Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0162/21.3BALSB
Data do Acordão:06/29/2022
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P29673
Nº do Documento:SAP202206290162/21
Data de Entrada:12/17/2021
Recorrente:A.....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A…… e B….., …, com cobertura do disposto pelos artigos (arts.) 25.º n.ºs 2 a 4 e 26.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT).) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpuseram, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, recurso, objetivando uniformização de jurisprudência, da decisão (singular), proferida no âmbito de pedido de pronúncia arbitral, formulado no processo nº 29/2021-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (caad), que decidiu julgar totalmente improcedente o pedido (“de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida e declaração da ilegalidade dos atos tributários de liquidação de IRS do ano de 2018, n.º 2020 5000034025, de 04/04/2020 e demonstração de acerto de contas n.º 2020 00001884340 de 16/04/2020, que inclui a liquidação de juros compensatórios, no valor global de EUR 58.695,25 (cinquenta e oito mil seiscentos e noventa e cinco euros e vinte e cinco cêntimos)”).

Apontam-lhe contradição/oposição, com a, também, decisão arbitral (singular), datada de 20 de novembro de 2018, exarada no processo nº 236/2018-T.

Os recorrentes (rtes) apresentaram alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «

I. O presente recurso para uniformização de jurisprudência é tempestivo, pois foi intentado dentro do prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação da decisão arbitral.

II. O presente recurso incide sobre a questão fundamental de direito:

- Interpretação do disposto no artigo 2.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, com relevância para efeitos de determinação do ganho de mais-valias a considerar para efeitos de IRS por aplicação do disposto nos números 3 e 4 do Código do IRS, no sentido de se obter definição jurisprudencial sobre se, para efeitos de classificação das PME como micro, pequenas e medias empresas, basta o número de efetivos ou, ao contrário, o número de efetivos não é suficiente exigindo-se a verificação cumulativa com aquele, de um dos limiares financeiros (total do balanço ou volume de negócio)

- Interpretação que fixe jurisprudência no sentido de se firmar que “deixa de ser” classificada micro, pequena ou média empresa quando ultrapasse, cumulativamente (conjugação “e”), dois critérios:

- número de efetivos e

- Pelo menos, um dos limiares financeiros: total do balanço ou volume de negócios,

III. A decisão recorrida está em contradição com a decisão do mesmo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), tirada no P.º n.º 236/2018-T, datado de 20/11/2018 (de Arlindo José Francisco) – decisão fundamento, cuja cópia se anexa;

IV. A decisão recorrida está em manifesta contradição com a decisão fundamento quanto à consideração de “basta que o número de efetivos” seja superior a 50 para que a empresa, qualquer que seja a sua dimensão económica (total de balanço ou volume de negócios) passe a ser considerada como “média empresa”.

V. Na decisão fundamento, decidiu-se que não basta o número de efetivos ser superior a 50 para que a empresa seja considerada como média empresa, sendo necessário que, para além desse critério, reúna também, pelo menos, um dos limiares financeiros, ou seja, que o total do balanço ou o volume de negócio seja superior a 10 milhões de euros.

VI. Na decisão recorrida ignorou-se a conjunção “E” dos dois critérios – o critério dos efetivos e o critério financeiro (dimensão económica)

VII. Na decisão fundamento exigiu-se a verificação cumulativa dos dois critérios: - “não basta que tenha ultrapassado o número de efetivos” - é também necessário que, pelo menos, tenha ultrapassado, um dos limiares do critério financeiro (Total do Activo ou volume de negócios superior a 10 milhões)

VIII. A interpretação dada pela decisão fundamento é a que está de acordo com a letra da lei, com a letra do artigo 2.º do Anexo ao Dec Lei n.º 372/2007 de 6 de Novembro cujos “conceitos e critérios a utilizar para aferir o respectivo estatuto,…………..e correspondem aos previstos na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de Maio.

IX. Critérios e conceitos que constavam já da Recomendação da Comissão, de 3 de Abril de 1996, relativa à definição de pequenas e médias empresas - 96/280/CE.

X. Recomendação da Comissão que claramente afasta a utilização de um único critério para acolher quatro critérios que de resto se mantêm na Recomendação 2003/361/CE de 6 de Maio.

XI. Critérios que visam a classificação das empresas em função da sua dimensão sendo o critério dos efetivos, claramente insuficiente, para tal definição.

XII. Do livro Branco, do Livro Verde, da Carta Europeia das PME e do relatório do Comité das Regiões entre outros resulta claro o objectivo de remover a burocracia e reduzir os custos externos que oneram (impostos, taxas, encargos administrativos, etc.) as PME e a “necessidade de diferenciar o tipo e a dimensão das empresas…... reclamando, a melhoria do quadro regulamentar para as PME, especialmente estabelecendo uma distinção de tipo e dimensão das empresas no âmbito da lei das sociedades e dando o necessário incentivo à iniciativa empresarial através do recurso à política fiscal;

PARECER sobre o Livro Verde "Espírito Empresarial na Europa" e a Comunicação "Melhorar o Enquadramento Empresarial", da Comissão das Regiões, 2/3 de junho de 2003 (a Recomendação n.º 2003/361/CE é de 6 de Maio)

XIII. Considerando que a grande maioria das empresas (99,8 %) na Europa são PME, e na sua grande maioria, são empresas de pessoal-intensivas, a consideração, apenas, do critério dos efetivos para a classificação das empresas defraudariam os objetivos da Comissão – remover a burocracia e reduzir os custos externos que oneram as PME.

XIV. Acresce que nos demais diplomas (Quarta e Sétima Directiva, Decreto-Lei 158/2009, Decreto-Lei n.º 36-A/2011 de 9 de Março) apesar de serem diferentes os limiares (efetivos, Total do Activo e Volume de negócios), apontam para uma classificação positiva das empresas, deixam de ser micro, pequenas e médias quando passam a reunir, cumulativamente, dois dos critérios, isto é, quando “ultrapassem dois dos limiares”.

XV. Aplicando as mesmas regras interpretativas, a Recorrente só passa a ser média empresa quando reunir cumulativamente, o numero de efetivos (> de 50) e um dos limiares financeiros (Total do ativo ou volume de negócios > que 10 milhões de euros)

XVI. A recorrente tem mais e 50 efetivos mas nem o seu ativo nem o seu volume de negócios é superior a 10 milhões.

XVII. Acresce que, a existência ou não da classificação PME atribuída pelo IAPMEI não é vinculativa no entendimento da doutrina e da jurisprudência para a classificação da empresa, como micro, pequena ou média.

XVIII. Vinculativa é a dimensão económica da empresa, no caso dos autos, da C….., Lda e essa demonstra que, de facto, possuía no ano de 2018 um número de efetivos superior a 50 mas não ultrapassou, nenhum dos limiares financeiros – reunia o critério dos efetivos mas não reunia o critério dos limiares financeiros.

XIX. No ano de 2018, como de resto em qualquer dos anos anteriores, a sociedade C…..., Lda não reunia os critérios para, nos termos das Recomendações da comissão europeia, 2003/361/CE e 96/280/CE de 3 de Abril de 1996, relativa à definição de pequenas e médias empresas, para ser classificada como “média” empresa.

XX. A interpretação dada pela decisão fundamento é a que está de acordo com a lei.

XXI. A douta jurisprudência ínsita na decisão arbitral recorrida viola o artigo 2.º do anexo ao DL 372/2007 e viola as disposições das Recomendações da comissão europeia, 2003/361/CE e 96/280/CE de 3 de Abril de 1996.

XXII. Estão verificados os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.

XXIII. Deve ser adotada a jurisprudência da decisão fundamento, pois é aquela que assegura a justa qualificação do facto tributário e interpretação da lei.

Termos em que, deve o presente recurso ser admitido, e

- Deve ser julgado procedente e em consequência ser verificada a existência de contradição jurisprudencial;

- Deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que decida fixando jurisprudência no sentido da decisão fundamento;

- Consequentemente, devem ser anuladas as liquidações impugnadas.

Como é de inteira JUSTIÇA!

Estando em causa a interpretação de disposições de direito da união, requer, que a título prejudicial, seja, pelo órgão jurisdicional nacional pedido ao Tribunal de Justiça da União Europeia que, nos termos do disposto no Tratado, se pronuncie sobre a interpretação do artigo 2.º do Anexo à RECOMENDAÇÃO DA COMISSÃO de 6 de Maio de 2003 relativa à definição de micro, pequenas e médias empresas, [notificada com o número C (2003), 1422] (2003/361/CE), formulando a seguinte questão:

- uma empresa com um número de efetivos superior a 50 e com um volume de negócios e um total de balanço inferior a 10 milhões de euros deve ser classificada como “média” empresa ou, ao contrário como “pequena” empresa.»


*

Por despacho do relator, foi o recurso admitido, liminarmente, com efeito suspensivo, nos termos do art. 26.º n.º 1 do RJAMT.

*

A recorrida (rda) [autoridade tributária e aduaneira (AT)] contra-alegou e concluiu: «

1. O presente recurso tem por objecto a interpretação do nº 3 e nº 4 do art. 43º do CIRS, para efeitos de aplicação do regime de exclusão de tributação consignado naquele normativo legal,

2. Sendo que os Recorrentes pugnam por interpretação diversa da adoptada na decisão proferida a 8/11/2021 nos autos de processo arbitral em referência, a qual julgou o seu pedido improcedente, mantendo na ordem jurídica a liquidação de IRS referente ao ano de 2018.

3. A Recorrida, por sua vez, entende que a decisão arbitral objecto do presente recurso fez uma correcta interpretação e aplicação do direito, acompanhando na íntegra este entendimento arbitral.

4. Em suma, e reiterando o que disse em sede de Resposta nos autos de processo arbitral, a Recorrida entende o seguinte, que transcreve com adaptações:

4.1. Está em causa a verificação dos requisitos materiais para efeitos de aplicação do regime previsto no n.º 3 do artigo 43.º do CIRS às alienações onerosas de partes sociais de micro e pequenas empresas.

4.2. O artigo 43.º do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, dispunha o seguinte:

3 - O saldo referido no n.º 1, respeitante às operações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor.

4 - Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.

4.3. Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, veio regulamentar o procedimento de certificação das pequenas e médias empresas (PME), os conceitos e critérios a utilizar para aferir o respetivo estatuto, os quais constam do seu anexo, constando do artigo 2.º, que determina os requisitos necessários para que uma empresa possa ser considerada PME, o seguinte:

(…) 2 - Na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros.

3 - Na categoria das PME, uma microempresa é definida como uma empresa que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros.” (…)

4.4. O Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro aplica-se às sociedades cuja sede ou direção efetiva se situem em Portugal, uma vez que é esse o âmbito de soberania territorial do Estado português, visa, tal como se encontra descrito no preâmbulo do mencionado diploma “(…) promover a inovação e executar políticas de estímulo ao desenvolvimento empresarial, visando o reforço da competitividade das micro, pequenas e médias empresas (PME) que exerçam a sua atividade nas áreas sob tutela do Ministério da Economia e da Inovação.

4.5. Verifica-se, portanto, que estamos perante um regime mais favorável reconhecido a um conjunto de contribuintes (PME) que não se encontram na mesma situação no que se refere às demais empresas com sede ou direção efetiva em Portugal, de forma a reforçar a sua competitividade, promovendo a captação e concretização do investimento do seu capital.

4.6. A Circular n.º 7/2014 refere que a certificação emitida pelo IAPMEI releva como prova bastante do estatuto de micro ou pequena empresa para efeitos do regime previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS, e que no caso de a empresa não ser detentora de certificação como micro ou pequena empresa, cumpre, ainda assim, aferir se a entidade, à data da alienação das partes sociais, preenchia os requisitos materiais constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007.

4.7. A correcção efectuada pela AT teve na base o facto de não estarem preenchidos os requisitos materiais cumulativos para que a empresa seja considerada micro ou pequena empresa.

4.8. Mais concretamente, e de acordo com o relatório da Divisão de Tributação e Cobrança elaborado em sede de procedimento de divergência, “… No ano de 2017 a sociedade C…… LDA teve 67 pessoas remuneradas ao seu serviço, como se obtém da consulta à Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal (IES), não cumprindo assim o requisito do número de efetivos para ser considerada micro ou pequena empresa, sendo de classificar como média por ter menos de 250 trabalhadores, conforme artigo 2° do Anexo ao Decreto Lei n.º 372/2007”.

4.9. A própria Recomendação da Comissão Europeia dissipa quaisquer dúvidas ao mencionar no art.º 2.º que “Os limiares indicados no artigo 2.º do anexo devem ser considerados como limites máximos. Os Estados-Membros, o BEI e o FEI podem fixar limiares inferiores…”. (O art.º 2.º do anexo da Recomendação corresponde ao art.º 2.º do anexo ao Decreto Lei n.º 372/2007).

4.10. Logo, não estando preenchido um dos requisitos cumulativos inferiores aos limites máximos para ser considerada uma micro ou pequena empresa passa automaticamente a ser considerada como média empresa.

4.11. Assim, verificando-se que o critério para a classificação das pequenas empresas depende de estarem reunidos todos os critérios inferiores aos limites máximos, isto é, ter menos de 50 efetivos e volume de negócios ou balanço que não exceda 10 milhões, e no caso concreto, a empresa alienada ultrapassou um dos limites da pequena empresa, deve ser considerada média empresa.

5. É este o entendimento que ora se defende, mais se entendendo não existirem dúvidas que justifiquem o envio prejudicial ao TJUE para apreciação da questão objecto do presente recurso.

Nos termos supra expostos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente.»


*

A Exma. Magistrada do Ministério Público, notificada, emitiu pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 146.º n.º 1 do CPTA, concluindo “que, caso não seja rejeitado por não verificação dos respectivos pressupostos e caso seja apreciado o seu mérito não lhe seja concedido provimento, uma vez que a decisão recorrida fez correcta interpretação e aplicação da lei aplicável”.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

*******

# II.

A decisão arbitral recorrida efetuou julgamento factual, da forma que se transcreve: «

1. A…… nif ….., e B….., nif ….., são casados, e residem na Rua …., n.º …, Santo Adrião, Vizela, 4815 …. VIZELA, sendo o seu domicílio fiscal da competência do Serviço Local de Finanças de Vizela;

2. O Requerente marido era sócio da sociedade comercial denominada C….. LDA, pessoa coletiva n.º …., com sede na Avenida …., n.º …, 4815-…. Regilde, freguesia de Regilde, concelho de Felgueiras, na qual detinha uma quota do valor nominal de EUR 25.000,00 representativa de 25% do capital social da sociedade, documento número 2 junto com o PPA;

3. A C….. LDA, é uma sociedade por quotas com o capital social, à data do facto, de cem mil euros que tem por objeto social a fabricação de calçado de couro e pele, documento número 2 junto com o PPA;

4. Por escritura lavrada no dia 31/01/2018, no cartório notarial do Notário ……, os Requerentes cederam à própria sociedade a dita quota de vinte e cinco mil euros pelo preço de quatrocentos e cinquenta mil euros, documento número 3 junto com o PPA;

5. A quota alienada em 31/1/2018 havia sido subscrita na sua integralidade em 13/7/1994, data da constituição da sociedade, certidão permanente junta como documento número 2 com o PPA e pág. 170 do PA;

6. Em 16/07/2019, os Requerentes submeteram, através do portal da AT, a declaração de rendimentos Modelo 3, na qual declararam os rendimentos obtidos em 2018, incluindo os relativos aos ganhos de mais-valias resultantes da alienação da participação social, documento número 6 junto com o PPA;

7. No anexo G à declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, os Requerentes declararam no quadro 9B, campo 9001, do anexo G, os valores relativos à aquisição e alienação, da participação social, detida na C…., LDA, documento número 6 junto com o PPA;

8. No campo 9601 do referido anexo assinalaram o facto de a participação social alienada respeitar a uma pequena empresa, documento número 6 junto com o PPA;

9. Em 27/01/2020 os Requerentes foram notificados do projeto de correção e convidados a, querendo, substituir a declaração de IRS apresentada com base na informação seguinte:

Alineou quota da sociedade C….. LDA, NIPC ….. indicando no quadro 9B do anexo G que se trata de Micro ou pequena entidade, no entanto, de acordo com a certificação do IAPMEI tem o estatuto de média. Deve apagar quadro 9B do anexo G e declarar a venda no quando 9A nos dois sujeitos passivos”, documento número 7 junto com o PPA;

10. Os Requerentes exerceram o direito de audição prévia e defenderam que de acordo com os dados constantes da declaração anual de informação empresarial simplificada (IES) apresentada pela sociedade C…… LDA NIPC ….., a mesma deve ser classificada como pequena empresa, cfr. PA, págs. 86 e segs;

11. Em 06/03/2020, pelo ofício n.º 300.396, os Requerentes foram notificados da decisão de conversão em definitivo da proposta de correção da declaração modelo 3 apresentada com referência ao ano de 2018, com fundamento na informação dos serviços de 05/03/2020, que no essencial dizia:

(…) No ano de 2017 a sociedade C….. LDA, teve 67 pessoas remuneradas ao seu serviço como se obtém da consulta à declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES) não cumprindo assim o requisito do número de efetivos para ser considerada micro ou pequena empresa, sendo de classificar como média por ter menos de 250 trabalhadores, conforme artigo 2.º do Anexo ao Decreto Lei n.º 372/2007.

Esta classificação está conforme com a certificação emitida pelo IAPMEI.

Em conclusão, a classificação como micro ou pequena empresa para efeitos do n.º 3 do art.º 43.º do CIRS, ou seja, considerar em 50% do seu valor o saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, deverá ser efectuada apenas de acordo com os critérios definidos no Decreto-lei n.º 372/2007, conforme n.º 4 do art.º 43.º do CIRS).

Como de acordo com o artigo 2.º do Anexo ao Decreto-lei n.º 372/2007, a certificação emitida pelo IAPMEI, a sociedade é de classificar como média empresa, deverá ser corrigida a declaração de rendimentos…. do ano de 2018, no sentido de retirar a informação do campo 9601 do quadro 9 do anexo G, uma vez que as quotas alienadas respeitam a uma entidade classificada como média empresa, não podendo assim beneficiar da redução em 50% da mais-valia apurada com a alienação das quotas da sociedade “C….. LDA”, documento número 8 junto com o PPA;

12. Em 05/03/2020 foi emitido pelo Chefe de Divisão, por delegação, o seguinte despacho “Concordo com o constante na informação, no sentido da não consideração da qualidade de Micro ou pequena empresa, com os fundamentos propostos”, documento número 8 junto com o PPA;

13. Foi emitido pela Requerida o ato tributário de liquidação de IRS do ano de 2018, n.º 2020 5000034025, de 04/04/2020 e demonstração de acerto de contas n.º 2020 00001884340 de 16/04/2020, que inclui a liquidação de juros compensatórios, no valor global de EUR 58.695,25 (cinquenta e oito mil seiscentos e noventa e cinco euros e vinte e cinco cêntimos);

14. O Requerente procedeu ao pagamento do imposto, juros compensatórios e moratórios, no dia 18/8/2020, no processo executivo 4200/2020-01019619, documento número 9 junto com o PPA;

15. Conforme IES - Informação Empresarial Simplificada apresentado em 12/7/2018 e referente ao exercício económico-fiscal de 2017, a sociedade “C….. LDA” apresentou no ano de 2017 um volume de negócios (vendas e prestações de serviços) de EUR 3.282,637,54, (p. 4 da IES), o total de balanço foi de EUR 2.195.997,16, (p. 5 da IES), e tinha 67 trabalhadores ao seu serviço (p. 45 da IES).

16. Conforme IES - Informação Empresarial Simplificada apresentado em 11/7/2019 e referente ao exercício económico-fiscal de 2018, a sociedade “C….. LDA” apresentou no ano de 2018 um volume de negócios (vendas e prestações de serviços) de EUR 3.880.434,59, (p. 4 da IES), o total de balanço foi de EUR 2.187.927,49, (p. 5 da IES), e tinha 76 trabalhadores ao seu serviço (p. 45 da IES), cfr. PA;

17. A sociedade C…… LDA está classificada como média empresa pelo IAPMEI, cfr, pág. 180 e segs do PA; »

Na decisão (arbitral) fundamento, consta a seguinte matéria de facto: «

a) O requerente era detentor de quotas na Sociedade Clínica Médica – D….. Ldª, NIPC ….., com o valor global de € 44 000,00, adquiridas entre 1987 e 2002, que alienou em Dezembro de 2016, pelo valor de € 286 346,21;

b) Em 25 de Maio de 2017, o requerente submeteu por transmissão eletrónica de dados a declaração de IRS modelo 3 respeitante ao ano de 2016, da qual fazia parte o anexo G onde constava a referida alienação de partes sociais de micro e pequenas empresas, tendo optado pelo não englobamento.

c) Em 01/06/2017, foi emitida a liquidação de IRS do ano de 2016 nº 20175004383523, com imposto a pagar no valor de € 20 082,12, com data limite de pagamento de 31 de Agosto de 2017, que foi regularizado.

d) Em 27 de Maio de 2017, a declaração em causa foi selecionada em sede de gestão de divergências, para efeitos de controlar as mais-valias de valores mobiliários de micro e pequenas empresas.

e) Na sua análise a ATA, concluiu que a aludida declaração deveria ser substituída, retirando o anexo G, quadro 9A, o valor da alienação de quotas da sociedade com o NIF ….., dado que a mesma não reunia os requisitos de PME, previsto no artigo 2º do Anexo do DL 372/2007 de 06 de Novembro, uma vez que tinha mais de 49 trabalhadores.

f) Como o requerente não procedeu à substituição nos termos propostos pela ATA, esta, em 12 de Março de 2018, procedeu à elaboração e recolha, constando do Anexo G quadro 9A a eliminação do valor de 50% da mais-valia relativa à empresa em questão, resultando uma liquidação adicional com imposto a pagar de € 20 251,88, com data limite de pagamento de 02 de Maio de 2018.

g) A empresa em questão teve nos anos de 2013 e 2014, um volume de negócios inferior a € 10 000 000,00, tendo, em 13 de Agosto de 2015, caducado a certificação de média empresa, ano em que o seu volume de negócios também ficou aquém dos € 10 000 000,00.»


***

Não obstante, ter sido, em despacho liminar, admitido, pelo relator, o presente recurso, para uniformização jurisprudencial, impõe-se, de momento, com a intervenção de todos os Exmos. Conselheiros, da Secção, que se avalie e julgue, em definitivo, dos pressupostos da sua admissibilidade/continuidade.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal (Desde logo e em primeira linha, pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário.) é, há muito, perentória, na afirmação de que o reconhecimento da ocorrência de oposição/contradição entre dois acórdãos, para efeitos deste tipo de apelo, pressupõe a verificação, cumulativa, das seguintes condições/requisitos:

- a existência de contradição entre os acórdãos recorrido e fundamento, sobre a mesma questão fundamental de direito;

- não ocorrer a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

Adicionalmente, quanto à primeira (para estarmos diante da mesma questão fundamental de direito), impõe-se, também, em cumulação, avaliar e concluir, ainda:

- pela identidade substancial (essencial) das situações factuais envolvidas e versadas;

- que não haja ocorrido alteração substancial na regulamentação jurídica aplicável;

- pelo perfilhamento de solução oposta nos arestos em confronto e que essa oposição decorra de decisões expressas, ou seja, exige-se uma contradição decisória.

Nesta avaliação pluridimensional e, por isso, complexa, casuisticamente, não podemos deixar de atentar, com particular ênfase, relativamente à solução oposta, no percurso cognoscitivo trilhado pelo julgador/decisor, com o objetivo, primordial, de determinar, verificar da utilização de, eventuais, razões, subjetivas, condicionantes, só por si, do resultado preconizado, sem olvidar que o desiderato deste recurso (extraordinário) é impedir o tratamento diferente de casos iguais, não colher e postular uniformidade na interpretação da lei.

Reconfirmado o preenchimento das exigências formais de admissibilidade deste recurso (versadas no aludido despacho inicial), impõe-se avançar e indagar do cumprimento, acumulado, das demais condições/requisitos, substanciais, vindos de elencar.

Na sequência de análise comparada do conteúdo integral das duas decisões arbitrais em oposição, constatamos que, apesar de ambas, no campo da juridicidade, se moverem em torno do estatuído (sem alterações legislativas) no art. 43.º n.ºs 1, 3 e 4 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) e art. 2.º n.º 2 do Anexo ao Decreto-lei n.º 372/2007 de 6 de novembro, abordam e respondem, à questão de saber se as sociedades, envolvidas, são micro, pequenas ou médias empresas (Concretamente, para a decisão arbitral recorrida «A questão a dirimir nos presentes autos é a seguinte: Se a sociedade é uma micro, pequena ou média empresa e em caso afirmativo quanto a ser micro, ou pequena empresa, se o alienante particular goza do benefício da redução da tributação previsto no art.º 43.º, n.º 3, do CIRS?», enquanto, na fundamento, «A questão a dirimir, com interesse para os autos, é a seguinte: Saber se a empresa cujas partes sociais foram alienadas é uma micro e pequena empresa ou uma média empresa na aceção do Anexo ao DL nº 372/2007 de 06 de Novembro e desta forma determinar se o saldo positivo da mais-valia apurada deve ser tributado apenas por 50% ou na sua totalidade, com a consequente decisão de anular a liquidação e compensação de IRS nº... e ... de 2018 e respeitante ao exercício de 2016 e respetivos juros, no valor global de € 20 251,88 ou mantê-la na ordem jurídica, conforme a conclusão a que se chegar.»), fixando factualidade não coincidente, em pontos essenciais, além de valorarem os factos disponíveis com fundamentos diversos.

Assim, invocando os seus próprios dizeres, na decisão arbitral recorrida, o árbitro interveniente expressou: «

(…).

Conforme o facto número 13 dado como provado, no IES - Informação Empresarial Simplificada apresentado em 12/7/2018 e referente ao exercício económico-fiscal de 2017, a sociedade “C….. LDA” apresentou no ano de 2017 um volume de negócios (vendas e prestações de serviços) de EUR 3.282,637,54, (p. 4 da IES), o total de balanço foi de EUR 2.195,997,16, (p. 5 da IES), e tinha 67 trabalhadores ao seu serviço (p. 45 da IES).

Basta ter 67 trabalhadores (ultrapassar o limiar dos 50), para ser logo classificada de média empresa.

O termo “e” é uma conjunção coordenativa aditiva e o termo “ou” é uma conjunção coordenativa alternativa, logo o número de trabalhadores é elemento autónomo de qualificação da natureza da empresa, sendo que os outros dois é que são alternativos.

Daqui se conclui que a sociedade/empresa C……. LDA é uma média empresa.

(…). »

Por contraposição, o árbitro que subscreveu a pronúncia arbitral, convocada a título de fundamento, defendeu: «

(…).

Ora tendo em vista a matéria de facto provada, nomeadamente a alínea g) do ponto 2, título III - Fundamentação, da presente decisão, verifica-se que a empresa apesar de ter mais de 50 empregados, o seu volume de negócios foi sempre inferior, nos anos de 2013, 2014 e 2015, aos € 10 000 000,00 exigidos pelo nº 2 do artigo 2º do Anexo ao DL 372/2007, ao mesmo tempo que a empresa em questão, ao tempo da alienação das partes socias (Dezembro de 2016) não estava certificada, o que aliás os nºs 3 e 4º do artigo 43º do CIRS não exigem, bastando por isso, tão só o preenchimento dos requisitos constantes do referido nº 2 do artigo 2º do citado Anexo, que são cumulativos, entendimento que a própria ATA veio aceitar, conforme circular nº 7/2014, de 29 de Julho, que no seu nº 5 refere: “a qualificação de micro ou pequena empresa para efeitos de aplicação dos nº 2, 3 e 4 do artigo 43º do CIRS, deve assentar na realidade material das entidades cujas partes sociais foram objeto de transmissão onerosa, com base na verificação dos requisitos materiais vertidos no anexo ao Decreto-Lei nº 372/2007 de 06 de novembro, à data da alienação, impendendo sobre os sujeitos passivos o respetivo ónus da prova nos termos do nº 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária”.

A mesma circular, no seu nº 6 alínea b) refere que quando a empresa não possua a certificação como micro ou pequena empresa, cumpre ainda assim aferir se à data da alienação reunia essa condição.

Da análise que se vem fazendo e dada a matéria de facto provada (certificação de média empresa caducado e volume de negócios inferior aos € 10 000 000,00), o Tribunal conclui que a empresa em questão era, ao tempo da alienação das partes sociais, uma micro empresa, na aceção do Anexo ao DL 372/2007 de 06 de Novembro, dado não reunir cumulativamente os requisitos exigidos para ser considerada uma PME, faltando-lhe o requisito financeiro.

(…). »

Posto isto, apresentando-se, em primeira linha, incontornável a existência de desconformidade entre a factualidade submetida, na decisão recorrida, aos pontos 15. e 16. e à alínea g), da decisão fundamento, quanto ao número de trabalhadores ao serviço da empresa e nos anos em causa nesta última, acresce, ponderado o conteúdo e sentido dos seus argumentos (decisivos para ter declarado o pedido de pronúncia arbitral procedente), a identificação de que, no entender do árbitro decisor, a sociedade/empresa requerente tinha de ser considerada “micro empresa”, por efeito de “certificação de média empresa caducado e volume de negócios inferior aos € 10 000 000,00”.

E, nem podemos, esforçadamente, sustentar que o árbitro teve em mente o constante da alínea e) dos factos que julgou provados (decisão fundamento), na parte alusiva a que a sociedade “tinha mais de 49 trabalhadores”, porquanto, então, tal número (indeterminado) de trabalhadores, por força do regime legal aplicável, concretamente, o art. 2.º n.º 3 do Anexo ao Decreto-lei n.º 372/2007 de 6 de novembro (« 3 - Na categoria das PME, uma micro empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros. », a ser valorado, equacionado, jamais, lhe permitia afirmar a apontada categoria de micro empresa; aliás, até se poderia, no limite, estar perante uma empresa que empregava 250 ou mais pessoas e, por isso, irremediavelmente, fora da categoria das micro, pequenas e médias empresas (PME) (Cf., art. 2.º n.º 1 do Anexo ao Decreto-lei n.º 372/2007 de 6 de novembro.).

Em suma, as duas decisões arbitrais, apontadas como contraditórias pelos rtes, presentes as concretas realidades de facto sobre que se debruçaram e a forma como cada um dos árbitros procedeu ao enquadramento e relevo jurídico das mesmas, acabaram por não dirimir igual questão fundamental de direito, sendo essa divergência capaz, só por si, de justificar a verificada oposição do sentido das decisões assumidas (de improcedência (recorrida) e procedência (fundamento) dos pedidos de pronúncia arbitral).


*******

# III.

Pelo exposto, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos não conhecer do mérito deste recurso para uniformização de jurisprudência.


*

Custas pelos recorrentes, em partes iguais.

*

Comunique-se ao caad.

*****
[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 29 de junho de 2022. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.