Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0864/12
Data do Acordão:09/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL
DISPENSA
GARANTIA
DIREITO DE AUDIÇÃO
AUDIÇÃO PRÉVIA
Sumário:I - O processo de execução fiscal é, por sua natureza, um processo célere destinado à cobrança dos créditos do Estado e de outras entidades públicas.
II - Sendo assim, não lhe são aplicáveis regras do procedimento tributário, nomeadamente o exercício do direito de audição do executado, quer nos casos de pedidos de pagamento em prestações ou dispensa de garantia, quer no caso de dação em pagamento.
III - Em processo de execução fiscal, o único caso em que é admissível o exercício do direito de audição prévia é o da reversão da execução, mas, neste caso, por disposição expressa da lei (artº 23º, nº 4 do CPPT).
Nº Convencional:JSTA000P14503
Nº do Documento:SA2201209120864
Data de Entrada:07/27/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Viseu que julgou totalmente procedente a reclamação deduzida por A………, com os demais sinais nos autos, contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Tondela que lhe indeferiu o pedido de prestação de garantia no processo de execução fiscal nº 2704201101008790, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que concedeu provimento à reclamação apresentada e anulou o despacho de indeferimento de pedido de dispensa de garantia, por falta do exercício do direito de audição.

B) Foi convicção do Mmo Juiz a quo que: “… a suspensão da execução após prestação de garantia, nos casos enunciados nos art.°s 52° da LGT e 169° do CPPT, bem como a decisão sobre a dispensa de prestação dessa garantia, nos casos previstos na lei (n°s 3 a 6 do citado art.° 52° da LGT e art. 170° do CPPT), são de qualificar como verdadeiros atos administrativos em matéria tributária e não como meros atos de trâmite; e, assim, como atos administrativos definidores de uma situação jurídica que no caso é desfavorável ao contribuinte, impunha-se a sua prévia audição, de acordo com o estatuído nos arts. 100° do CPA e 60° da LGT.”

C) No âmbito da execução fiscal n° 2704201101008790, cujo devedor originário é o ora reclamante (ao contrário do que consta da alínea A) dos factos provados), foi este notificado para prestar garantia idónea.

D) Em 22-07-2011, o reclamante solicitou, ao abrigo dos art.°s 52°, n°4 da LGT e 170° do CPPT, a dispensa de prestação de garantia, pedido este indeferido pelo Órgão de Execução Fiscal, por falta de prova da insuficiência de bens penhoráveis bem como da sua irresponsabilidade na mesma.

E) Note-se que o contribuinte não foi notificado previamente à decisão para exercício do direito de audição, sendo a questão decidenda a obrigatoriedade ou não de tal procedimento.

F) À luz do art.° 103°, n°1 da LGT, o processo executivo tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos atos que não tenham natureza jurisdicional, sendo que a intervenção desta entidade em nada contende com a referida natureza, vide Acórdão n.° 80/2003 do Tribunal Constitucional, de 12-02-2003.

G) No decurso do processo podem ser praticados tanto: atos administrativos em matéria tributária (que dão origem a procedimentos tributários autónomos, que correm paralelamente ao processo de execução e em sua conexão), como atos processuais de cariz não jurisdicional.

H) A Jurisprudência divide-se quanto à qualificação do ato de dispensa de garantia, vejamos, nomeadamente: o Acórdão do TCA Norte de 18-01-2012, processo n° 361/1 1.6BECBR: “1. O pedido de dispensa da prestação de garantia não dá origem a qualquer procedimento de natureza tributária, a exigir, por isso, que, antes da decisão, se dê ao interessado a oportunidade de participar na formação da mesma ao abrigo do disposto no artigo 60° da LGT, ficando a decisão desse pedido a cargo da administração tributária, não enquanto exequente/credora, no exercício da atividade tributária, mas, simplesmente, enquanto órgão da execução fiscal, ou seja, no exercício das funções que lhe estão confiadas enquanto auxiliar ou colaborador operacional no processo de execução fiscal.” e o Acórdão do STA de 07/12/2011, processo n° 01054/l1: “O pedido de dispensa de prestação de garantia não dá origem a qualquer procedimento de natureza tributária; a dispensa da prestação de garantia visa apenas disciplinar os termos em que a execução pode ficar suspensa ou prosseguir, integrando o quadro normativo que regula o seu andamento. Daí que a decisão desse pedido fique a cargo da A T, não enquanto exequente, enquanto credora, no exercício da atividade tributária, mas simplesmente enquanto órgão da execução fiscal, ou seja, no exercício das funções que lhe estão confiadas enquanto auxiliar ou colaborador operacional no processo de execução fiscal”., que se encontram em desacordo com o mais recente Acórdão do STA de 23-02-2012, processo n° 059/12: “A decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia deve qualificar-se como um verdadeiro ato administrativo em matéria tributária, inserido no âmbito de um procedimento tributário autónomo e funcionalmente diferente do procedimento processual dirigido à cobrança coerciva de determinadas quantias, submetido, por isso, aos princípios e normas que disciplinam a atividade tributária”.

1) Porém, afigura-se à Fazenda Pública que, independentemente da qualificação atribuída ao ato de dispensa de garantia, relativamente ao mesmo não impende sobre a Administração Fiscal a obrigatoriedade de notificação para direito de audição.

J) Prevê a alínea b) do n° 1 do art.° 60° da LGT o direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, concretizando o direito de participação dos cidadãos consagrado constitucionalmente, art.° 267°, n°5 CRP.

K) O pedido de dispensa de prestação de garantia, efetuado com base no art.° 52º, n°4 da LGT, deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com prova documental necessária, em respeito ao art.° 170°, n° 3 do CPPT, sendo que a respetiva decisão terá de ser proferida no prazo de 10 dias a contar da sua apresentação, n° 4 do citado normativo, sob pena de se presumir o seu indeferimento tácito, entendimento este também vertido por Jorge Lopes de Sousa in Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume II, anotação 5 ao art.° 170º.

L) Atento o curto prazo para a prolação da decisão não comporta, salvo melhor entendimento, o exercício do direito de audição em 8 a 15 dias, plasmado no art.° 60°, n° 6 da LGT.

M) Aliás, conforme foi já defendido em sede de contestação, a participação do contribuinte na formação da decisão dá-se ab initio, pois, é perante a notificação para prestação de garantia que o executado requer a sua dispensa, incumbindo-lhe apresentar desde logo prova do que alega.

N) Cabe aqui ao requerente o ónus da prova, devendo juntar ao pedido os elementos probatórios que considere pertinentes, não incumbindo à Administração Fiscal, ao contrário do que foi decidido, qualquer obrigação de solicitar mais documentos, ainda que o contribuinte os protestasse juntar.

O) É de sublinhar que o supra mencionado Acórdão do STA de 23-02-2012, processo n° 059/12, reitera posição consentânea com a defendida: “VIII - Ainda que não se aceite a aplicabilidade da referida norma do CPA (art.° 103°), o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando todas as razões que, em seu entender, a justificam, e ao qual é obrigado a juntar logo todos os elementos de prova, desempenha já a função de audiência prévia, não havendo que chamá-lo novamente a participar na formação da decisão dada a regra geral contida no n.° 3 do artigo 60.° da LGT quando aplicada a todos os procedimentos tributários que culminem com um ato final lesivo, seja ele ou não um ato de liquidação”.

P) Não desconhecemos o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14-12-2011, processo n° 01072/11, seguido de perto na sentença recorrida, contudo, ao mesmo não poderemos aderir face ao mais recente entendimento de tal instância, vertido na conclusão anterior, aliás, note-se que mesmo quando é dada diferente qualificação ao ato de decisão de dispensa de garantia, no caso do TCA Norte, a solução apontada é sempre da inexistência de direito de audição.

Q) Encontramo-nos, portanto, perante um erro de julgamento que urge suprir, devendo baixar os autos para se conhecerem as questões que ficaram prejudicadas.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que, após a análise do seu mérito, se julgue improcedente, por não provada, a presente reclamação de atos do órgão da execução fiscal, com as legais consequências.

2. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 309/310 pronunciando-se no sentido da procedência do recurso.

3. Com interesse para a decisão foram dados como provados os seguintes factos:

A) No SF de Tondela corre a execução fiscal n.° 2704201101008790, revertida contra o aqui reclamante;

B) No âmbito da execução mencionada em A., o reclamante apresentou em 22.07.2011, um pedido de dispensa de garantia, ao abrigo do artº. 170.° do CPPT e do artº. 52.°, n.° 4 da LGT;

C) No requerimento mencionado em B., o ora reclamante invocou a falta de meios económicos para a prestação da garantia que lhe foi exigida, protestando juntar todos os elementos que a Administração Fiscal entendesse pertinentes;

D) O Exmo. Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Tondela, em relação ao requerimento mencionado em B., proferiu despacho em 05 de agosto de 2011, do qual consta o seguinte:
“…indefiro, com os fundamentos, por um lado, da falta de produção de prova da insuficiência dos bens penhoráveis, e, por outro, da falta de produção de prova da irresponsabilidade do executado pela situação de insuficiência/inexistência de bens … .o pedido de dispensa de prestação de garantia ...;
Por último, importa referir, quanto à participação, prévia à decisão, o seguinte:

Nesta conformidade entendo dispensar quanto ao presente pedido, a audição, prévia à decisão, do ora executado, pelo que o indeferimento que, acima, decidi, produzirá efeitos imediatos”;

E) O despacho mencionado em D. foi notificado ao reclamante por oficio de 25-08-2011, com o seguinte teor:
“Fica notificado, do teor do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças em 2011-08-05, do qual se envia cópia, ao pedido entrado nestes serviços em 2011-07-22, no qual solicitava dispensa de prestação de garantia, referente ao processo de execução fiscal acima identificada e ao executado A……….

Com os melhores cumprimentos”.

F) É contra a decisão do órgão de execução fiscal descrita em D., que o reclamante vem deduzir a presente reclamação, nos termos e para os efeitos do artigo 276.0 do CPPT.

5. A questão a conhecer no presente recurso é a de saber se, formulado pelo executado um pedido de dispensa de garantia, o órgão da execução fiscal, antes do indeferimento, deverá notificá-lo do projeto de indeferimento ao abrigo do disposto no artº 60º da LGT.

A decisão recorrida entendeu que a audição prévia do recorrido era obrigatória, antes de proferido o despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, uma vez que estamos perante um ato administrativo e não um ato de trâmite, havendo, por isso, lugar ao cumprimento do disposto nos artºs 100º do CPA e 60º da LGT.

A recorrente Fazenda Pública, por sua vez, entende de forma diversa, louvando-se nos seguintes argumentos:
a) O curto prazo para a decisão sobre o pedido de dispensa da garantia previsto no artº 170º, nº 4 do CPPT denuncia a intenção do legislador de não admitir a audição prévia nesta matéria;
b) Por outro lado, no requerimento de pedido de dispensa de garantia, o interessado deve logo juntar todos os elementos de prova que a justificam, pelo que essa exigência corresponde já à audição prévia. Sendo assim, não existe obrigação legal de ouvir previamente o executado antes da decisão sobre o seu pedido de dispensa de garantia.

Vejamos então qual o entendimento a seguir.

5.1. Este Supremo Tribunal apreciou já por diversas vezes e, embora com divergência quanto à fundamentação, a questão de saber se no processo de execução fiscal é obrigatório cumprir o direito de audição prévia nos casos de pedido de pagamento em prestações, dação em pagamento e de dispensa de garantia.

5.1.1. No Acórdão deste STA, de 30.11.2011, proferido no Processo nº 0983/2011, ficou escrito o seguinte:

“No acórdão deste Supremo Tribunal, de 15.04.2009 - Processo nº 0130/09, a propósito da dação em pagamento, foi entendido o seguinte:
“É certo que “o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos atos que não tenham natureza jurisdicional” – artº. 103º, 1, da LGT.
E o artº. 60º da LGT está inserido no título III da LGT, que trata “do procedimento tributário”.
Porém, é no nosso entendimento, o pedido de dação em pagamento (com a subsequente e inerente decisão) não deixa de ser um procedimento tributário “enxertado” no processo de execução fiscal.
À semelhança aliás do que decorre com o pedido de pagamento em prestações – artºs. 196º e ss. do CPPT.
Logo, podemos dizer que ambas as situações têm enquadramento legal no artº. 60º, 1, b) da LGT.
O que significa a necessidade da audição do requerente antes da decisão.
Quer isto dizer que foi violado o disposto no referido art. 60º, n. 1 da LGT.
Nem se diga que é este um entendimento espúrio.
Isto porque a lei expressamente consagra a obrigatoriedade da audição do interessado em pleno processo de execução.
Reportamo-nos nomeadamente ao artº. 23º, n. 4, da LGT, onde se prevê a audição prévia e obrigatória do responsável subsidiário.
Em abono desta tese, pode ainda chamar-se à colação o relevo constitucional do direito de audição, consagrado no artº . 267º, 5, da CRP.
Por outro lado, na execução fiscal, mau grado o seu caráter judicial, praticam (ou podem praticar-se) atos materialmente administrativos.
Finalmente, a dação em pagamento pode ser decidida pelo próprio Ministro (art. 201º do CPPT), o que lhe confere a natureza de procedimento administrativo (tributário).
Em suma, temos para nós como certo que se impõe ouvir o executado (nos termos do artº. 60º da LGT), sobre o projeto de decisão desfavorável à sua pretensão”.

Porém, no seu voto de vencido, o Sr Conselheiro Lúcio Barbosa, argumentou da seguinte forma:

“O artº 60º da LGT está inserido no título III da LGT, que trata “do procedimento tributário”.
E o artº. 54º da LGT define o âmbito do procedimento tributário, onde não está incluído o processo de execução fiscal.
Ao invés, “o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos atos que não tenham natureza jurisdicional” – artº. 103º, 1, da LGT.
Como é bom de ver, e como acima dissemos, no processo de execução fiscal não está em causa o procedimento tributário.
Vale isto por dizer que não foi violado o citado preceito legal, pela simples razão de que o mesmo se não aplica no processo executivo.
Em processos de natureza judicial as decisões não têm que ser projetadas. A um requerimento segue-se uma decisão, passível, como decorre da lei do respetivo recurso (no caso, reclamação) para o tribunal competente.
Nem impressiona o facto do responsável subsidiário ser ouvido necessariamente antes da reversão (art. 23º, 4, da LGT). É que, neste caso, trata-se da chamada de alguém, até então exterior ao processo executivo, compreendendo-se que seja ouvida antes de nele “entrar””.

Ora, desde já diremos que acompanhamos a argumentação deste voto de vencido, quer pelas razões nele expressas, quer pelos argumentos invocados pela Fazenda Pública no sentido de que o interesse público exige celeridade no processo de execução fiscal que não se compadece com o direito de audição.
E não se invoque aqui o preceito constitucional, uma vez que este se refere ao procedimento administrativo e não ao processo judicial.
Por outro lado, ao contrário do que sucede com a reversão fiscal, em que o revertido é chamado pela primeira vez à execução, e se prevê expressamente a sua audição, no caso do pagamento em prestações (e na dação em pagamento) todos os elementos relevantes para a decisão, ou já se encontram na execução ou são fornecidos pelo executado, sendo, por isso do seu conhecimento. Assim, cabe ao órgão da execução fiscal aplicar apenas o direito aos factos, sendo que o executado fica plenamente protegido com o direito de reclamação judicial da decisão.
Reconhecendo embora que tanto a matéria do pagamento em prestações, como a da dação em pagamento constituem procedimentos tributários, a verdade é que os mesmos estão enxertados na execução fiscal, processo de natureza judicial, e, como se refere no voto de vencido acima referido em processos de natureza judicial, “as decisões não têm que ser projetadas. A um requerimento segue-se uma decisão, passível, como decorre da lei do respetivo recurso (no caso, reclamação) para o tribunal competente”.

6. De todo o modo, mesmo seguindo a tese que fez vencimento no Acórdão acima citado, também o direito de audição não teria sido violado no caso dos autos, uma vez que não existiu qualquer instrução procedimental anterior justificativa de tal audição, a qual é condição para o exercício desse direito.
Na verdade, “O direito de audição depende igualmente do que a doutrina chama de uma "prévia instrução procedimental" (ver Pedro Machete, "Conceito de instrução procedimental e relevância invalidante da preterição da audição dos interessados" in "Justiça Administrativa" número 12, pgs. 3 e sgs.): ou seja, de um conjunto de formalidades, informações, pareceres, apresentação ou produção de prova, realização de diligências, vistorias e exames necessários à prolação do ato.
Sem instrução nesse sentido amplo, não há dever de audição procedimental, que incide, assim, apenas sobre a matéria de facto e não sobre as normas de direito aplicáveis.
Essa doutrina infere-se do artigo 100°, número 1, do C.P.A., que dispõe que, concluída a instrução, os interessados têm direito a ser ouvidos no procedimento antes da decisão final, de que, "a contrario", resulta que, não havendo instrução, não há decisão.
O próprio princípio da participação inscrito no artigo 267°, número 5, da C.R.P. incide, apenas, sobre a verificação e identificação dos factos relevantes para a decisão. No mesmo sentido concorrem o artigo 100°, número 1, que prevê exclusivamente o exercício do direito de audição junto do órgão instrutor, e o artigo 103°, número 2, alínea a), que dispõe esse direito ter por objeto as provas produzidas.
As questões meramente de direito não cabem, assim e salvo legislação especial, no âmbito do mero direito de audição”. (Lima Guerreiro – LGT Anotada (Rei dos Livros), págs. 277/278 (Sobre o direito de audiência prévia v. também Leite de Campos e outros - LGT Anotada (3ª edição – setembro de 2003)- págs. 283/284 e PEDRO MACHETE, A audição prévia do contribuinte, em Problemas fundamentais do Direito Tributário, edição Vislis, 1999, página 323.).
Sobre esta matéria, escreveu-se também no Acórdão deste Supremo Tribunal - 1ª Secção – Processo nº 32.033, de 16 de fevereiro de 1994 - Apêndice ao DR, Vol. II, págs. 1158 e segs., o seguinte:
“No caso sub judice não está em causa, como é evidente, um direito de defesa, pois não se está perante um processo disciplinar ou qualquer processo administrativo sancionatório, nem o direito ao subsídio de reconversão tecnológica é um direito fundamental consagrado na Constituição, pelo que o despacho impugnado que indeferiu a pretensão àquele subsídio não poderá ter a natureza de direito fundamental cuja violação possa gerar a nulidade do ato — artigo 133º, nº 2, alínea d), do CPA.
Como se depreende do disposto no citado artigo 100º, nº 1, do CPA, o direito de os interessados serem ouvidos antes de ser tomada decisão final não pode ser erigido, como refere o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, como regra absoluta e universal, pois não há lugar à sua audiência quando a decisão seja urgente e quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão.
Por outro lado, o órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados se estes já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas — cfr. artigo 103º, nºs 1, alíneas a) e b), e 2, alínea a).
Ora no caso em apreço não houve fase instrutória, a decisão teve por base apenas o ofício que o recorrente lhe endereçou e os documentos que o acompanhavam, ou seja, o requerimento dirigido à autoridade recorrida, a competente para a decisão da atribuição do subsídio requerido, e os documentos comprovativos de que reunia as condições legais para o efeito, e tomando posição na questão de o requerente ter sido excluído em pedidos anteriores ao abrigo do nº 6º, alínea b), que considerava «incorreto, pois trata-se de um contrato de concessão».
Desta maneira a autoridade decidente tinha perante si todos os elementos de prova necessários para a decisão, incluindo o parecer do requerente acerca da questão de direito que se poderia suscitar da caracterização do denominado «auto de cessão» que o Estado havia celebrado com o presidente da Câmara Municipal de Braga, elementos e parecer que foram fornecidos pelo recorrente e que a autoridade decidente reputou suficientes para o habilitar a tomar uma decisão, como tomou, sem necessidade de quaisquer outros, nomeadamente de ouvir novamente o requerente, ou seja, além do que havia requerido com os elementos de prova e parecer que emitiu.
Por todo o exposto, considerando, assim, que não houve quaisquer diligências probatórias desenvolvidas após a petição do recorrente, considerando-se este ouvido antes de ser tomada a decisão final, não se verifica a violação dos artigos 100º, nº 1, e 103º, nºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do CPA…”(Este entendimento consta também dos acórdãos proferidos pela 1ª Secção deste Supremo Tribunal, de 02.02.95 - Processo nº 32.775, Apêndice ao DR, II Série, de 18.07.97, Vol. II, págs. 1063 e segs. e de 20.11.97- Processo nº 37.141(AD 38/749).)
No caso concreto dos autos, não tendo existido qualquer instrução procedimental, não havia, por isso, obrigatoriedade de audição”.

5.1.2. Por sua vez, no acórdão de 23.05.2012, proferido no processo nº 1054/11, chegou-se a decisão idêntica argumentado-se da seguinte forma:

“Posto isto, a questão que se coloca é a de saber se o pedido de dispensa de prestação de garantia dá origem a um procedimento tributário no seio do processo de execução fiscal, cuja decisão fique a cargo da administração tributária enquanto exequente/credora, conducente à prolação de um ato materialmente administrativo em matéria tributária – caso em que seria necessário observar o dever de audiência prévia – ou se, pelo contrário, constitui um mero ato administrativo de caráter disciplinador dos termos do processo executivo, nele inserido pelo colaborador operacional do juiz face ao quadro normativo que regula o legal andamento do processo, sujeito a estritas regras e princípios processuais.

A resposta a esta questão não é fácil e tem merecido, por parte da jurisprudência, decisões antagónicas.

Na nossa perspetiva, o facto de a lei dispor, no artigo 52.º, nº 4, da Lei Geral Tributária, que a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia no caso de essa prestação lhe causar prejuízo irreparável ou no caso de manifesta falta de meios económicos revelada por insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, logo indicia que a apreciação e decisão desse pedido está a cargo da própria administração tributária, isto é, do sujeito ativo da relação jurídica tributária e não do órgão ou agente da execução que auxilia o juiz, dando origem a um procedimento tributário específico, sujeito às regras que regem esses procedimentos, designadamente ao princípio da audiência prévia plasmado no artigo 60.º da LGT.

E, na verdade, quando o pedido de prestação de garantia ou da sua dispensa se insere no âmbito de uma autorização de pagamento da dívida em prestações, da competência da entidade que autoriza essa forma de extinção da relação jurídica tributária (art.º 199.º, n.º 8, do CPPT), não temos quaisquer dúvidas em afirmar que ele gera um verdadeiro procedimento administrativo/tributário, apreciado e decidido pela administração tributária, por vontade própria, na qualidade de credora, pois só ela tem competência para autorizar essa modalidade de pagamento da dívida prevista no artigo 42.º da LGT e regulamentada nos artigos 196.º e segs. do CPPT.

Mas também fora desse enquadramento, a decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia deve qualificar-se, salvo o devido respeito por contrária opinião, como um verdadeiro ato administrativo em matéria tributária, uma vez que o órgão da execução está ainda a exercer uma atividade materialmente tributária que passa pela expressão de uma vontade própria, enquanto sujeito ativo da obrigação tributária, de dispensar ou não o sujeito passivo de lhe prestar uma garantia que assegure o pagamento da dívida exequenda e do acrescido face a situações de prejuízo irreparável ou de manifesta falta de meios económicos que o executado tem de alegar e documentar perante si e que a ela caberá avaliar.

Aliás, a utilização da expressão “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia...”, contida no n.º 3 do artigo 52.º da LGT, aponta no sentido de se estar perante um poder discricionário que é atribuído à administração tributária na qualidade de titular do crédito cujo pagamento o executado deve assegurar. Tratar-se-á, pois, de um poder que o sujeito ativo da relação tributária obrigacional ou titular do crédito exercerá em conformidade com o julgamento que realize, no âmbito de competências próprias, sobre a situação económica do executado e o prejuízo que a prestação de garantia lhe poderá causar. E, assim sendo, esse pedido dá origem a um procedimento tributário específico, “enxertado” no processo executivo, estando a respectiva decisão sujeita aos princípios que regem os procedimentos tributários previstos nos artigos 55.º e segs. da Lei Geral Tributária.

Razão por que se impunha, em princípio, observar o princípio da participação contido no artigo 60.º da LGT.

Todavia, segundo o disposto no artigo 170.º do CPPT, o pedido de dispensa de prestação de garantia «deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária» (n.º 3) e «será resolvido no prazo de 10 dias após a sua apresentação» (n.º 4), o que revela o caráter urgente deste procedimento, justificado pela necessidade de proteger o interesse do Estado, enquanto titular de créditos tributários, assegurando a sua efetiva cobrança através de garantias suficientes e idóneas que devem ser prestadas pelo executado durante a fase de discussão da legalidade do ato de liquidação, e a necessidade de evitar que através da dedução de pedidos de dispensa de prestação de garantia se facilite ou provoque a inviabilidade dessa cobrança, pela oportunidade concedida ao executado de dissipação de bens no período de tempo que decorra até à prolação da decisão, ficando definitiva ou gravemente comprometida a satisfação da necessidade pública de assegurar a efetiva cobrança de receitas tributárias.

Ora, embora o artigo 60.º da LGT não preveja expressamente situações de dispensa do dever de audição prévia no procedimento tributário para os procedimentos em que há, de forma objetiva e revelada pela lei, urgência na prolação da decisão, cremos que deve apelar-se ao regime contido no Código de Procedimento Administrativo, cujo artigo 103.º, n.º 1, estabelece que não há lugar a audiência dos interessados «Quando a decisão seja urgente», por força da aplicação subsidiária desta norma em conformidade com o disposto no artigo 2.º, alinea c) da LGT.

Com efeito, de acordo com a doutrina (Cfr. Pedro Machete, in “A Audiência Dos Interessados No Procedimento Administrativo”, pp. 505 e segs. e Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, II, p. 323.) e a jurisprudência (Cf., entre outros, os acórdãos da Secção de 20.11.2002, no Rec. nº 48417, de 25.09.2003, no Rec. nº 47953, de 29.06.2006, no Rec. n.º 816/05, e os acórdãos do Pleno de 31.03.2004, no Rec. nº 35338 e de 13.10.2004, no Rec. nº 1218/02.) da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, a audiência prévia dos interessados, não tendo, embora, natureza jusfundamental, releva como princípio estruturante da lei especial sobre o processamento da atividade administrativa e, bem assim, como direito subjetivo procedimental, tendo natureza excecional as normas que preveem, em certas situações, o sacrifício desse direito; e, por essa razão, a urgência referida no artigo 103.º do CPA só se justifica nas situações em que o tempo seja determinante do sucesso ou insucesso da decisão a adotar, em termos tais que se possa antever que, sem esse sacrifício, ficará definitiva ou gravemente comprometida a satisfação de uma necessidade pública indeclinável, incompatível com a observância do prazo mínimo legalmente previsto para o exercício do direito do interessado a ser ouvido no procedimento.

E se é verdade que o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes dizem respeito tem de ser norteado pelo princípio superior da salvaguarda dos seus direitos ou interesses legítimos na feitura de uma decisão que se deseja correta, não o é menos que tal exercício não deve criar obstáculos a situações objetivas de urgência legal, razão por que se impõe observar, também nos procedimentos tributários de caráter urgente, a norma que prevê a dispensa de audição contida no referido artigo 103.º, n.º 1, alínea a), do CPA.

No caso vertente, o curtíssimo prazo concedido à administração tributária para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a sua pretensão, denuncia objetivamente o caráter urgente deste procedimento tributário, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda, assim se justificando a não observância da formalidade prescrita no artigo 60.º da LGT, ao abrigo do disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 103.º do CPA, face à aplicação subsidiária das normas do CPA ao procedimento tributário.

Sempre se dirá, porém, para os que não aceitem a aplicabilidade da referida norma do Código de Procedimento Administrativo, que o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando todas as razões que, em seu entender, a justificam, e ao qual é obrigado a juntar logo todos os elementos de prova, desempenha aqui a função da audiência prévia, pois que seguindo-se uma imediata decisão fica afastada a possibilidade daquele ser surpreendido com diligências instrutórias que só por si justificassem um ato de sentido contrário àquele que aguardava.

Nesse requerimento o interessado deve fazer a subsunção dos factos que alega ao direito aplicável, fazer a sua interpretação das normas que são chamadas a justificar a decisão e dar logo o seu contributo para que seja proferida uma decisão correta, tanto no que toca aos pressupostos de facto como aos pressupostos de direito do ato a proferir, pelo que não havendo instrução, mas tão-só a apreciação por parte do órgão decisor dos factos invocados face à prova oferecida e sua subsunção ao direito aplicável, como se de um deferimento ou indeferimento liminar se tratasse, não há que chamá-lo novamente a participar na formação da decisão, não há que renovar ou duplicar essa audição. É o que resulta, aliás, da regra geral contida no n.º 3 do artigo 60.º da LGT, segundo a qual “tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda não se tenha pronunciado”, quando aplicada a todos os procedimentos tributários que culminem com um ato final lesivo, seja ele ou não um ato de liquidação».

Subscrevendo integralmente a fundamentação do citado acórdão, também nós ora concluímos que, embora a decisão sobre o pedido de dispensa da prestação de garantia seja um verdadeiro ato administrativo em matéria tributária inserido num procedimento administrativo “enxertado” no processo de execução fiscal, tendo em conta a sua urgência, evidenciada pelo disposto no art. 170.º do CPPT, deve aplicar-se o estatuído no art. 103.º n.º 1, do CPA, aplicável ex vi do art. 2.º, alínea c), da LGT, o que significa que não se impunha o cumprimento do disposto no art. 60.º desta Lei”.

5.1.3. Sobre esta questão podem ainda ver-se os acórdãos proferidos nos processos nºs 01072/11, 0247/12, 0446/12 e 625/12.

5.1.4. Daqui resulta então que, no caso concreto do pedido de dispensa de garantia, este Supremo Tribunal entende maioritariamente que não há lugar ao exercício do direito de audição prévia do executado.

Continuamos, porém, a entender, que o não exercício de tal direito, deve ser justificado pelo que foi dito no acórdão proferido no Processo nº 0983/11 e não por estarmos perante ato tributário ou procedimento tributário ou urgência na decisão.

Na verdade, o processo de execução fiscal é de interesse público visto que com ele se procura uma cobrança célere de receitas do Estado e outras entidades públicas. Daí que, conceder o exercício de tal direito no presente caso, bem como nos outros acima referidos – pedidos de pagamento em prestações e dação em pagamento – seria atrasar o processo. Por isso mesmo, entende-se que só em caso expressamente previsto na lei, o mesmo é admissível – artº 23º, nº 4 da LGT.

Ao contrário do voto de vencido aposto naquele acórdão, parece-nos que é exatamente por não ser admissível o direito de audição em processo de execução fiscal que o legislador sentiu necessidade de prever expressamente a sua extensão ao caso da reversão. Se fossem de aplicar as regras do procedimento aos casos a que nos vimos reportando, então não havia necessidade do artº 23º, nº 4 pois que existia já o artº 60º da LGT.

Acresce, por outro lado, que em todos os casos referidos e que, em nosso entender, merecem tratamento idêntico, o interessado deve fundamentar o seu pedido e oferecer prova. Apreciada a prova oferecida, a entidade competente decide, e, se o exequente discordar da apreciação da prova ou da apreciação jurídica efetuada sobre o seu pedido, está salvaguardado o seu direito à tutela judicial através da reclamação prevista nos artºs 276º e segs. do CPPT.

5.2. Em face do que ficou dito, não pode manter-se a decisão recorrida pelo que os autos devem baixar para que o Mmº Juiz aprecie a questão de fundo da reclamação, isto é, saber se a negação da dispensa de garantia viola norma legal.

6. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e determina-se a baixa dos autos à primeira instância para conhecimento da reclamação nos termos descritos.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Setembro de 2012. - Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Pedro Delgado (Voto a decisão, com a fundamentação constante do Acórdão 625/12, de que fui relator).