Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0301/18
Data do Acordão:05/30/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:ACTO DE LIQUIDAÇÃO
TARIFA
SANEAMENTO
ILEGALIDADE
REGULAMENTO
Sumário:Elaborado nos termos do disposto no artº 663º, nº 7 do Código de Processo Civil.

Quando estamos num processo de impugnação de um acto de liquidação pode ser necessário verificar da legalidade de certas normas de um regulamento que haja sido aplicado, ou cuja aplicação, tida por devida, haja sido omitida, mas só, e, na exacta medida, em que tais normas hajam sido convocadas para a formação de tal acto de liquidação ou sejam apresentadas em sua fundamentação.
Nº Convencional:JSTA000P23356
Nº do Documento:SA2201805300301
Data de Entrada:03/19/2018
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A.....,LDA. E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto
de 24 de Janeiro de 2018


Anulou a decisão que aplicou a coima, bem como, todos os termos subsequentes do processo de contraordenação em causa.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

O Magistrado do Ministério Público, veio interpor o presente recurso da sentença supra referida proferida no Recurso de Contra-ordenação n.º 854/16.9BEPRT instaurado por A…….., LDA - em liquidação contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde, que no processo de contraordenação nº 1902201206000051707, relativo a dedução de imposto em bens/serviços não utilizados pelo sujeito passivo para realização das operações previstas no artigo 20º, nº 1 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), lhe aplicou uma coima no montante de 2.520,46 €, acrescida de custas no montante de 76,50 €, por infração do disposto nos artigos 114º, nº 2 e 26º, nº 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1ª - Nos presentes autos, o Tribunal “a quo” entende que a decisão da autoridade tributária que aplicou a coima aqui impugnada não preenche os requisitos legais previstos no nº 1, al) b), do art.º 79 do RGIT, nomeadamente no que diz respeito à descrição, ainda que sumária, dos factos imputados à arguida.

2ª - O MP entende que a decisão de aplicação de coima não padece de nulidade insuprível, pois a decisão de aplicação de coima observa os requisitos legais previstos no art.º 79 do RGIT, nomeadamente os previstos nas al. b) do nº 1, pois as normas infringidas e punitivas nela vêm concretamente referidas, sendo que da mesma decisão também constam os factos que lhe são imputados.

3ª – É nosso entendimento que aqueles elementos são suficientes para se poder concluir que a decisão condenatória preenche os requisitos legais previstos na al. b), do nº 1 art.º 79 do RGIT e que por esse motivo, não padece o processo de contraordenação da nulidade insuprível prevista na al. d), do nº 1, do art.º 63 do RGIT.

4ª - A decisão de aplicação da coima contém pois todos os elementos legais exigidos, mas se estas exigências não foram levadas à perfeição, é elemento sem relevância jurídica, pois o essencial é que a decisão seja compreendida pela arguida, para o cabal exercício do direito à sua defesa, sendo que no caso concreto dos autos, tal exigência foi observada, o que se denota pela petição apresentada, e que nos permite concluir, com maior facilidade, que a decisão notificada foi cabalmente entendida, estando pois preenchidos os requisitos da al) b), do nº 1, do art.º 79 do RGIT e 63 – nº 1 – al) d) do RGIT, ou seja: os factos que devem constar duma acusação – neste sentido, os conselheiros Jorge Sousa e Simas Santos, no seu RGIT anotado (4ª edição), na nota 1 ao art.º 79, o seguinte e acórdãos do STA de 12/12/2006, proferido no P. 1045/06, e de 25/06/2015, proferido no P. 382/15, disponíveis em www.dgsi.pt.

5ª – Foram violados os artigos 79 – nº 1 – al. b) e 63 – nº 1 – al. d), ambos do RGIT.


Nestes termos, deverá ser julgado o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida para que seja substituída por outra que conheça do mérito da impugnação judicial da coima aplicada nestes autos pela ATA.


Não foram apresentadas contra-alegações.

O Magistrado do Ministério Público secundou a posição do Ministério Público assumida no recurso

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:


1. Pela Divisão de Inspeção Tributária - IV da Direção de Finanças do Porto foi levantado auto de notícia contra a arguida por infração do disposto no artigo 20º, nº 1 do CIVA - dedução de imposto em bens/serviços não utilizados pelo sujeito passivo para realização das operações previstas no artigo 20º, nº 1 do CIVA, punida pelos artigos 114º, nº 2 e 26º, nº 4 do RGIT - falta de entrega de prestação tributária, que deu origem à instauração do processo de contra ordenação nº 1902201206051707, pelo Serviço de Finanças de Vila do Conde, em 12/07/2012 - cfr. auto de notícia e autuação, respetivamente a fls. 42 e 39 dos autos;

2. Do auto de notícia indicado no ponto antecedente consta, entre o mais, o seguinte:

"(…) AUTO DE NOTÍCIA (…)
Nº Ordem Serviço: OI20120226613 (…)
Descrição dos factos, data e local da verificação da infracção
Em 12 de Julho de 2010, em resultado da acção inspectiva determinada pela ordem de serviço identificada, verifiquei pessoalmente na Direcção de Finanças do Porto, que o sujeito passivo deduziu indevidamente IVA na declaração periódica do período 2012 01. As infracções verificadas originaram as correcções, nos montantes indicados e fundamentados no relatório de inspecção, elaborado nesta data."

3. Em 12/02/2016 foi proferida decisão pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde, da qual consta, entre o mais, o seguinte - cfr. decisão de fls. 72, frente e verso, dos autos:
"(…)
Descrição Sumária dos Factos:
Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: Em 12 de Julho de 2010, em resultado da acção inspectiva determinada pela ordem de serviço identificada, verifiquei pessoalmente na Direcção de Finanças do Porto, que o sujeito passivo deduziu indevidamente IVA na declaração periódica do período 2012 01. As infracções verificadas originaram as correcções, nos montantes indicados e fundamentados no relatório de inspecção, elaborado nesta data; O arguido apresentou defesa em 2015/04/16, tendo a mesma sido apreciada e decidida por Despacho do Chefe do Serviço de Finanças de 2016/02/11, com os fundamentos nele constantes, do qual o arguido foi notificado pelo ofício nº 1254/1902-30 de 2016/02/ , os quais se dão como provados."

Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).

Normas Infringidas
Normas Punitivas
Período Tributação
Data Infracção
Coima Fixada
ArtigoArtigo
1Artº 20º nº 1 (M) CIVA – Dedução de Imposto em bens/serviços não utilizados pelo S.P. para realiz. das operações previstas neste artigoArtº 114º nº 2 e 26º nº 4 RGIT-Falta de entrega da prestação tributária2012012012-03-10
2.520,46
(…)
DESPACHO
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Artº 79º do RGIT, aplico ao arguido a coima de Eur. 2.520,46 cominada no(s) Art(s)º 114 nº 2 e 26 nº 4 RGITº, do RGIT, com respeito pelos limites do Art° 26º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do Nº 2 do Dec-Lei Nº 29/98 de 11 de Fevereiro.

Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para, efectuar o pagamento da coima com benefício de redução no prazo de 15 dias (78°/2 RGIT) ou sem benefício de redução no prazo de 20 dias, podendo neste último prazo recorrer judicialmente (79°/2 RGIT), sob pena de cobrança coerciva, advertindo-o de que vigora o Princípio de Proibição de "Reformatio in Pejus" (em caso de recurso não é susceptível de agravamento, excepto se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível).
(…)


4. Em 12/03/2012 a arguida apresentou declaração periódica de IVA, relativa ao período de 201201, na qual solicitou o reembolso de 11.280,13 € - cfr. consulta de declaração periódica de IVA, a fls. 94, frente e verso, dos autos;


5. Em resultado da ação de inspeção referida no auto de notícia foram efetuadas correções de natureza técnica em IVA, no exercício de 2012, no montante de 8.401,56 €, e foi emitida a liquidação adicional nº 2013003617184, de 09/01/2013, que apurou um valor a reembolsar de 3.491,88 € - cfr. relatório de inspeção a fls. 64 a 67 verso e nota de liquidação, a fls. 97 dos autos.


Questão objecto de recurso:

1- Falta de indicação de factos e elementos essenciais para a decisão.
*****

1- Falta de indicação de factos e elementos essenciais para a decisão

A arguida recorrente, em fundamento do recurso da decisão que lhe aplicou uma coima arguiu que tal decisão padece da nulidade insuprível prevista no artigo 63º, nº 1, alínea d) do RGIT, por faltar em absoluto a indicação de factos e elementos essenciais para a decisão, em violação do disposto no artigo 79º, nº 1, alínea b) do RGIT.

A sentença recorrida, sobre esta questão referiu que:

«(…) Assim a referência à “prestação tributária deduzida nos termos da lei”, que se utiliza no artigo 114º do RGIT, apenas abrange situações em que o sujeito passivo procede à dedução do imposto, subtraindo-a de uma quantia global.

Ora, no caso concreto, é inequívoco que não consta da decisão que aplicou a coima, nomeadamente da descrição sumária dos factos, o recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica que aí vem referida, o que afasta a possibilidade de preenchimento da hipótese do artigo 114°, nº 2, do RGIT, que se reporta à conduta prevista no nº 1 do mesmo artigo.

Acresce que no caso, há ainda, por força das deficiências patentes na decisão administrativa, uma outra dificuldade.

Com efeito, tendo em conta que o requisito da descrição sumária dos factos deve interpretar-se de acordo com o tipo legal de infração no qual se prevê e pune a contraordenação imputada à arguida, no caso essa exigência colide com uma dificuldade adicional dado que a decisão administrativa faz uma remissão genérica para a norma do artigo 20º, nº 1 do CIVA sem individualizar qual ou quais as alíneas de tal normativo a que se pode subsumir tal factualidade.

Trata-se de referência essencial e cuja omissão integra nulidade por falta de indicação das normas violadas, nos termos previstos no artigo 79º, nº 1, al. b) do RGIT.
(…)

Concluímos, assim, que a decisão de fixação de coima viola o disposto no artigo 79º, nº 1, alínea b) do RGIT, na parte em que impõe que a decisão contenha “a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas”, consubstanciando a nulidade insuprível consagrada no mencionado artigo 63º, nº 1 alínea d) do RGIT, o que impõe, a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependem absolutamente, com a consequente remessa do processo à autoridade administrativa – cfr. artigo 63º, nº 3 RGIT, mostrando-se, ainda, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas

A primeira questão suscitada na sentença recorrida refere-se à ausência de menção na decisão condenatória de que o imposto sobre o valor acrescentado indevidamente deduzido havia sido antecipadamente recebido pela arguida. Efectivamente tal menção não consta da decisão, mas só pode ser deduzido imposto sobre o valor acrescentado que se tenha antecipadamente recebido. O mecanismo da dedução consiste em tendo recebido imposto sobre o valor acrescentado que deveria ser entregue nos cofres do estado não ter que proceder a essa entrega na medida em que se demonstrar estar numa situação de crédito de imposto. Assim, se tal menção poderia constar da decisão que aplicou uma coima, apesar disso, na sua ausência mostram-se ainda cumpridos os ditames do art.º 79.º do Regime Geral das Infracções Tributárias que aceitou que tal decisão se baste com uma descrição sumária dos factos.

O mesmo ocorre quando se menciona Artº 20º nº 1 (M) CIVA – Dedução de Imposto em bens/serviços não utilizados pelo S.P. para realiz. das operações previstas neste artigo, numa decisão em que na descrição sumária dos factos se refere ainda que:

« Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: Em 12 de Julho de 2010, em resultado da acção inspectiva determinada pela ordem de serviço identificada, verifiquei pessoalmente na Direcção de Finanças do Porto, que o sujeito passivo deduziu indevidamente IVA na declaração periódica do período 2012 01. As infracções verificadas originaram as correcções, nos montantes indicados e fundamentados no relatório de inspecção, elaborado nesta data; O arguido apresentou defesa em 2015/04/16, tendo a mesma sido apreciada e decidida por Despacho do Chefe do Serviço de Finanças de 2016/02/11, com os fundamentos nele constantes, do qual o arguido foi notificado pelo ofício nº 1254/1902-30 de 2016/02 , os quais se dão como provados." Nesta particular situação, subsequente a um procedimento de inspecção em que o arguido teve participação activa, a menção antes referida cumpre, ainda o disposto no art.º 79.º, n.º 1, b) do Regime Geral das Infracções Tributárias em termos de se considerar inverificada a nulidade insuprível que a sentença recorrida reconheceu.

A sentença recorrida efectuou uma errada interpretação dos normativos citados impondo-lhes um cunho demasiado restritivo, o que configura erro de julgamento e determina a sua revogação.


Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso revogar a sentença recorrida e determinar a remessa dos autos ao tribunal recorrido para conhecimento das demais questões suscitadas nos autos.

Custas pela recorrida que não suporta a taxa de justiça dado que não contra-alegou.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (art. 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 30 de Maio de 2018 – Ana Paula Lobo (relatora) – António Pimpão – Francisco Rothes.