Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0456/12
Data do Acordão:10/10/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO
Sumário:I – O objectivo do nº 3 do artigo 28º do RGCO é estabelecer um prazo máximo findo o qual o procedimento contra-ordenacional já não pode ter lugar, apesar da ocorrência de eventos interruptivos.
II – Mas esse prazo máximo não é aplicado se o prazo de prescrição se extinguir antes da ocorrência de nova causa de interrupção.
Nº Convencional:JSTA00067823
Nº do Documento:SA2201210100456
Data de Entrada:04/30/2012
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART33.
RGCO ART27-A ART28 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STJ N6/2001 IN DR IS 2001/03/30
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


1.1. O Ministério Público interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, por prescrição, julgou extinto o procedimento de contra-ordenação instaurado contra A……, Lda, identificada nos autos, pela prática da contra-ordenação prevista no nº 6 do artigo 33º do Código dos Imposto Especiais de Consumo.
Nas respectivas alegações, conclui o seguinte:
1. A douta sentença, ora recorrida, declarou extinto o procedimento contra-ordenacional pela prática de infracção p.p. pelas disposições conjugadas do artº 33°, nº 6 do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo D.L. 566/99, de 22.12, e arts. 109°, 96°, nº 1, al. b), 24°, nº 2 e art. 26°, nº 4, todos do RGIT, aprovado pela lei nº 15/2001, de 5.6;
2. No entendimento do MºPº, na data em que foi proferida a douta sentença, ora, recorrida 11.11.2011, ainda se não tinha consumado o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional;
3. A coima aplicada na decisão administrativa é de mil euros, todavia, afigura-se-nos não se verificar a excepção constante da última parte do nº do artigo 83° do RGIT porquanto, estamos perante processo iniciado antes de 31-12-2007 e, para estes, continua a vigorar a alçada de 3.740,98 Euros para os Tribunais Judiciais de 1ª instância, fixada pelo nº 1 do artigo 24° da Lei 3/99, na redacção dada pelo DL 323/2001 de 17/12; sendo o valor da coima em causa nos presentes autos superior a um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª Instância - 935,25 Euros - o recurso é admissível;
4. O prazo de prescrição do procedimento pela prática da contra-ordenação em causa nestes autos é de 5 anos nos termos do art. 33°, nº 1 do RGIT, tendo iniciado a sua contagem em 19.03.2005 - data da sua consumação;
5. Com a notificação da arguida da instauração do procedimento contra-ordenacional e para exercer o seu direito de defesa - em 11.05.2005, cf. fls. 23 a 24 - interrompeu-se a prescrição nos termos do art. 28° nº 1, al. a) e c) do RGCO (reinicia a contagem do prazo de 5 anos);
6. Com a notificação da decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima em 22.7.2005 - cf. fls. 38 a 40 - interrompeu-se, novamente, a prescrição nos termos do art. 28°, nº 1, al. d) do RGCO;
7. A partir de Outubro de 2005 - cf. fls. 55 e 56 - o procedimento ficou pendente a partir da notificação do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão administrativa que aplicou a coima, circunstância que configura a causa de suspensão prevista no art. 27º-A nº 1, al. c) da RGCO, na redacção dada pela Lei 109/2001 de 24/12 e que tem como limite máximo 6 meses nos termos do nº 2 do citado artigo 27-A; tal suspensão obsta ao decurso do prazo de prescrição, somando-se ao prazo máximo de 7 anos e meio, de prescrição do procedimento contra-ordenacional;
8. Ora, dispõe o art. 33° do RGIT que o procedimento por contra-ordenação se extingue, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos; tal prazo interrompe-se e suspende-se "nos termos estabelecidos na lei geral" (nº 3 do preceito citado), ou seja, designadamente com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação, conforme dispõe o art. 28° do RGCO - Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo D.L.433/82, de 27.10., aplicável subsidiariamente (art. 30, al. b) do RGIT);
9. Por força do disposto no nº 3 do art. 28° do RGCO, aditado pela Lei nº 109/2001, de 24.12., a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade;
10. Assim, no caso "sub-judice", o prazo de prescrição do procedimento de contra-ordenacional é de 5 anos, contudo, tendo havido factos interruptivos desse mesmo prazo, ter-se-á que considerar o prazo máximo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, isto é, 7 anos e meio, ressalvado que seja o período de suspensão;
11. Em consequência, contado o prazo prescricional de 7 anos e meio, acrescido de seis meses de suspensão, a partir de 19 de Março de 2005, verifica-se que o termo do prazo de prescrição ocorrerá em 19.3.2013 pelo que ainda se não tinha consumado em 11.11.2011, data em que foi proferida a douta sentença, ora recorrida;
12. A douta sentença, ora recorrida, ao não considerar as consequências dos factos interruptivos e suspensivos previstos no artigo 28° e 27-A do RGCO violou o disposto no artigo 28°, nº 3 do RGCO pelo que deverá ser revogada, ordenando-se o prosseguimento dos autos;
13. Nos termos referidos e noutros que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e substituída por outra que ordene as diligências necessárias ao prosseguimento dos autos, observando o cumprimento do disposto no artigo 28°, nº 3 do RGCO.

2. A sentença deu como assentes os seguintes factos:

A. Em 19 de Março de 2005, um técnico verificador da Alfândega de Alverca, levantou à Arguida/Recorrente, um auto de notícia, por alegada violação do art. 33º, nº 6, do CIEC.
B. Com base no auto de notícia referido em A, o Director da Direcção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro de Lisboa, instaurou, contra a Arguida/Recorrente, um processo de contra-ordenação, no qual, por despacho de 30-06-2005, lhe aplicou uma coima no montante de € 1000,00 - fls. 35;
C. A Arguida/Recorrente foi notificada da instauração do processo de contra-ordenação em 11 de Maio de 2005 - fls. 24 e 26.

3. A sentença recorrida considerou que o procedimento por contra-ordenação está interrompido porque já decorreu o prazo de cinco anos previsto no artigo 33º do REGIT
Disse-se o seguinte: «como resulta de A e de C dos factos provados, os factos constitutivos da contra-ordenação ocorreram em 19 de Março de 2005 e a ora Recorrente foi notificada da instauração do procedimento contra-ordenacional em 11 de Maio de 2005. O prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional (de 5 anos) iniciou-se, assim, em 19 de Março de 2005 e interrompeu-se em 11 de Maio de 2005. Desde 11 de Maio de 2005 até ao dia de hoje, decorreram, já, mais de seis anos, pelo que o procedimento contra-ordenacional se encontra prescrito, ficando prejudicado o conhecimento do fundamento do recurso».
Diferente entendimento tem o Ministério Público, que considera que ainda não decorreu o prazo prescricional, porque o prazo máximo de prescrição é de sete anos e meio e porque existiram duas causas de interrupção, a notificação ao arguido da instauração do procedimento, de 11/5/2005, e a notificação da decisão que aplicou a coima, de 22/7/2005, e uma causa de suspensão por seis meses, a decorrente da pendência do recurso dessa decisão.
Diz o seguinte: «contado o prazo prescricional de 7 anos e meio, acrescido de seis meses de suspensão, a partir de 19 de Março de 2005, verifica-se que o termo do prazo de prescrição ocorrerá em 19.3.2013, pelo que ainda se não tinha consumado em 11.11.2011, data em que foi proferida a douta sentença».
Mas feita a devida contabilidade, é evidente que o recorrente não tem razão.
O Ministério Público parte do princípio que o prazo de prescrição do procedimento é de sete anos e meio e não de cinco. Mas, conforme preceitua o artigo 33º, nº 1 do REGIT, o procedimento pela contra-ordenação em causa extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.
É evidente que, em consequência de eventos suspensivos ou interruptivos, um determinado prazo prescricional pode extinguir-se muito para além daquele prazo de cinco anos. Como o artigo 33º do REGIT remete para a «lei geral» nessa matéria, as causas de suspensão e de interrupção aplicáveis ao caso são as previstas nos artigos 27º-A e 28º do DL nº 433/82 de 27 de Novembro (Regime Geral das Contra-ordenações).
Pelo facto de terem ocorrido duas causas de interrupção e uma de suspensão, o recorrente entende que o prazo máximo de prescrição é de sete anos e meio, dado o disposto no nº 3 do artigo 28º deste diploma, que diz o seguinte: «a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade».
Esta norma foi introduzida no RGCO pela Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro após o Acórdão de uniformização de jurisprudência nº 6/2001 do STJ (publicado no DR, I série, de 30/3/2001) que determinou que «a regra do nº 3 do artigo 121º do Código Penal, que estatui a verificação da prescrição do procedimento quando, descontado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade, é aplicável, subsidiariamente, nos termos do artigo 32º do regime geral das contra-ordenações (Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro; alterado pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro) ao regime prescricional do procedimento contra-ordenacional».
O objectivo da norma é estabelecer um prazo máximo findo o qual o procedimento penal ou contra-ordenacional já não pode ter lugar, apesar da ocorrência de eventos interruptivos. É que, a renovação do prazo de prescrição depois de cada interrupção conduziria a que se eternizasse a pendência do processo mediante a prática de actos processuais idóneos para o efeito. Estabeleceu-se assim um limite à admissão de um número infinito de interrupções e alterou-se o efeito dos eventos interruptivos, pois com tal limitação a interrupção deixou de implicar um novo decurso de «todo» o prazo de prescrição. Como se escreve no acórdão citado «o legislador optou por um sistema que deu especial relevo a uma determinada celeridade na resolução dos casos, ao quebrar com uma orientação que vinha do século XIX, segundo a qual a prescrição do procedimento se interrompia e voltava a correr por inteiro, em resultado da prática de diversos actos judiciais ou processuais, e veio estabelecer que, não obstante a prática dos actos processuais (e só destes), que indica, e que têm como efeito a interrupção da prescrição, o resultado prescricional se verificará inevitavelmente ao fim de um certo tempo, depois de descontado o tempo em que se tenha verificado a suspensão da prescrição».
Mas não se pode confundir, como parece ser o caso do recorrente, o prazo de prescrição, que é de cinco anos, com o prazo máximo de prescrição, que é de sete anos e meio. Se, após a última interrupção, o prazo de cinco anos se extingue, sem que ainda tenham decorridos sete anos e meio desde a prática da infracção, naturalmente que a prescrição se extingue nessa data e não no termo dos sete anos e meio.
E foi o que aconteceu no caso dos autos.
A infracção consumou-se em 19/3/2005, iniciando-se nessa data a contagem do prazo de cinco anos. Este prazo interrompeu-se duas vezes: (i) em 11/5/2005, com a notificação à arguida da instauração do procedimento contra-ordenacional, causa prevista na alínea a) do artigo 28º do RGCO; (ii) em 22/7/2005, com a decisão da autoridade administrativa que procedeu à aplicação da coima, causa prevista na alínea d) do artigo 28º do RGCO.
O novo prazo de prescrição iniciado em 22/7/2005 suspendeu-se, pelo prazo de seis meses, em consequência do recurso interposto da decisão que aplicou a coima. A alínea c) do nº 1 do artigo 27º-A do RGCO, estabelece que a prescrição se suspende a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso, mas nesse caso, o nº 2 do mesmo artigo, prescreve que a «suspensão não pode ultrapassar seis meses». Como no caso foi interposto recurso da coima, que foi admitido liminarmente em 10/10/2005 (cfr. fls. 55 e 56), o prazo de cinco anos e seis meses, contados desde a última interrupção – 22/7/2005 – extinguiu-se em 22/1/2011. Ou seja, extinguiu-se muito antes de ter decorrido o prazo máximo de prescrição do procedimento.
Se fosse aplicada a regra do nº 3 do artigo 28º, o prazo de sete anos e meio, contado desde o início – 19/3/2005 – acrescido dos seis meses de suspensão, apenas se extinguiria em 19/3/2013. Simplesmente, essa regra só tem aplicação nos casos em que, em virtude de sucessivas interrupções, o prazo não se extingue após o decurso de cinco anos. Nas situações em que a extinção ocorre, o prazo de prescrição não precisa de ser contado «desde o seu início», nem «acrescido de mais metade».
Em suma: a regra do nº 3 do artigo 28º do RGCO, que é sempre favorável ao arguido, não precisa se ser aplicada, porque o prazo de cinco anos, contados desde a última interrupção, extinguiu-se ainda antes da ocorrência de uma nova interrupção

4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 10 de Outubro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.