Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0748/15
Data do Acordão:06/20/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:QUESTÃO
RESOLUÇÃO
ORDEM
JULGAMENTO
PRESCRIÇÃO
CADUCIDADE
Sumário:A apreciação da questão da caducidade do direito de acção deve preceder a apreciação da questão da prescrição da obrigação tributária e a eventual intempestividade do meio processual em causa impede o início da respectiva lide e a discussão, nesta sede, de qualquer questão jurídica, ainda que de conhecimento oficioso.
Nº Convencional:JSTA000P23429
Nº do Documento:SA2201806200748
Data de Entrada:06/15/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E MULHER
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal, da sentença do Tribunal Tributário de Leiria que, julgou extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide e a condenou, ao pagamento de custas judiciais na oposição judicial deduzida por A…………… e B…………. contra a execução por dívidas de IVA de 2004 e 2005 e coimas fiscais cuja devedora originária era a C……………., LDª, no valor de € 9.240,82.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) Os autores deduziram oposição judicial contra os Processos de Execução Fiscal n° 1368200401001574 e Aps. instaurados por dívidas de IVA de 2004 e 2005 e Coimas Fiscais no valor de € 9.240,82.
B) Os fundamentos invocados tinham a ver com a não gerência de facto da oponente mulher e com falta de culpa do oponente marido.
C) A RFP invocou duas excepções, a intempestividade e a coligação ilegal.
D) A douta sentença recorrida não alude a qualquer dos argumentos invocados pela RFP decidindo apenas reconhecer a prescrição da dívida por informação prestada pelo Serviço de Finanças.
E) Considerando a intempestividade da acção, nos termos do art. 209° do CPPT deveria a douta sentença recorrida decidir pela rejeição liminar.
F) E porque a prescrição decorreu já quando a acção se encontrava a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em 2015-01-01, não é da responsabilidade da AT que o processo não tenha sido decidido em tempo útil, não devendo ser da sua responsabilidade o pagamento das custas.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente, revogando-se a decisão recorrida, com o que será feita a costumada JUSTIÇA.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer a fls. 185 e seguintes, pronunciando-se no sentido do provimento do recurso, sustentando que a sentença deve ser revogada e que deve ser determinada a baixa dos autos à primeira instância a fim de ser ampliada a matéria de facto para efeitos da apreciação da questão da caducidade do direito de liquidação, cujo conhecimento deve preceder o conhecimento da inutilidade superveniente da lide.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – No Tribunal Tributário de Leiria foram dados como provados e com interesse para a decisão os seguintes factos:
A) Em data não concretamente apurada durante o ano de 2004, foi instaurado no Serviço de Finanças de Pêra, em nome de “C…………., Ldª ”o processo de execução fiscal (PEF) nº 1368200401001574 – cfr. documentos juntos a fls. 1 a 124 do SITAF;
B) O processo referido em A) foi extinto por prescrição – cfr. fls. 178 do SITAF.


6. Do objecto do recurso
As questões a decidir reconduzem-se a saber:
A) Se tribunal “a quo” devia ou não ter conhecido em primeira linha das excepções invocadas pela Fazenda Pública quanto à intempestividade da acção e à coligação ilegal;
B) A quem deve ser atribuída a responsabilidade pelo pagamento das custas.

6.1 Mostram os autos que os oponentes e aqui recorridos deduziram oposição à execução fiscal n.º 1368200401001574 a correr termos no Serviço de finanças de Castanheira de Pêra, para cobrança da quantia de € 9.240,82 euros, invocando a falta de exercício da gerência por parte da oponente B………… e a falta de culpa na insuficiência patrimonial da executada originária por parte do oponente marido.
Conforme se alcança da contestação oferecida pela Fazenda Pública, esta deduziu duas excepções: a intempestividade da acção e a coligação ilegal de oponentes, pedindo a rejeição da acção, no primeiro caso, e a absolvição da instância, no segundo caso.
Por ofício datado de 09/01/2015, o serviço de finanças de Castanheira de Pêra informou que por despacho da mesma data, proferido no processo de execução fiscal nº 1368200401001574, este tinha sido declarado extinto por prescrição.
Na sequência da informação do Serviço de Finanças foi proferida sentença em que, após se fixar a matéria de facto, se passou a analisar a questão da inutilidade da lide decorrente da extinção do processo executivo.
Escreveu-se aí que “a oposição judicial mais não é do que a contestação ao processo de execução fiscal instaurado…”, concluindo o tribunal recorrido que era evidente “a inutilidade superveniente da lide de oposição e, consequentemente, a extinção da instância — artigo 277º alínea e) do Código de Processo Civil”.
E, quanto à condenação da Fazenda Pública em custas, considerou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que, tendo o processo de execução fiscal sido extinto por prescrição na pendência do processo de oposição, “os oponentes não deram causa à impossibilidade superveniente da lide, nem ficaram vencidos na oposição, pelo que se isenta os mesmos do pagamento de custas”.

Não conformada com o assim decidido sustenta a Recorrente que tendo invocado na sua contestação duas excepções, a intempestividade e a coligação ilegal, devia a Mma. Juiz “a quo” se decidido pela rejeição liminar da acção e não reconhecer a prescrição da dívida por informação prestada pelo serviço de finanças.
E, que, por outro lado, tendo a prescrição da obrigação tributária ocorrido na pendência do processo no tribunal, não deve ser a Fazenda Pública responsabilizada pelas custas.

6.2 Começando pela ordem de conhecimento das excepções de caducidade e prescrição.

Argumenta a Fazenda Pública que a sentença recorrida não poderia ter vindo a apreciar o mérito da acção nem sequer a apreciar a eventual prescrição da dívida, antes deveria ter decidido a invocada excepção da intempestividade.

Neste ponto tem razão a recorrente.
A este propósito é pacífico o entendimento da jurisprudência desta Secção no sentido de que a intempestividade do meio processual utilizado gera o indeferimento liminar da respectiva petição inicial, impossibilitando o conhecimento quanto ao mérito da causa de pedir. Ou seja, a apreciação da questão da caducidade do direito de acção deve preceder a apreciação da questão da prescrição da obrigação tributária e a eventual intempestividade do meio processual em causa impede o início da respectiva lide e a discussão, nesta sede, de qualquer questão jurídica, ainda que de conhecimento oficioso, (Cfr. os acórdãos de 3/12/2008, rec. nº 803/08; de 21/5/2008, rec. nº 293/08; de 21/9/2011, rec. nº 63/11; de 12/10/2011, rec. nº 449/11; de 20/2/2013, rec. nº 742/12 e de 06.03.2013, recurso 1494/12)
Importa também sublinhar que resulta do artigo 608º, nº 1 do CPC, que «sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278°, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica». Dispondo este nº 3 do artigo 278º do Código de Processo Civil que «as exceções dilatórias só subsistem enquanto a respetiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte».
No caso, perante a apreciação das duas excepções deduzidas pela Fazenda Pública e da excepção decorrente da extinção da instância executiva por prescrição, a primeira questão que se impunha apreciar, em termos de precedência lógica, tinha a ver com a intempestividade da acção, já que verificada a sua caducidade, a mesma consubstancia excepção peremptória e conduz à absolvição do pedido. E só depois se imporia a apreciação da excepção decorrente da extinção da instância executiva e por último a excepção da coligação ilegal de oponentes.
Assim, como bem nota o Exmº Magistrado do Ministério Público no seu bem fundado parecer, «ao apreciar em primeiro lugar a excepção decorrente da extinção da execução fiscal por prescrição o tribunal “a quo” prejudicou a posição subjectiva da parte demandada, uma vez que não é indiferente o resultado de cada uma dessas apreciações, designadamente pela sua repercussão na responsabilidade pelas custas da acção».

Sucede que o Tribunal recorrido não fez a devida explicitação dos factos que se deviam ter de considerar como relevantes e provados para apreciação desta questão da tempestividade da acção, cujo conhecimento, como se viu, deve preceder o conhecimento da inutilidade superveniente da lide.
Numa situação destas há que ponderar que, para além dos poderes referidos no art. 674º nº 3, do Código de Processo Civil, que se traduzem na intervenção do Supremo na fixação da matéria de facto quando está em causa apenas a aplicação de regras de direito, a actividade do Supremo Tribunal Administrativo, em processos julgados inicialmente pelos tribunais tributários, deve limitar-se à aplicação do direito aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (art. 682.°, n.°s 1 e 2, do CPC).
Por isso, se se verifica, como acontece no caso vertente, insuficiência da matéria de facto fixada, impõe-se ordenar, nos termos do artº 682º, nº 3 do Código de Processo Civil, a ampliação da matéria de facto para apreciação da questão da tempestividade da acção, baixando os autos para o efeito à primeira instância.

6.3 Face à posição tomada, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões.

7. Decisão

Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em revogar a decisão recorrida, e determinar a remessa dos autos ao tribunal “a quo”, a fim de que este proceda ao necessário julgamento da matéria de facto, de acordo com o que acima se deixa explicitado.
Custas pelos recorridos, sem taxa de justiça neste recurso, uma vez que não contra-alegaram.

Lisboa, 20 de Junho 2018. – Pedro Delgado (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.