Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0409/11
Data do Acordão:05/11/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO POR CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:I - A questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional está coberta pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação de coima.
II - O conhecimento oficioso da prescrição a que alude o artigo 175.º do CPPT é o da dívida exequenda, e não o do procedimento de contra-ordenação.
Nº Convencional:JSTA00066961
Nº do Documento:SA2201105110409
Data de Entrada:04/19/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO DE 2011/02/18 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART70 ART71 ART79 N2 ART80 ART34.
CPPTRIB99 ART175 ART176 ART204 ART276.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC408/08 DE 2008/10/01.; AC STA PROC22955 DE 1999/03/10.; AC STA PROC196/09 DE 2009/03/25.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-
1 – A…, S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 18 de Fevereiro de 2011, que, por erro na forma do processo insusceptível de convolação por intempestividade, indeferiu liminarmente a reclamação por si deduzida contra o despacho do Chefe de Finanças do Porto-5, concluindo as suas alegações de recurso nos termos seguintes:
1. O procedimento seguido pela recorrente, começando por suscitar a apreciação oficiosa da prescrição, através de requerimento, apresentado junto do órgão de execução, seguido de reclamação nos termos do art.º 276.º do CPPT, por ilegalidade na fundamentação (justificação) da resposta dada pelo órgão de execução ao requerimento apresentado, é correcto.
2. A reclamação surge na sequência de ilegalidade cometida pelo órgão de execução. Uma ilegalidade sobre a apreciação oficiosa da prescrição que lesa os legítimos interesses da ali reclamante. Portanto, uma situação perfeitamente enquadrável na previsão do art.º 276.º CPPT.
3. Por outro lado, a douta decisão em primeira instância carece de exactidão ao afirmar que o recorrente, tão só lançou mão da reclamação judicial prevista no art. 276.º do CPPT para pedir a prescrição do procedimento. Como se se tivesse dirigido directamente ao tribunal para pedir a prescrição do procedimento, quando de facto não foi isso que aconteceu.
Com efeito, na reclamação põe-se em causa a fundamentação do despacho, por estar ferida de ilegalidade, pelo que o reconhecimento oficioso da prescrição do procedimento será apenas uma consequência mediata do deferimento da reclamação.
4. Toda a argumentação apresentada pela reclamante, em sede de reclamação judicial, recai sobre a ilegalidade da fundamentação do despacho do órgão e contém todos os elementos necessários e suficientes para se poder ajuizar acerca da prescrição do procedimento. Daí que, pelas razões anunciadas, o pedido final da reclamação judicial não pudesse deixar de ser o do reconhecimento oficioso, pelo tribunal, da prescrição do procedimento.
5. De facto, sendo o efeito imediato da declaração judicial da ilegalidade dos actos do órgão de execução, a anulação ou nulidade dos actos por este praticados e, que no caso concreto, o despacho e a informação subjacente que concentra toda a fundamentação da Administração para o não reconhecimento oficioso da prescrição é, salvo melhor opinião, ilegal e abusivo. Conclui-se então que, por efeito mediato daquele julgamento de ilegalidade, tinha o Juiz a quo todos os elementos necessários para declarar, oficiosamente, o procedimento como prescrito, nos termos do artº 175º do CPPT.
6. Não o querendo fazer, deveria ao menos, depois de apreciada e julgada a ilegalidade, remeter o processo ao órgão de execução fiscal para que este refizesse o despacho proferido suprimindo obviamente da sua fundamentação todas as ilegalidades apontadas.
7. Recorde-se que neste procedimento a recorrente limitou-se a seguir a posição anteriormente defendida no acórdão do STA de 25-03-2009 – processo nº 0196/09 para estas situações em concreto, isto é, “no caso da prescrição, podendo ser conhecida oficiosamente pelo órgão de execução fiscal (artigo 175,º do CPPT), sempre assistirá à recorrente a possibilidade de requerer a extinção da execução com esse fundamento, daí abrindo a possibilidade de reclamação para o tribunal no caso do pedido ser indeferido, nos termos do artigo 276.º do CPPT”
Nestes termos,
Deve ser julgado procedente, por provado, o presente recurso e, em consequência, deverá o processo regressar ao Tribunal de 1ª Instância para que possa ser julgado o fundo da causa da reclamação judicial apresentada.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Invoca a recorrente a correcção do procedimento por si seguido, suscitando a apreciação oficiosa da prescrição através de requerimento apresentado junto do órgão de execução, seguido de reclamação nos termos do artº 276.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
E isto porque, em seu entender, podendo ser conhecida oficiosamente a prescrição pelo órgão de execução fiscal (artigo 175.º do CPPT), sempre lhe assistirá a possibilidade de requerer a extinção da execução com esse fundamento, daí abrindo a possibilidade de reclamação para o tribunal no caso do pedido ser indeferido.
Afigura-se-nos que carece de razão.
Como bem se sublinha na decisão recorrida o que a reclamante e ora recorrente invocou não foi a prescrição da dívida exequenda mas sim a do procedimento contra-ordenacional.
Ora a prescrição a que se refere o art.º 175.º do CPPT é a da dívida exequenda, e não a do procedimento judicial da infracção perseguida em processo de contra-ordenação, não fazendo até sentido falar-se naquele após a condenação do arguido, com trânsito em julgado.
Com efeito a questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional está coberta pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação da coima (cf., neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 01.10.2008, recurso 408/08, e de 10.03.1999, recurso 022955, ambos in www.dgsi.pt) daí que não assista razão à recorrente ao pedir o conhecimento oficioso da prescrição pelo órgão de execução fiscal.
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido.
Com dispensa dos vistos legais, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se, como decidido, se justifica o indeferimento liminar da reclamação deduzida - tendo por objecto despacho de indeferimento do reconhecimento oficioso da prescrição do procedimento contra-ordenacional – por erro na forma de processo insusceptível de convolação.
5 – Na sentença objecto de recurso foram fixados os seguintes factos:
a) Em 12.02.2010, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3190201001009524 contra a executada e ora reclamante, “A… SA” para pagamento de coimas do ano de 2010, que lhe foram fixadas pela entidade competente nos seguintes processos de contra-ordenação: 3190200906065430; 3190200906065449; 3190200906065457; 3190200906065465; 3190200906065473 e 319020090605481;
b) As decisões de fixação de coima foram notificadas à agora reclamante em 12.12.2009 – cfr. informação de fls. 65 dos autos;
c) O prazo de pagamento voluntário da coima fixada terminou em 21.01.2010;
d) A agora oponente não deduziu recurso judicial daquela fixação;
e) Em 08.04.2010, pela ora reclamante foi apresentado requerimento junto do processo executivo referido na alínea a) onde suscitou a prescrição do procedimento contra-ordenacional;
f) Em 27 de Abril de 2010 foram emitidos informação e despacho sobre o requerimento a que se refere a alínea anterior, que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais;
g) Em 28.04.2010, pelo ofício nº 4766/3190-10, foi a agora reclamante notificada da decisão tomada sobre o requerimento referido na alínea f);
6 – Apreciando
6.1 Do indeferimento liminar da reclamação por erro na forma do processo insusceptível de convolação
A sentença recorrida, a fls. a 95 a 101 dos autos, indeferiu liminarmente a petição inicial de reclamação por erro na forma de processo, insusceptível de convolação em recurso de contra-ordenação por intempestividade, pois que a reclamação foi apresentada muito para além do prazo legal para a dedução do recurso de contra-ordenação, que é, como se sabe, de 20 dias a contar da notificação da decisão de fixação da coima (artigo 79.º n.º 2 do RGIT).
Em face da alegação da reclamante de que o procedimento de contra-ordenação se encontra prescrito e do seu pedido de extinção da execução, formulados na petição inicial de reclamação apresentada (a fls. 13 a 18 dos autos) e objecto de despacho de indeferimento (a fls. 24 e 25 dos autos) do qual foi interposta reclamação, considerou o tribunal “a quo” que o fundamento invocado como motivo para a extinção da execução – a prescrição do procedimento de contra-ordenação – não constitui fundamento de reclamação e nem de oposição à execução fiscal, antes fundamento a alegar no próprio processo de contra-ordenação ou de Recurso de Contra-Ordenação, nos termos do artigo 80.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, nos vinte dias posteriores à fixação de uma coima – artigo 79.º n.º 2, também do RGIT (cfr. sentença recorrida, a fls. 99 e 100 dos autos).
Alega, contudo, a recorrente que o procedimento por si seguido começando por suscitar a apreciação oficiosa da prescrição, através de requerimento, apresentado junto do órgão de execução, seguido de reclamação nos termos do art.º 276.º do CPPT, por ilegalidade na fundamentação (justificação) da resposta dada pelo órgão de execução ao requerimento apresentado, é correcto, pois que, alegadamente, teria na reclamação posto em causa a fundamentação do despacho, por estar ferida de ilegalidade, pelo que o reconhecimento oficioso da prescrição do procedimento será apenas uma consequência mediata do deferimento da reclamação e que por efeito mediato daquele julgamento de ilegalidade, tinha o Juiz a quo todos os elementos necessários para declarar, oficiosamente, o procedimento como prescrito, nos termos do artº 175º do CPPT, mais alegando que neste procedimento a recorrente limitou-se a seguir a posição anteriormente defendida no acórdão do STA de 25-03-2009 – processo nº 0196/09 para estas situações em concreto, isto é, “no caso da prescrição, podendo ser conhecida oficiosamente pelo órgão de execução fiscal (artigo 175,º do CPPT), sempre assistirá à recorrente a possibilidade de requerer a extinção da execução com esse fundamento, daí abrindo a possibilidade de reclamação para o tribunal no caso do pedido ser indeferido, nos termos do artigo 276.º do CPPT” (cfr. as conclusões das suas alegações de recurso, supra transcritas).
Vejamos.
Como bem diz a sentença recorrida (fls. 99 e 100 dos autos), a alegada prescrição do procedimento de contra-ordenação - invocada pela ora recorrente como fundamento do requerimento oportunamente dirigido ao Serviço de Finanças que está na origem do despacho de indeferimento reclamado – constitui vício do procedimento sancionatório a alegar no próprio processo de contra-ordenação (na fase de defesa do arguido – artigos 70.º e 71.º do RGIT) ou em recurso judicial da decisão de aplicação da coima, a deduzir no prazo de 20 dias após a notificação desta, nos termos dos artigos 79.º n.º 2 e 80.º e ss. do RGIT.
Ultrapassada aquela fase processual e esgotado o prazo para o recurso da decisão sem que este seja deduzido, a questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional fica coberta pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação da coima (cfr. o Acórdão deste Supremo Tribunal de 1 de Outubro de 2008, rec. n.º 0408/08), tornando-se insindicável pelo arguido.
Inconscientemente, ou não, terá a recorrente logo ab initio, no requerimento que dirigiu ao Serviço de Finanças no qual solicitava o reconhecimento oficioso da prescrição do procedimento contra-ordenacional, laborado num equívoco – o de considerar que o conhecimento oficioso da prescrição pelo Serviço de Finanças, ou pelo Tribunal na falta deste, a que se refere o artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) teria por objecto, não apenas as dívidas exequendas, mas igualmente o procedimento contra-ordenacional no termo do qual foram aplicadas as coimas exequendas.
Não é assim, contudo, como bem sublinha o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal e decorre de jurisprudência já firmada em face do Código de Processo Tributário (cfr. os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 18 de Fevereiro de 1998, rec. n.º 22.195 e de 10 de Março de 1999, rec. n.º 22.955) e que vale integralmente em relação aos artigos 175.º e 204.º n.º 1, alínea d) do CPPT (cfr. o Acórdão deste Tribunal de 1 de Outubro de 2008, rec. n.º 408/08): a prescrição de conhecimento oficioso a que se refere o artigo 175.º do CPPT é a prescrição da dívida exequenda, podendo, naturalmente, quando a dívida exequenda respeite a coima abranger a prescrição das coimas (cfr. o n.º 2 do artigo 176.º do CPPT e o artigo 34.º do RGIT), mas não a prescrição do procedimento contra-ordenacional, que é o fundamento invocado pela recorrente na sua reclamação.
O Acórdão deste Tribunal invocado pela recorrente na conclusão 7.ª das suas alegações de recurso e que, no trecho transcrito, alegadamente sustenta o percurso processual que teria seguido – Acórdão de 25 de Março de 2009, rec. n.º 196/09 – não se pronunciou, ao contrário do que alegação do recorrente pretende sugerir, sobre a prescrição do procedimento por contra-ordenação (questão de modo nenhum contemplada no Acórdão), mas sobre a prescrição da dívida exequenda, sendo relativamente a esta que afirma que «no caso da prescrição, podendo ser conhecida oficiosamente pelo órgão de execução fiscal (artigo 175,º do CPPT), sempre assistirá à recorrente a possibilidade de requerer a extinção da execução com esse fundamento, daí abrindo a possibilidade de reclamação para o tribunal no caso do pedido ser indeferido, nos termos do artigo 276.º do CPPT».
Tal argumentação não é, pelas razões expostas, transponível para o caso dos autos, no qual não se requereu o conhecimento da prescrição das dívidas exequendas mas a prescrição do próprio procedimento contra-ordenacional, daí que não possa nela encontrar a recorrente qualquer apoio à sua pretensão.
Impõe-se, pois, pelo exposto, negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida que nenhuma censura merece.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 11 de Maio de 2011. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Brandão de Pinho – Dulce Neto.