Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0442/16.0BEBRG
Data do Acordão:12/17/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
UNIÃO DE FACTO
SEPARAÇÃO DE PESSOAS E BENS
Sumário:Mostra-se reconhecido, por força do disposto nos arts. 01.º, n.º 2, e 02.º, al. c), da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio [na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto], como situação igualmente abrangida na proteção conferida às uniões de facto em decorrência da morte dos beneficiários ativos ou pensionistas, realizada mediante a atribuição das prestações pecuniárias denominadas pensões de sobrevivência, as situações de pessoas «unidas de facto» casadas entre si mas separadas «de jure» de pessoas e bens.
Nº Convencional:JSTA000P25368
Nº do Documento:SA1201912170442/16
Data de Entrada:04/23/2019
Recorrente:A...........
Recorrido 1:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP - CENTRO NACIONAL DE PENSÕES
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. A………………, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [doravante «TAF/B»] a presente ação administrativa contra o “INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP” [«ISS,IP»], peticionando, pelas razões insertas na petição inicial de fls. 01/48 dos autos [paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], a condenação deste «a praticar o ato de deferimento do pedido da Autora consistente na atribuição de prestações por morte, devidas pelo falecimento de B………………….».

2. O «TAF/B», por sentença de 31.05.2018 [cfr. fls. 147/159], julgou a presente ação administrativa procedente e, em consequência, condenou o R. no pedido.

3. O R., inconformado recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte [doravante «TCA/N»], o qual, por acórdão de 09.11.2018 [cfr. fls. 207/224], concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e julgou totalmente improcedente a presente ação.

4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA a A., agora inconformada com o acórdão proferido pelo «TCA/N», interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 285 e segs. após despacho convite de fls. 277/278], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«...
A. A Autora, aqui Recorrente, peticionou a condenação do Centro Nacional de Pensões a praticar o ato de deferimento do seu pedido de atribuição de prestações por morte pelo falecimento de B………………., socorrendo-se da via judicial em virtude da falta de decisão por parte da entidade administrativa no prazo legal sobre a reclamação apresentada atinente ao indeferimento do referido pedido.
B. A Mm.ª Juiz do TAF de Braga decidiu conhecer o mérito da causa e fê-lo com base na verificação da situação de união de facto (invocada subsidiariamente) ficando por apurar da obrigação e da necessidade de alimentos da aqui Autora/Recorrente do seu decesso marido, os quais lhe eram voluntariamente prestados, pois que partilhavam mesa, leito e habitação, bem como quais as condições que o cônjuge separado de pessoas e bens haverá de reunir para aceder a prestações por morte.
C. Importa descortinar se o cônjuge separado de pessoas e bens, à data da morte do beneficiário, deve ser considerado herdeiro hábil para efeitos de atribuição da prestação por morte, não obstante o direito a alimentos não estar fixado ou homologado judicialmente, tendo em conta o vertido no artigo 11.º do Decreto-lei n.º 322/90.
D. De um lado, a alínea a) do n.º 1 do artigo 2009.º do Código Civil tem que estão vinculados à prestação de alimentos o cônjuge.
E. De outro lado, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 2016.º do Código Civil, têm direito a alimentos qualquer um dos cônjuges, mesmo no caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens.
F. Porquanto, pugna a Autora/Recorrente que nos termos da lei civil seria legítimo e devido receber alimentos do falecido marido.
G. Na existência de obrigação alimentícia, nos termos da lei civil, ainda que não homologada judicialmente, sempre haveria a Autora/Recorrente de ser beneficiária das prestações por morte, sob pena de violação do disposto nos artigos 2009.º e 2016.º do Código Civil, o que não chegara a ser apreciado nos presentes autos.
H. Em consonância, e na procedência da argumentação expendida, deverá então conceder-se provimento ao presente recurso, devendo os autos baixar à primeira instância, em ordem à realização de audiência de discussão e julgamento.
SEM PRESCINDIR,
I. A entidade administrativa conduziu o procedimento no sentido da verificação ou não da situação da união de facto, tendo exigido à administrada correspondente prova documental, o que aquela simplesmente acatou - tudo conforme os termos contantes dos factos provados em 8 da sentença de primeira instância - o que leva a crer que a entidade administrativa agiu de má fé.
J. Nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 322/90 e do artigo 2.º da Lei 7/2001 tem-se que a lei expressamente consagra que alguém casado, desde que separado de pessoas e bens, pode igualmente se lhe ver reconhecida a união de facto.
K. O TCAN considerou que “quando a lei estabelece o impedimento, perspetiva, digamos, o ‘triângulo amoroso’, em razão de ser do vínculo jurídico do casamento e um dos unidos de facto com terceiro”, apesar da lei não fazer essa distinção, pelo que a decisão sob escrutínio violou o disposto nos referidos artigos 8.º do Decreto-Lei n.º 322/90 e 2.º, alínea c) da Lei 7/2001.
L. Em verdade, a lei não consagra que a pessoa que pretenda o reconhecimento de benefícios advindos da verificação da união de facto seja um terceiro face ao casamento.
M. Assim, tem-se que onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir.
N. As prestações por morte têm por objetivo compensar os familiares que viviam com o falecido beneficiário da Segurança Social pela perda de rendimentos de trabalho que a sua morte determinou, não se concebendo como pode provada a factualidade da vivência comum - tudo conforme os termos contantes dos factos provados em 5 da sentença de primeira instância - e considerando a inerente assistência mútua, ser negado tal direito à aqui Autora/Recorrente, tendo o TCAN desconsiderado a situação específica dos autos.
O. Porquanto, prevalecendo a verdade material, e em ordem à correta interpretação e estrita aplicação do artigo 2.º, alínea c) da Lei 7/2011, deverá a pretensão da Autora/Recorrente ser deferida, revogando-se o aresto proferido pelo TCAN …».

5. Devidamente notificado o R., aqui ora recorrido, não veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 258 e segs.].

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 22.03.2019, veio a ser admitido o recurso de revista [cfr. fls. 267/268].

7. O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA não emitiu qualquer pronúncia [cfr. fls. 305 e segs.].

8. Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


DAS QUESTÕES A DECIDIR

9. Constitui objeto de apreciação nesta sede o assacado erro de julgamento acometido pela A./recorrente ao acórdão recorrido quanto ao juízo no mesmo efetuado, visto entender haver violação, nomeadamente, do disposto nos arts. 2009.º e 2016.º do Código Civil [CC], 08.º e 11.º do DL n.º 322/90, de 18.10, e 02.º, al. c), da Lei n.º 7/2001, de 11.05 [ambos na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 23/2010, de 30.08 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daqueles diplomas sem expressa referência em contrário], e, nessa medida, deveria ter sido julgada procedente a sua pretensão condenatória tal como havia concluído o «TAF/B» [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].


FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
10. Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
10.1) Em 27 de outubro de 1969, A………………., ora A., casou-se com B………………… [cfr. documento (doc.) n.º 01 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
10.2) Em 19 de março de 2007, a A. separou-se judicialmente de pessoas e bens de B……………… [cfr. documento (doc.) n.º 01 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
10.3) Em 06 de outubro de 2013, faleceu B………………… [cfr. documento (doc.) n.º 02 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
10.4) Até à data do óbito de B………………, o vínculo conjugal foi mantido entre a A. e aquele.
10.5) Até à data do óbito de B…………………., consta do Atestado emitido pela Presidente da Junta de Freguesia de Valença, Cristelo Côvo e Arão, que a A. «viveu, ne[ssa] freguesia, com B……………. em União de Facto, na Av………. - …………, ……….., …………, Valença, 4930-……….. VALENÇA, desde 05/05/2007 até 06/10/2013» [cfr. documento (doc.) n.º 04 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
10.6) Em 15 de novembro de 2013, a A. deu entrada, nos serviços do «Instituto da Segurança Social, IP» [Centro Nacional de Pensões], ora R., do «Requerimento de Prestações Por Morte» [Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro], no qual, solicitava que lhe fossem atribuídas, na qualidade de esposa, as prestações por morte de B……………. [cfr. documentos (docs.) constantes de fls. 04/07 do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
10.7) Em 23 de dezembro de 2013, a A. foi declarada insolvente [cfr. documento (doc.) n.º 11 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
10.8) Em 12 de fevereiro de 2015, o R. notificou a A., nos seguintes termos:
«

Nossa referência
Data
2015/02/12
Número
000/540/722 009/33

EXM.ª SRª.
A………………….
R ………….., ………...
MONTIJO
2870-………. MONTIJO


Nº de Identificação
..................


Assunto:
PROVA DE UNIÃO DE FACTO
B....................................


Em referência ao requerimento apresentado por V. Exa. para receber as presta­ções por morte do beneficiário acima identificado, informa-se que o membro so­brevivo duma união de facto poderá habilitar-se às prestações por morte desde que comprove que, à data do óbito, vivia com o beneficiário falecido em condi­ções análogas às dos cônjuges (isto é, como se fossem casados) há mais de dois anos, e não se verifique nenhuma das causas de exclusão mencionadas no artigo …n. º da Lei n. 7/2001, transcrita no verso.
Para prova da situação de união de facto deverá remeter a este Centro, observando as notas na parte inferior do ofício, os seguintes documentos, assinalados com X:
X - Declaração emitida pela Junta de Freguesia da sua área de residência (1);
X - Declaração, devidamente preenchida e assinada por V. Exa., sob compromisso de honra (2);
X - Certidão de cópia integral do registo de nascimento do requerente.
Se os documentos em causa não forem enviados, no prazo de 90 dias, nem for apresentada justificação fundamentada, o processo será arquivado nos termos do n.º 2 do artigo 50.º, do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro.
(…)
Doc. 3
Lei n.º 7/2001, de 11 de maio
Alterada e republicada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto
Regime Jurídico da União de Facto nas Prestações por Morte
Artigo 1.º - Objeto
1 - A presente lei adota medidas de proteção das uniões de facto.
2 - A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos".
Artigo 2.º - Exceções
"Impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto:
a) Idade inferior a 18 anos à data do reconhecimento da união de facto;
b) Demência notória, mesmo com intervalos lúcidos, e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, salvo se a demência se manifestar ou a anomalia se verificar em momento posterior ao do início da união de facto;
c) Casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens;
d) Parentesco na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral ou afinidade na linha reta;
e) Condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro".
Artigo 2.º-A - Prova da União de Facto
"1 - Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.
2 - No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.
3 - Caso a união de facto se tenha dissolvido por vontade de um ou de ambos os membros, aplica-se o disposto no número anterior, com as necessárias adaptações, devendo a declaração, sob compromisso de honra, mencionar quando cessou a união de facto; se um dos elementos da união dissolvida não se dispuser a subscrever a declaração conjunta da existência pretérita de união de facto, o interessado deve apresentar declaração singular.
4 - No caso de morte de um dos membros da união de facto, a declaração emitida pela junta de freguesia atesta que o interessado residia há mais de dois anos com o falecido à data do falecimento, e deve ser acompanhada de declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, à mesma data, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do interessado e de certidão do óbito do falecido.
5 - As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal".
Artigo 3.º - Efeitos
"1 - As pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a: (…)
e) Proteção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da presente lei”.
Artigo 6.º - Regime de Acesso às Prestações Por Morte
"1- O membro sobrevivo da união de facto beneficia dos direitos previstos nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, independentemente da necessidade de alimentos.
2 - A entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente ação judicial com vista a sua comprovação.
3 - Excetuam-se do previsto no n.º 2 as situações em que a união de facto tenha durado pelo menos dois anos após o decurso do prazo estipulado no n.º 2 do artigo 1.º”.
Artigo 11.º - Entrada em Vigor
"Os preceitos da presente lei com repercussão orçamental produzem efeitos com a Lei do Orçamento de Estado posterior à sua entrada em vigor (01/01/2011)” …” [cfr. documento (doc.) n.º 03 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
10.9) Em 08 de abril de 2015, a A. remeteu aos serviços do R. os documentos solicitados em 10.8), a saber: (i) Declaração emitida pela Junta de Freguesia de Valença, Cristelo Côvo e Arão; (ii) Declaração sob compromisso de honra; e, (iii) a certidão de nascimento [cfr. documento (doc.) n.º 04 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
10.10) Em 07 de maio de 2015, o R. notificou a A., nos seguintes termos:
«…
Sua Referência Sua Comunicação Nossa Referência Data

Assunto: Prestações por Morte
Relativamente ao requerimento apresentado por V. Exa. para efeitos de atribuição de prestações por morte do beneficiário acima referenciado, informamos o seguinte:
Concluída a instrução do processo verificamos que V. Exa. era casada com o beneficiário falecido, de quem se encontrava judicialmente separada de pessoas e bens;
Nos termos do disposto no art. 11.º do DL 322/90, "o cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só têm direito às prestações se à data da morte do beneficiário, dele recebessem pensão de alimentos fixada pôr decisão judicial, ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida".
Quanto à alegada união de facto com o beneficiário falecido, de quem se encontrava judicialmente separada de pessoas e bens, a mesma não poderá ser-lhe reconhecida, pelo facto de serem casados entre si. Na verdade, V. Exa. não pode simultaneamente ter a qualidade de cônjuge e pretender que lhe seja reconhecida a situação de equiparação a cônjuge (por via da união de facto), com a mesma pessoa.
Assim, com este fundamento, tem este serviço a intenção de proceder ao indeferimento do seu requerimento.
Nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 100.° e 101.° do Código do Procedimento Administrativo, tem o prazo de dez dias úteis para informar o que se lhe oferecer dizer sobre este assunto. Decorrido este prazo o requerimento será indeferido …» [cfr. documento (doc.) n.º 05 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
10.11) Em 15 de maio de 2015, a A. pronunciou-se, em sede de audiência prévia [cfr. documento (doc.) n.º 06 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
10.12) Em junho de 2015, o R. notificou a A., nos seguintes termos:
«
Assunto: Prestações por Morte
Relativamente ao requerimento apresentado por V. Exa, para efeitos de atribuição de prestações por morte do beneficiário acima referenciado, informamos o seguinte:
Concluída a instrução do processo verificamos que V. Exa. era casada com o beneficiário falecido, de quem se encontrava judicialmente separada de pessoas e bens;
Nos termos do disposto no art. 11.º do DL 322/90, "o cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só têm direito às prestações se à data da morte do beneficiário, dele recebessem pensão de alimentos fixada por decisão judicial, ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida".
Quanto à alegada união de facto com o beneficiário falecido, de quem se encontrava judicialmente separada de pessoas e bens, a mesma não poderá ser-lhe reconhecida, pelo facto de serem casados entre si. Na verdade, V. Exa. não pode simultaneamente ter a qualidade de cônjuge e pretender que lhe seja reconhecida a situação de equiparação a cônjuge (por via da união de facto), com a mesma pessoa.
Assim, com este fundamento, tem este serviço a intenção de proceder ao indeferimento do seu requerimento.
Nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 100.º e 101.º do Código do Procedimento Administrativo, tem o prazo de dez dias úteis para informar o que se lhe oferecer dizer sobre este assunto. Decorrido este prazo o requerimento será indeferido …» [cfr. documento (doc.) n.º 07 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
10.13) Em 03 de julho de 2015, a A. pronunciou-se, novamente, em sede de audiência prévia [cfr. documento (doc.) n.º 08 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
10.14) Em 23 de setembro de 2015, o R. notificou a A., nos seguintes termos:
“…
Nossa referência

DataNúmero
2015/09/23000/355/411 009/33


EXM.ª SR.ª
A…………………
……………., ………….
VALENÇA
4930-……….VALENÇA


Nº de Identificação
...............

Assunto:
Indeferimento P. Morte
B..............................

De acordo com a informação já prestada por este Centro no ofício anteriormente enviado, V. Exa. não reúne as condições previstas no D.L. n.º 322/90, de 18 de outubro, para efeito de atribuição das prestações requeridas por morte do beneficiário acima mencionado.
Por tal motivo, o requerimento de Prestações por Morte foi INDEFERIDO em 2015/09/23 …» [cfr. documento (doc.) n.º 09 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
10.15) Em outubro de 2015, a A. apresentou reclamação do ato reproduzido em 10.14) e cujo teor aqui se tem presente [cfr. documento (doc.) n.º 10 junto com a petição inicial e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].
10.16) Tem-se aqui presente o teor de todos os documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo-Instrutor (PA) [cfr. documentos (docs.) constantes dos autos e do Processo Administrativo-Instrutor que se encontra apenso aos autos (PA) e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido].

*

DE DIREITO
11. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação do objeto do presente recurso de revista.

12. Insurge-se a A., aqui recorrente, quanto ao juízo firmado pelo acórdão recorrido que, concedendo provimento ao recurso, revogou a sentença do «TAF/B» que havia julgado procedente a ação por ela intentada contra o R./«ISS, IP», e condenado este «a praticar o ato de deferimento do pedido da Autora consistente na atribuição de prestações por morte, devidas pelo falecimento de B………………».

13. A discussão nos autos centra-se, desde logo, na interpretação e aplicação à situação do regime previsto nos arts. 2009.º e 2016.º do CC, 08.º e 11.º, ambos do DL n.º 322/90, e 02.º, al. c), da Lei n.º 7/2001, nos termos que se mostram efetuados pelo R., e reputadas de erradas pela A..
Vejamos, cotejando o quadro normativo invocado e, bem assim, o demais tido por pertinente.

14. Extrai-se do art. 2009.º do CC, sob a epígrafe de «pessoas obrigadas a alimentos», no que releva para a situação objeto de litígio, que «[e]stão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada: a) O cônjuge ou o ex-cônjuge; b) Os descendentes; c) Os ascendentes; d) Os irmãos …» [n.º 1] e que «[s]e algum dos vinculados não puder prestar os alimentos ou não puder saldar integralmente a sua responsabilidade, o encargo recai sobre os onerados subsequentes» [n.º 3], prevendo-se no art. 2015.º do mesmo Código que «[n]a vigência da sociedade conjugal, os cônjuges são reciprocamente obrigados à prestação de alimentos, nos termos do artigo 1675º».

15. Resulta do preceito seguinte que depois do divórcio, «[c]ada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio» [n.º 1], na certeza de que «[q]ualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio» [n.º 2], direito este que pode ser negado «[p]or razões manifestas de equidade» [n.º 3], sendo que «[o] disposto nos números anteriores é aplicável ao caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens» [n.º 4].

16. E do art. 2019.º decorre que «[e]m todos os casos referidos nos artigos anteriores, cessa o direito a alimentos se o alimentado contrair novo casamento, iniciar união de facto ou se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral».

17. Deriva, ainda, da análise conjugada dos arts. 1576.º, 1577.º, 1671.º, 1672.º, 1674.º, 1788.º e 1795.º-A, todos do CC que sendo o casamento uma das fontes das relações jurídicas familiares e que assenta na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, incluindo-se entre os deveres recíprocos os de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, temos que o mesmo, enquanto vínculo, apenas se dissolve por morte ou por divórcio, não constituindo a separação judicial de pessoas e bens uma causa de tal dissolução tal como preceitua o art. 1795.º-A do CC, já que, ressalvados os efeitos patrimoniais quanto aos bens, a mesma, quanto às pessoas, só opera em termos de extinção dos «deveres de coabitação e assistência, sem prejuízo do direito a alimentos», na certeza de que, como decorre do arts.1795.º-B a 1795.º-D do CC, a separação judicial de pessoas e bens apenas finda pela reconciliação dos cônjuges ou pela dissolução do casamento [por morte ou por divórcio na sequência, nomeadamente, de pedido de conversão da separação em divórcio], sendo que a reconciliação envolve ou opera com o «restabelecer a vida em comum».

18. Deriva, por seu turno, do previsto nos arts. 03.º, 04.º, 07.º e 15.º todos do DL n.º 322/90 [diploma que veio definir e regulamentar a proteção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social], e no que importa cuidar para a questão em discussão, que a proteção por morte dos beneficiários ativos ou pensionistas é realizada mediante a atribuição das prestações pecuniárias denominadas pensões de sobrevivência, as quais, revestindo de natureza continuada, têm por objetivo «compensar os familiares de beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste», figurando como titulares de tais prestações, em primeira linha, os cônjuges e ex-cônjuges, os descendentes [ainda que nascituros, incluindo os adotados plenamente] e os ascendentes, sendo que, nos termos do art. 08.º do mesmo DL, «[o] direito às prestações previstas neste diploma e o respetivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que vivam em união de facto» [n.º 1] e «[a] prova da união de facto é efetuada nos termos definidos na Lei n.º 7/2001 (…) que adota medidas de proteção das uniões de facto» [n.º 2], presente que quanto ao momento da verificação das condições de atribuição das prestações releva a «data da morte do beneficiário» [art. 15.º].

19. Dispõe-se, por sua vez, no art. 11.º do mesmo diploma que «[o] cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só têm direito às prestações se, à data da morte do beneficiário, dele recebessem pensão de alimentos decretada ou homologada pelo tribunal ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida», sendo que, nos termos do art. 41.º, o direito às pensões cessa, para além das causas gerais de cessação, com «a) O casamento ou união de facto dos pensionistas cônjuges, ex-cônjuges ou pessoas que viviam com o beneficiário em união de facto».

20. Por fim, estipula-se no n.º 2 do art. 01.º da Lei n.º 7/2001 que «[a] união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos», figurando, nos termos do art. 02.º daquela Lei, entre as exceções que impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto o «c) Casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens …».

21. Presente o quadro legal cumpre, então, apreciar se o entendimento firmado no acórdão recorrido, de que a proteção legalmente conferida pela união de facto no quadro dos arts. 03.º, 04.º, 08.º do DL n.º 322/90, 01.º, 02.º e 03.º da Lei n.º 7/2001 não abarca a situação em que os unidos sejam duas pessoas casadas entre si que estejam separadas de pessoas e bens, se mostra como acertado ou não.

22. A figura da união de facto viu, face à atual redação do n.º 1 do art. 36.º da Constituição da República Portuguesa [CRP] e não podendo deixar de ser considerada como uma fonte de relação jurídica familiar em face de uma visão alargada do direito à proteção da família [cfr., entre outros, os Acs. do Tribunal Constitucional (TC) n.º 88/2004 (Proc. n.º 411/03), n.º 233/2005 (Proc. n.º 1040/04), n.º 26/2007 (Proc. n.º 102/2005), n.º 515/2011 (Proc. n.º 293/11), todos consultáveis in: «www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/»; Ac. Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2017, de 11.05.2017 (Proc. n.º 1560/11.6TVLSB.L1.S1-A), publicado DR I.ª Série, n.º 129, de 06.07.2017; Ac. STJ de 14.09.2017 (Proc. n.º 147/13.3TBVPA.G1.S2) consultável in: «www.dgsi.pt/jstj»], ser-lhe reconhecida a atribuição de certos efeitos jurídicos através da publicação do DL n.º 496/77, mediante a consagração no referido art. 2020.º, do CC, de um direito a alimentos por morte de um dos seus membros ao companheiro sobrevivo, a satisfazer pela herança daquele, marcando aquele DL o início de um movimento legislativo de sucessivo reconhecimento e alargamento de efeitos jurídicos às relações de união de facto.

23. É, nesse contexto e no que releva para a discussão, que importa atender ao referido DL n.º 322/90, diploma que procedeu à uniformização das regras relativas às prestações por morte no âmbito do regime geral da segurança social e no qual se veio a reconhecer aos unidos de facto, que reunissem determinadas condições, o direito de também beneficiarem dessas prestações [cfr. o citado art. 08.º do referido DL], mediante regime e direito a ter de ser conjugado e articulado, primeiramente com a Lei n.º 135/99 e, posteriormente, com a supra aludida Lei n.º 7/2001 que revogou aquela lei [cfr. art. 10.º].

24. Entre os benefícios que se mostram reconhecidos aos unidos de facto conta-se o da proteção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social, mediante a atribuição de prestações pecuniárias denominadas de pensões de sobrevivência, as quais têm por objetivo compensar os familiares do beneficiário da perda de rendimentos de trabalho determinada pela morte deste [cfr. arts. 01.º, 03.º, 04.º, 07.º, 08.º, todos do DL n.º 322/90, 01.º e 03.º, n.º 1, al. e), da Lei n.º 7/2001], presente que, com a Lei n.º 23/2010, a atribuição da pensão ao membro sobrevivo de união de facto passou, através, mormente do disposto no seu art. 06.º, a ocorrer sem imposição de quaisquer outras condições visto conferida «independentemente da necessidade de alimentos», eximindo-se aquele do ónus de intentar ação judicial, e cabendo à entidade responsável pelo pagamento da pensão, caso tenha fundadas dúvidas sobre a existência de união de facto, promover ação judicial com o propósito de compelir o requerente a prová-lo.

25. Com o novo regime ampliou-se, assim, o universo dos titulares potenciais da pensão de sobrevivência a todos aqueles que, tendo vivido em união de facto, não careçam de alimentos e/ou àqueles que os poderiam obter da herança ou dos herdeiros, nos termos previstos no art. 2009.º do CC.

26. Ora presente o quadro legal convocado do mesmo deriva a consideração da figura da união de facto como existência e constituição, por mais de dois anos, de uma situação de comunhão plena de vida entre duas pessoas, independentemente do sexo, a viverem em condições análogas às dos cônjuges [ou seja, com comunhão de mesa, leito e habitação], situação jurídica essa que no seu confronto com outras figuras/tipos de vínculos reclama como regra geral, pela sua natureza e seus efeitos, o de que entre as pessoas que pela mesma se mostram unidas, enquanto organização jurídico familiar, inexista vínculo de casamento subsistente que as ligue, regra essa que, todavia, resulta ressalvada quanto à situação das pessoas separadas de pessoas e bens.

27. Mostra-se questionado no processo se dois cônjuges, judicialmente separados de pessoas e bens, podem, ainda assim, unir-se de facto nos termos e para os efeitos da referida Lei n.º 7/2001.

28. Numa leitura «primo conspectu» dos arts. 01.º, 02.º e 03.º daquela Lei seríamos levados à partida a dizer que não porque a união de facto entre duas pessoas exige que elas «vivam em condições análogas às dos cônjuges» [cfr. art. 01.º, n.º 2, do referido diploma]; ora, a vida em comum dos cônjuges [mesmo que judicialmente separados] seria automaticamente incompatível com a analogia [das «condições» de vida] prevista na norma, razão pela qual a pessoa unida de facto sobreviva não poderia deter em simultâneo com a pessoa beneficiária falecida o vínculo jurídico decorrente do casamento e da união de facto.

29. Contudo, não é essa a adequada leitura e interpretação do quadro normativo convocado e que supra foi posto em evidência.

30. Com efeito, quando no n.º 2 do art. 01.º do citado diploma se definiu a união de facto o legislador referiu-se, evidentemente, às «condições» de vida dos «cônjuges» não separados e já não às dos que se separaram «de jure» ou «de facto».

31. Daí que refeita, deste modo, a definição legal, logo se vê que a conjugalidade da aqui A. com o beneficiário falecido se apresenta como diferente ou diversa da que resulta acolhida na norma, razão pela qual se torna possível dizer que as condições da vida comum da A. e do seu falecido marido eram - tendo em conta a separação judicial deles - «análogas» às de dois cônjuges nunca separados.

32. E é por isso que o legislador sabendo que, nos termos do art. 1795.º-D do CC, a decretação da separação de pessoas e bens «não dissolve o vínculo conjugal» e que tal poderia ser entendido como integrando a expressão «casamento não dissolvido» [a qual consta da primeira parte da al. c) do art. 02.º da Lei n.º 7/2001], que foi seu propósito excecioná-la do âmbito do impedimento mediante a introdução da ressalva aposta na segunda parte da alínea, ou seja, quis-se reconhecer como igualmente objeto de proteção as situações de pessoas «unidas de facto» casadas entre si mas separadas «de jure» de pessoas e bens.

33. Com a utilização de uma tal terminologia quis o legislador, por um lado, que a figura da «união de facto» fosse incompatível com a situação de pessoas não separadas «unidas de facto» [no estado civil de casado(a) entre si ou com terceira pessoa] já que numa simultânea acumulação ilegítima de estatutos, estados/vínculos, e, por outro lado, que a mesma figura, enquanto vínculo produtor de direitos e benefícios, pudesse permitir a tutela das situações de «união de facto» não apenas entre pessoas nos estados civis de solteiro(a), viúvo(a), e/ou de divorciado(a), mas, ainda, entre separados(as) de pessoas e bens mesmo não tendo visto dissolvido o seu vínculo matrimonial, e isso independentemente da vivência de facto ser com terceiras pessoas ou com a própria pessoa com que foram casadas e de que estão juridicamente separadas de pessoas e bens, dado que em condições «análogas» às de dois cônjuges nunca separados.

34. Na verdade, quanto a estas últimas a segunda parte do preceito em referência na sua articulação com o art. 01.º, n.º 2, veio legitimar, expressa e inequivocamente, a possibilidade de situação de «união de facto» detentora dos direitos e benefícios dela decorrentes entre duas pessoas separadas de pessoas e bens, com total abstração e independência de outros vínculos/estados que os pudessem unir ou ligar entre si ou com terceiros.

35. Donde se conclui que dois cônjuges separados judicialmente de pessoas e bens podem, apesar disso, viver conjuntamente em condições caracterizáveis como «união de facto», a isso não obstando os efeitos legais decorrentes da separação judicial tanto mais que os mesmos reconduzem-se àquele estado e em nada disciplinam ou interferem com aquilo que é a situação jurídica que venha a constituir-se com a «união de facto».

36. Aliás, seria bizarro negar essa possibilidade à A., pois se na situação do seu marido ter vivido com outrem em condições «análogas» às dos cônjuges essa pessoa beneficiaria da proteção legal conferida às uniões de facto, então, até por maioria de razão, apresenta-se como óbvio que a aqui recorrente é credora das mesmas medidas protetivas dado que detentora das mesmas condições de análoga vivência, sem que existam razões legítimas e válidas para distinguir situações similares ou equiparadas.

37. De notar que se o regime legal de proteção conferido às situações de pessoas «unidas de facto», nomeadamente nos casos de morte do beneficiário convivente, se destina a possibilitar ao sobrevivente, através de um sucedâneo prestacional, manter o nível de condições de vida que resultava do apoio mútuo inerente àquela comunhão de vida, por forma a que, após a morte, o mesmo não se veja, de um momento para o outro, numa situação de total desproteção material, parece óbvio que esta preocupação legal mantém toda a sua pertinência nos casos como o dos autos.

38. E não se objete que os cônjuges judicialmente separados de pessoas e bens se incluem numa categoria jurídica diversa da prevista para as «uniões de facto», a qual exige o prévio reconhecimento do direito a uma pensão de alimentos como decorre da previsão inserta no atrás referido art. 11.º do DL n.º 322/90, porquanto neste normativo disciplina-se, como nos parece claro, apenas as situações dos divorciados e as situações em que os cônjuges estão efetivamente separados e já não aquelas situações dos divorciados e dos cônjuges que voltaram a unir-se após a separação judicial até porque, relativamente a estas últimas, não faria sentido falar-se ou exigir-se, como pressuposto para a concessão da prestação de sobrevivência, a prévia existência de uma pensão alimentícia fixada.

39. Na total ausência de distinção, de exigência ou de ressalva feita por parte do legislador ao reconhecimento, no âmbito e para efeitos da Lei n.º 7/2001, da situação jurídica de «união de facto» entre pessoas que estejam separadas de pessoas e bens [na sequência de decretação judicial ou administrativa] tal implica como sendo desprovida de sentido e de fundamento a imposição de que as pessoas que se vierem a «unir de facto» tenham de estar efetiva e materialmente separadas da pessoa com quem se haviam casado e de que não bastaria apenas uma separação entre as mesmas num plano estrita ou meramente jurídico-formal.

40. Daí que a expressão «casamento não dissolvido» quererá significar ou implicar apenas a incompatibilidade com a proteção conferida aos «unidos de facto» pela Lei n.º 7/2001 às situações de vivência entre pessoas casadas não separadas [nesta se incluindo as situações de mera separação de facto].

41. A interpretação firmada é aquela que permite encontrar efeito e sentido ao propósito do legislador de tutelar de forma mais abrangente as várias, possíveis e equiparadas situações de pessoas «unidas de facto» e que reclamam idêntico tratamento, reconhecimento e proteção.

42. Nessa medida, no caso sub specie, ao invés do sustentado e concluído no acórdão recorrido, não ocorre o impedimento previsto na al. c) do art. 02.º da Lei n.º 7/2001 à aplicação e benefício por parte da A. do regime geral de segurança/proteção social com vista a obter a qualidade de titular das prestações por morte da pessoa beneficiária falecida.

43. Em face do explicitado, procedem as críticas acometidas ao acórdão recorrido, que assim não pode manter-se, já que o seu juízo infringe o disposto, nomeadamente, nos arts. 08.º e 11.º do DL n.º 322/90, e 02.º, al. c), da Lei n.º 7/2001, presente que, no caso, à A., aqui recorrente, estando separada de pessoas e bens do beneficiário falecido e com o mesmo tendo vivido em «união de facto» há mais de dois anos [cfr., nomeadamente, os n.ºs 10.1), 10.2), 10.3), 10.4), 10.5) e 10.6) da factualidade apurada], assistia e assiste o direito à pensão de sobrevivência que havia requerido.





DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie, e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, fazendo subsistir a decisão do TAF de Braga.
Custas neste Supremo e no TCA Norte a cargo do R., aqui recorrido.
D.N..


Lisboa, 17 de dezembro de 2019. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (com declaração de voto) – Jorge Artur Madeira dos Santos.

Declaração de Voto

Voto a decisão mas não acompanho integralmente a respectiva fundamentação.

Em meu entender, o artigo 2.°, al. c), da Lei n.º 7/2001, apenas se refere a uniões de facto em que um dos membros da união de facto ainda mantém o vínculo de casamento com uma terceira pessoa, sendo esta a situação que o legislador pretendia penalizar.

Mais entendo que à situação dos autos se deve aplicar o regime das uniões de facto normais. Nestas últimas não existe, pura e simplesmente, o vínculo matrimonial. No caso dos autos existe um vínculo matrimonial não dissolvido, mas o artigo 11.° do DL n.º 322/90, de 18.10, que define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social determina que, salvo situações excepcionais, o/a viúvo/a não terá direito a receber a pensão de sobrevivência se à data da morte estivesse separado de pessoas e bens (ou divorciado). Deste modo, o cônjuge separado de pessoas e bens do cônjuge falecido, mas que com ele vivia em união de facto, deve beneficiar, também neste aspecto, do correspondente regime jurídico.

Lisboa, 17.12.2019
Maria Benedita Malaquias Pires Urbano.