a coagir os árbitros. A nota de H……….. aparecer na imprensa é pirataria. O I……….., no Estádio da Luz, quando marca o penálti fantasma que dá o 2-0, isso viu-se na nota? Sabemos que foi premiado, pois surgiu como quarto árbitro de J………... Isto é coação. Se perdoarem um penálti contra o Sporting, levam a sério. É um aviso aos árbitros»
5. No dia 19 de dezembro de 2015, no final da conferência de imprensa de antevisão do jogo União da Madeira li Sporting SAD, da 14ª jornada da Liga ……, o demandante, nos termos noticiados pelo jornal "…………" e o "……..", afirmou:
«[v]amos entrar num período de paz, de reunião em família, mas deve ser aproveitado para refletir por todos. Os árbitros deviam ser melhor defendidos e assinalo com grande desgosto e tristeza não termos um árbitro na fase final do Europeu. A saída das notas que apitaram o Sporting é a mais vil forma de coação sobre os árbitros. Só vejo nesta intenção coagir os árbitros que apitam o Sporting nas decisões que têm de tomar. Não tenho medo das palavras, o Conselho Arbitragem não agir é uma espécie de conivência interna».
6. Nas edições de 06.04.2016 das edições on-line dos jornais "……" e "……." o arguido, referindo-se à nomeação do árbitro D……… para jogo a disputar entre a Académica de Coimbra e o Sport Lisboa e Benfica, afirmou o seguinte:
1. «Para lançar maior perturbação na arbitragem foi feita a nomeação de D………. para o jogo do Benfica, árbitro que fica em posição difícil e ingrata, está a lançá-lo às feras. Toda a gente depois da nomeação ficou estupefacta. Como é possível? Compreendo que dê conforto ao Benfica. Em catorze jogos arbitrados por D……….., o Benfica conseguiu 13 vitórias e um empate. Os adversários nunca marcaram um golo. É importante para um jogo depois de uma competição europeia. C……….. deixou cair a máscara. Devia ter saído mais cedo, vai sair pela porta mais pequena do futebol, está a manchar os próprios árbitros. Estou solidário com os árbitros face ao que C………. está a fazer mal. Espero que os árbitros consigam sair desta armadilha. A sua saída é a prova evidente de que fez um péssimo trabalho, podia limpar a face, mas não foi isso que fez. Lançou mais um árbitro às feras. Desejo que os próprios árbitros sejam capazes de perceber que C……….. já era. Esperemos que D……….. não apareça no jogo em Moreira de Cónegos e posteriormente na final da Taça de Portugal. É um palpite»; afirmando também que o «E………… apitou dois jogos do Benfica e o Benfica perdeu os dois. Foi afastado por não dar 100 por cento de garantias ao Benfica»; li. na saída anunciada de C………… «só vem dar razão àqueles que têm chamado a atenção para a sua atuação através das nomeações»; é um «ato de justiça praticado pelo presidente da Federação Portuguesa de Futebol».
7. Na edição do jornal …….. de 11 de novembro de 2015, o demandante B…………, referindo-se à arbitragem de H………. no Arouca vs Sporting SAD, afirmou: «As imagens televisas demonstram claramente que a verdade dos factos não é o que o que vem no relatório do árbitro. Depois de tudo o que se passou, do que as pessoas viram, no estádio e na televisão, os sportinguistas já não duvidam que o facto de o Sporting ir em primeiro lugar incomoda muita gente».
8. Os demandantes, ao produzirem as sobreditas afirmações, agiram de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento, por ser ilícito, estava previsto e punido pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, não se abstendo, porém, de o realizar.
9. Do registo disciplinar do demandante A……….., resulta o seguinte:
- não consta que, à data dos factos, tenha sido sancionado, em nenhuma das três épocas desportivas que antecedem a época 2015/2016, neste ilícito de quem vem acusado;
- foi, na época desportiva 2015/2015, sancionado, através de decisão transitada em julgado, pela prática de infração disciplinar de lesão da honra e da reputação datada de 9 de dezembro de 2015.
10. O demandante B………… não tem, à data dos factos, antecedentes disciplinares.
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(…) No processo disciplinar em apreço, o Conselho de Disciplina deu por verificada a infracção com base na qual sancionou os demandantes apenas e tão só assente nas declarações constantes nos jornais desportivos e numa declaração publicada na página de Facebook do demandante A…………. Ora, não obstante merecer reparo a forma como, nos casos acima descritos, foram reproduzidas as declarações que são imputadas aos demandantes, não deixa de ser verdade que as mesmas, mesmos que descontextualizadas, fazem parte do conjunto daquelas proferidas pelos demandantes, pelo que se deverão manter nos factos provados, mas integral e corretamente reproduzidas.
Assim sendo, entende o TAD que os pontos 2, 3 e 4 deverão passar a ter a seguinte redacção:
2. O demandante A………… publicou, em 15.01.2016, na sua página de Facebook as seguintes declarações "O "futebol" está completamente desnorteado. Notícia de hoje: …… É a terceira nota negativa de E………. esta temporada. Por …….. E………….. teve nota negativa no Jogo entre o Sporting e o Sp. Braga do último domingo. O internacional portuense foi chumbado pelo observador ……….. por não ter mostrado o cartão vermelho a G……….., pela entrada violenta sobre ……. Não só voltam a saber a nota como sabem novamente o motivo... E pasme-se, novamente um suposto lance que beneficiaria o Sporting CP. Inacreditável ... A pressão aos árbitros já mete nojo!
Querem provocar o pânico aos árbitros nos jogos que arbitram do Sporting CP e ainda passar a mensagem que os jogadores do Sporting CP tem de estar a ser sempre punidos (na lista já estão F…….. e G……….). C……….. já não perdeu só o bom senso a nomear, já perdeu toda a noção do ridículo! (fls. 194 do PD);
3. O demandante A………… escreveu um artigo, publicado, em 23.01.2016, no jornal "…….", cujo conteúdo, por facilidade de exposição, aqui se dá por reproduzido;
4. No dia 16 de novembro de 2015, o demandante B…………, em entrevista à "…….", reproduzida nos jornais "……" e "…….", pronunciando-se sobre a arbitragem de H………., em Arouca, afirmou: «O Sporting não quer que se crie a ideia de que coage os árbitros. Apareceu na comunicação social a nota do H……… (2,4 em 5 no jogo Arouca Sporting). É uma falta respeito pelos árbitros é uma pirataria que deveria ser investigada. O H………. teve uma nota negativa porque não marcou um penalti contra o Sporting. Isto é coação e tem que ser denunciado. É dizer aos árbitros se não marcarem um penalti contra o Sporting, levam a sério. A nota do I……….. ninguém viu. Ninguém sabe, mas foi premiado como 4° árbitro de J…………, em Alvalade, no jogo com o P. Ferreira)» (cfr. fls. 78 do PD).»
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2.2. O DIREITO.
Como supra se referiu a Federação Portuguesa de Futebol interpôs o presente recurso de revista do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 16.04.2020 que negou provimento ao recurso que a mesma havia deduzido da decisão arbitral do TAD [proferida no processo nº 17/2017, datada de 06.02.2019], que julgou procedente o pedido de anulação das multas aplicadas ao abrigo dos artºs 112º e 136º do Regulamento Disciplinar da LPFP, no processo disciplinar nº ……….. movido contra os ora recorridos A……….. e B………..
Para fundamentar a improcedência do recurso de apelação, o TCAS alinhou o seguinte discurso argumentativo:
«(…) afigura-se-nos que o recurso jurisdicional não merece provimento, não sendo de olvidar nestas matérias relacionadas com o direito de liberdade de expressão, a jurisprudência do Tribunal Europeu e o que se dispõe no artº 10º da Convenção Europeia do Direitos do Homem, sendo de dar prevalência nesses ambientes do futebol que envolvem figuras públicas, como seja o aludido Presidente do Conselho de Arbitragem, C……….., ao direito à liberdade de informação sobre o direito ao bom nome e reputação do visado, excepto em situações verdadeiramente intoleráveis que atinjam o núcleo essencial das qualidades morais necessárias à auto-estima e ao não se sentir desprezado pelos outros, o que não se mostra ser o caso.
Com o efeito, o visado que foi também conceituado árbitro e como tal figura pública, deterá a necessária robustez psicológica para não se sentir melindrado pelas afirmações dos recorridos a propósito das nomeações de árbitros, estando em causa as nomeações ocorridas nos jogos do Sporting e do SLB e ao que parece a necessidade dos escolhidos agradarem a este último clube, e sendo figura pública está sempre sujeito a um maior escrutínio dos dirigentes desportivos, pois que é assim que o mundo do futebol funciona, conduzindo muitas vezes a declarações apaixonadas, rudes e nada polidas, como a própria recorrente reconhece na conclusão 12ª, ao referir que as “expressões utilizadas pelos recorridos são corriqueiras no mundo do futebol”, o que constituirá uma evidência, acessível também aos não apreciadores do futebol.
De resto, lidas as declarações dos recorridos não se mostra líquido, nomeadamente para os não apaixonados pelo futebol, que ocorra a intenção de denegrir as qualidades morais do referido C……….. ou dos restantes árbitros de futebol aí referidos, considerando que tais discursos apresentam uma aparente fundamentação factual, certa ou errada não interessa, e têm uma construção pouco cuidada ou mesmo enviesada, não sendo possível apreender o que se pretende obter com os mesmos em termos objectivos, e nessa medida mostram-se totalmente irrelevantes para o cidadão comum que já está imunizado a tal tipo de opiniões dos dirigentes do futebol, o mesmo sucedendo com as declarações referidas a fls. 8 e 9 das alegações jurisdicionais, que sendo corriqueiras não afectam a credibilidade do futebol, mostrando-se, antes, excessivas e inúteis.
E assim, deverá entender-se, como fez o TAD, que o direito de liberdade de expressão deverá prevalecer sobre o direito ao bom nome e reputação do visado, que nunca chegou a ser posto em causa em termos intoleráveis, e nessa medida e no contexto do mundo do futebol, não é possível dar por demonstrada a pretendida violação dos art.º 112º e 136º do RD da LPFP, referida na conclusão 18ª, o que determina a confirmação da decisão do TAD (…)».
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A recorrente, FPF, nesta sede de revista, aponta ao acórdão recorrido erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do disposto nos artºs 112º e 136º do Regulamento Disciplinar da LPFP.
Vejamos:
Dispõe o artº 112º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP), sob a epígrafe, “Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros”:
«1. O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC.
2. (…)
3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das multas previstas nos números anteriores serão elevados para o dobro.
4. O clube é considerado responsável pelos comportamentos que venham a ser divulgados pela sua imprensa privada e pelos sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa».
E o artº 136º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe: “Lesão da honra e da reputação e denúncia caluniosa”:
«1. Os dirigentes que pratiquem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º contra órgãos da Liga ou da FPF respetivos membros, elementos da equipa de arbitragem, clubes, dirigentes, jogadores, demais agentes desportivos ou espectadores, são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um mês e o máximo de dois anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 300 UC.
2. Os dirigentes que pratiquem os factos previstos no n.º 1 do artigo 112.º-A são punidos com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de seis meses e o máximo de três anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 300 UC.
3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das sanções previstas nos números anteriores são elevados para o dobro.
4. Caso as infrações previstas nos nºs 1 e 2 sejam praticados através de meios de comunicação social, nomeadamente em programa televisivo ou radiofónico que se dedique exclusiva ou principalmente à análise e comentário do futebol profissional, as sanções nele previstas são elevadas para o dobro».
Ora, nos presentes autos, o que se discute consiste precisamente em saber se as declarações proferidas pelos arguidos nos pontos 1, 2, 3 e noticiadas (quanto ao arguido A……….) e nos pontos 4, 5, 6 e 7 (quanto ao arguido B…………), preenchem os tipos de infracção disciplinar previstos no nº 1 do artº 112º e, nº 1 do artº 136º ambos do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP).
E cremos não restarem dúvidas de que os mesmos se mostram preenchidos [aliás de acordo com o que vem sendo decidido por este Supremo Tribunal – cfr. Acórdãos de 26.02.2019, in proc. nº 066/18.7BCLSB, de 04.06.2020, in proc. nº 0154/19.2BCLSB e de 21.05.2020, in proc. nº 0139/19.9BCLSB].
Com efeito, estamos no âmbito de uma responsabilidade disciplinar, que não depende do preenchimento dos tipos legais de crime de difamação ou de injúrias, mas apenas da violação dos deveres gerais e especiais a que estão adstritos os clubes, e respectivos membros, dirigentes e demais agentes desportivos em relação a órgãos da Liga ou da FPF, respectivos membros, e elementos da equipa de arbitragem, entre outos, no âmbito dos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável à realização das competições desportivas.
Estes deveres resultam exclusivamente, da conjugação dos artºs 19º e 112º do citado RDLPFP, não sendo necessário o recurso ao Código Penal para preencher o respectivo tipo disciplinar.
No nº 1 do artº 19º do RD em questão, estabelece-se que todos os clubes e agentes desportivos que, a qualquer título ou por qualquer motivo, exerçam funções ou desempenhem a sua actividade no âmbito das competições organizadas pela Liga Portugal «devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e rectidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social».
E no nº 2 da citada norma, prevê-se de forma explícita a inibição daqueles mesmos sujeitos de «exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou colectivas ou dos órgãos intervenientes e seus agentes, nas competições organizadas pela Liga».
Ora, as declarações proferidas pelos arguidos visando os árbitros intervenientes, as decisões do Conselho de Arbitragem, designadamente do seu Presidente, não podem, nem devem considerar-se dentro da liberdade de expressão, nem constituir somente um excesso de linguagem “permitida” no mundo do futebol; ao invés, violam o bom nome e a reputação dos visados – árbitros e Presidente do Conselho de Arbitragem – quer perante a comunidade desportiva, quer perante toda a demais comunidade que ouviu e/ou leu as expressões proferidas, tentando ainda fazer uma pressão inadmissível sobre a arbitragem e seus agentes.
Com efeito, a denominada “linguagem desportiva” não permite que se profiram insultos e se façam difamações dirigidas aos árbitros e muito menos a quem os nomeia.
Mal seria que as expressões utilizadas pelos arguidos, se enquadrassem numa crítica meramente opinativa no seio do fervor desportivo, dado que não se limitam a enunciar factos objectivos ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo; pelo contrário, são de molde, a colocar em crise, quer objectiva, quer subjectivamente, a arbitragem em Portugal, a honra e reputação dos árbitros em questão e, em particular, a do Presidente do Conselho de Arbitragem, configurando insultos, injúrias e difamações em relação aos visados, que extravasam o direito de liberdade de expressão [artº 37º da CRP].
Veja-se a propósito da integração deste género de imputações, o que se deixou consignado no Ac. de 26.02.2019, in proc. nº 066/18.7BCLSB, onde se refere:
«Imputações estas que atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa».
E ainda o que se deixou consignado, a propósito da liberdade de expressão e informação, no Acórdão proferido em 04.06.2020, in proc. nº 0154/19.2BCLSB:
«(…)
Naturalmente, a liberdade de expressão e de informação não protege tais imputações, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e tem de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo nº 1 do art.º 26.º da Constituição.
O disposto nos artigos 19.º e 112.º do RDLPFP não é, por isso, inconstitucional, nem os mesmos podem ser interpretados no sentido de que a liberdade de expressão e de informação se sobrepõe à honra e reputação de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nomeadamente a dos respetivos árbitros, tanto mais que não está em causa a liberdade de expressão e de informação de órgãos de comunicação social independentes, mas da imprensa privada do próprio clube – cfr. art.º 112.º/4 do RDLPFP.
Acresce ainda, na linha do que se decidiu no Acórdão desta Secção, de 26 de fevereiro de 2019, atrás citado, que o respeito estrito pelos deveres de lealdade, probidade, verdade e retidão inerentes ao regime disciplinar estabelecido pelas normas em apreciação é indispensável à prevenção da violência no desporto, que é também um valor constitucional legitimador da compressão da liberdade de expressão e de informação dos clubes desportivos, nos termos do n.º 2 do art.º 79.º da CRP. O que nos permite responder afirmativamente à questão colocada no Acórdão Preliminar proferido nestes autos, sobre «(…) até que ponto se pode disciplinarmente reagir – com base em normas disciplinares, aliás similares às do estrangeiro – contra declarações dos clubes que, para além de excitarem anormalmente os ânimos dos seus adeptos e assim induzirem comportamentos rudes, contribuam para o descrédito das competições desportivas e do negócio que as envolve». Não só se pode, como se deve reagir sempre que os clubes extravasem o âmbito estrito da mera informação ou opinião, e ofendam a honra e a reputação dos árbitros e de todos aqueles que intervém nas competições desportivas organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional».
Assim e sem necessidade de quaisquer outras considerações, conclui-se que as multas em causa foram correctamente aplicadas pelo Conselho de Disciplina da FPF, devendo, por isso manter-se o ali decidido, ao invés do que foi determinado no Acórdão recorrido.
*
3. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o Acórdão recorrido e confirmar o acórdão da secção profissional do Conselho de Disciplina que aplicou aos recorridos as respectivas multas.
Custas pelos recorridos.
Lisboa, 10 de Setembro de 2020
[A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL nº 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Conselheiro Cláudio Ramos Monteiro e Conselheiro Carlos Carvalho].