Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:034/14
Data do Acordão:05/11/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:REVERSÃO
IMPUGNAÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:I - O erro na forma de processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, de acordo com o pedido formulado pelo autor.
II - É a oposição à execução fiscal e não a impugnação judicial ou a reclamação prevista no artº 276º do CPPT o meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão.
III - Se o pedido formulado em juízo pelo revertido é de que seja julgada provada e procedente a impugnação anulando-se a liquidação de IRC do ano de 2009, é adequado o meio processual de impugnação que lhe assiste o direito de deduzir nos termos dos artigos 9°, n.º 3 do CPPT e 22°, n.º 4 da LGT.
IV - O pedido complementar formulado de” extinguindo-se em consequência, a reversão e a execução contra o impugnante não obsta ao prosseguimento da impugnação devendo ser lido e tido como “consequência necessária” do pedido de anulação da liquidação do IRC.
Nº Convencional:JSTA000P20508
Nº do Documento:SA220160511034
Data de Entrada:01/13/2014
Recorrente:A.....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1-RELATÓRIO

A……… vem recorrer da sentença do TAF de Penafiel de 19.09.2013 que, julgou provada a excepção dilatória de erro na forma de processo, e absolveu a Ré, Fazenda Pública, da instância.

Apresentou alegações com as seguintes conclusões:
«1º O responsável subsidiário em processo de execução tem legitimidade para deduzir impugnação judicial do ato de liquidação do imposto;
2º O recorrente, enquanto responsável subsidiário, citado em reversão de execução fiscal, apresentou petição de impugnação judicial, onde declarou que “vem deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL do ato de liquidação de IRC relativo ao exercício de 2009 da sociedade B………, S.A.” deduziu fundamentos de facto e de direito que pretendem demonstrar a ilegalidade do ato de liquidação, por não estar sujeita a tributação (por mais valias) a operação que conduziu ao ato de liquidação, e termina formulando o pedido onde “requer que seja julgada provada e procedente a impugnação, anulando-se a liquidação do IRC do exercício de 2009 da sociedade B…….., S. A., respectivos juros moratórios e compensatórios, baseado nas invocadas mais valias resultantes da alegada venda de imóvel”.
3º A forma do processo é a correta, correspondendo aos fundamentos e ao pedido formulado – impugnação judicial em ordem à anulação do ato de liquidação de imposto por errónea qualificação dos factos tributários.
4º A douta sentença recorrida fez, pois errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 102º, nº1, c), e 99º, a), do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao recurso revogando-se a douta sentença recorrida e ordenando-se que os autos prossigam seus normais termos, com o que se fará Justiça.»

A entidade recorrida não apresentou contra alegações.

O Ministério Público emitiu parecer a fls. 135/134 dos autos, do seguinte teor:
«Recorre A………. da sentença do TAF de Penafiel de 19.09.2013 que, julgando provada a excepção dilatória de erro na forma de processo, absolveu a Ré, Fazenda Pública, da instância.
Nas conclusões da sua Alegação sustenta, no essencial, que:
- A forma do processo (utilizada) é a correcta, correspondendo aos fundamentos e ao pedido formulado - impugnação judicial em ordem à anulação do acto de liquidação de imposto, por errónea qualificação dos factos tributários - Conclusão 3ª.
- “A douta sentença recorrida fez, (...), errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 102°, n.º 1, c) e 99°, a) do Código de Procedimento e Processo Tributário” - Conclusão 4.ª,
Creio que assiste razão ao recorrente.
Como se vê do probatório da sentença - pontos 3.° e 4.° - o ora recorrente foi citado para os termos da execução, por via de reversão, por carta registada expedida em 15.04.2013, tendo apresentado a impugnação judicial em 22.07.2013, como lhe é consentido pelo disposto no art. 9°, n.º 3 do CPPT e art. 22°, n.º 4 da LGT.
No articulado inicial o impugnante, ora recorrente, refere expressamente que impugna “o acto de liquidação do IRC relativo ao exercício de 2009 da sociedade “B………., S.A. e os “respectivos juros moratórios e compensatórios” e alega os pertinentes factos que integram a causa de pedir, concluindo com o pedido de anulação do acto do acto impugnado.
É certo que na petição inicial também se fala na extinção da reversão e da execução. Esse “pedido” é, no entanto, apresentado como “consequência necessária” do pedido de anulação da liquidação do IRC, daí não se retirando, salvo o devido respeito, que exista erro na forma do processo.
Ora, tendo o impugnante, ora recorrente, sido citado por carta registada expedida em 15.04.2013 e tendo a impugnação sido apresentada em 22.07.2013, a mesma é tempestiva (art. 102°, n° 1, al. c) do CPPT, art. 138°, n.º 1 e 2 do CPC e art. 12.º da LOFTJ).
Nesta conformidade, sem mais considerações, sou de parecer que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a sentença recorrida, baixando os autos à 1ª Instância para conhecimento do mérito da impugnação deduzida, se tanto nada mais obstar.»

2- FUNDAMENTAÇÃO:
Matéria de facto assente na decisão sob recurso.
1.º - Contra a sociedade B…………, SA, foi instaurado o processo de execução fiscal n°1899201201052080, por dívida de IRC, do exercício de 2009, juros compensatórios e juros de mora, no valor global de €315.082,80, cuja data limite de pagamento ocorreu em 10.11.2012 - cf. teor da Informação do serviço de finanças de Valongo 1, a fls.81 verso dos autos.
2.° - Com fundamento na insuficiência de bens da devedora originária, a execução foi revertida contra o administrador da sociedade executada, ora impugnante, na qualidade de responsável subsidiário, nos termos do disposto no art. 24°, n°1, alínea b), da LGT, no montante de € 315.082,80 - cf. teor da Informação do serviço de finanças de Valongo 1, a fls dos autos.
3.° - O ora impugnante foi citado para os termos da execução, por via de reversão, por carta registada expedida em 15.04.2013 - cf. doc. de fls.79 verso, dos autos.
4.° - A presente impugnação judicial foi apresentada no serviço de finanças de Valongo em 22.07.2013.

3- DO DIREITO:
Para considerar a ocorrência de erro na forma de processo, e absolver a Fazenda Pública, da instância considerou a decisão recorrida a seguinte fundamentação de direito:
(…)
Do Direito.
A presente impugnação judicial vem deduzida no âmbito da execução fiscal n°1899201201052080, instaurada contra a sociedade B………, SA, por dívida de IRC, do exercício de 2009, juros compensatórios e juros de mora, no valor global de € 315.082,80, para cuja execução foi citado, por reversão em 15.04.2013 o ora impugnante.
Dispõe o art.204°, n.°1, do CPPT, que a oposição à execução fiscal, só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:
«a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação;
b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título executivo ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida;
c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução;
d) Prestação da dívida exequenda;
e) Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade;
f) Pagamento ou anulação da dívida exequenda;
g) Duplicação de colecta;
h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação;
i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título».
No caso em apreço, resulta claro, dos factos provados e do teor da douta petição inicial que, o impugnante pretende a extinção da execução, que não comporta a apreciação da legalidade de atos de liquidação.
Pelo que, a forma de processo adequada é a oposição judicial à execução, nos termos dos artigos 203 e seguintes do CPPT, sendo de 30 dias o prazo previsto para o exercício do direito de ação.
Do que fica dito, verifica-se que estamos perante uma situação de erro na forma do processo.
O erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado.
Se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre erro na forma do processo.
O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados.
Em caso de erro na forma do processo, este deverá ser convolado na forma de processo adequada, conforme resulta dos artigos 97°, n.°4, da LGT e 98°, n°3, do CPPT.
Justificando-se a convolação por razões de economia processual, importa averiguar se existe algum obstáculo ao prosseguimento da petição na forma processual adequada, designadamente em termos de tempestividade.
Ou seja, não há lugar à convolação sempre que a mesma represente um acto inútil, cuja prática a lei proíbe, cf. art.137°, do CPC.
Ora, resulta dos factos provados que o impugnante foi citado da reversão no âmbito do processo de execução fiscal em causa, por carta registada expedida em 15.04.2013.
Pelo que, tendo a presente ação dado entrada em 22.07.2013, encontra-se ultrapassado o prazo de 30 (trinta) dias, previsto no art.203°, n°1, do CPFT, para que pudesse deduzir oposição à execução.
Estamos perante uma situação de erro na forma do processo e da inviabilidade da convolação da presente acção de impugnação judicial, para a forma processual adequada, que seria a oposição à execução, pois, não se verificam os fundamentos para que pudesse ser deduzida oposição.
Não existe qualquer outra questão prévia ou excepção dilatória que obste à prolação da decisão.
Fica prejudicado o conhecimento do mérito dos autos.
I - Decisão.
Atento o exposto e sem necessidade de mais considerações, julgo provada a excepção dilatória de erro na forma de processo com a consequente absolvição da Ré da instância, com as legais consequências, cf. artigos 199°, n.°1 e 288°, n°1, alíneas b) e e) do anterior CPC, ou artigos 193°, n°1 e 278°, n°1, alínea b) e e), do novo CPC, aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, aplicáveis por força do disposto no art alínea e), do CPFT.
Custas pelo impugnante.

DECIDINDO NESTE STA
Está em causa saber se ocorre erro na forma de processo escolhida pelo revertido (a impugnação) e se a mesma foi apresentada em tempo.

Ao contrário da decisão recorrida entende o recorrente/revertido ser correcta a forma de processo de que lançou mão para efeitos de impugnar o IRC do exercício de 2009 liquidado à Sociedade B…….. SA.

A presente impugnação judicial surge na sequência da decisão de reversão contra o ora recorrente e este concluiu a sua petição inicial, formulando o seguinte pedido: “Nestes termos e nos mais de Direito, requer que seja julgada provada e procedente a impugnação, anulando-se a liquidação do IRC do exercício de 2009 da Sociedade B……… SA e respectivos juros oratórios e compensatórios, baseado nas invocados(sic) mais valias resultantes da alegada venda do imóvel, extinguindo-se, em consequência a reversãoe a execução contra o impugnante”.
Tem este Supremo Tribunal, com o apoio da doutrina, afirmado de modo reiterado que, o erro na forma do processo se afere pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado (por todos o acórdão de 18/06/2014 tirado no recurso nº 01549/13). Assim, se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (Cf. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378.), cfr. acórdão datado de 28/05/2014, recurso n.º 01086/13. Contudo, também este Supremo Tribunal, e tendo sempre em vista os princípios da tutela jurisidicional efectiva e pro actione, tem vindo a adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir – ainda que com recurso à figura do pedido implícito – qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica. Mas isso não autoriza que, no método para aferir da verificação do erro na forma do processo, se substitua o pedido, enquanto elemento determinante para apurar a propriedade processual, pela causa de pedir. Assim, para saber se ocorre ou não erro na forma do processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter. Já saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência.
Dando atenção a estas regras e ao pedido formulado pelo recorrente, facilmente podemos concluir que efectivamente o revertido deduziu impugnação judicial contra a liquidação de IRC do ano de 2009 efectuada à sociedade da qual era gerente surgindo o pedido de extinção da reversão e da execução contra si como “consequência necessária” do pedido de anulação da liquidação do IRC como, muito pertinentemente, observa o Sr. Procurador- Geral- Adjunto neste STA no seu parecer, pois é certo que o pedido de anulação do despacho de reversão fiscal não é próprio da forma de processo da impugnação judicial, antes se reconduz a um pedido próprio do processo de oposição à execução fiscal. Efectivamente, “é a oposição à execução fiscal e não a impugnação judicial ou a reclamação prevista no artº 276º do CPPT o meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão (…)”. Assim se decidiu no Ac. deste STA de 26/05/2010 tirado no recurso nº 0332/10.
Tendo, sido formulado pedido de procedência da impugnação judicial, o que impõe saber é se, as causas de pedir são, ou não, idóneas à procedência da pretensão do interessado e por isso a sentença recorrida ao invés de se decidir pelo juízo de “erro na forma de processo” que não se verifica, devia ter apreciado o pedido.
Cumpre, ainda, observar que como bem se refere no parecer do Mº Pº, supra destacado, o ora recorrente foi citado para os termos da execução, por via de reversão, por carta registada expedida em 15.04.2013, tendo apresentado a impugnação judicial em 22.07.2013, como lhe é consentido pelo disposto no art. 9°, n.º 3 do CPPT e art. 22°, n.º 4 da LGT sendo a mesma tempestiva (art. 102°, n° 1, al. c) do CPPT, art. 138°, n.º 1 e 2 do CPC e art. 12.º da LOFTJ) por aplicação da regra de continuidade dos prazos que à data estabelecia que “O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes”. E de que “ As férias judiciais decorrem de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de Julho a 31 de Agosto” (Regra do artigo 12.º da LOFTJ e que continua contida, actualmente, no artigo 28º da Lei 62/2013 de 26 de Agosto).
Preparando a decisão formulam-se as seguintes proposições:
1) I - O erro na forma de processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, de acordo com o pedido formulado pelo autor.
2) É a oposição à execução fiscal e não a impugnação judicial ou a reclamação prevista no artº 276º do CPPT o meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão.
3) Se o pedido formulado em juízo pelo revertido é de que seja julgada provada e procedente a impugnação anulando-se a liquidação de IRC do ano de 2009, é adequado o meio processual de impugnação que lhe assiste o direito de deduzir nos termos dos artigos 9°, n.º 3 do CPPT e 22°, n.º 4 da LGT.
4) O pedido complementar formulado de” extinguindo-se em consequência, a reversão e a execução contra o impugnante não obsta ao prosseguimento da impugnação devendo ser lido e tido como “consequência necessária” do pedido de anulação da liquidação do IRC.

4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso revogando a decisão recorrida e determinando a baixa dos autos à primeira instância para aí prosseguirem como impugnação da liquidação de IRC do ano de 2009 à Sociedade B………..SA, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.
Lisboa, 11 de Maio de 2016. - Ascensão Lopes (relator) - Dulce Neto - Francisco Rothes.