Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:05/11
Data do Acordão:07/06/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:SISA
ISENÇÃO
CADUCIDADE
AUDIÊNCIA PRÉVIA
FORMALIDADE NÃO ESSENCIAL
APROVEITAMENTO DO ACTO ADMINISTRATIVO
Sumário:I - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, pelo direito de audição antes da liquidação (artigos 267.º da CRP e 60.º da LGT).
II - A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente.
Nº Convencional:JSTA00067075
Nº do Documento:SA22011070605
Data de Entrada:01/05/2011
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO DE 2010/05/25 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - SISA.
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART60.
SIMSISD91 ART16 N1 ART16 PAR2.
DL 91/89 DE 1989/03/27 ART3 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC833/10 DE 2011/05/11.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…, S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 25 de Maio de 2010, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra acto de liquidação de SISA, relativo ao ano de 2003, no montante de € 86.540,28, apresentando as seguintes conclusões:
1.º A Recorrente não se conforma com a improcedência da impugnação, porquanto o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, aplicou erradamente o direito.
2.º De acordo com o princípio da participação constitucionalmente previsto e consagrado no artigo 60.º da LGT “A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se (…) por qualquer uma das seguintes formas: d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos quando não haja lugar a relatório de inspecção”.
3.º E tal como referido anteriormente, a “falta de audição dos interessados, quando obrigatória, constitui um vício do procedimento tributário, susceptível de conduzir à anulação da decisão nele tomada.”
4.º A referida “obrigação” da Administração Tributária apenas poderá ser afastada mediante a verificação de qualquer uma das situações, especificamente previstas no n.º 2 do referido artigo 60.º da LGT, que permitem a dispensa da audição prévia do contribuinte.
5.º Neste contexto, a Administração Tributária ao não cumprir com o direito de audição prévia à notificação da sociedade Recorrente da liquidação oficiosa de Imposto Municipal de SISA preteriu uma formalidade essencial a que se encontrava obrigada nos termos do disposto no artigo 60.º da LGT.
6.º Ora, a preterição dessa formalidade essencial constitui uma ilegalidade que vicia o acto tributário de liquidação do Imposto Municipal de SISA “sub judice”.
7.º Neste contexto, estando o acto de liquidação ferido de ilegalidade constitui a mesma fundamento de anulação do referido acto nos termos do artigo 99.º do CPPT, por violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT.
8.º A sentença recorrida violou o disposto no artigo 60.º número 1 a) da LGT.
Nestes termos, assinalada a ilegalidade da decisão em recurso, não poderá deixar de se reparar a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, concluindo-se pela procedência da impugnação e declarando-se, em consequência a anulação da liquidação oficiosa, em sede de Imposto Municipal de SISA e respectivos juros compensatórios.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a Sentença “a quo” ordenando-se a anulação da liquidação de Imposto Municipal de SISA e respectivos juros compensatórios constante dos autos.
Com o que V. Exas. Farão a habitual Justiça.
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência da impugnação judicial deduzida contra liquidação de Sisa no montante de € 94 862,52
FUNDAMENTAÇÃO
1. A recorrente não questiona a solução jurídica da questão da ilegalidade do acto tributário, por alegado erro sobre os pressupostos de facto e de direito, dirigindo exclusivamente a sua censura à solução da questão da preterição do direito de audição (fundamentação jurídica, fls. 49/52)
2. Omissão do direito de audição
I. O direito de audição de que gozam os contribuintes, consagrado sob diversas modalidades no art. 60.º nº1 LGT, constitui direito constitucional aplicado, enquanto corolário do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhe digam respeito, visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses (artigo 267.º n.º 5 CRP)
A preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final.
Não estando o direito de audição contemplado em formas especiais do procedimento tributário deve ser garantido mediante aplicação subsidiária das normas pertinentes do CPA (arts. 100º e sgs.)
II. No caso sob análise:
a. A invocação pela recorrente de violação da norma constante do art. 60º nº1 al. d) LGT é espúria, considerando que o acto de liquidação de Sisa não foi precedido de “acto de fixação da matéria tributável por métodos indirectos (2ª conclusão)
b. A liquidação e pagamento da Sisa são posteriores ao acto translativo dos bens, quando resultarem de caducidade de isenção (arts. 47º e 115º parágrafo 5º CIMSISD)
c. O direito de audição do contribuinte antes da liquidação decorrente da caducidade da isenção é exercido mediante apresentação de justificação para a falta de verificação dos pressupostos determinantes da isenção, a apreciar pelo Ministro das Finanças, no prazo de 30 dias subsequente ao termo final do prazo de dois anos iniciado na data da aquisição do prédio para revenda (art. 16.º n.º 1 e parágrafo 2º CIMSISD)
d. O recorrente não exerceu o direito de audição conferido normativamente, nos termos supra indicados (cf. II – Matéria de facto apurada)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada (com a fundamentação enunciada).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se a falta de audição do contribuinte em momento anterior à liquidação oficiosa de SISA por caducidade da isenção, nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), determina a anulabilidade da liquidação.
5 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos (que vão por nós enumerados):
1 – Por escritura pública, celebrada em 10/12/1998, a impugnante adquiriu, para revenda, um prédio rústico, terreno a pinhal e mato, com a área de 37545m2, sito no lugar de …, em Milheiros, na Maia, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 17 - cfr. fls. 13 e 17 do processo administrativo, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
2 – Consta do teor desta escritura pública que a transmissão operada está isenta de SISA, nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do CIMSISD.
3 – Em 10/03/1999, a ora impugnante comunicou ao respectivo serviço de finanças que havia adquirido este imóvel para revenda, que o mesmo passou a figurar nas “existências da empresa” e foi contabilizado como tal em 10/12/1998 e que se encontra colectado pela 1.ª Repartição de Finanças do Concelho da Maia, desde 1978, pela actividade de construção civil, compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim – cfr. fls. 12 do processo administrativo, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
4 – Este prédio adquirido e inscrito na matriz sob o artigo 17 deu origem a dois prédios: um inscrito sob o artigo U-1852 e o outro sob o artigo U-1841.
5 – Concernente ao primeiro, em 21/11/2001, foi emitido alvará de licença de construção n.º 931/01 pela Câmara Municipal da Maia, em nome da impugnante, no âmbito do processo de licenciamento n.º 8154/99, através do qual foi licenciada uma construção de muro e uma construção sobre esse prédio adquirido em 10/12/1998 – cfr. fls. 20 e 21 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
6 – Em 18/04/2001, por escritura pública, a impugnante cedeu ao Município da Maia uma parcela de terreno, com a área de 9347m2, a destacar do prédio em causa inscrito sob o artigo 17 – cfr. fls. 21 verso a 23 do processo administrativo, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
7 – Pelo ofício n.º 23003, datado de 17/11/2002, a impugnante foi notificada em 02/12/2002, nos termos do artigo 116.º do CIMSISD, para efectuar o pagamento da importância de € 85.194,68 a título de imposto de SISA, respeitante à compra do imóvel inscrito sob o artigo 17 em 10/12/1998 - cfr. fls. 18 e 18 verso do processo administrativo, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
8 – Neste ofício consta a seguinte nota, cujo teor se transcreve: “Em 6/12/2001, foram apresentadas DC modelo 129 com dois lotes de terreno, arts. 1841 e 1852, indicando a data de passagem a urbano em 21/11/2001”.
9 – Pelo Ofício n.º 19726, datado de 14/10/2003, a impugnante foi notificada em 17/10/2003, nos termos do artigo 116.º do CIMSISD, para efectuar o pagamento do imposto de SISA no montante de € 86.540,28, respeitante à mesma compra do prédio inscrito sob o artigo R-17, com expressa menção que esta notificação substitui o anterior ofício n.º 23003, de 17/11/2002 – cfr. fls. 25 verso e 26 do processo administrativo, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
10 – Desta notificação consta a seguinte fundamentação da liquidação do imposto: “(…) O referido prédio deu origem a 2 novos prédios: o art.º U – 1852, para o qual foi emitida licença de construção pela CM Maia, com despacho de 19/12/2000; e o art.º U-1841, cedido à CM Maia por deliberação de 11/01/2001, e escritura de cedência de 18/04/2001; tendo-lhe dado, assim, “destino diferente”, pelo que nos termos do n.º 1 do artigo 16.º e n.º 5 do 115.º do Código do Imposto de SISA, se verifica a perda da isenção e deveria ter solicitado o pagamento do imposto devido, o que não fez até à presente data.(…)”
11 – Por no terreno transaccionado (R-17) ter sido edificado um imóvel, constituído em regime de propriedade horizontal, cuja construção foi iniciada em 21/11/2001 e concluída em 10/04/2004; em 20/10/2004, foi apresentado no Serviço de Finanças da Maia – 1 declaração para efeitos de inscrição do prédio na matriz predial, em conformidade com o disposto no artigo 13.º do Código do IMI – cfr. fls. 20, 21, 30 e 31 (e 32 a 55) do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se tem por reproduzido.
12 – Como consta da notificação para pagamento do imposto de SISA, a impugnante não solicitou a respectiva liquidação, nem pagou o imposto no prazo de 30 dias a contar da data em que a isenção terá ficado sem efeito.
13 – Nesta sequência, A Administração Tributária procedeu à liquidação do imposto, sem previamente enviar notificação expressa com a finalidade de a impugnante exercer direito de audição.
14 – A presente impugnação foi apresentada em 22/12/2003 neste tribunal – cfr. carimbo aposto no rosto da petição inicial a fls. 2 do processo físico.
6 – Apreciando.
6.1. Da preterição do dever de audição prévia à liquidação nos termos do artigo 60.º da LGT
A sentença recorrida, a fls. 46 a 59 dos autos, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, considerando não haver erro quanto aos pressupostos que fundamentaram a liquidação de Sisa efectuada pela Administração Tributária em virtude da caducidade da isenção de que o adquirente gozara aquando da aquisição de prédio rústico (em razão de não o ter revendido no estado que o adquirira) e bem assim, quanto à omissão do direito de audição, de que não foi preterida formalidade essencial que inquinasse o acto de liquidação, antes a omissão de tal dever consubstanciar-se-ia em mera irregularidade não invalidante da liquidação, pois que não se vislumbra que a Administração Tributária tivesse qualquer espaço de conformação que lhe possibilitasse uma actuação final diversa daquela que empreendeu (…), não podendo praticar nem outro acto, nem este mesmo acto que praticou em medida diversa (cfr. sentença recorrida, a fls. 58 dos autos).
Alega, contudo, a recorrente, em síntese, que impondo o artigo 60.º da Lei Geral Tributária, de acordo com o princípio da participação constitucionalmente previsto, a audição prévia à liquidação, salvo no caso de dispensa legal de tal dever que in casu não se verificaria, sendo esse dever preterido verifica-se vício do procedimento tributário, susceptível de conduzir à anulação da decisão nele tomada.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, no seu parecer junto aos autos e supra transcrito, pronuncia-se no sentido do não provimento do recurso, por entender que o direito de audição do contribuinte antes da liquidação decorrente da caducidade da isenção é exercido mediante apresentação de justificação para a falta de verificação dos pressupostos determinantes da isenção, a apreciar pelo Ministro das Finanças, no prazo de 30 dias subsequente ao termo final do prazo de dois anos iniciado na data da aquisição do prédio para revenda (art. 16.º n.º 1 e parágrafo 2º CIMSISD).
Vejamos.
Consta do probatório fixado (cfr. o seu n.º 13) que a Administração tributária não notificou o contribuinte para audiência prévia antes da liquidação do imposto, restringindo-se o presente recurso à questão de saber se a preterição de tal dever deve determinar a anulabilidade do acto de liquidação, como alega a recorrente, ou se, pelo contrário, se deve ter como mera irregularidade sem eficácia invalidante, atento ao princípio do aproveitamento do acto, como decidido pela sentença recorrida.
Não colhe, no caso, a argumentação do Ministério Público no sentido de que que o direito de audição do contribuinte antes da liquidação decorrente da caducidade da isenção é exercido mediante apresentação de justificação para a falta de verificação dos pressupostos determinantes da isenção, a apreciar pelo Ministro das Finanças, no prazo de 30 dias subsequente ao termo final do prazo de dois anos iniciado na data da aquisição do prédio para revenda, ex vi do disposto no artigo 16.º n.º 1 e parágrafo 2º Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre Sucessões e Doações (CIMSISD), pois o referido parágrafo 2.º do artigo 16.º do CIMSISD foi revogado pelo n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 91/89, de 27 de Março, cuja entrada em vigor se deu no dia seguinte ao da sua publicação (cfr. o art. 4.º do referido diploma).
Atento o disposto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) manifesto é que a audição do contribuinte pela Administração em momento anterior à liquidação não estava dispensada (cfr. o n.º 2 e 3 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária), antes lhe era imposta pela alínea a) do n.º 1 do mesmo preceito legal.
Sucede, porém, que, atento ao facto de o imposto ter sido liquidado exactamente sobre o valor atribuído ao prédio na escritura de compra e venda – 213.500.000$00, ou seja 1.064.933,51 € (cfr. o valor constante da escritura, a fls 14 do apenso administrativo, e o que serviu de matéria colectável ao imposto liquidado, a fls. 18 do apenso administrativo) –, não tendo a Administração posto em causa ou divergido de tal valor, é aplicável no caso dos autos, como bem decidido, a denominada teoria do aproveitamento dos actos, nos termos da qual a omissão do dever de audição consubstanciar-se-ia em mera irregularidade não invalidante da liquidação, pois que mesmo que o dever de audição tivesse sido cumprido a decisão final do procedimento tributário de liquidação não poderia deixar de ser diferente (cfr., entre outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 11 de Maio de 2011, rec. n.º 833/10, que subscrevemos) ou, como expressivamente se consignou na sentença recorrida, não se vislumbra que a Administração Tributária tivesse qualquer espaço de conformação que lhe possibilitasse uma actuação final diversa daquela que empreendeu (…), não podendo praticar nem outro acto, nem este mesmo acto que praticou em medida diversa.
Daí que deva concluir-se, como decidido e ao contrário do que pretende a recorrente, que a omissão do dever de audição se consubstanciou, in casu, na preterição de formalidade não essencial, não se projectando como vício invalidante da liquidação efectuada.
O recurso não merece, pois, provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 6 de Julho de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Dulce Neto - Valente Torrão.