Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0364/12
Data do Acordão:04/26/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
GARANTIA
CADUCIDADE DE GARANTIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Sumário:I - O regime da caducidade da garantia estabelecido no artº 183º A nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, na redacção, da Lei nº 30-B/2002, era sancionatório da morosidade na decisão do procedimento tributário e do processo judicial pelas entidades competentes, sem deixar de salvaguardar, num justo equilíbrio, a sua não aplicação, quando o atraso resultasse de motivo imputável ao reclamante, impugnante, recorrente ou executado (cfr. nº 3 do referido normativo);
II - Por força das disposições conjugadas do referido art. 183º nº 1, e dos arts. 169º, nº1, e 103º, nº 5 do Código de Procedimento e Processo Tributário, permitia-se assim ao interessado obter a declaração de caducidade da garantia, sem perder o efeito suspensivo da execução, se reclamação graciosa em que fosse discutida a legalidade da liquidação não fosse decidida no prazo de um ano ou o processo de impugnação judicial em que fosse discutida essa legalidade ou de oposição à execução fiscal não fossem decididos, em 1ª instância, no prazo de três anos.
Nessas situações o processo de execução fiscal continuava suspenso, mesmo sem garantia, até ao momento em que estaria se a garantia se mantivesse, ou seja, até à decisão do pleito, não sendo, pois, devida qualquer outra garantia para obter o referido efeito suspensivo.
III - Para os referidos efeitos verifica-se a decisão final do pleito com o trânsito da decisão final do processo de impugnação, ainda que seja interposto recurso judicial da decisão do tribunal de 1ª instância, ou, em caso de impugnação administrativa, quando se formar o chamado caso decidido ou resolvido, o que ocorre quando a decisão da Administração Tributária deixar de ser contenciosamente impugnável com fundamento em vícios geradores de anulabilidade.
Nº Convencional:JSTA00067551
Nº do Documento:SA2201204260364
Data de Entrada:04/04/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST PORTO DE 2012/02/13 PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - RECL ORDINÁRIA
DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART69 F ART103 N4 N5 ART183-A ART199
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1258/09 DE 2010/10/20; AC STA PROC21/08 DE 2008/01/31; AC STA PROC97/06 DE 2006/05/17
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VIII PAG220 PAG341-342.
VALENTE TORRÃO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO PAG474.
DUARTE MORAIS A EXECUÇÃO FISCAL PAG80.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário do Porto de 13 de Fevereiro de 2012, que julgou procedente a reclamação de decisão de órgão de execução fiscal deduzida pelo banco A……, SA, e anulou o despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Porto 5, que determinou a prestação de uma garantia no valor de € 900.552,95, no âmbito do processo executivo nº 3379200301012703.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A. A douta sentença padece de erro de julgamento, em violação, nomeadamente, do disposto nos art.°s 103°, 169° e 183°-A, todos do CPPT.
B. Alega o douto tribunal, em síntese, que, por virtude da garantia bancária n.º 879-02-0000480, prestada na execução 3379200301012703 e cuja caducidade foi entretanto declarada pelo órgão competente da Administração Tributária em 29.01.2007, a execução suspendeu-se, mantendo-se essa suspensão até à presente data,
C. uma vez que a decisão tomada na reclamação graciosa foi objecto de recurso hierárquico e a decisão deste foi impugnada judicialmente, pelo que ainda não teve lugar a "decisão de pleito" no que concerne à legalidade da liquidação de IRC em cobrança no processo de execução fiscal nº 3379200301012703.
D. Entende, pois, o douto tribunal que, por força do disposto no art.º 169° n.º 1 do CPPT, a execução fiscal mantém a sua suspensão na sequência da apresentação da garantia bancária, independentemente da caducidade daquela garantia, suspensão que se mantém até trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na impugnação judicial, não sendo, pois, devida qualquer outra garantia para obter o referido efeito suspensivo.
E. Ora, a Fazenda Pública discorda com o entendimento do douto tribunal, entendimento que além de ferir o sentido jurídico do disposto nos arts. 103°, 169° e 183°-A todos do CPPT, atenta contra vários princípios, nomeadamente o princípio da prossecução do interesse público.
F. Os princípios jurídicos subjacentes ao instituto da prestação de garantia idónea reconduzem-se à necessidade do Estado assegurar que o contribuinte, em caso de litígio com a Administração Tributaria esteja em condições económicas de, finalizada a contenda - quando e se improcedente - cumprir com a quantia exequenda devida.
G. Este instituto consagra, pois, o princípio da prossecução do interesse público na conduta da Administração Fiscal, em todas as suas vertentes.
H. O instituto jurídico da prestação da garantia subsume-se, prima facie, à função primordial da Administração Tributária e de todo o complexo normativo tributário, ou seja, "das normas que têm por objectivo assegurar a capacidade funcional do Estado, proporcionando-lhe os meios financeiros que suportam tanto a existência como do seu funcionamento”.
I. Ora, a necessidade de obtenção de receita fiscal é uma incumbência decorrente de um imperativo constitucional previsto nos termos do art.° 103° da Constituição da República Portuguesa, o qual prescreve no seu nº 1 que “o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas ... ", pois de outra forma não se poderá assegurar "uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza. "
J. Donde, a ratio do instituto da prestação da garantia é, pois, a de assegurar o pagamento da dívida tributária - a qual é inteiramente indisponível - efectivando-se, desse modo, os interesses públicos do Estado.
K. Feito este enquadramento e no tocante à caducidade da garantia, dispõe o nº 1 do art.° 52° da LGT, n.º 1 e 5 do art.° 169° e 212°, ambos do CPPT, que a execução fiscal se suspende se for apresentada reclamação, recurso, impugnação judicial que tenham por objecto a discussão da legalidade da dívida exequenda ou se for recebida oposição à execução fiscal.
L. No entanto, para obter aquela suspensão deverá ser prestada garantia, nos termos previstos nos art.°s 52° da LGT, 169° e 199º do CPPT.
M. Previa o então nº 1 do artº 183°-A do CPPT, norma aditada pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, e entretanto revogada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que a garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição caducava se a reclamação graciosa não estivesse decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição,
N. ou se a impugnação judicial, ou a oposição não estivessem julgados em 1ª instância no prazo de três anos a contar da data da sua apresentação (na redacção conferida pela Lei nº 300-B/2002, de 30 de Dezembro).
O. Verifica-se, pois, que o legislador admitiu que devia conceder tratamentos diferentes a situações obviamente diferenciadas.
P. ''A «voluntas legis» é claramente a de permitir ao contribuinte ver a sua reclamação ou qualquer outros dos procedimentos ou processos indicados nos citados normativos rapidamente decididos, sem perder de vista o interesse de garantia de segura e certa cobrança da dívida exequenda e prevenção contra expedientes dilatórios do contribuinte.
Q. A ratio subjacente ao instituto da caducidade da garantia, em sede de reclamação graciosa, assenta no princípio da eficiência e do dever de decisão a que a Administração tributária está vinculada. Assenta, também, num princípio de racionalidade económica.
R. A Administração Tributária tem o dever de decidir em tempo útil.
S. Sendo que a garantia é prestada no interesse do Estado, implicando a sua manutenção custos para o executado, o protelamento de uma decisão da Administração Tributária não deve implicar custos para aquele, devendo, outrossim, esses custos ser devolvidos à Administração Tributária.
T. Princípios que também imperaram nas motivações do legislador (ao tempo) ao atribuir um prazo "razoável" para os tribunais produzirem uma decisão.
U. Resulta, assim, da leitura do art.º 183°-A, e de forma clara, que o legislador distinguiu o contencioso administrativo, do contencioso judicial,
V. penalizando de forma distinta a demora na prolação em sede de contencioso administrativo, da demora em sede de contencioso judicial.
W. E se assim o fez é porque entendeu que o procedimento administrativo e o procedimento judicial são vias recursivas distintas e sem ligação entre elas que determine a continuação dos efeitos da caducidade no âmbito da nova via impugnatória,
X. não configurando a impugnação judicial como uma via recursiva da reclamação graciosa,
Y. pois, como é entendimento dos tribunais superiores, o sujeito passivo não está inibido de, em sede de impugnação judicial, esgrimir com vícios de que entenda padecer o acto tributário ainda que os não tenha suscitado em prévia reclamação graciosa.
Z. Utilizando o dizer de Joaquim Freitas da Rocha, in Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 261 ''Assim, reclamação e impugnação são duas garantias distintas, com igualmente distintos espaços de actuação, apesar de terem em comum os objectivos (como vimos, a anulação de actos tributários), os fundamentos ("qualquer ilegalidade"), a inexistência de efeito suspensivo da respectiva liquidação e, em certa medida, os prazos (em regra, 120 e 90 dias).
Contudo, distinguem-se nos seguintes aspectos, em geral condensados no art.º 69º do CPPT, em referência à reclamação graciosa”
AA. Aliás, o prolongamento para o processo judicial de factos ocorridos no procedimento administrativo, como a caducidade da garantia, implicaria a ideia de que a impugnação é um continuum processual da reclamação graciosa.
BB. Assentaria essa concepção na ideia de que a impugnação é a continuação da reclamação graciosa, e que a interposição da impugnação impediria que a decisão da reclamação graciosa se tornasse definitiva.
CC. Mas esta concepção colide com os princípios do Direito Administrativo e também com o princípio da separação de poderes, pois assentaria numa confusão entre Administração e Justiça e, portanto, entre a função de administrar e de julgar.
DD. No entanto, o que se sabe é que a impugnação judicial é um processo autónomo, de natureza diferente da reclamação graciosa, e mesmo nas situações em que a impugnação judicial é deduzida após o indeferimento da reclamação graciosa, a impugnação é um processo novo, numa instância diferente, cujo objecto mediato não é a decisão proferida no procedimento gracioso, mas o acto de liquidação.
EE. Em abono de que o procedimento gracioso e o processo judicial são dois "litígios" distintos, a que a lei, e quanto às garantias, sabe e quer diferenciar, veja-se que o n.º 5 do 103º do CPPT diz que "Caso haja garantia prestada nos termos da alínea j) do artº 69º , esta mantém-se, independentemente de requerimento ou despacho, sem prejuízo de poder haver lugar a notificação para o seu reforço.”
FF. Que, em apontamento, Rui Duarte Morais, in A execução Fiscal, 2ª edição, Almedina, pág. 80 clarifica dizendo que "O novo nº 5 deste artigo esclarece também - e bem - uma outra situação que levantava dúvidas: se a impugnação for apresentada na sequência de uma reclamação graciosa e a esta tiver sido atribuído efeito suspensivo pela administração fiscal, em razão de prestação de garantia, tal efeito suspensivo manter-se-á ou não no decurso do processo de impugnação? A resposta é, agora, afirmativa (artº 103º nº 5, do CPPT). A atribuição de efeito suspensivo à impugnação é decorrência automática (independentemente de despacho ou requerimento, diz a lei) de tal efeito ter sido atribuído à reclamação, na condição óbvia de se manter a garantia prestada. " (sublinhado nosso).
GG. Assim, da norma agora trazida, bem como da doutrina exposta, mais uma vez se pode concluir que a garantia prestada na sequência do procedimento de reclamação graciosa é dissemelhante da garantia prestada na sequência do processo judicial, configurando a lei fiscal, unicamente, a possibilidade de se poder aproveitar (estender) a garantia prestada e vigente no contencioso administrativo ao contencioso judicial.
HH. O que significa que a lei já não prevê o aproveitamento da verificação e reconhecimento da caducidade ocorrida no decurso do procedimento administrativo ao processo judicial que lhe poderá suceder.
II. Vincando-se, mais uma vez o distanciamento e autonomia, para esse efeito, entre o procedimento administrativo e o processo judicial, cujas proximidades são apenas aquelas que a lei expressamente prevê.
JJ. A caducidade da garantia prestada dentro das circunstâncias da reclamação não subsiste para além da extinção dessa mesma reclamação.
KK. Acresce notar que, a própria lei (art.° 183º- A) reconhece competência exclusiva para apreciação da caducidade às entidades onde se encontra a correr o procedimento/processo,
LL. o que poderá conduzir a que, se o sujeito passivo não requerer o reconhecimento da caducidade da garantia perante o órgão administrativo, já não pode, em sede de contencioso judicial, requerer que lhe seja reconhecida a caducidade por ter sido ultrapassado o prazo de um ano para decisão da impugnação administrativa.
MM. O pressuposto da caducidade foi o atraso da decisão da reclamação; com a impugnação esse pressuposto deixa de existir, pois não se pode fazer valer aqui a caducidade ocorrida em termos e condições distintas,
NN. só podendo requerer a reconhecimento da caducidade que seja verificada na pendência, agora, do processo judicial.
OO. Como se refere na doutrina vertida no acórdão do TCA Norte, processo 01611/04.0BEVIS, de 12.05.2005 “Se a garantia que está a ser exigida à executada se destina a conferir carácter suspensivo à executoriedade de uma liquidação que está a ser discutida em processo de impugnação judicial, só as vicissitudes desta impugnação podem determinar a caducidade da garantia que venha a ser prestada, sendo irrelevante que anteriormente haja decorrido uma reclamação que demorou mais de um ano a ser decidida, dado que esta garantia nenhuma conexão tem com essa reclamação”
PP. Assim, entende a Fazenda Pública que, com prestação da garantia, a execução fica suspensa até se decidirem definitivamente a impugnação administrativa e/ ou a impugnação judicial, como decorre litteraliter do disposto no n.º 1 do artº 169º do CPPT,
QQ. e que a verificação e reconhecimento da caducidade da garantia, na sua pendência, só estende os efeitos da suspensão ao procedimento ou processo em que aquela foi verificada ou reconhecida.
RR. Donde, o entendimento do douto tribunal a quo de que, verificada a caducidade da garantia, a execução fica suspensa até a decisão do pleito, no sentido de que esta decisão é a decisão final do processo judicial, não se enquadra no espírito nem na letra da lei, ss. que diferencia, e bem, o pleito gracioso do pleito contencioso (judicial),
TT. não podendo haver outro entendimento que não aquele que lê que o pleito fica decidido, no caso de impugnação administrativa, quando se formar o chamado caso decidido ou resolvido e, no caso de processo judicial, quando ocorrer o trânsito em julgado da decisão judicial.
UU. A não ser assim a ratio do artº 183º-A ficaria despida de sentido, distorcendo-se a intenção do legislador (ao tempo) de querer penalizar, quer a delonga da administração tributária, quer a dos tribunais, pela falta de celeridade na instrução e decisão dos seus procedimentos / processos.
VV. Mais, com o entendimento do douto tribunal a quo a Administração Tributária sairia penalizada e sem misericórdia, que poderia ver o seu dever de arrecadação de receita irremediavelmente comprometida por, e sem atender a quaisquer outros condicionalismos, ter ultrapassado o tempo que a lei lhe faculta para decidir [a imensidão] o procedimento impugnatório gracioso.»

2 - A recorrida apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
«a. Não obstante o reconhecimento da caducidade da garantia bancária número 879-02-0000480, efectuado nos termos do disposto no artigo 183º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção da Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro, em vigor à data da prestação da garantia, o processo de execução fiscal número 3379200301012703 mantém-se suspenso, nos temos dos artigos 169.° e 199.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, até decisão final do pleito em sede de Impugnação Judicial, uma vez que os efeitos postulados no referido normativo se mantêm na íntegra;
b. Para efeitos do artigo 169.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, considera-se ocorrer a "decisão do pleito" sempre que a questão decidenda esteja definitivamente decidida, não sendo passível de ser atacada administrativa ou contenciosamente (inimpugnável);
c. Estando actualmente pendente a Impugnação judicial da dívida subjacente à execução, nos termos do disposto no artigo 169.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tal execução não pode seguir seus termos, uma vez que se encontra suspensa desde 14 de Novembro de 2003, em virtude da prestação da garantia bancária número 879-02-0000480;
d. A tese sufragada pela Recorrente configura um favorecimento inadmissível da posição processual da Administração Tributária, não apenas porque a Reclamação Graciosa, enquanto meio tutelar primordial ao dispor dos administrados, deverá ser decidida com qualidade, rapidez e eficiência, mas também porque é a própria Administração Tributária quem controla os prazos decisórios, não devendo admitir-se uma interpretação legal em conformidade com a solução que lhe é mais favorável ou consoante o que se afigurar mais conveniente em cada momento e em completo atropelamento dos direitos e garantias dos contribuintes;
e. Verifica-se, pois, que, que a interpretação efectuada pela Recorrente no âmbito do presente Recurso é errónea e ilegal na medida que persiste em interpretar os efeitos constantes do artigo 183º -A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na redacção da Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro, desatendendo aos princípios que norteiam o sistema tributário, como o princípio da legalidade e desconsiderando, por completo, a intenção expressa pelo legislador aquando da introdução deste preceito legal no ordenamento jurídico-tributário;
f. Verifica-se, portanto, que a sentença recorrida analisou correctamente os factos que lhe foram submetidos, não merecendo qualquer censura, pelo que deverá ser mantida na íntegra.»
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso sustentando que a declaração de caducidade da garantia pelo órgão da administração tributária com competência para decidir a reclamação graciosa não obsta à manutenção do efeito suspensivo da execução, pelo seguintes motivos:
«a) inexistência de previsão da cessação do efeito suspensivo nas normas constantes do art.183°-A CPPT
b) a declaração de caducidade constitui uma sanção resultante da morosidade do procedimento tributário ou do processo judicial
c) o prosseguimento da suspensão da execução sem garantia subsequente à declaração de caducidade surge como uma compensação pelo ónus que foi imposto ao contribuinte de ter de suportar a garantia durante um período de tempo que se considera adequado para ser proferida decisão (no sentido propugnado acórdãos STA-SCT 31.01.2008 processo nº 21/08; 20.10.2010 processo nº 1258/09/ na doutrina Jorge Lopes de Sousa ob.cit. Volume III p.342)
d) transitando o efeito suspensivo da prestação de garantia da fase de reclamação graciosa para a fase de impugnação judicial, ele não pode ser afectado pela declaração de caducidade da garantia, sob pena de desvirtuamento da natureza de sanção imposta à administração tributária e de compensação atribuída ao contribuinte (art. 103° nº 5 CPPT)
Não sendo a suspensão da execução fiscal afectada pela caducidade da garantia prestada, a exigência pela administração tributária de prestação de uma nova garantia para obtenção daquele efeito até à decisão do pleito (segundo a interpretação da expressão antecedentemente sustentada) carece de fundamento legal».

4 - Com dispensa dos vistos legais, dada a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência.

4.1 Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
«A) Em 20/09/2003, foi instaurado contra a ora Reclamante o processo de execução fiscal nº 3379200301012703, por dívida de IRC, do exercício de 2000, no valor de € 1732981,36 - cfr. fls. 4 e 5 dos autos.
B) Em 20/10/2003, a ora Reclamante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de IRC do exercício de 2000, com o nº 2003 8310010680, em cobrança no processo executivo mencionado na alínea antecedente, a qual foi autuada sob o nº 3379200394000404 - cfr. fls. 50 e 91 a 140 dos autos.
C) Em 31/10/2003, foi efectuado um pagamento por conta no processo executivo mencionado em A) no valor de € 412 240,52, imputando € 355 866,64 a imposto e € 56 373,88 a juros de mora e taxa de justiça e acrescido - cfr. fls: 9 dos autos.
D) Em 14/11/2003, a ora Reclamante apresentou no processo executivo mencionado em A) a garantia bancária nº 879-02-0000480, no valor de € 2274803,58, tendo em vista a suspensão do referido processo - cfr. fls. 11 dos autos.
E) A Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto, por despacho de 29/01/2007, declarou a caducidade da garantia a que alude a alínea anterior, pelo facto de a reclamação graciosa nº 3379200394000404 não ter sido decidida no prazo de um ano a contar da sua apresentação - cfr. fls. 17 dos autos.
F) Em 18/07/2007, a reclamação graciosa mencionada em B) foi parcialmente deferida pela Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto, resultando uma anulação de imposto no valor de € 38276,50 - cfr. fls. 22 e 146 a 149 dos autos.
G) Em 17/08/2007, a Reclamante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa, o qual foi considerado parcialmente procedente, por despacho de 07/01/2009, notificado por ofício de 09/02/2009, tendo daí resultado uma anulação de imposto no valor de € 723 668,21 - cfr. fls. 24, 162 a 228 e 232 a 280 dos autos.
H) Em 13/05/2009, a ora Reclamante impugnou judicialmente a decisão de indeferimento parcial do recurso hierárquico interposto do indeferimento parcial da reclamação mencionada em B) - cfr. fls. 282 a 325 dos autos.
I) Em 25/05/2009, a ora Reclamante efectuou um pagamento por conta no processo executivo mencionado em A), tendo sido imputados € 73 238,90 a imposto e €
10985,84 a juros de mora - cfr. fls. 327 e 328 dos autos.
J) Em 30/09/2011, no âmbito do processo executivo mencionado em A), a Chefe de Finanças Adjunta do Serviço de Finanças do Porto 5, emitiu um despacho com o seguinte teor: "Face ao informado, verificando-se que: A caducidade da garantia prestada nos autos ocorreu no decurso do processo de reclamação graciosa, que se encontra concluído;
A impugnação tem natureza judicial, pelo que a garantia prestada no anterior procedimento, de natureza administrativa, não age perante esta; Determino a notificação do executado para, no prazo de 15 dias a contar da data da notificação, prestar garantia no valor de € 900.552,95, nos termos e para os efeitos previstos no nº 6 do art. 199.º e n.º 1 do artº 169º do CPPT" - despacho reclamado - cfr. fls. 38 dos autos.
L) O despacho mencionado na alínea antecedente foi notificado à Reclamante através do ofício nº 11956/3190-30, de 04/10/2011, remetido por correio com registo efectivado em 06/10/2011 - cfr. fls. 39 e 40 dos autos.
M) Em 12/10/2011, a Reclamante apresentou um requerimento dirigido ao processo executivo nº 3379200301012703, através do qual requeria, ao abrigo do artº 37° do CPPT, a notificação dos meios de defesa e prazo de reacção contra o despacho mencionado em I) cuja informação foi omitida na notificação referida na alínea antecedente - cfr. fls. 41 e 42 dos autos.
N) A Reclamante foi notificada da informação solicitada pelo ofício do Serviço de Finanças do Porto 5 com n.º 12446/3190-30, de 14/10/2011, que foi remetido por correio com registo efectivado em 17/10/2011 - cfr. fls. 47 e 48 dos autos.
O) A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças do Porto 5, em 18/10/2011 - cfr. carimbo aposto a fls. 56 dos autos.»

4.2 . Do mérito do recurso

A questão objecto do presente recurso consiste em saber se o efeito suspensivo do processo de execução fiscal decorrente da garantia prestada no âmbito da reclamação graciosa se mantém, independentemente da caducidade da garantia e sua verificação, até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na impugnação judicial entretanto deduzida, não sendo devida a prestação de qualquer outra garantia, na pendência da impugnação judicial, para obter o referido efeito suspensivo.

A sentença recorrida, considerando que a decisão tomada na reclamação graciosa foi objecto de recurso hierárquico e a decisão deste foi impugnada judicialmente, concluiu que ainda não teve lugar a "decisão de pleito" no que concerne à legalidade da liquidação de IRC em cobrança no processo de execução fiscal nº 3379200301012703.
Neste contexto concluiu o tribunal a quo que, por força do disposto no artº 169° nº 1 do CPPT, a execução fiscal mantém a sua suspensão na sequência da apresentação da garantia bancária, independentemente da caducidade daquela garantia, suspensão que se mantém até trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na impugnação judicial, não sendo, pois, devida qualquer outra garantia para obter o referido efeito suspensivo.

Contra o assim decidido se insurge a Fazenda Pública sustentando que os efeitos da suspensão da execução decorrentes da caducidade da garantia apresentada na sequência de reclamação graciosa não se estendem à impugnação judicial, por se tratarem de processos de natureza distinta.
Alega para o efeito que com prestação da garantia, a execução fica suspensa até se decidirem definitivamente a impugnação administrativa e/ ou a impugnação judicial, como, em seu entender, decorre literalmente do disposto no nº 1 do artº 169º do Código de Procedimento e Processo Tributário e que a verificação e reconhecimento da caducidade da garantia, na sua pendência, só estende os efeitos da suspensão ao procedimento ou processo em que aquela foi verificada ou reconhecida.


E, prosseguindo neste discurso argumentativo, concluiu que face à ratio que preside ao artº 183º-A do Código de Procedimento e Processo Tributário não poderá haver outra interpretação senão aquela que «lê que o pleito fica decidido, no caso de impugnação administrativa, quando se formar o chamado caso decidido ou resolvido e, no caso de processo judicial, quando ocorrer o trânsito em julgado da decisão judicial».


4.2 A nosso ver, em face da clareza da lei, nomeadamente das disposições conjugadas dos arts. 169º, nº1, 103º, nº 5 e 183º-A (Na redacção, da Lei nº 30-B/2002) do Código de Procedimento e Processo Tributário, a pretensão da Fazenda Pública não pode proceder.
Vejamos.
Dispõe o artº 169º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário que a execução ficará suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente.
Esta suspensão está também prevista genericamente no artº 52º da Lei Geral Tributária para os casos de pagamento em prestações, reclamação, recurso, impugnação da liquidação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda.

Por outro lado preceitua o artº 103º, nº 4 do Código de Procedimento e Processo Tributário (Na redacção da Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho, aplicável ao caso subjudice.) - que a impugnação tem efeito suspensivo quando, a requerimento do contribuinte, for prestada garantia adequada, no prazo de 10 dias após a notificação para o efeito pelo tribunal, com respeito pelos critérios e termos referidos nos n.ºs 1 a 5 e 9 do artigo 199.º, estabelecendo o nº 5 do mesmo normativo que caso haja garantia prestada nos termos da alínea f) do artigo 69.º, esta mantém-se, independentemente de requerimento ou despacho, sem prejuízo de poder haver lugar a notificação para o seu reforço.

Da conjugação destas normas se pode concluir, com segurança, que esta garantia, prestada para obter o efeito suspensivo da reclamação graciosa, valerá até à decisão final do pleito, entendendo-se por decisão final do pleito o trânsito da decisão final do processo de impugnação, ainda que seja interposto recurso judicial da decisão do tribunal de 1ª instância, ou, em caso de impugnação administrativa, quando se formar o chamado caso decidido ou resolvido, o que ocorre quando a decisão da Administração Tributária deixar de ser contenciosamente impugnável com fundamento em vícios geradores de anulabilidade - cf., neste sentido, na doutrina, João António Valente Torrão, no seu Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, pag. 474, Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, pag. 80, e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado , vol. III, pag. 220.

Ora, como bem se nota na decisão recorrida, se esta garantia, prestada para obter o efeito suspensivo da reclamação graciosa, vale até ao trânsito da decisão final do processo de impugnação, não há efectivamente razões para se considerar que o mesmo não suceda nas situações em que, estando já instaurado o preço executivo, a garantia tenha caducado por facto imputável à Administração Fiscal.

Aliás, só este entendimento se concilia com a ratio do instituto da caducidade da garantia, que se prende com a necessidade de acautelar e proteger os contribuintes da demora excessiva das decisões, quer na fase administrativa, quer na fase judicial.
É isso mesmo que decorre do fim visado pelo legislador ao elaborar a norma do artigo 183-A nº1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (redacção da Lei nº 30-B/2002, aplicável ao caso subjudice), que prevê a possibilidade de caducar a garantia que tivesse sido efectivamente prestada, por atraso na decisão do processo de reclamação graciosa ou nos processos de impugnação judicial ou de oposição à execução, mantendo-se, contudo o efeito suspensivo da execução.
Com efeito, com o intuito de «responsabilizar a a administração e os tribunais na condução célere e expedita do processo» e de prevenir a «imposição ao contribuinte de um encargo oculto por razões que lhe são alheias (Proposta de Lei nº 53/VIII que esteve na origem da Lei 15/2001, de 5 de Junho.)» o legislador aditou ao Código de Procedimento e Processo Tributário o artº 183º-A, cuja redacção, alterada pela Lei nº 30-B/2002, aplicável ao caso subjudice era a seguinte:
«1- A garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição caduca se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição ou se na impugnação judicial ou na oposição não tiver sido proferida decisão em 1.ª instância no prazo de três anos a contar da data da sua apresentação. 2 - Os prazos referidos no número anterior são acrescidos em seis meses quando houver recurso a prova pericial. 3 - O regime do n.º 1 não se aplica quando o atraso resulta de motivo imputável ao reclamante, impugnante, recorrente ou executado. 4 - A verificação da caducidade cabe ao tribunal tributário de 1.ª instância onde estiver pendente a impugnação, recurso ou oposição, ou, nas situações de reclamação graciosa, ao órgão com competência para decidir a reclamação, devendo a decisão ser proferida no prazo de 30 dias após requerimento do interessado. 5 - Não sendo proferida a decisão referida no número anterior no prazo aí previsto, considera-se tacitamente deferido o requerido. 6 - Em caso de caducidade da garantia, o interessado será indemnizado pelos encargos suportados com a sua prestação, nos termos e com os limites previstos nos nºs 3 e 4 do artigo 53.º da lei geral tributária».

Permitia-se assim ao interessado obter a declaração de caducidade da garantia, sem perder o efeito suspensivo da execução, se reclamação graciosa em que fosse discutida a legalidade da liquidação não fosse decidida no prazo de um ano ou o processo de impugnação judicial em que fosse discutida essa legalidade ou de oposição à execução fiscal não fossem decididos , em 1ª instância, no prazo de três anos.
Nessas situações, em que se enquadra, aliás, o caso em apreço, o processo de execução fiscal continua suspenso, mesmo sem garantia, até ao momento em que estaria se a garantia se mantivesse, ou seja, até à decisão do pleito (cf., adoptando este entendimento, Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., vol. III, pags. 341-342)
O que bem se compreende pois o regime da caducidade da garantia estabelecido no artº 183º A nº 1 do CPPT é sancionatório da morosidade na decisão do procedimento tributário e do processo judicial pelas entidades competentes, sem deixar de salvaguardar, num justo equilíbrio, a sua não aplicação, quando o atraso resultar de motivo imputável ao reclamante, impugnante, recorrente ou executado cfr. nº 3 do artº 183º A do CPPT.
O prosseguimento da suspensão da execução sem garantia subsequente à declaração de caducidade surge assim, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, como uma compensação pelo ónus que foi imposto ao contribuinte de ter de suportar a garantia durante um período de tempo que se considera adequado para ser proferida decisão.
E é também neste sentido que se vem pronunciando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, de que são exemplos, os Acórdãos 563/11 de 29.06.2011, 1258/09, de 20.10.2010, 21/08, de 31.01.2008, e 97/06, de 17.05.2006, todos in www.dgsi.pt.
Ora, sendo este o espírito da lei, não se compreende nem se aceita a tese da Fazenda Pública quando defende a existência da obrigação de prestação de nova garantia no âmbito do processo de impugnação judicial precisamente no caso de a garantia prestada na pendência da reclamação graciosa ter caducado por culpa unicamente imputável à Administração Fiscal, nomeadamente por não ter cumprido o prazo que o legislador considera razoável para decidir o mencionado procedimento.
Aliás, e como incisivamente refere a recorrida é manifesta a contradição em que incorre a Fazenda Pública quando igualmente defende (conclusões GG e HH) que tal obrigação não existe no caso de a garantia prestada na pendência da reclamação graciosa não ter caducado.
Em face de tudo o exposto forçoso é concluir que, no caso subjudice, a execução fiscal mantém a sua suspensão na sequência da apresentação da garantia bancária no âmbito da reclamação graciosa, independentemente da caducidade daquela garantia, suspensão que se mantém até trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na impugnação judicial, não sendo, pois, devida qualquer outra garantia para obter o referido efeito suspensivo.
A sentença recorrida, que assim decidiu, deve pois ser confirmada, pelo que improcede o recurso.

5. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente Fazenda Pública, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.
Lisboa, 26 de Abril de 2012. - Pedro Delgado (relator) - Valente Torrão - Francisco Rothes.