Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0299/09
Data do Acordão:09/10/2009
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:RUI BOTELHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DOS ENTES PÚBLICOS
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
Sumário:I - De acordo com o preceituado no n.º 1 do art.º 227 do CC "Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte".
II - O desrespeito por aquele preceito, quando o infractor é uma entidade pública, remete-nos para o art.º 2 do DL 48051, de 21.11.67, em cujo n.º 1 se vê que "O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício".
III - Não viola as regras da boa fé, e por isso, o preceituado na primeira parte do citado n.º 1 do art.º 227, o comportamento da Administração Pública, que, no âmbito de uma privatização de parte do capital social de duas empresas, disponibiliza aos concorrentes todas as informações sobre a avaliação do respectivo património, que os interessados puderam analisar e testar, avaliação efectuada com recurso a entidades privadas de idoneidade reconhecida, ainda que, posteriormente, uma delas venha a concluir, já depois de concluído o processo de privatização e pago o respectivo preço, que os dados fornecidos anteriormente podiam não estar certos.
Nº Convencional:JSTA00065919
Nº do Documento:SA1200909100299
Data de Entrada:03/16/2009
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS E B...
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Legislação Nacional:CCIV66 ART227 ART564 ART762 N2 ART342 N1 ART350 ART473 ART563.
DL 48051 DE 1967/11/21 ART2 N1 ART6.
CONST76 ART266 N2.
CPA91 ART6-A.
DL 142-A/91 DE 1991/04/10 ART97.
Jurisprudência Nacional:AC STJ PROC05B2354 DE 2005/12/21.; AC STJ PROC04B2992 DE 2004/11/18.; AC STA PROC875/05 DE 2006/10/31.; AC STA PROC962/03 DE 2004/03/17.; AC STA PROC1001/07 DE 2008/01/21.; AC STA PROC48077 DE 2002/05/09.
Referência a Doutrina:PIRES DE LIMA E OUTRO CÓDIGO CIVIL ANOTADO ART1648.
COUTINHO DE ABREU DO ABUSO DO DIREITO 1983 PAG55.
MENEZES CORDEIRO OBRIGAÇÕES 1980 VI PAG145.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I Relatório
O ESTADO PORTUGUÊS vem recorrer da sentença do TAC de Lisboa que, em sede de acção declarativa de condenação com processo ordinário, o condenou a pagar à B..., SA, a quantia de Esc. 624.479.506$20, no correspondente contravalor de 3.114.890,65 Euros, acrescida de juros moratórios. Esta, por sua vez, notificada da admissão do recurso interposto pelo Estado Português, deduziu um recurso subordinado, limitado às questões cuja decisão lhe foi desfavorável.
O Estado Português alegou, concluindo como segue:
1. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 277.° do Código Civil e 2.° e 6.° do Decreto-Lei n.° 48051, de 21 de Novembro de 1967;
2. O Tribunal a quo apreciou e valorou mal a prova, existindo, por conseguinte, erro no julgamento;
3. Ainda que assim se não entenda, sempre se dirá que a matéria de facto é insuficiente para o Tribunal considerar verificados os requisitos de responsabilidade civil do Estado;
4. Não tem cabimento o pagamento de qualquer indemnização por parte do Réu Estado Português, uma vez que não ficou demonstrada, na sentença, a existência de qualquer dano;
5. O pressuposto da existência do dever de indemnizar, resultante do exercício deficiente do dever de informar, assenta na existência efectiva de vício de informação, o que não se acha provado;
6. Já que apenas são indemnizáveis os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido, se não fosse a lesão;
7. A sentença violou, por isso, o disposto no artigo 563.° do Código Civil.”
A Recorrida B... contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1ª. A sentença recorrida não padece de vício de violação de lei - artigo 227° do CC e artigos 2° e 6° do Decreto-Lei n.° 48051 de 21 de Novembro de 1967, pelo que improcede a conclusão 1 do recorrente;
2ª. Não tendo o Tribunal a quo apreciado e valorado mal a prova dos autos, a decisão proferida não padece de vício de “erro de julgamento”, nem enferma a prova de “insuficiência”, conforme invocado na conclusão 2ª;
3ª. Pelo contrário, a factualidade assente é cabal e suficiente ao julgamento da responsabilidade do Estado ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pela B..., quer os reconhecidos no aresto recorrido, quer, ainda, os reclamados no recurso subordinado interposto pela recorrida;
4ª. Ficou provado que o Estado disponibilizou, na fase de concurso de privatização da C..., um conjunto de documentos confidenciais, no qual se incluía um Relatório de avaliação do Fundo de Pensões - fls. 29 a 33 dos autos - que continha avaliação das responsabilidades do Fundo à data de 31 de Dezembro de 1993, cfr. alíneas i) e j) de fls. 1000 da factualidade assente;
5ª. Nesse Relatório continha-se avaliação actuarial em dois cenários, sendo que o denominado “Cenário 1”, revelava um défice de financiamento das responsabilidades do Fundo no montante de 368.560 contos. cfr. alíneas m) e n) de fls. 1001;
6ª. A C... e o Estado adoptaram como bom e tomaram em consideração o “Cenário 1”, ao elaborar e aprovar, respectivamente, o Relatório de Gestão e as Contas da C... relativas ao exercício de 1993, cfr. alíneas) de fls. 1001;
7ª. Desse Relatório da Gestão e dos Pareceres, Relatórios e Deliberações que o aprovaram, ficou a constar que “para cobertura da diferença existente entre as responsabilidades por Serviços Passados e o valor global do Fundo, foi constituída uma Provisão de 368.560 contos”. cfr. alínea q) de fls. 1002 da factualidade assente;
8ª. O agrupamento D..., apresentou a sua proposta no concurso de privatização da C... e ofereceu o preço de 2.912$00 por acção (12$00 acima do preço fixado pelo Estado), cfr. alínea s) e v) de fls. 1002 e alínea g) de fls. 1000;
9ª. Através da Resolução do Conselho de Ministros n.° 52/94 de 16 de Junho, o Estado confirmou o agrupamento D... como adquirente do bloco de acções constituído por 10.928.000 acções da C..., cfr. alínea u) de fls. 1002;
10ª. A S..., ora recorrida, sucedeu à D... no capital da C..., nos termos provados nas alíneas x), y) e z) de fls. 1003;
11ª. Em resultado das aquisições de acções efectuadas pela D... esta ficou a deter 13.166.340 acções da C..., tendo pago por acção o mesmo preço que a D... (2.912$00), cfr. alíneas bb) de fls. 1002 e tt) de fls. 1007;
12ª. Após tais aquisições, a B... veio a ser confrontada com novo relatório da entidade gestora, E..., que lhe foi enviado em 27.07.1995, que por referência da 30.06.1995, o Fundo de Pensões apresentava um défice de activos para financiar as responsabilidades num montante 1.305.773 contos, cfr. alíneas cc) e dd) de fls. 1003;
13ª. Assim, só na referida data de 27 de Julho de 1995 é que a aqui recorrida tomou conhecimento da existência de excesso da situação deficitária do Fundo, nos termos que constam da na alínea vv) de fls. 1007;
14ª. Com vista à determinação exacta do passivo do Fundo, a recorrida, solicitou e obteve da empresa “F...” novo relatório de avaliação do Fundo (fls. 52 a 63 dos autos) que veio a revelar que o valor das responsabilidades do Fundo de Pensões excediam em 1.530.678, à data de 31 de Dezembro de 1993, as que haviam sido informadas pelo Estado aos adquirentes das acções, cfr. alínea cc) de fls. 1004;
15ª. No âmbito dos contactos desenvolvidos entre o recorrente e a recorrida, esta, a pedido daquele, formalizou por escrito os danos cujo ressarcimento pretendia nos termos que constam da carta de 15 de Janeiro de 1997, cfr. alíneas nn) e oo) de fls. 1005 e 1006;
16ª. É manifesto, então, que dos factos provados resulta que o Estado, na fase de concurso de privatização da C... disponibilizou à interessada D..., informação que continha errada avaliação do Fundo de Pensões - a contida no Relatório da E... de fls. 29 a 33.
17ª. Tal informação errada induziu a referida interessada na convicção de que não havia quaisquer outras contingências deficitárias, para além do défice de 368.560 contos do Fundo de Pensões
18ª. Tendo ainda a provisão constituída no Relatório de Gestão e Contas da C..., no valor do referido défice de 368.560 contos, reforçado tal convicção, pelo que na proposta apresentada e preço oferecido não foi tomada em consideração qualquer excesso de défice para além daquele, pois nada fazia supor que o mesmo existisse;
19ª. De referir que ficou provado na alínea ggg) de fls. 1009 da sentença que a formação da vontade de contratar e o cálculo do preço das acções a oferecer por qualquer potencial comprador dependia da consulta do acervo de “documentos confidenciais” relativos à avaliação da C..., designadamente, os respeitantes à avaliação do Fundo de Pensões
20ª. Do mesmo modo, ficou ainda assente na alínea jjj) de fls. 1010, que foi com base na consulta e análise do conjunto de documentos, e por confiar na correcção da avaliação das empresas feita por ordem do Estado, que a D... apresentou a sua proposta;
21ª. Tal confiança saiu ainda reforçada pelo facto de a C..., ter sido avaliada por duas entidades financeiras independentes, G... e consórcio H... e, ainda, pelos organismos do Estado, “Secção Especializada de Apoio às Privatizações” e “Comissão de Acompanhamento das Privatizações, nos termos referidos nas alíneas lll) de fls. 1010 e qq) e rr) de fls. 1006;
22ª. E, ainda, pelo facto de todas as fases do processo de alienação das acções da C..., bem como os próprios relatórios de avaliação da empresa patenteados no concurso, terem sido objecto de análise e verificação por um serviço do Estado, a atrás referida “Secção Especializada”, cfr. provado na alínea fff) de fls. 1009;
23ª. Pelo que foi a interessada D... induzida na convicção de que todos os pressupostos e procedimentos previstos na Lei n° 11/90, de 5 de Abril tinham sido adequadamente cumpridos;
24ª. Desta factualidade retira-se que o Estado ao disponibilizar na fase Concurso a informação contida no Relatório do Fundo de Pensões de fls. 29 a 33 dos autos, que continha avaliação errada do Fundo, violou o “dever de informação” que está subjacente ao cumprimento das regras da boa fé na fase pré-contratual, incorrendo assim na responsabilidade de reparar os danos causados à ora recorrente, face ao disposto no artigo 227° do CC;
25ª. No caso vertente, impunha-se ao Estado que fornecesse informação completa e correcta, o que pressupõe a verificação prévia da veracidade da mesma, pelo que aquele violou culposamente, o dever de informação que sobre ele impendia com vista ao rigoroso cumprimento das regras da boa fé, na fase formativa do contrato.
26ª. O “dever de informação” relevante em processos de aquisição de empresas, mormente o da privatização dos autos, é o que respeita à situação económico-financeira da empresa que, no caso, a interessada D... não pode avaliar adequadamente porque lhe foi omitida a real e efectiva situação deficitária do Fundo de Pensões;
27ª. É com base na análise da referida situação económico-financeira da empresa que os interessados apuram a “valia” daquela para, nessa conformidade, apurarem e proporem o preço por acção, correspondente ao “valor de mercado”;
28ª. Pelo que como bem referido na sentença a fls. 1035, penúltimo parágrafo, “se os elementos relativos ao défice do Fundo fossem conhecidos o preço dessas acções sofreria o efeito da sua desvalorização financeira; por isso, ... seria expectável que o preço das acções reflectisse o esforço monetário global que a sociedade teria de efectuar para colmatar as insuficiências do Fundo”
29ª. Ora no caso dos autos ficou provado que a C..., quando já era detida pela ora recorrente, para fazer face à deficiência de meios financeiros do Fundo, entregou à E..., entre 1994 e 1998 importâncias que atingiram um total de 2.437.285 contos e, no decurso de 1999 uma contribuição extraordinária de 160.9311 contos, cfr. provado nas alíneas ddd) e eee) de fls. 1008 e 1009;
30ª. E ficou, ainda, provado que se em 31.12.1993 os cálculos do Fundo estivessem correctos, e se tal Fundo estivesse provisionado com os activos necessários, a ora recorrente não teria desembolsado, pelo menos, o montante de 1.568.201 contos, cfr. provado na alínea iii) de fls. 1009;
31ª. Com tal conduta, o recorrente Estado, violou, igualmente, os “princípios da transparência”, “rigor” e “isenção”, subjacentes aos processos de privatização, conforme impunha o artigo 20° da Lei n.° 11/90 de 5 de Abril (Lei Quadro das Privatizações);
32ª. E, como se viu o artigo 227º do CC, face à violação das regras da boa fé, e nessa medida, também os artigos 22°, 266° da CRP e artigo 6°-A do CPA;
33ª. Sendo, assim, responsável pelo ressarcimento dos danos causados à recorrente, B..., que se reconduzem à indemnização fixada na sentença recorrida e, ainda, à peticionada em sede de recurso subordinado interposto pela aqui recorrida;
34ª. Improcedendo, assim, todas as conclusões de recurso do Estado Português.
Nestes termos e nos demais que V. Exas. entendam suprir, deve o presente recurso ser julgado improcedente e não provado, negando-se o respectivo provimento, e em consequência, ser mantida a sentença recorrida na parte referente à indemnização já fixada à ora recorrida, tudo com as consequências legais aplicáveis. Decidindo nessa conformidade, far-se-á a costumada JUSTIÇA.
No recurso subordinado, a B... SA alegou, concluindo como segue:
1. Resultou amplamente demonstrado nas alegações do presente recurso, que a sentença recorrida ao julgar, apenas, parcialmente procedente o direito ao ressarcimento da aqui recorrente, pelos danos decorrentes dos erros de avaliação do Fundo Pensões da C..., incorreu em vício de violação de lei, designadamente, do artigo 227° do Código Civil, e, igualmente, dos artigos 22° e 266° da CRP e, ainda, do artigo 6°-A do CPA;
2. O Tribunal a quo ao ter entendido que o recorrido, Estado, não violou o “dever de informação” que sobre ele impendia quanto aos erros de avaliação do Fundo de Pensões da C..., decorrentes dos pressupostos relativos ao “impacto da legislação da Segurança Social” e à falta de utilização das adequadas “tábuas de mortalidade, e, do mesmo modo, ao negar o direito à compensação da ora recorrente pela “perda de rentabilidade” daquele Fundo de Pensões, não curou de efectuar o necessário “juízo casuístico” e a adequada interpretação das disposições legais aplicáveis;
3. Um tal juízo não pode proceder face à factualidade assente nos presentes autos e face, ainda, ao direito aplicável;
4. Desde logo, porque os referidos erros de avaliação - “impacto de legislação da Segurança Social” e “tábuas de mortalidade” - constituíram, igualmente, pressupostos da avaliação do Fundo de Pensões da C... reportada a 31 de Dezembro de 1993, cfr. Relatório de Avaliação da E... de 11 de Janeiro de 1994 (fls. 29 a 33 dos autos), disponibilizado na fase de concurso de reprivatização da C...;
5. E, contribuíram, também, tais “erros” de avaliação, à semelhança dos restantes considerados na sentença recorrida, para o excesso de défice que, afinal, o Fundo de Pensões da C... veio a revelar após a aquisição pela ora recorrente das acções da C... e, nessa medida, para a “desvalorização” da “valia económica” daquela empresa;
6. De salientar que a avaliação do Fundo de Pensões constante do Relatório da sociedade gestora, E..., de fls. 29 a 33, integrou um conjunto de “documentação confidencial” relativa à empresa C..., cfr. provado nas alíneas i) e j) de fls. 1000 da factualidade assente na sentença;
7. A avaliação em causa, continha dois cenários de avaliação de tal Fundo - “Cenário 1” e “2” -, nos termos que se encontram referidos nas alíneas l) a p) de fls. 1001 da sentença;
8. Sendo que, como ficou provado nos autos, a C... e o Estado adoptaram como bom e tomaram em consideração o “Cenário 1” ao elaborar e aprovar. Respectivamente o Relatório de Gestão e Contas da C... relativas ao exercício de 1993, cfr. alínea p) de fls. 1001;
9. Uma vez que, “para cobertura da diferença existente entre as responsabilidades por Serviços Passados e o valor global do Fundo” foi constituída uma provisão de 368.560 contos”, que correspondia ao montante de défice constante do “Cenário 1” de avaliação do Fundo - cfr. alínea q) da factualidade assente a fls. 1002 -, tal como atesta o Relatório de Gestão e Contas, Pareceres e demais deliberações da C... relativas ao exercício em causa, 1993 (fls. 34 a 38 a dos autos), e que, igualmente, integraram o cervo de “documentação confidencial” disponibilizado à interessada D..., na fase de concurso de reprivatização;
10. Ora, encontrando-se o défice do Fundo de Pensões acautelado, como se viu, pela provisão nas contas da C..., nada fazia supor à interessada D... que contingências deficitárias superiores existissem à data daquele concurso, e que pudessem, nessa medida, afectar a valia económica da C..., nem se poderia suspeitar que o défice de tal Fundo de Pensões da C... se viesse a revelar superior, como efectivamente veio a suceder;
11. Até porque a confiança e convicção da proponente, D..., estava reforçada pelo facto de a avaliação do Fundo de Pensões ter sido efectuada pela respectiva “sociedade gestora”, E..., o que, naturalmente, conferia credibilidade a tal avaliação, pelo suposto e inerente conhecimento das realidades subjacentes ao Fundo, método e correcção da avaliação;
12. A convicção daquela interessada, foi, ainda, induzida pelo facto de o processo de privatização da C... ter sido alvo de apurada supervisão por parte do Estado, uma vez que todas as “fases do processo de alienação das acções da C..., bem como os próprios relatórios de avaliação da empresa patenteados no concurso, foram objecto de análise e verificação por um serviço do R. Estado especialmente incumbido de acompanhar este tipo de processo, denominado Secção Especializada de Apoio às Privatizações do Ministério das Finanças” cfr provado na. alínea fff) de fls. 1009 da sentença;
13. Ao que acresce, conforme ficou provado nos autos, que foi com base na consulta e análise do conjunto de documentos disponibilizados aos concorrentes pelo Estado - contando-se, entre eles como se viu atrás, o Relatório de Avaliação da E... de fls. 29 a 33 datado de 11 de Janeiro de 1994, cfr. alínea v) de fls. 1002 da sentença;
14. E, por confiar na correcção da avaliação das empresas – B... e C... - feita pelo Estado, que a interessada, D..., apresentou a sua proposta no concurso e a correspondente oferta de 2.912$00, por acção, cfr. provado nas alínea jjj) de fls. 1010;
15. Refira-se que o preço oferecido pela interessada, D... - Esc. 2.912$00 -, foi igualmente pago pela recorrente B..., cfr. provado nas alíneas v) e tt), respectivamente de fls. 1002 e fls. 1007, e cifrou-se em montante superior aos Esc. 2.900$00 que o Estado havia fixado nos termos previstos na alínea h) de fls. 1000 da sentença;
16. Resulta, então, manifesto que a confiança da interessada D... e, da ora recorrente B..., veio a ser defraudada, quando posteriormente à aquisição da C... por esta última, o défice do Fundo se veio a revelar bastante superior ao informado na fase de concurso, afectando de forma manifesta a valia económica e saúde financeira da C...
17. Já que, conforme igualmente provado nos autos, só após a aquisição da C... pela aqui recorrente, é que esta tomou conhecimento do excesso verificado na situação deficitária do Fundo de Pensões à data do concurso de reprivatização, cfr. provado na alínea vv) de fls: 1007;
18. Ora, no caso vertente, incumbia ao Estado, enquanto promotor do concurso público de reprivatização da C... fornecer aos interessados informação completa, rigorosa e correcta com vista a habilitar aqueles com os elementos necessários à formação da sua vontade de contratar e preço adequado a oferecer, em conformidade com a efectiva valia económica da empresa
19. Era este o escopo do “dever de informação” a cujo cumprimento estava obrigado, com vista a assegurar as necessárias regras da boa fé e a tutela da confiança dos interessados, tal como previsto no artigo 227°, n.° 1 do Código Civil, e, ainda, artigos 22° e 266° da CRP e 6° do CPA;
20. Acrescendo, ainda, que o concurso em causa deveria nortear-se pelo respeito dos princípios da transparência, rigor e isenção, conforme imposto pelo artigo 20º da Lei n.° 11/90 de 5 de Abril (Lei Quadro das Privatizações), que igualmente, veio a ser violado pelo Estado, aqui recorrido;
21. Pelo que é, então, manifesto que à ora recorrente assiste, também, direito ao ressarcimento dos prejuízos decorrentes dos erros de avaliação do Fundo de Pensões da C..., correspondentes ao “impacto de legislação da Segurança Social” e das adequadas “tábuas de mortalidade”, os quais, em conjunto com os erros reconhecidos na sentença, contribuíram para uma situação deficitária do Fundo e da C..., afectando a “valia económica” da empresa, o que determinou que na aquisição da C... tivesse sido pago um preço excessivo;
22. Sendo, ainda, aquele - Estado - responsável pela “perda de rentabilidade” que o Fundo veio a revelar face ao défice de que padecia, o que, naturalmente, afectou, também, negativamente, a “valia económica” da C... e o preço pago;
23. Face ao que, não pode proceder a fundamentação explanada na sentença recorrida quanto à exclusão de ressarcimento destes prejuízos à aqui recorrente, com base no entendimento de que a interessada D... deveria ter verificado aqueles pressupostos - “impacto da legislação da segurança social” e as adequadas “tábuas de mortalidade” -, até porque os efeitos daqueles se iriam repercutir na empresa e Fundo, após a transferência da propriedade;
24. Como, igualmente, improcede a conclusão de que, quanto a tais pressupostos, não houve violação do “dever de informação”, nem conduta culposa por parte do aqui recorrido Estado na tutela da confiança que lhe incumbia assegurar;
25. Tal improcedência deve-se, desde logo, ao facto de se afigurar absolutamente irrelevante que a repercussão dos efeitos decorrentes da avaliação com base nos pressupostos relativos ao “impacto da legislação da Segurança Social” e “tábuas de mortalidade”, se repercutissem após a aquisição da C..., conforme entendido pelo Tribunal a quo;
26. Porquanto, ao Estado, enquanto promotor do concurso público relativo à empresa que estava a reprivatizar, cabia o dever legal de “informar” adequada e correctamente, os interessados no concurso, quanto aos factores determinantes para a formação da vontade daqueles e preço a oferecer, observando, nessa medida, as regras da boa fé conforme preceituado no artigo 227°. n.° 1 do CC
27. E, tal “dever de informação” impõe, como se deixou amplamente exposto nas presentes alegações, que a “informação” prestada pelo Estado, no caso concreto da privatização dos autos, fosse esclarecedora e correcta, com vista, também, a assegurar a observância dos princípios da transparência, rigor e isenção dos processos de reprivatização, conforme impunha o artigo 20° da Lei n.° 11/90 de 5 de Abril (Lei Quadro das Privatizações);
28. Por outro lado, resulta, igualmente, manifesto que sobre a interessada D... não impendia o dever de verificação do rigor e correcção da informação disponibilizada pelo recorrido Estado quanto aos pressupostos de avaliação do Fundo de Pensões - “impacto da legislação da segurança social” e “tábuas de mortalidade”, até porque tendo tal avaliação sido efectuada pela respectiva “sociedade gestora”, e encontrando-se provisionado o défice do Fundo, nada fazia supor que a avaliação enfermava de erro;
29. Sendo que o “dever de informação” que impendia sobre o Estado no processo de reprivatização em causa, tem, necessariamente, que ser interpretado em conformidade com o sentido explanado pelo Prof. Antunes Varela na “anotação” ao “Acórdão arbitral de 31 de Março de 1993” referente à operação de venda da já “Sociedade Financeira Portuguesa”, a págs. 348 da RLJ n.° 3836: “a informação relativa à referida “situação económico-financeira” da empresa constituía o elemento fundamental do dever de informação que impende sobre os alienantes do capital social das empresas públicas em reprivatização”;
30. Aliás, o entendimento explanado na sentença recorrida, a fls. 1022, quanto aos danos cujo ressarcimento foi reconhecido, e que se baseia no ensinamento do Prof. Henrique Mesquita, é igualmente, aplicável e transponível para o ressarcimento dos danos objecto do presente recurso: “o investidor não tem que procurar elementos mais ou menos veladamente dissimulados, não tem que recear pela completude ou seriedade de dados nele expostos, nem tem que se preocupar com “démarches” suplementares: basta-lhe a confiança nos elementos postos à sua disposição…;
31. Nessa medida, padecendo a informação disponibilizada de erros que inquinavam a valia da empresa a reprivatizar, como sucedeu no caso vertente, é manifesta a violação culposa do dever legal de “informação” por banda do Estado, sendo irrelevante que tais danos ou parte deles, como quer fazer crer a sentença, se produzam após a aquisição da empresa, até porque, o que releva no apuramento das responsabilidades, é o momento em que ocorreu o acto danoso e aquele em que o lesado dele tomou conhecimento
32. É que o “dever de informação” que impende sobre o alienante, neste caso, o caso do Estado no processo de reprivatização destes autos, é especialmente reforçado e regulado, corporizando-se no momento prévio à aquisição. uma vez que. Com base na referida “informado” que o interessado forma a sua vontade na dupla vertente: decisão de contratar e preço a oferecer
33. Foi exactamente, o que sucedeu no caso dos autos, já que resultou provado que “foi com base na consulta e análise do conjunto de documentos, referidos em v), e por confiar na correcção da avaliação das empresas feita por ordem do R. Estado, que a D... apresentou a sua proposta”, cfr. alínea jjj) de fls. 1010 da sentença, pelo que, está manifestamente, verificado, o necessário “nexo de causalidade”, entre a informação prestada pelo Estado e os prejuízos incorridos pela aqui recorrente, cabendo-lhe, assim, o competente ressarcimento;
34. Conclui-se, assim, que qualquer “gestor-prudente”, colocado nas condições da D..., face aos circunstancialismos inerentes ao processo de privatização dos presentes autos, e ao teor da “documentação confidencial” disponibilizada, não iria investigar a “credibilidade” e a “correcção” da informação disponibilizada;
35. E o facto é que, no caso, ficou manifestamente provado que os documentos disponibilizados pelo Estado, na fase de concurso, e a forma como aquele decorreu, bem como, a intervenção e relatórios das entidades avaliadoras, quer externas, quer os próprios serviços do Estado, induziram e reforçaram a confiança da D... de que estavam reunidos os pressupostos e elementos necessários à sua adequada formação de vontade de contratar, à valia económica da C... e preço a oferecer.
36. Pelo que, quanto aos danos decorrentes do facto de a avaliação do Fundo não ter tido em conta o “impacto da legislação da segurança social” e das adequadas “tábuas de mortalidade”, o Estado estava, igualmente, vinculado ao cumprimento do “dever de informação”, enquanto corolário do princípio da boa-fé, que igualmente lhe compete prosseguir, face ao disposto pelo artigo 227°, n.° 1 do CC, artigos 22° e 266° da Constituição (CRP), 6°-A do Código de Procedimento Administrativo (CPA), sendo assim responsável pelo ressarcimento dos danos causados à ora recorrente
37. De salientar, ainda, quanto aos erros de avaliação aqui em causa, que a “Nota” da “Secção Especializada de Apoio às Privatizações” de fls. 887 dos autos, reconheceu quanto à questão das “tábuas de mortalidade”, que “uma avaliação prudente das responsabilidades com pensões passa pela adopção de tábuas de mortalidade mais aderentes à realidade”.
38. E constata, ainda, a “Nota” em questão, quanto às contingências financeiras decorrentes do “impacto da nova legislação da segurança social”, que a “exclusão deste factor de diferença pode, no entanto, ser controversa, visto o vendedor ser, indirectamente, o Estado, e, portanto, o legislador”, concluindo pela “… razoabilidade de uma eventual ponderação de compensação decorrente da alteração do regime de pensões da segurança social”
39. O Tribunal a quo não poderia, assim, ter decidido pela exclusão do ressarcimento da ora recorrente, quanto aos danos decorrentes dos vícios de avaliação relativos ao “impacto da legislação da segurança social” e “tábuas de mortalidade”, pois era ao Estado que competia fornecer e garantir a correcção da informação, verificando-se, in casu, a adequada “causalidade” da avaliação contida no Relatório de avaliação de fls. 29 a 33, com os danos causados à ora recorrente;
40. Do mesmo, ficou a ora recorrente, igualmente, lesada com a decisão contida no atesto em recurso, que julgou improcedente o seu pedido relativo à “perda de rentabilidade” do Fundo de Pensões e, que não pode proceder;
41. Desde logo, porque conforme devidamente assinalado nas alegações, sendo a “gestão financeira” uma das actividades inerentes aos Fundos de Pensões, é manifesto que aquela pressupõe a aplicação e rentabilização de activos
42. Ora, no caso vertente, a provisão constituída para acautelar o défice de 368.560 contos do Fundo de Pensões da C..., revelava à interessada D..., que estava acautelada a gestão financeira daquele Fundo de Pensões e a respectiva rentabilidade, pelo que foi, igualmente, com essa expectativa que aquela contratou e ofereceu o seu preço;
43. Daí que se a referida interessada conhecesse, à data da sua proposta, que tal Fundo padecia de défice superior ao provisionado nas contas da C..., teria, então, tido oportunidade para acautelar tal contingência no preço oferecido;
44. Ao que acresce que, tal como provado nos autos, para fazer face à deficiência de meios financeiros do Fundo de Pensões, a C..., posteriormente aquisição pela recorrente, se viu forçada a desembolsar entre 1994 e 1998, quantias que atingiram um total de Esc. 2.437.285.000$00 e, em 1999, Esc. 160.931.000$00, (alíneas ddd) e eee) de fls. 1008 e 1009 da sentença);
45. Tendo, igualmente, ficado provado que, quando a ora recorrente era já titular das acções da C... a avaliação do Fundo, à data de 31 de Dezembro de 1993, padecia de erros de diversa natureza e ordem, que provocaram um excesso de 1.568.201 contos que, caso tivessem, adicionados aos activos do Fundo de Pensões em 31.12.1993, gerariam uma receita correspondente ao rendimento médio de 10% ao ano entre 31.12.1993 e 31.08.1999, cfr. provado na alínea iii) de fls. 1009 da sentença;
46. Verifica-se, então, que o teor da informação fornecida ao agrupamento D..., designadamente, o Relatório da E... de fls. 29 a 33, e restante documentação relativa à C... e Relatório de Gestão e Contas que atestava a constituição de provisão do Fundo no montante de 368.560 contos indicados como défice no Relatório da E..., induziram, igualmente a D... na convicção que o Fundo estava apto a gerar o rendimento inerente que, tal, como se veio a provar nos autos, era de 10% ao ano;
47. Sendo ainda relevante considerar que foi o Estado que seleccionou e coordenou a informação contida na “documentação confidencial” fornecida à interessada D..., no âmbito do concurso público de privatização, tendo praticado os actos de gestão pública subjacentes à privatização da C..., tendo nessa medida, igualmente violado o disposto no artigo 2° do Decreto-Lei n.° 48051 de 21 de Novembro de 1957, pelo que é responsável pelos erros comidos naquela;
48. Tendo no caso dos autos sucedido conforme assinalado a págs. 12 no artigo “Culpa in contrahendo”, de Jorge Sinde Monteiro, in “Cadernos de Justiça Administrativa”, n.° 42 (Novembro/Dezembro 1993), que: “Por vezes, um dos contraentes está mesmo totalmente dependente das informações que o outro lhe há-de fornecer (...)”
49. Pelo que está, assim, demonstrada a “causalidade” adequada, entre a deficiente informação prestada pelo Estado e os danos sofridos pela ora recorrente, que consistiram na violação do dever de informação a que aquele estava vinculado;
50. Aplicando-se também quanto a estes danos, o argumento explanado na sentença a fls. 1035, penúltimo parágrafo, “se os elementos relativos ao défice do Fundo fossem conhecidos, o preço dessas acções sofreria o efeito da sua desvalorização financeira; por isso (...) seria expectável que o preço das acções reflectisse o esforço monetário global que a sociedade teria de efectuar para colmatar as insuficiências do Fundo”
51. Assiste, então, direito ao ressarcimento da aqui recorrida pela “perda de rentabilidade” do Fundo, assim, como lhe assiste direito ao ressarcimento dos danos causados pela errada avaliação do Fundo decorrente do “impacto da legislação da Segurança Social” e “tábuas de mortalidade”, nos termos do disposto nos artigos 227° e 562° do Código Civil, podendo, igualmente, se for entendido ser mais conforme ao caso dos autos, ser a indemnização devida calculada nos termos previstos no artigo 566° daquele CC.
52. Ressarcimento, esse, que se quantifica em indemnização no montante de Esc. 2.008.050.383$43 (€10.016.113,08), que adicionados à indemnização de Esc. 624.479.506$20 já fixados na sentença em recurso, constituem o efectivo prejuízo sofrido pela aqui recorrente que ascende a um total de Esc. 2.632.529.889$63 (€ 13.131.003,73), tudo acrescido dos respectivos juros de mora, conforme igualmente reconhecido naquele aresto, vencidos e vincendos até integral pagamento, cfr. artigos 805º, nº 2, alínea b) e 806º, nº 1 do Código Civil;
Nestes termos e nos demais de Direito que se entendam aplicáveis, deve julgar-se procedente e provado o presente recurso, revogando-se, em consequência, a decisão contida na sentença recorrida que indeferiu o direito da ora recorrente ao ressarcimento dos danos decorrentes do “impacto relativo às regras da Segurança Social”, “tábuas de mortalidade” e “perda de rentabilidade do Fundo”, com as demais consequências legais.”
Colhidos os vistos cumpre decidir.
II Factos
A sentença considerou assente a seguinte factualidade:
Factos provados considerados assentes no saneador:
a) Através do Decreto-Lei n.° 410/93, de 21 de Dezembro, e da Resolução do Conselho de Ministros n.° 10/94, de 3 de Fevereiro de 1994, o Governo aprovou a reprivatização conjunta das participações indirectas que o Estado Português então detinha no capital social da A. B... e no capital social da C...;
b) Nessa data a I... (SGPS), S.A. (adiante designada por I...), detinha participação no capital social da A., a e J..., S.A. (adiante designada por J...) detinha participação no capital social da C...;
c) Quer a I... quer a J... eram, então, sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, totalmente pertencentes ao Réu;
d) A reprivatização das referidas participações realizou-se em duas fases, sendo a primeira destinada à alienação indivisível, mediante concurso público, de 2.998.800 acções da A. e de 10.928.000 acções da C... e a segunda reservada aos trabalhadores da A., da C... e da J..., e a pequenos subscritores e emigrantes, consistindo na alienação, através de oferta pública, do remanescente das acções da A. e da C... que o R., através da I..., ainda detivesse;
e) Nestas últimas acções, alienadas na 2.ª fase da reprivatização, foram incluídas as acções da C... que a J... continuara a deter após a 1° fase da operação, as quais haviam, entretanto, sido vendidas à I...;
f) Os vencedores do concurso público ficaram obrigados a adquirir, ao preço por que houvessem pago as acções reprivatizadas na 1.ª fase, todas as acções que não fossem adquiridas na 2.ª fase, por trabalhadores, pequenos subscritores e emigrantes;
g) No concurso público daquela 1ª fase da reprivatização, o R. fixou o preço base da proposta a apresentar pelos concorrentes, de Esc. 10.400$00 por cada acção da B... e de 2.900$00 por cada acção da C..., sendo fixado, para o conjunto de acções a alienar naquela 1ª fase, um preço mínimo global de Esc. 62.878.720.000$00 (sessenta e dois mil oitocentos e setenta e oito milhões e setecentos e vinte mil Escudos) - art.° 6.° do Caderno de Encargos (CE);
h) A fixação desse preço foi efectuada com base nos relatórios das instituições que haviam procedido à auditoria e avaliação da A. e da C...;
i) Aos interessados no concurso público foi dado acesso aos relatórios das referidas auditoria e avaliação da A. e da C... incluídos num conjunto de documentação “de natureza confidencial” que o Réu se dispôs a fornecer, contra o pagamento da importância de Esc. 50.000.000$00;
j) Nessa documentação incluíam-se dados relativos ao chamado Fundo de Pensões da C...;
k) Esse Fundo constitui um património autónomo, gerido pela Companhia de Seguros E..., para o qual aquela C... havia transferido as suas responsabilidades quanto ao pagamento de complementos de reforma que assegurara aos seus trabalhadores;
l) Os dados que a respeito de tal Fundo o R. disponibilizou aos concorrentes continham-se num relatório, de 11 de Janeiro de 1994, relativo à avaliação actuarial do Fundo de Pensões C..., reportada a 31 de Dezembro de 1993 e realizada pela entidade gestora do Fundo, a Companhia de Seguros E..., S.A.;
m) Nesse relatório (de fls. 29 a 33 dos autos e cujo teor se dá aqui por reproduzido), a E... apresentava o resultado da avaliação actuarial em dois cenários: de acordo com o “Cenário 1” - que, segundo a E..., contemplava as “hipóteses habitualmente adoptadas” - as responsabilidades daquele Fundo por “Serviços Passados” ascenderiam, em 31 de Dezembro de 1993, a um total de 3.526.409.000$00, sendo o valor dos activos do Fundo, na mesma data, de Esc. 3.157.849.000$00;
n) De acordo com esse Relatório, para esse “Cenário 1”, existia um défice de financiamento das responsabilidades do Fundo no montante de 368.560.000$00;
o) Num outro cenário - o “Cenário 2” - as responsabilidades do Fundo por “Serviços Passados” corresponderiam a um total de 4.173.714.000$00, o que resultaria num défice de financiamento daquelas responsabilidades de 1.015.865.000$00;
p) A C... e o R. Estado adoptaram como bom e tomaram em consideração o “Cenário 1”, ao elaborar e aprovar, respectivamente, o Relatório da Gestão e as Contas da C... relativas ao exercício de 1993;
q) Desse Relatório da Gestão e dos Pareceres, Relatório e Deliberações que o aprovaram, ficou a constar que “para cobertura da diferença existente entre as responsabilidades por Serviços Passados e o valor global do Fundo, foi constituída uma Provisão de 368.560 contos”;
r) O agrupamento constituído pela D... formulou e apresentou, no concurso público respeitante à primeira fase, uma proposta de aquisição do mencionado bloco de acções representativas do capital da A. e do capital da C...;
s) Tal proposta foi apresentada pela D..., depois de ter pago 50.000 contos para ter acesso e poder consultar, como consultou, a “documentação de natureza confidencial” disponibilizada pelo Réu;
t) Essa proposta da D... veio a vencer o concurso;
u) Através da Resolução do Conselho de Ministros n.° 52/94, de 16 de Junho, o Governo homologou o resultado final daquele concurso público e confirmou o agrupamento liderado pela referida D... como adquirente do bloco constituído por 2.998.800 acções da A. e 10.928.000 acções da C...;
v) Por cada acção da C... o agrupamento vencedor propôs-se pagar e pagou, Esc. 2.912$00;
w) O R. Estado estabeleceu, como “condição de alienação” das acções, que os concorrentes oferecessem “garantias de proceder à gestão e exploração integradas da B... e da C..., em termos que o Governo considere adequados a uma situação equilibrada no mercado cimenteiro nacional”, ficando os concorrentes obrigados a indicar, detalhadamente, na sua proposta, qual a forma jurídica preconizada para assegurar esse objectivo fundamental do R., “com indicação dos prazos de concretização das operações visadas”;
x) O agrupamento vencedor, liderado pela D..., declarou ao R. Estado, na sua proposta, que, no prazo máximo de seis meses após a sua confirmação como adquirente, transmitiria para a ora A. a totalidade das acções da C... que lhe viessem a ser adjudicadas;
y) O R. Estado deu o seu acordo a esse modo de assegurar a verificação da mencionada condição do concurso, nos termos e condições que constavam da proposta do agrupamento liderado pela D...;
z) As 10.928.000 acções da C..., adquiridas no concurso público pela D..., foram posteriormente transmitidas para a A.;
aa) Na sequência da 2.ª fase da reprivatização, a A. adquiriu 510.340 acções da C..., que haviam sido adquiridas por trabalhadores naquela 2.ª fase;
bb) Em resultado de tais aquisições, a A. ficou a deter, e detém ainda hoje, 13.166.340 acções da C..., que correspondem a 99,9843% do capital social, em circulação, desta sociedade;
cc) Por referência a 30 de Junho de 1995, a E..., S.A, elaborou um novo relatório de avaliação actuarial, enviado à autora em 27.07.95, que revelou a existência de responsabilidades por “Serviços Passados” do Fundo à data da 1ª fase da reprivatização, no montante de 4.364.363.000$00;
dd) E uma deficiência de activos para financiar aquelas responsabilidades, num montante de 1.305.773.000$00;
ee) No relatório elaborado pela F..., Lda., de 22.09.95, fotocopiado de fls. 52 a 63, consta que o valor das responsabilidades do Fundo C..., à data de 31 de Dezembro de 1993, no referido 1° cenário, excediam em 1.530.678.000$00 as que haviam sido informadas pelo R. Estado aos adquirentes das acções da C...;
ff) Por carta datada de 26 de Setembro de 1995, a A. comunicou ao Presidente da Secção Especializada de Apoio às Privatizações as conclusões do relatório referido na al. anterior;
gg) Em 2 de Janeiro de 1996, a A. solicitou, por carta, ao Ministro das Finanças, uma audiência com carácter de urgência “para tratar da questão da insuficiência de dotação detectada no Fundo de Pensões da C...”;
hh) O Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças dirigiu uma carta à C..., datada de 14 de Março de 1996, na qual afirma ter tomado “devida nota das questões suscitadas em tomo da eventual insuficiência do Fundo de Pensões” daquela sociedade, referindo que se trata “de matéria complexa que necessita de ser devidamente ponderada antes de ser tomada qualquer decisão” e que “as questões em causa estão a ser objecto de análise pormenorizada”;
ii) Na mesma carta aquele Secretário de Estado declarou que “de qualquer modo, importa referir, desde já, que o Estado não deixará de honrar os seus compromissos e de atender eventuais reclamações futuras, caso se venha a concluir, fundadamente, que é sua obrigação fazê-lo”;
jj) Em 17 de Julho de 1996, o Instituto de Seguros de Portugal (ISP) comunicou à entidade gestora do Fundo de Pensões C... que o Fundo se encontrava com um défice financeiro que se impunha regularizar, admitindo, embora, que o ISP ficaria “a aguardar a conclusão das negociações entre o Associado e o Estado com o objectivo de regularizar a insuficiência financeira”;
kk) Em 31 de Julho de 1996, a A. solicitou nova audiência ao aludido Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, para o informar das pressões do Instituto de Seguros de Portugal sobre a necessidade de se regularizar a situação défice ária do citado Fundo de Pensões C... e para apelar, uma vez mais, para a urgência na tomada de uma decisão pelo Governo sobre o problema;
ll) Em 27 de Agosto de 1996 o ISP comunicou à E..., S.A. que “o défice de financiamento existente deverá ser colmatado de imediato, sob pena de ser necessário proceder à extinção do Fundo de Pensões C...;
mm) Esta interpelação foi comunicada de imediato, pela A., ao Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, em 29 de Agosto de 1996, insistindo na urgência de uma nova audiência para tratar do assunto relativo ao Fundo de Pensões C...;
nn) Por carta datada de 15 de Janeiro de 1997, a A. informou o Secretário de Estado do Tesouro, que, de acordo com o que resultava do relatório adicional do .../AUDITOR “o dano ascende a 1.568.201.000$00, assim discriminado:
Adequação do Findo às responsabilidades contratuais (reversibilidade de reforma a favor dos cônjuges sobrevivos, reforma por velhice dos pré-reformados e subsídio de reforma) e ainda acerto dos ficheiros: 678.945.000$00;
Rectificação das bases de Segurança Social: 443.425.000$00;
Utilização de adequadas tábuas de mortalidade: 445.831.000$00
oo) Nessa mesma carta, a A. referiu a necessidade de ser encontrada “uma solução compensatória do excesso de preço pago”, uma vez que “o preço oferecido e pago por cada uma das acções (da C...) tinha como pressuposto que os dados que foram fornecidos eram exactos e rigorosos, incluindo os respeitantes ao Fundo de Pensões”;
pp) O rendimento médio dos activos desse Fundo foi de 10.00% ao ano entre 31.12.93 e 31.08.99;
qq) A Secção Especializada para as Reprivatizações, em relação às responsabilidades com o Fundo de Pensões da C..., considerou necessário um montante de 3.5 milhões de contos para a sua constituição, e recomendou um preço de venda para a K... de 42,2 milhões de contos, correspondentes a 3.089$00 por acção;
rr) No parecer apresentado pela Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações, foram considerados 8 cenários globais alternativos, tendo sido calculado um valor médio para a C... de 40,78 milhões de contos e propondo-se o valor de alienação de 37,5 milhões de contos, reportado a 31.12.1992;
ss) Nesse Parecer refere-se que os valores obtidos para a C... “supõem que será constituído, à data da venda, um fundo de pensões cobrindo todas as responsabilidades com o pessoal por serviços passados prestados” (fls. 192 dos autos);
Factos provados em audiência de julgamento:
tt) Na transmissão referida na al. z), a A. pagou à D... um preço igual ao que a D... pagou, acrescido do valor dos custos financeiros suportados entre a data da aquisição pela D... e a da transmissão para a A.;
uu) A A. adquiriu, também, 1.728.000 acções da C... que, por não terem encontrado adquirente, lhe foram transmitidas na 2.ª fase da reprivatização, pelo mesmo preço por que lhe haviam sido vendidas as acções da C... transmitidas na 1.ª fase da operação;
vv) Só depois da data referida na al. cc), é que a A. tomou conhecimento da situação financeira do Fundo de Pensões C..., tendo encomendado, de imediato, uma nova auditoria actuarial à empresa F... para determinar, com exactidão, qual era a situação do Fundo de Pensões da C... em 31 de Dezembro de 1993;
ww) Por esta firma ter sido escolhida pelo Réu para proceder à auditoria actuarial do Fundo de Pensões da A. aquando da 1.ª fase da reprivatização;
xx) Após a carta referida na al. ff), iniciaram-se contactos e reuniões entre representantes do Ministério das Finanças, da A. e da empresa F..., com vista a encontrar uma solução de consenso;
yy) Na sequência da carta referida em gg), o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, por delegação do Ministro, concedeu uma audiência a representantes da A., que teve lugar em Fevereiro de 1996 e na qual foi exposta àquele membro do Governo a situação criada com a informação dada sobre o défice do Fundo de Pensões da C... à data da reprivatização;
zz) Em 17 de Setembro de 1996, realizou-se uma reunião, entre representantes da A. e o Chefe de Gabinete do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, na qual este solicitou à A. que explicitasse, por escrito, o valor concreto do prejuízo emergente do descrito défice do Fundo de Pensões C...;
aaa) Na audiência que teve lugar em 17 de Junho de 1997, o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças comunicou que o R. Estado considerava não haver fundamento na reclamação da A.;
bbb) Tendo os representantes da A. declarado que esta recorreria então à via judicial, o Secretário de Estado solicitou, verbalmente, um novo compasso de espera tendo em vista estudar todas as hipótese de atender a reclamação da A.;
ccc) Na audiência ocorrida em 22 de Junho de 1998 o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças comunicou aos representantes da A. que o Estado não aceitava compensá-la pelos prejuízos reclamados por aquela em consequência da situação em que se encontrava o Fundo de Pensões C...;
ddd) Para fazer face à deficiência de meios financeiros do Fundo (incluindo as responsabilidades passadas e as entretanto formadas), a C... entregou à E..., entre 1994 e 1998 inclusive, importâncias que atingiram um total de Esc. 2.437.285.000$00 (dois mil quatrocentos e trinta e sete milhões e duzentos e oitenta e cinco mil escudos);
eee) E pela mesma razão efectuou, no decurso de 1999, uma contribuição extraordinária de Esc. 160.931.000$00 (cento e sessenta milhões e novecentos e trinta e um mil escudos);
fff) Todas as fases do processo de alienação das acções da C..., bem como os próprios relatórios de avaliação da empresa patenteados no concurso, foram objecto de análise e verificação por um serviço do R. Estado especialmente incumbido de acompanhar este tipo de processos, denominado Secção Especializada de Apoio às Privatizações do Ministério das Finanças;
ggg) A formação da vontade de contratar e o cálculo do preço das acções a oferecer por qualquer potencial comprador dependia da consulta do conjunto de “documentos confidenciais” relativos à avaliação da C..., designadamente os respeitantes à avaliação da situação financeira do Fundo de Pensões;
hhh) Se em 31.12.1993 os cálculos do Fundo de Pensões da C... estivessem correctos e tomassem em conta as responsabilidades emergentes do novo regime da segurança social que iria entrar em vigor, e tal Fundo tivesse sido provisionado com os activos necessários, neles se incluindo o montante referido na alínea q), a A. não teria desembolsado, pelo menos, o montante de l.568201.000$00;
iii) O montante referido na alínea anterior, se adicionado aos activos do Fundo de Pensões em 31.12.1993, geraria uma receita correspondente ao rendimento médio referido na alínea pp), no período aí referido;
jjj) Foi com base na consulta e análise do conjunto de documentos, referidos em v), e por confiar na correcção da avaliação das empresas feita por ordem do R. Estado, que a D... apresentou a sua proposta;
kkk) Para além dos dois cenários referido em m) e o), os avaliadores utilizaram, designadamente, cenários relativos à evolução dos preços do cimento, evolução das vendas, dos custos, dos investimentos, da inflação, da utilização da capacidade produtiva, da taxa de juro, do rácio de endividamento, da taxa de actualização;
lll) A C... e a B... foram sujeitas a duas avaliações por entidades financeiras independentes, tendo a G... indicado para a C... um valor de 42,6 milhões de contos, valor actualizado à data do concurso, e a do consórcio H... indicado valores que se situavam entre um mínimo de 45,5 e um máximo de 48 milhões de contos;
mmm) Estas avaliações foram tomadas em consideração pelo R. Estado na fixação do preço de venda;
nnn) O preço de venda fixado para efeitos de concurso, da C..., foi de 39,6 milhões de contos;
ooo) Todos os relatórios de avaliação das avaliadoras referidas na al. lll) foram disponibilizados aos concorrentes, fazendo parte da informação confidencial que lhes foi facultada;
ppp) A A. confiou que o prolongamento das negociações e o retardamento da propositura da acção judicial não prejudicariam o seu direito a ser indemnizada pelos danos sofridos;
Outros factos provados por documentos (Factos instrumentais que resultaram da discussão da causa):
qqq) No documento de fls. 884 a 888, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, da Secção Especializada de Apoio às Privatizações, considera-se que devido a lapsos da E... (no complemento de pensão de velhice a pré-reformados e reversibilidade das pensões em pagamento a reformados), bem como a lapsos da base de dados, as responsabilidades do Fundo, por defeito, ascendiam a 624.630 contos;
rrr) E em resultado do impacte do novo regime da segurança social, a 443.426 contos;
sss) E em resultado da alteração de pressupostos (tábuas de mortalidade), a 441.543 contos;
ttt) Na avaliação do Fundo efectuada pela E... foi utilizada a tábua de mortalidade PF 60/64, que o Instituto de Seguros de Portugal só aceitava, desde 1991, na definição dos montantes mínimos dos Fundos de Pensões e desde que a taxa de juro técnico não fosse superior a 6%, e que não tinha em conta o aumento da esperança de vida - doc. de fls. 891 e ss. (concretamente fls. 892 e 899);
uuu) A referência à tábua 60/64 constava da avaliação F... da E..., reportada a 31.12.1993 (doc. de fls. 28 e ss., conc. fls. 30);
vvv) A p.i. da presente acção deu entrada em juízo a 16 de Setembro de 1999 (cfr. fls. 1 dos autos)
III Direito
1. A B..., ora recorrida, instaurou a presente acção de condenação contra o ESTADO PORTUGUÊS, alegando que no concurso público para reprivatização do capital social detido pelo réu na B... e na C... - através do DL 410/93, de 21.12 e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 10/94, de 4.2.94 - foram fornecidas informações erradas quanto ao Fundo de Pensões da C..., que não contemplavam todas as suas responsabilidades, tendo o preço das acções sido fixado sem atender a essa realidade, o que levou o agrupamento vencedor, liderado pela D..., SGPS, a pagar o preço proposto pelo Consórcio, acima do preço base fixado pelo réu. Alegando, ainda, que, como essas acções foram posteriormente transmitidas para a autora, (conforme declaração expressa do consórcio vencedor na sua proposta), o mesmo tendo sucedido com as acções da C... que não encontraram adquirente na primeira fase de reprivatização, e com as acções adquiridas por trabalhadores, acabou por adquirir tal conjunto de acções por valor superior àquele que as acções da C... realmente valiam. Fundou a sua pretensão na violação do art.º 227 do CC e no art.º 2, n.º 1, do DL 48051, de 21.11.67 e, subsidiariamente em enriquecimento sem causa, nos termos do art.º 473 do CC.
A acção foi julgada parcialmente procedente com fundamento jurídico no referido art.º 227 e no DL 48051. Da sentença foram interpostos dois recursos, um, principal, por parte do réu, outro, subordinado, por parte da autora. Comecemos, pois, pelo recurso principal.
2. Para além do preceito e DL acima identificados o quadro normativo aplicável abrangia a Lei Quadro das privatizações, a Lei n.º 11/90, de 5.4, o DL 380/93, de 15.11, que lhe deu desenvolvimento e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 10/94, de 4.2.94 que aprovou a privatização em causa. A sentença, que procede a um enquadramento circunstanciado do envolvimento factual e jurídico do procedimento em jogo na acção, diz-nos o seguinte: "A situação dos autos resulta do processo de reprivatização da C... operado conjuntamente com a reprivatização da B..., ora A., cujas acções foram adquiridas pela D... em concurso público lançado para o efeito. Após a aquisição das acções pela D... e destas terem sido transmitidas para a B..., nos termos de um prévio acordo que o alienante Estado conhecia, a A. veio a constatar que o Fundo de Pensões da C..., que até à reprivatização tinha sido gerido pela Companhia de Seguros E..., se encontrava subfinanciado e incapaz, por isso, de responder a todas as suas responsabilidades, o que a obrigou a provisioná-lo em montante adequado. Défice esse que, alega a autora, lhe era desconhecido, na medida em que não fora objecto da informação que fora disponibilizada aos interessados aquando do concurso público de reprivatização, e que se baseava num relatório da própria gestora do Fundo". E, mais adiante, "Resulta claramente desse quadro legal que a defesa da transparência das operações constituía um dos princípios basilares do processo de reprivatização. Transparência essa associada aos critérios de atribuição da titularidade do capital das empresas a reprivatizar, mas também à clareza e completude da informação prestada, tendo em vista permitir que o mercado actuasse de forma esclarecida, livre e sustentada. De facto, tratando-se da transferência para privados da “titularidade” de acções representativas do capital das empresas públicas a reprivatizar, a eficiência do respectivo preço só se alcançaria se as informações disponíveis reflectissem correctamente a realidade económico-financeira da empresa, sob pena de se cair numa situação de subavaliação (underpricing) ou sobreavaliação das acções". Para continuar, mais à frente, "No domínio da primeira Lei Quadro das Privatizações, vigente à data dos factos em apreço, o legislador institui um regime que, simultaneamente, acautelava os interesses patrimoniais do Estado, garantindo que a alienação se fazia por valor ajustado ao mercado e aos interesses dos investidores particulares e que a formação do preço das acções se baseava na credibilidade da informação disponibilizada. Fê-lo através da consagração de um mecanismo de prévia avaliação das empresas, realizado por duas entidades independentes escolhidas por concurso, e nomeando uma Comissão de Acompanhamento das Privatizações (art° 5°, n.° 1), a quem incumbiu de garantir a transparência, o rigor e a isenção de cada processo de privatização (art° 20º, n.° 1). Precisamente o que sucedeu no caso em apreço, tendo as avaliações sido feitas pela G..., que indicou um valor para a C... de 42,6 milhões de contos, valor actualizado à data do concurso, e pelo consórcio H..., que indicou valores que se situavam entre um mínimo de 45,5 e um máximo de 48 milhões de contos. Essas avaliações serviram de referência ao Governo na fixação do preço da C..., que foi estabelecido em 39,6 milhões de contos, portanto inferior a qualquer uma das duas avaliações, e também diferente do proposto pela Secção Especializada para as Reprivatizações, que recomendou um preço de venda para a C... de 42,2 milhões de contos, correspondentes a 3.089$00 por acção (embora implicando a afectação de montante de 3.5 milhões de contos às responsabilidades com o Fundo de Pensões da C...), e pela Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações, que considerando 8 cenários globais alternativos chegou a um valor médio para a C... de 40,78 milhões de contos e propôs o valor de alienação de 37,5 milhões de contos, reportado a 31.12.1992. No entanto, quer as propostas, quer as avaliações, não puderam tomar em conta a totalidade das responsabilidades com o Fundo de Pensões da C..., cujo défice só veio a ser apurado após a alienação. Ou seja, só em momento posterior à aquisição das acções da C... é que a A., para quem foram transmitidas as acções adquiridas pela D... e as que não obtiveram comprador na 2ª fase ou adquiridas a trabalhadores, se confrontou com um encargo que não conhecia e que é anterior à data dessa aquisição. De facto, os dados que a respeito de tal Fundo o R. Estado disponibilizou aos concorrentes continham-se num relatório, de 11 de Janeiro de 1994, relativo à avaliação F... do Fundo de Pensões C..., reportada a 31 de Dezembro de 1993 e realizada pela própria entidade gestora do Fundo, a Companhia de Seguros E..., S.A., que equacionou dois cenários: O “Cenário 1”, que, segundo a “E...”, contemplava as “hipóteses habitualmente adoptadas” as responsabilidades daquele Fundo por “Serviços Passados” ascenderiam, em 31 de Dezembro de 1993, a um total de 3.526.409.000$00, sendo o valor dos activos do Fundo, na mesma data, de Esc. 3.157.849.000$00, donde resultava um défice de financiamento das responsabilidades do Fundo no montante de 368.560.000$00. No “Cenário 2”, as responsabilidades do Fundo por “Serviços Passados” corresponderiam a um total de 4.173.714.000$00, o que resultaria num défice de financiamento daquelas responsabilidades de 1.015.865.000$00. Quer a própria C..., quer o Réu, adoptaram como bom e tomaram em consideração o “Cenário 1”, ao elaborar e aprovar, respectivamente, o Relatório da Gestão e as Contas da C... relativas ao exercício de 1993, tendo sido constituída uma Provisão de 368.560 contos para cobertura da diferença existente entre as responsabilidades por Serviços Passados e o valor dos activos do Fundo".
3. O que está em causa nos autos é a existência de um dever de informação, deficientemente cumprido na perspectiva da autora, aí situando o núcleo da causa de pedir identificada na acção, no processo de reprivatização da C..., referente ao seu Fundo de Pensões, um património autónomo gerido pela Companhia de Seguros E... (alíneas j e k dos factos provados), uma vez que antes da privatização foi dito que havia um défice de financiamento de 368.560.000$00, reportado a 31.12.93, devidamente provisionado (alíneas m, n e q) e que depois dela, na sequência de novo relatório efectuado para o efeito, o défice apurado, reportado à mesma data, 31.12.93, era de mais 1.530.678.000$00 (alíneas cc/ee). Ambos os relatórios foram elaborados pela mesma empresa, F..., Ld.ª (alíneas vv/ww). O preço proposto pela D... para a compra do lote de acções em causa, mais tarde transmitido à autora, teve em consideração todas as avaliações levadas a cabo pelas entidades envolvidas no processo avaliativo conducente à fixação do preço definitivo das acções, e também, é só isso que interessa agora, a avaliação produzida, a pedido do Estado, pela F..., do Fundo de Pensões da C... (jjj).
Interessa, ainda, ter em conta os seguintes factos:
fff) Todas as fases do processo de alienação das acções da C..., bem como os próprios relatórios de avaliação da empresa patenteados no concurso, foram objecto de análise e verificação por um serviço do R. Estado especialmente incumbido de acompanhar este tipo de processos, denominado Secção Especializada de Apoio às Privatizações do Ministério das Finanças;
ggg) A formação da vontade de contratar e o cálculo do preço das acções a oferecer por qualquer potencial comprador dependia da consulta do conjunto de “documentos confidenciais” relativos à avaliação da C..., designadamente os respeitantes à avaliação da situação financeira do Fundo de Pensões;
hhh) Se em 31.12.1993 os cálculos do Fundo de Pensões da C... estivessem correctos e tomassem em conta as responsabilidades emergentes do novo regime da segurança social que iria entrar em vigor, e tal Fundo tivesse sido provisionado com os activos necessários, neles se incluindo o montante referido na alínea q), a A. não teria desembolsado, pelo menos, o montante de l.568.201.000$00;
jjj) Foi com base na consulta e análise do conjunto de documentos, referidos em v), e por confiar na correcção da avaliação das empresas feita por ordem do R. Estado, que a D... apresentou a sua proposta;
kkk) Para além dos dois cenários referido em m) e o), os avaliadores utilizaram, designadamente, cenários relativos à evolução dos preços do cimento, evolução das vendas, dos custos, dos investimentos, da inflação, da utilização da capacidade produtiva, da taxa de juro, do rácio de endividamento, da taxa de actualização;
lll) A C... e a B... foram sujeitas a duas avaliações por entidades financeiras independentes, tendo a G... indicado para a C... um valor de 42,6 milhões de contos, valor actualizado à data do concurso, e a do consórcio H... indicado valores que se situavam entre um mínimo de 45,5 e um máximo de 48 milhões de contos;
mmm) Estas avaliações foram tomadas em consideração pelo R. Estado na fixação do preço de venda;
nnn) O preço de venda fixado para efeitos de concurso, da C..., foi de 39,6 milhões de contos;
ooo) Todos os relatórios de avaliação das avaliadoras referidas na al. lll) foram disponibilizados aos concorrentes, fazendo parte da informação confidencial que lhes foi facultada;
Nenhum dos intervenientes põe em causa a idoneidade das entidades envolvidas, designadamente a gestora do Fundo, a Companhia de Seguros E..., ou a F..., a empresa que elaborou ambos os relatórios, nem tão pouco questiona abertamente as metodologias utilizadas nos procedimentos avaliativos e, mais importante do que o resto, que o Estado tenha tido qualquer intervenção na escolha desses procedimentos e na adopção dessa metodologia. Por outro lado, importa sublinhar que o preço da privatização continha em si mesmo um elevado grau de aleatoriedade já que assentava em previsões, em cenários, em preços hipotéticos e, portanto, a aquisição das acções encerrava um patente risco e uma enorme incerteza - aspectos que só o futuro permitiria saber se seriam favoráveis ou desfavoráveis ao adquirente - que os interessados sempre teriam de correr se porventura desejassem concorrer à compra dos lotes de acções postos a concurso e impunha-lhes um especial cuidado na análise de toda a documentação disponibilizada. Risco que é próprio do empreendorismo e da actividade económico-financeira que lhe está associada. Além disso, as propostas a apresentar pelos concorrentes eram propostas globais, que continham em si a ponderação de diversas parcelas, admitindo-se, perfeitamente, que cada concorrente pudesse ponderar o valor relativo de cada uma delas de forma diferente, e com pesos diferentes no valor final. Por outras palavras, a percepção que cada interessado iria retirar de todos os elementos fornecidos no processo concursal seria seguramente distinta, a capacidade indutora de valor no futuro também, e seria tudo isso que iria contribuir para cada um definir os valores finais da respectiva proposta de aquisição. Acresce que o valor fixado para a C..., de 39,6 milhões de contos (alínea nnn) foi inferior às duas avaliações pedidas a entidades financeiras, com montantes de 42,6, uma, e entre 45,5 e 48 milhões de contos, a outra (alínea lll), e, ainda, a outras duas efectuadas por dois organismos do Estado, a “Secção Especializada de Apoio às Privatizações” e a “Comissão de Acompanhamento das Privatizações", de, respectivamente, 42,2 e 40,78 milhões de contos (alíneas qq e rr), o que evidencia já a figuração de uma margem de erro, calculada pela Administração, para o risco da operação em qualquer das suas vertentes.
De acordo com o preceituado no n.º 1 do art.º 227 do CC "Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte". O desrespeito por este preceito remete-nos para o outro invocado, o art.º 2 do DL 48051, em cujo n.º 1 se vê que "O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício" A acção foi proposta com fundamento em responsabilidade pré-contratual e responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito. Independentemente de a generalidade da doutrina considerar a responsabilidade pré-contratual mais próxima da responsabilidade contratual do que da responsabilidade extracontratual a verdade é que a jurisprudência deste STA tem vindo a considerar, sistematicamente, em relação à responsabilidade pré-contratual, que "Esta responsabilidade tem uma configuração mista de responsabilidade extracontratual por facto ilícito e responsabilidade pré-contratual derivada da violação da confiança e dos deveres de correcção e colaboração, nos termos do art.º 227 do CCivil..." (acórdão STA de 31.10.06 no recurso 875/05, tirado no seguimento do acórdão de 17.3.04 proferido no recurso 962/03). É certo que a jurisprudência do STJ tem afirmado, maioritariamente, que "A responsabilidade pré-contratual é predominantemente qualificada como tendo natureza de responsabilidade contratual e sujeita ao regime desta, conforme o qual, presumindo-se a culpa (artigo 799, n.º 1, do Código Civil)" afirmando, no entanto, logo a seguir que "compete, todavia, ao credor lesado a prova do facto ilícito do incumprimento ou cumprimento defeituoso (artigo 342, n.º 1)" (acórdão STJ de 21.12.05 no Processo 05B2354) opção que acaba por colocar ambas as posições em situação absolutamente paralela não se observando qualquer dissemelhança de regime jurídico susceptível de, pelo menos no caso em apreço, conduzir a soluções jurídicas distintas. De resto, talvez até por isso mesmo, é que no sumário do acórdão do mesmo tribunal de 18.11.04, proferido no processo 04B2992 se escreveu que "O regime aplicável, no caso de obrigação de indemnizar por responsabilidade pré-contratual (artigo 227 do Código Civil), deve ser construído a partir da aplicação de normas de responsabilidade contratual ou de responsabilidade delitual, consoante o que se considerar mais adequado ao caso". Se bem que a solução final fosse sempre a mesma, a posição ora seguida corresponde à jurisprudência maioritária deste tribunal e à posição das partes, e da própria sentença, sobre o assunto..
Na conclusão 5. da sua alegação o recorrente admitindo que existia um dever de informação sobre as condições gerais do negócio, sustenta, todavia, que o dever de indemnizar dado como assente na sentença se não verificou uma vez que não ocorreu qualquer vício na informação fornecida.
O art.º 227 do CC acima transcrito, que respeita à fase preparatória do contrato, enuncia uma cláusula geral, atinente à boa fé, cujo desrespeito, trata-se, agora, do segundo segmento, faz incorrer o incumpridor em responsabilidade civil (face ao posicionamento dos intervenientes, responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos). Ainda que tal não fosse imprescindível, pois o respeito pela boa fé, neste âmbito dos momentos pré-contratuais e, de resto, no contexto de qualquer actuação da Administração Pública, sempre ali colheria resguardo pelo facto de o preceito materializar um princípio geral de direito de qualquer sociedade que se norteie por regras éticas e respeitadoras do direito natural, como é a nossa, o certo é que às entidades administrativas um tal comportamento é expressamente imposto não só pela lei ordinária (art.º 6-A do CPA), como pela própria lei constitucional (art.º 266, n.º 2, da CRP). A primeira parte do artigo liga a boa fé à responsabilidade civil assumindo-se o seu desrespeito como sendo o acto ilícito. "Para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano" Acórdão STA de 9.5.02 no recurso 48077.. A acção improcederá se um destes requisitos se não verificar. O facto ilícito consiste numa acção (ou omissão) praticada por órgãos ou agentes estaduais (em sentido lato) violadora das "normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis" ou "as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração" (art.º 6 do DL 48051, de 21.11.67). A culpa é o nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à vontade do agente. Envolve um juízo de censura, face à acção ou omissão, segundo a diligência de um bom pai de família (art.º 4, n.º 1). O nexo causal existirá quando o facto ilícito for a causa adequada do dano. De acordo com o preceituado no art.º 563 do CC "A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão". Constitui jurisprudência pacífica deste STA que o nexo causal entre o facto ilícito e o dano se deve determinar pela doutrina da causalidade adequada, ali contemplada, nos mesmos termos em que o direito civil a admite, entendimento extensível, de resto, a todos os requisitos da responsabilidade civil (acórdão STA de 6.3.02, no recurso 48155). Finalmente, o dano traduz-se no prejuízo causado pelo facto ilícito O dano, neste contexto da responsabilidade pré-contratual, está, normalmente, circunscrito aos danos emergentes não abrangendo os lucros cessantes. (art.º 564 do CC)" (acórdão STA de 21.1.08, 1001/07).
4. O recorrente, no ataque dirigido à sentença, sustenta que o decidido violou a lei pelo facto de ter dado como provada a ilicitude da sua conduta, e ter dado como presumida a sua culpa sem que nada se tenha provado, quanto à ilicitude e, por isso, sem que possa ter-se por presumida a culpa. Vejamos, então, a questão da ilicitude do comportamento do recorrente. Diz a lei, já o vimos, que aquele que negoceia um contrato deve - fase pré-contratual - tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé. O cumprimento contratual de acordo com esse princípio já se vê no art.º 762, n.º 2, do CC. Proceder segundo as regras da boa fé significa, todos o compreendem, actuar "de acordo com os padrões da diligência, da honestidade e da lealdade exigíveis do homem no comércio jurídico" (P. Lima e A. Varela, CC Anot., nota ao art.º 1648). A boa fé, no mundo do direito, assume duas perspectiva, uma subjectiva, "é essencialmente um estado ou situação de espírito que se traduz no convencimento da licitude de certo comportamento ou na ignorância da sua ilicitude", outra, objectiva, apresentando-se "como princípio normativo de actuação ... significa que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima expectativa dos autos" (J. Coutinho de Abreu, "Do Abuso do Direito", 1983, 55). Do lado objectivo, aquele que ora nos interessa, o seu sentido ético retira-se dos conhecidos princípios básicos do Direito Romano Alterum non laederae, Honestae vivere, Sum quique tribuere. Por contraposição, do lado subjectivo, podendo ter vários matizes, agir sem boa fé, significa, actuar através de um comportamento desonesto, incorrecto, desleal ou negligente, assumindo-se, nos casos de má fé, "com fito, directo ou necessário, de lesar os interesses de outra pessoa" (Menezes Cordeiro, “Obrigações”, 1980, 1.º, 145).
Observemos os factos provados que se relacionam com esse primeiro requisito e que já se resumiram acima: no processo de reprivatização da C..., referente ao seu Fundo de Pensões, um património autónomo gerido pela Companhia de Seguros E... Sempre gerido por esta seguradora, antes e após a privatização. (alíneas j e k dos factos provados), antes da privatização foi dito que havia um défice de financiamento de 368.560.000$00, reportado a 31.12.93, devidamente provisionado (alíneas m, n e q) e depois dela, na sequência de novo relatório efectuado para o efeito, o défice apurado, reportado à mesma data, 31.12.93, era de mais 1.530.678.000$00 (alíneas cc/ee). Ambos os relatórios foram elaborados pela mesma empresa, F..., Ld.ª (alíneas vv/ww). O preço proposto pela D... para a compra do lote de acções em causa, mais tarde transmitido à autora, teve em consideração todas as avaliações levadas a cabo pelas entidades envolvidas no processo avaliativo conducente à fixação do preço definitivo das acções, e também, a avaliação produzida, a pedido do Estado, pela F..., do Fundo de Pensões da C...". Temos, assim, antes da privatização, e para a preparar, um pedido de avaliação do Fundo de Pensões da C..., feito sob a responsabilidade da Companhia de Seguros E..., elaborada pela empresa F.... Os elementos obtidos foram facultados aos concorrentes à privatização, a autora consultou-os, sendo aí formulados dois cenários, optando o Estado pelo "Cenário I". Após a privatização a autora, fez exactamente o mesmo que o Estado havia feito, escolhendo até a mesma empresa, a F..., que chegou a resultados diferentes. Em momento algum alegou que o Estado tivesse dado ordens ou instruções quer à E..., quer à F..., no sentido de aliviarem o resultado da avaliação que serviu de suporte ao processo de privatização e assim poder artificialmente aumentar o valor da empresa. Ou que tivesse tido qualquer outro comportamento menos correcto que pudesse ter orientado as referidas empresas para chegarem aos resultados obtidos. Por isso, não se vê onde está o comportamento desleal, desonesto, incorrecto ou menos diligente que pudesse servir de suporte à alegação de desrespeito pelas regras da boa fé e, desse modo, permitir fundamentar a operacionalidade da primeira parte do citado art.º 227 do CC e desencadear o funcionamento do instituto da responsabilidade civil por actos ilícitos. O que os autos evidenciam, claramente, é que o Estado, no processo de avaliação do Fundo de Pensões da C..., utilizou as mesmas entidades e os mesmos expedientes que a autora acabou por utilizar mais tarde, não se vendo por isso, onde está a ausência de boa fé. Utilizou uma empresa idónea para proceder à avaliação do Fundo, e facultou o resultado aos concorrentes ao concurso, tendo o consórcio vencedor, de que a autora fazia parte, tido a oportunidade da analisar, testar e avaliar o resultado a que se havia chegado, podendo ter-se socorrido dos meios consultivos técnicos que lhe permitissem detectar e tentar eliminar quaisquer erros de avaliação desfavoráveis aos seus interesses (e, até, pôr em causa a escolha do primeiro dos dois cenários, o "Cenário I", figurados no relatório inicial). Acontece, até, que para lhe ter acesso o consórcio vencedor teve de pagar a quantia de 50.000.000$00 (alíneas i e j dos factos provados) o que deveria, também, tê-la induzido a uma análise rigorosa de tais elementos. Por isso, como assinala Antunes Varela, na Revista de Legislação e Jurisprudência n.º 3835, na anotação a um Acórdão de um Tribunal Arbitral, de 31.3.93, "Esse princípio geral, no aspecto singular focado pelo art.º 227 do Código Civil em negócios bilaterais (contratos) e, especialmente, em contratos sinalagmáticos (que têm como exemplo paradigmático e compra e venda) tanto se aplica a um como a outro dos contraentes. Se ao vendedor de certa coisa incumbe, por exemplo, informar o comprador dos defeitos E, para isso, terá de os conhecer. de que a coisa padeça (no sentido da falta de qualidades intrínsecas inerentes às coisas da mesma espécie), também ao comprador compete averiguar as condições do negócio que lhe é proposto, bem como as qualidades da coisa que é objecto do contrato". Acresce, que, apesar de existir um óbvio dever de informação por parte do vendedor, diz Sinde Monteiro, Culpa in Contrahendo, CJA, n.º 42, 12, "No entanto, parece-nos continuar a ser um salutar ponto de partida a ideia de que, em princípio, cabe a cada uma das partes o ónus de se inteirar acerca dos riscos do negócio, das condições gerais do mercado e do objecto negocial Para continuar, "O nascimento da obrigação de esclarecer pressupõe circunstâncias particulares, que se prendem sobretudo com a pessoa dos negociadores e com o tipo negocial, bem como com o objecto do contrato intencionado. Tratando-se de um modo de procurar superar uma mera igualdade formal para alcançar uma igualdade material, a qual exige paridade de armas, a pessoa dos concretos contratantes tem de ter um papel essencial. A obrigação de informar pressupõe desigualdade de conhecimentos e, parece, também que a ignorância de um seja perceptível àquele que sabe. Sem que isto signifique exonerar o ignorante do ónus de colocar as questões adequadas (procurar informar-se) para decidir em consciência, sendo porém um dado da experiência que quem não sabe muitas vezes não se apercebe sequer da essencialidade dos conhecimentos que lhe faltam. Por uma variedade de razões, v. g., linguísticas (como no caso dos emigrantes) ou culturais, o menos informado pode não estar sequer em condições de colocar ao outro as questões apropriadas. Esta desigualdade de informação verifica-se tipicamente nas relações entre um profissional e um leigo, como é próprio das relações de consumo. Daí que, concretizando as regras gerais do Código Civil, a legislação de protecção do consumidor preveja especiais obrigações de informação (67). Neste sector verifica-se até um curioso fenómeno de "contratualização" dos deveres pré-contratuais de informação. Isto porque os contratos de consumo tendem a incluir obrigatoriamente um grande número de dados informativos, que passam a vincular contratualmente os contraentes, perdendo a natureza de simples elemento para uma tomada de decisões. Também o tipo contratual exerce influência sobre o nascimento e a intensidade do dever de informar. Com respeito a um negócio implicando uma particular cooperação e confiança pessoal (como uma prestação de serviços ou o contrato de sociedade), o dever de informar será naturalmente mais intenso do que num outro em que se perfilem interesses contraditórios"." (negritos e sublinhado nossos). Tanto mais não sendo a recorrente uma leiga no mercado de acções e portanto, não poder invocar, razoavelmente, ignorância, impreparação ou desconhecimento de processos avaliativos e da sua falibilidade. Esta omissão da autora, mesmo que pudesse figurar-se um comportamento menos ético por parte do Estado, e não pode, sempre poderia fazê-la incorrer na previsão do art.º 570 do CC, uma vez que a sua contribuição para a eclosão do dano teria de considerar-se relevante. De todo o modo, o que os autos evidenciam, claramente, é um comportamento do Estado perfeitamente consentâneo com as regras da boa fé, não se vislumbrando em nenhum dos passos dados qualquer indício de deslealdade, de incorrecção e muito menos de desonestidade, não estando igualmente indiciado qualquer comportamento menos diligente. Estando obrigado a fornecer todos os dados atinentes à coisa a vender, isso é inquestionável, o Estado forneceu todos os elementos que possuía, que recolheu através de um processo adequado, não padecendo a recolha e transmissão da informação de qualquer vício ou irregularidade que a inquine e que possa materializar o acto ilícito no procedimento de actuação da responsabilidade civil. A sentença erra ao dar por verificado o acto ilícito. Mas erra, igualmente, ao presumir a culpa. Para além de se não ver na lei onde está a presunção de culpa que a sentença enuncia Não é, seguramente, no art.º 97 do CVM, aprovado pelo DL 142-A/91, de 10.4, que, de todo o modo, a autora tão pouco invocou. - e, a regra geral é, nos termos do art.º 342, n.º 1, do CC, a de que aquele que invoca um direito tem de fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito salvo se gozar de uma presunção a seu favor, art.º 350 do CC -, o certo é que se não pode passar ao requisito culpa, sem ter-se dado por assente o primeiro deles, o facto ilícito, identificado na petição inicial como sendo uma conduta do Estado violadora das regras da boa fé na preparação do processo de reprivatização da C.... De resto, a possibilidade de operar, neste âmbito, uma presunção de culpa está dependente, primeiramente, da prova da base da presunção, isto é, do facto causal dos danos, no caso em apreço, de um comportamento desprovido de boa fé. (Acórdãos STA de 12.3.09 no recurso 67/09, de 21.2.08 no recurso 1001/07, de 14.10.08 no recurso 813/04, entre muitos outros).
Procedem, assim, as conclusões 1 e 6 da alegação do recorrente, o que implica a impossibilidade de se manter a sentença recorrida.
5. A procedência do recurso do Estado impõe que se aprecie o recurso subordinado da B.... Sucede, todavia, que a sua alegação apenas tem em vista que se considerem prejuízos que a sentença recorrida não contemplou. Só que, os fundamentos da procedência do recurso principal, traduzidos na inexistência de "acto ilícito", fazem parar a operacionalidade da responsabilidade civil no seu momento inicial, não permitindo a passagem aos momentos subsequentes, culpa, nexo de causalidade e dano. Como todos eles só operam em conjunto a falha de um inviabiliza a apreciação dos restantes.
IV Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso principal, em revogar a sentença recorrida, em negar provimento ao recurso subordinado e, consequentemente, em julgar improcedente a acção.
Custas a cargo da autora.
Lisboa, 10 de Setembro de 2009. – Rui Manuel Pires Ferreira Botelho (relator) – Luís Pais Borges – José António de Freitas Carvalho.