Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0430/14.0BEMDL-A
Data do Acordão:09/05/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:ADJUDICAÇÃO
EXECUÇÃO DE JULGADO
CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO
Sumário:Se ao tempo da adjudicação declarada ilegal se verificava a condição de que ela dependia - e que consistia na obtenção de ajuda comunitária para a obra - a não verificação de tal condição ao tempo da execução do julgado anulatório - por rescisão do contrato de ajuda comunitária, entretanto ocorrida - constitui «causa legítima de inexecução».
Nº Convencional:JSTA000P24840
Nº do Documento:SA1201909050430/14
Data de Entrada:11/05/2018
Recorrente:MUNICÍPIO DE RIBEIRA DE PENA
Recorrido 1:A......, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. O MUNICÍPIO DE RIBEIRA DE PENA [MRP] interpõe recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], de 16.03.2018, que concedendo provimento ao recurso de apelação para ele interposto por A…., LDA., revogou a sentença do Tribunal Administrativo de Mirandela [TAF], datada de 16.05.2016, e proferida no âmbito de execução de julgado em que ele figura como entidade executada.

Conclui assim as suas alegações de revista:

1- Por acórdão de 17.04.2015 - processo nº430/14.0BEMDL - o TCAN condenou o réu município a adjudicar ao autor a «Obra das Piscinas»;

2- Por acórdão de 03.12.2015 - recurso de revista nº913/15-11 - o STA revogou a supra referida decisão, concluindo que a adjudicação só deveria ocorrer se fosse obtido financiamento para a obra, conforme, aliás, constava no próprio caderno de encargos;

3- Esse financiamento não ocorreu, pelo que, não se verificando a condição imposta não será obrigado o réu a proceder à adjudicação;

4- Não sendo obrigado a adjudicar, deve improceder o pedido do exequente apresentado nesse sentido, tendo a sentença do TAF julgado, e bem, o pedido do exequente, improcedente;

5- Não existindo fundamento para a execução, nem sendo o réu condenado a adjudicar, não é aplicável nesta situação o instituto da «causa legítima de inexecução», pois esta situação só é aplicável depois de ser condenado o executado a cumprir o acto em que foi condenado;

6- Ao decidir pela obrigatoriedade de adjudicação sem que a condição constante do acórdão do STA ocorresse, a TCAN contraria o acórdão que foi invocado como título executivo;

7- Acresce que nenhuma das partes invocou ocorrência de causa legítima de inexecução, pelo que não deveria o tribunal considerá-la aplicável;

8- A não ser assim, de nada tinha valido quer o recurso de revista e sua aceitação excepcional, quer a revogação do acórdão recorrido pelo STA, pois que se mantinha, de facto, a decisão revogada no sentido de o réu ser condenado a adjudicar, condenação esta essencial à eventual invocação e aplicação da causa legítima de inexecução.

Termina pedindo que seja concedido provimento à revista, e, em consequência, seja revogado o acórdão recorrido, mantendo-se a sentença de 1ª instância.

2. A sociedade recorrida contra-alegou e formulou estas conclusões:

1- Por acórdão de 03.12.2015, o STA, decidiu «determinar adjudicação da presente empreitada à autora embora condicionada à aprovação da candidatura apresentada à ON2 pelo Município»;

2- A perspectiva do ora recorrente reduz-se à tese na qual o STA decidiu que a adjudicação aqui em causa apenas seria obrigatória caso existisse financiamento. À data de prolação e trânsito em julgado do acórdão dado à execução já não existia financiamento, por ter caducado, pelo que não se impunha ao Município de Ribeira de Pena a obrigação de adjudicar a empreitada à ora recorrida;

3- Tanto à data da prolação, como do trânsito em julgado, do acórdão do STA, já não existia financiamento comunitário, por ter caducado, e tal facto constava expressamente dos autos, sendo certo que o recorrente tinha a possibilidade de prolongar os prazos de financiamento, dos quais não lançou mão, e quando deliberou anular o concurso, ainda existia financiamento e um prazo muito curto para executar a empreitada, o que não foi tido em consideração;

4- Quando o STA decidiu determinar a adjudicação condicionando-a à aprovação da candidatura do Município à ON2 estava plenamente ciente de que tal financiamento já tinha caducado, mas que não podia deixar de determinar a adjudicação, atento o peticionado, ainda que «tivesse condicionado a sua execução»;

5- Aliás, ao longo de todo o acórdão constata-se que foi esta a determinação do STA, onde se pode ler o seguinte «[…] nada obsta a que o tribunal pratique o acto devido que é o de determinar a adjudicação logo que seja aprovada a candidatura apresentada à ON2 independentemente da bondade da decisão anterior da adjudicação relativamente a este aspecto. A condenação na adjudicação do contrato ao único concorrente sobrante constante da decisão recorrida nos termos supra expostos não viola, pois, quer o princípio da separação de poderes quer o artigo 79° do CCP por tal não se traduzir em retirar à administração qualquer poder que só a ela competisse na adjudicação ou não do contrato»;

6- Significa isto, que o Município, em vez de invocar a existência e verificação de uma qualquer causa de não adjudicação ao abrigo do artigo 79º do CCP, como o fez em sede de contestação à execução, deveria ter invocado causa legítima de inexecução;

7- Não só no acórdão do TCAN como também no acórdão do STA, na acção declarativa, que aqui é dado à execução, é reconhecido que tem de existir um acto revogatório da adjudicação anterior, e que, neste âmbito, o acto de adjudicação é devido, razão pela qual carece de razão o ora recorrente;

8- O próprio STA poderia, aquando da prolação do seu acórdão, decidir pela verificação de uma causa de não adjudicação nos termos do artigo 79º do CPP, em vez de decidir adjudicar a empreitada à aqui recorrida, ainda que condicionando a sua execução à verificação de uma condição de exequibilidade do contrato, pois já dispunha da informação acerca da caducidade do financiamento, que se mostrava junta aos autos pelo próprio recorrente;

9- Por tal razão, e ao invés do que o recorrente invoca, entendemos que estamos perante, não uma causa de não adjudicação, mas sim impossibilidade legítima de inexecução de sentença anulatória, dado que à data de prolação do acórdão verificou-se que a recorrida tinha direito a ser adjudicada a empreitada, mas por falta de financiamento não é possível executar a mesma;

10- Até porque, a invocação e uma causa legítima de não adjudicação respeita a circunstâncias supervenientes que ocorrem na pendência do procedimento de concurso, mas que são prévias à decisão de adjudicar;

11- O texto da norma da alínea d) do nº1 do artigo 79º do CCP, é claro e indiscutível quando refere que não há lugar a adjudicação quando circunstâncias supervenientes ao termo fixado para apresentação de propostas relativas aos pressupostos da decisão de contratar, o justifiquem, e, acrescentamos nós, que se verifiquem até ao momento anterior à adjudicação;

12- Mesmo assim não se entendendo, teria o tribunal de determinar a convolação do processo em curso num processo dirigido à obtenção de um sucedâneo pecuniário - ver artigo 45º nºs 1 a 4 ex vi 102º nº5, do CPTA - pois que a imposição do sacrifício do direito do concorrente, cuja proposta não tenha sido excluída, por prevalência das razões de interesse público da administração na decisão de não adjudicação, impõe o reconhecimento do direito à indemnização devida por não obtenção da utilidade pretendida - ver artigo 79º nº4 CCP; AC TCAS, de 19.12.2013, in processo nº10298/13;

13- Decidiu acertadamente o TCAN quando afirmou e decidiu que a questão da adjudicação está ultrapassada. Há adjudicação da empreitada em causa à ora recorrida. Não pode a mesma executar-se, pois não existe, caducou o financiamento comunitário, o que configura uma causa legítima de inexecução;

14- Não pode deixar de se considerar que a condição de aprovação da candidatura aos fundos ON2 invocada pelo acórdão do STA como «requisito para a adjudicação da empreitada» à aqui recorrida constitui, não uma causa de não adjudicação, mas tão só uma «causa legítima de inexecução da sentença» a qual foi considerada pelo Tribunal a quo correta e adequadamente.

Termina pedindo que seja negado provimento à revista e confirmado o acórdão recorrido.

3. O recurso de revista foi admitido por este Supremo Tribunal - Formação a que alude o nº6 do artigo 150º do CPTA.

4. O Ministério Público pronunciou-se pelo provimento da revista - artigo 146º, nº1 do CPTA.

5. Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir a «revista».

II. De Facto

São os seguintes os factos que nos vêem das instâncias:

1) Em 26.09.2014 a agora exequente intentou, no TAF de Mirandela, acção de contencioso pré-contratual, contra o executado, a qual correu termos sob o nº430/14.0BEMDL - processo nº430/14.0BEMDL - artigos 1º da petição inicial e 1º da contestação;

2) A pretensão da exequente prendeu-se com o reconhecimento e declaração de um conjunto de ilegalidades que ocorreram no âmbito do concurso público urgente publicado no Diário da República, série II, nº145, datado de 30.07.2014, anúncio de concurso urgente nº155/2014 - processo nº430/14.0BEMDL - artigos 2º da petição inicial e 1º da contestação;

3) O dito concurso tinha por objecto a execução da empreitada «Modernização e Recuperação da Piscina Municipal coberta de Ribeira de Pena» - processo nº430/14.0BEMDL - artigos 3º da petição inicial e 1º da contestação;

4) A empreitada foi adjudicada, em 22.08.2014, à sociedade «B…….., S.A.» - processo nº430/14.0BEMDL - artigos 4º da petição inicial e 1º da contestação;

5) Neste contexto, e por via da referida acção, a então autora peticionou [i] a anulabilidade da decisão de adjudicação de 22.08.2014, por não exclusão da concorrente adjudicatária por omissão de formalidades [ii] a nulidade da decisão de adjudicação de 22.08.2014, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação expressa e [iii] a condenação do Município a proferir nova decisão de adjudicação, excluindo a proposta da contra-interessada e, concomitantemente, classificando a proposta da autora em 1º lugar, ordenando-se-lhe a adjudicação da empreitada - processo nº430/14.0BEMDL - artigos 5º da petição inicial e 1º da contestação;

6) Na sentença, proferida em 13.01.2015, o TAF de Mirandela julgou a acção improcedente - processo nº430/14.0BEMDL - artigos 7º da petição inicial e 1º da contestação;

7) A autora interpôs recurso para o TCAN - processo nº430/14.0BEMDL - artigos 8º da petição inicial e 1º da contestação;

8) A 17.04.2015, foi proferido acórdão que decidiu, em suma, conceder provimento ao recurso, e revogar a decisão dita em 6), e condenando o Município a adjudicar o concurso à exequente - processo nº430/14.0BEMDL - artigos 9º da petição inicial e 1º da contestação;

9) O Município interpôs «recurso de revista» para o STA - processo nº430/14.0BEMDL - artigos 10º da petição inicial e 1º da contestação;

10) Em 03.12.2015, o STA concedeu parcial provimento ao recurso e determinou a adjudicação da empreitada à exequente, embora condicionada à aprovação da candidatura apresentada à ON2 pelo Município - processo nº430/14.0BEMDL - artigos 11º da petição inicial e 1º da contestação;

11) O acórdão referido supra transitou em julgado em 21.12.2015 - processo nº430/14.0BEMDL - artigos 12º da petição inicial e 1º da contestação;

12) Da fundamentação do dito acórdão consta o seguinte [processo nº430/14.0BEMDL]:

Na decisão proferida no recurso jurisdicional apresentado pelo autor, o tribunal entendeu revogar a decisão proferida em 1ª instância, por dever ser excluída a proposta melhor classificada condenando-se o recorrido «a adjudicar o concurso à aqui recorrente».

É desta parte da decisão que vem o presente recurso, já que a aqui recorrente aceita como justificada a argumentação do tribunal de recurso quanto à irregularidade da proposta apresentada pelo concorrente primeiro classificado.

Já não aceita, porém, o Município, que seja condenado a proceder à adjudicação da empreitada ao autor, uma vez que, eventualmente, a obra poderá não ser executada, não se procedendo, por isso, a qualquer adjudicação.

Na justificação para esta decisão, diz o acórdão o seguinte:

«Sendo o critério de adjudicação o do mais baixo preço e perante os dados factuais supra relativos aos valores das propostas em jogo, impõe-se como acto devido a adjudicação a favor da aqui concorrente».

A questão que aqui se coloca é, pois, da possibilidade, no caso concreto, da substituição do tribunal à administração na prolação do acto devido depois de anulado o concurso por tal ser susceptível de violar o princípio da separação de poderes, e já que a adjudicação não é a única opção que se impõe ao Município, podendo o mesmo não adjudicar por a mesma estar dependente de «apoios comunitários à execução da obra».

Então vejamos.

Nos termos do nº1 do artigo 3º do CPTA, que tem por epígrafe «poderes dos tribunais administrativos», no «...respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação...».

É uma concretização do princípio da separação e interdependência de poderes previsto nos artigos 2º e 111º da CRP, que constituiu referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito [ver artigos 202º, nº2, e 203º da CRP].

Do exposto resulta que este princípio não implica hoje uma proibição absoluta ou sequer uma proibição-regra do juiz condenar, dirigir injunções ou orientações, intimar, sancionar, proibir ou impor comportamentos à Administração mas tão só uma proibição funcional do juiz não ofender a autonomia do poder administrativo.

Como afirma AROSO DE ALMEIDA «...sobre os tribunais administrativos, enquanto órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas…, recai o sagrado dever de fazer cumprir a lei e o Direito, em toda a extensão em que a conduta da Administração se deva pautar por regras e princípios jurídicos. Os tribunais administrativos não julgam, portanto, da conveniência ou oportunidade da actuação administrativa [artigo 3º, nº1 do CPTA]. Mas não podem deixar de exercer, em plenitude, a função [judicial] de que estão incumbidos, em toda a extensão em que o exija a aplicação das normas jurídicas que obrigam a Administração Pública...» [em Considerações sobre o novo regime do contencioso administrativo, in A Reforma da Justiça Administrativa, BFDC, 2005, página 18].

Na mesma linha J.M. Sérvulo Correia refere que «...pode extrair-se do CPTA uma orientação genérica no sentido de que a margem de livre decisão administrativa se encontra submetida a um pleno controlo de juridicidade mas, também, a um mero controlo de juridicidade: tudo aquilo que, no iter conducente à decisão, seja juridicamente determinado ou juridicamente valorável constitui campo de controlo jurisdicional; mas os critérios de valoração ou decisão de natureza extrajurídica, auto determinados pelo órgão administrativo no âmbito de uma margem de liberdade que lhe é deixada pela lei, constituem uma área em que ao juiz não são permitidas injunções sobre o se ou o como do agir ou decisões substitutivas. Assim é porquanto se trata de uma área de actuação que exige legitimidade democrática-eleitoral directa ou indirecta [e não mera legitimidade institucional] e origina responsabilidade política.

A conveniência ou oportunidade da actuação administrativa, sobre a qual os tribunais não julgam..., corresponde, pois, à formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa envolvidas na adopção da conduta [CPTA, artigo 95º, nº3...]... [in: Direito Contencioso Administrativo, volume 1, página 777].

Assim, os poderes dos tribunais administrativos estão limitados pelas vinculações da Administração por normas e princípios jurídicos, não podendo afectar de qualquer forma a conveniência e oportunidade de actuação da Administração quanto às regras técnicas ou escolhas na prossecução do interesse público, salvo ofensa dos supra referidos princípios jurídicos a que se alude no artigo 266º, nº2 da CRP.

Atenhamo-nos ao caso sub judice.

Estaremos perante uma situação em que inexiste qualquer margem de discricionariedade por parte da Administração, impondo-se vinculadamente a prática de um determinado acto, nomeadamente o aqui proferido pela decisão recorrida?

Decidiu o tribunal adjudicar o concurso aqui em causa ao autor como primeiro classificado por se tratar de um concurso que, após a exclusão de um candidato, fica com um único concorrente admitido e o único critério de adjudicação era o do preço mais baixo.

Pelo que se coloca a questão de saber se esta decisão de adjudicação, mesmo neste tipo de concursos com um único concorrente admitido, se mantém dentro dos poderes exclusivos da administração, sob pena de violação do principio de separação de poderes, ou se o tribunal podia determinar o comportamento a seguir pelo Município.

O legislador optou por consagrar no artigo 76º nº1, do CCP, um dever de adjudicação, que contempla apenas a ressalva das situações previstas no artigo 79º, nº1, do CCP.

Assim, optou-se por estabelecer um dever de decidir, com prazo definido, que corresponderá ao prazo a que os concorrentes estão obrigados a manter as suas propostas.

Quanto à possibilidade de não adjudicação dispõe o artigo 79º do CCP:

«1- Não há lugar a adjudicação quando:

a) Nenhum candidato se haja apresentado ou nenhum concorrente haja apresentado proposta;

b) Todas as candidaturas ou todas as propostas tenham sido excluídas;

c) Por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspectos fundamentais das peças do procedimento após o termo do prazo fixado para a apresentação das propostas;

d) Circunstâncias supervenientes ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, relativas aos pressupostos da decisão de contratar, o justifiquem;

e) No procedimento de ajuste directo em que só tenha sido convidada uma entidade e não tenha sido fixado preço base no caderno de encargos, o preço contratual seria manifestamente desproporcionado;

f) No procedimento de diálogo concorrencial, nenhuma das soluções apresentadas satisfaça as necessidades e as exigências da entidade adjudicante.

2- A decisão de não adjudicação, bem como os respectivos fundamentos, deve ser notificada a todos os concorrentes.

3- No caso da alínea c) do nº1, é obrigatório dar início a um novo procedimento no prazo máximo de seis meses a contar da data da notificação da decisão de não adjudicação.

4 - Quando o órgão competente para a decisão de contratar decida não adjudicar com fundamento no disposto nas alíneas c) e d) do nº1, a entidade adjudicante deve indemnizar os concorrentes, cujas propostas não tenham sido excluídas, pelos encargos em que comprovadamente incorreram com a elaboração das respectivas propostas.»

Desta conclusão, resulta que os concorrentes poderão exigir judicialmente a prática do acto devido, ou seja, a decisão final do procedimento de concurso público salvas as possibilidades de não adjudicação previstas no supra referido artigo 79º, nº1, do CCP.

Além das alíneas a) e b), da referida disposição legal, em que se admite a não adjudicação se inexistir concorrentes ou propostas, bem como existindo, todas sejam excluídas do concurso, existem mais dois casos genéricos e dois casos específicos de não adjudicação fundamentada.

Os dois casos genéricos decorrem das alíneas c) e d), do nº1, do referido artigo 79º, e reportam-se, no caso da alínea c) às situações imprevistas que motivem a necessidade de alterar aspectos fundamentais das peças do procedimento, após o termo fixado para a apresentação de propostas e, no caso da alínea d) aos factos supervenientes ao termo fixado para a apresentação de propostas, quanto aos pressupostos da decisão de contratar, que justifiquem a não adjudicação.

Em ambas as situações, com fundamento no artigo 79º, nº4, do CCP, haverá lugar a indemnização pelos encargos que comprovadamente incorreram com a elaboração da proposta.

No caso específico do artigo 79º, nº1, alínea d), do CCP, onde seria susceptível de integrar a situação dos autos, estão em causa circunstâncias supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar que justifiquem que não ocorra o acto de adjudicação.

O artigo 79º do CCP prevê, assim, expressamente, casos de não adjudicação por razões de interesse público como sejam os referidos casos das alíneas c) e d).

É certo que o que está na base deste artigo 79º do CCP e que constitui a sua epígrafe «Causas de não adjudicação», é que não tenha ocorrido a adjudicação. No caso sub judice o contraente público vinculou-se a uma adjudicação ao praticar o acto de adjudicação anulado nestes autos.

É o que resulta do despacho do Presidente da Câmara de 22.08.2014 [com competência delegada para decidir contratar a obra da entidade adjudicante que é o Município] com o seguinte teor «Concordo, proceder em conformidade» relativamente ao relatório do júri que propõe a adjudicação à empresa F…..S.A., pela importância de 508.527,686€.

Pelo que, a situação de o mesmo não adjudicar foi, de certa forma, ultrapassada pela entidade com competência para decidir o concurso.

Contudo, não podemos esquecer o tipo concreto de concurso aqui em causa, um concurso público urgente previsto no artigo 155º e seguintes do CCP em que, apresentadas as propostas se segue a adjudicação.

E, não podemos esquecer que resulta do caderno de encargos: «19.1 A execução do contrato objecto do presente procedimento vai ser candidatada aos Fundos... 19.2- A adjudicação da presente empreitada fica condicionada à aprovação da candidatura apresentada à ON2...».

Ou seja, é certo que quando praticou o acto de adjudicação da obra a entidade assumiu implicitamente que não estava perante os condicionamentos que previra, isto é, que não se colocava a questão dos referidos apoios comunitários por os mesmos já terem sido aprovados, que é, aliás, o que a recorrida alega.

Caso contrário, em vez de dizer «Proceda em conformidade diria: aguarde a aprovação das candidaturas».

É certo, ainda, que se pode colocar a questão de a anulação da adjudicação aqui em causa não fazer retroceder o procedimento administrativo até um momento anterior à referida adjudicação conferindo à administração uma possibilidade que já lhe tinha sido coarctada ao fazer a adjudicação.

E isto com o fundamento de através do acto de adjudicação se firmam direitos e deveres para ambas as partes: o direito e o dever recíprocos a contratar, nos termos da proposta apresentada.

Contudo, nem por isso, pode o tribunal, chamado a praticar o acto devido, ignorar os condicionamentos que legalmente resultam do caderno de encargos assim como o poder-dever de não adjudicar, nas circunstâncias previstas na lei.

Pelo que, nada obsta a que o tribunal pratique o acto devido, que é o de determinar a adjudicação logo que seja aprovada a candidatura apresentada à ON2, independentemente da bondade da decisão anterior de adjudicação relativamente a este aspecto.

A condenação na adjudicação do contrato ao único concorrente sobrante constante da decisão recorrida nos termos supra expostos não viola, pois, quer o princípio da separação de poderes quer o artigo 79º do CCP, por tal não se traduzir em retirar à administração qualquer poder que só a ela competisse na adjudicação ou não do contrato.

Se está em causa na prolação do acto devido uma adjudicação relativamente à qual a entidade adjudicante não podia fazer qualquer alteração à graduação por estar em causa um único concorrente e o critério de adjudicação ser o do preço mais baixo, então não há impedimento a que o tribunal determine o acto devido de adjudicação ao concorrente que se impõe ainda que a condicione a um pressuposto do caderno de encargos que a entidade adjudicante ignorara [quer o tenha feito por a questão estar ultrapassada quer o tenha feito ilegalmente].

Em suma, independentemente de, no rigor dos termos, a possibilidade de não adjudicação prevista no artigo 79º do CCP constituir ou não uma fase que tinha sido ultrapassada pela entidade adjudicante ao fazer a adjudicação a um concorrente que devia ter sido excluído, não pode o tribunal na determinação do acto devido ignorar condicionamentos legais que a entidade adjudicante omitira na determinação da adjudicação.

13) O Município apresentou candidatura a financiamento comunitário no quadro do Programa Operacional do Norte [ON2], tendo obtido a respectiva aprovação da candidatura a 22.10.2014 - documento 1 junto com a petição inicial e junto com a contestação;

14) Em 24.10.2014, foi assinado entre o «Município» e a «Autoridade de Gestão do Programa Operacional do Norte [ON2]» contrato de financiamento relativo à «Modernização e Recuperação da Piscina Municipal Coberta de Ribeira de Pena» - documento 1 junto com a contestação;

15) De acordo com a cláusula quinta desse contrato a execução física e financeira da operação decorreria até 30.06.2015, devendo a execução financeira ter início no prazo máximo de seis meses a contar da data da assinatura do contrato - documento 1 junto com a contestação;

16) A Autoridade de Gestão ON2 notificou o Município do atraso na apresentação do 1º pedido de pagamento válido no prazo estipulado, bem como a intenção de rescisão do contrato de financiamento e revogação da aprovação do financiamento - documento 2 junto com a contestação;

17) Em 22.07.2015, a exequente foi notificada de que a Câmara Municipal de Ribeira de Pena havia deliberado, a 03.06.2015, proceder à não execução da obra Modernização e Recuperação da Piscina Municipal Coberta de Ribeira de Pena e anular o respectivo concurso por inviabilidade de financiamento comunitário, bem como pela necessidade de reformular o projecto - documento 2 junto com a petição inicial.

III. De Direito

1. A exequente – A……, Lda. - pretende ver executado o acórdão que este Supremo Tribunal proferiu em 03.12.2015 - recurso de revista nº0913/15 - e que decidiu - relativamente ao processo nº430/14 - «conceder provimento ao recurso e determinar a adjudicação da presente empreitada à autora embora condicionada à aprovação da candidatura apresentada à ON2 [Programa Operacional do Norte] pelo Município» - ver pontos 10 e 11 do provado.

A fundamentação desta decisão, pelo menos a sua parte mais substancial, é a que se encontra transcrita no ponto 12 do provado.

2. A exequente, nesta qualidade, pediu ao tribunal a condenação do Município, executado, a dar integral cumprimento ao acórdão exequendo, entendendo que este deverá consistir na «repetição do despacho de adjudicação da empreitada nos termos referidos no acórdão», fixando-se para o efeito prazo e sanção pecuniária compulsória.

O tribunal de 1ª instância «julgou improcedente a acção executiva», e fê-lo, em síntese, porque considerou que o acórdão exequendo se encontrava executado, na medida em que a adjudicação da empreitada à exequente foi condicionada à obtenção de financiamento comunitário que no caso não existe devido à rescisão do contrato e consequente revogação da aprovação do financiamento.

O tribunal de 2ª instância «concedeu provimento» à apelação que foi interposta pela exequente – A……., Lda. - revogou a sentença aí recorrida e declarou verificada «causa legítima de inexecução». Deste modo, determinou a «baixa» dos autos ao tribunal de 1ª instância a fim de que as partes sejam convidadas a acordar - nos termos previstos no artigo 178º, nº1, do CPTA - na «indemnização devida».

Diz-se na parte final do acórdão ora recorrido: «No entanto, apesar de se concluir que a entidade demandada não se encontra obrigada a proceder à adjudicação da empreitada em causa, esta inexecução decorre da situação de ter ocorrido falta de financiamento, ou seja, de ter ocorrido uma causa legítima de inexecução. […] Ora, não tendo ocorrido financiamento, como já concluímos, ocorreu causa legítima de inexecução do acórdão. […] Na verdade, como a recorrente teria direito à adjudicação, apesar de ter ocorrido causa legítima de inexecução do acórdão, sempre terá direito a indemnização por não ter sido possível essa execução, de acordo com o disposto no artigo 178º do CPTA».

Agora é a entidade autárquica, executada, que discorda, imputando ao acórdão objecto de revista erro de julgamento de direito. Em seu entender, não estamos perante caso de verificação de causa legítima de inexecução mas perante a não verificação da condição de cuja ocorrência dependia a adjudicação. Deste modo, a decisão deverá ser a de julgar improcedente a acção executiva, como decidiu a sentença de 1ª instância, e não de a prosseguir para fixação de indemnização pelo dano da inexecução.

Mas não assiste razão à autarquia recorrente, como veremos.

3. A obrigatoriedade das sentenças dos tribunais administrativos [artigo 158º do CPTA] desdobra-se na «prevalência» e na «imperatividade» das suas decisões.

A sua prevalência implica a nulidade de quaisquer actos jurídicos, ou operações materiais, praticados em desrespeito pelo respectivo caso julgado, bem como a responsabilidade civil, disciplinar, e criminal, dos autores dessas actuações [artigo 158º, nº2, CPTA]. A imperatividade - no campo do julgado anulatório - implica o dever da administração adoptar todos os actos jurídicos e operações materiais necessários à sua [caso julgado] concretização, havendo uma clara opção legislativa pela «tutela reconstitutiva» face à «tutela ressarcitória» [artigo 173º do CPTA].

Mas, como se sabe, da lei, este dever de reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado pode ser afastado se, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, puder ser praticado um novo acto que, renovando o anterior, determine - agora sem vícios - a produção dos mesmos efeitos que aquele tinha determinado de modo inválido [artigo 173º do CPTA].

Porém, este dever de cumprimento das sentenças dos tribunais administrativos não existe no caso excepcional de ocorrer uma «causa legítima de inexecução».

Na verdade, seguindo uma tradição do nosso direito, o legislador do CPTA - ver os seus artigos 163º, nº1, e 175º - considerou impedimentos legítimos da execução, por um lado, a impossibilidade absoluta - e não maior dificuldade ou onerosidade - e por outro o grave prejuízo para o interesse público. Ou seja, uma inexecução imposta pela força dos factos - causa natural, «ad impossibilita nemo tenetur» - e outra assente num juízo de natureza político-administrativa - causa administrativa.

O impedimento derivado de «impossibilidade absoluta» não causa problemas de maior, salvo quando a administração a provoque de «forma dolosa», porque aí não haverá - em princípio - causa legítima. Já no tocante ao impedimento derivado de grave prejuízo para o interesse público ocorre uma espécie de «expropriação do direito do particular à execução» devido à utilidade pública em não executar, o que pode colocar problemas do ponto de vista das exigências decorrentes do «princípio constitucional da segurança jurídica».

Mas tanto num caso como no outro a sentença «não é executada», sendo esta «inexecução» legitimada pela lei e motivo de indemnização ao exequente «pelo facto da inexecução» [ver artigo 178º do CPTA], sendo que este «dever automático» de indemnizar se louva numa responsabilidade civil objectiva, que não determina o ressarcimento de todos os danos sofridos mas apenas do «dano real, autónomo e diferenciável» da expropriação do direito à execução.

4. Na presente execução de julgado anulatório, o acórdão do STA, que constitui o título executivo, considerou «ilegal a adjudicação» da empreitada em causa à concorrente B……, e anulou-a, determinando a adjudicação da mesma à ora exequente A………, Lda. Porém, tendo em conta uma regra ínsita no «caderno de encargos» - segundo a qual a adjudicação da empreitada ficaria «condicionada à aprovação da candidatura» formulada pelo MUNICÍPIO ao recebimento de fundos comunitários - o acórdão exequendo «condicionou» esta adjudicação à prévia certeza de que o MUNICÍPIO receberia as ajudas comunitárias a que se tinha candidatado.

O que se discute nos autos, essencialmente, é se este condicionamento - que o STA colocou como antecedente necessário da adjudicação à A…….., Lda. - constitui uma condição potencialmente determinante do fracasso da acção executiva [artigo 715º do CPC], ou uma realidade diferente, susceptível de reconduzir o assunto para o campo das «causas legítimas de inexecução» - artigos 163º e 175º do CPTA.

Como vimos, a primeira posição foi adoptada pelo TAF, e a segunda foi seguida pelo TCA no acórdão recorrido.

Como se colhe da consulta da matéria provada, a aprovação da candidatura do MUNICÍPIO aos fundos comunitários - que no «caderno de encargos» condicionava a adjudicação - verificava-se ao tempo da adjudicação da empreitada à concorrente vencedora do concurso, isto é, aquando da adjudicação da obra à sociedade B……, que foi considerada ilegal e anulada.

Em princípio, os actos que a Administração deva praticar em sede de execução de julgados anulatórios têm efeito retroactivo, pois intentam preencher o vazio decisório resultante da supressão do acto pretérito anulado. Mas nem sempre é assim, seja por força da lei, seja pela própria natureza das coisas.

No presente caso, é certo que a adjudicação da empreitada à sociedade A………- imposta pelo acórdão exequendo - haveria de, juridicamente, localizar-se na ocasião procedimental da adjudicação anulada, feita à sociedade B…….. Mas os seus efeitos práticos teriam de ser - inevitavelmente - posteriores, o que suscitava a questão de saber se haveria condições financeiras para a obra se efectivar.

É este, no fundo, o significado da condição estabelecida no acórdão exequendo: a ora exequente tinha o direito de ser escolhida como adjudicatária, ocupando o lugar da primeira vencedora; mas, como a obra depende de «financiamento comunitário», esta adjudicação à ora exequente - juridicamente retroactiva, mas só operante no presente - apenas se faria se houvesse condições financeiras para custear a obra.

5. Ora, como resulta da matéria de facto provada [pontos 15 a 17], o MUNICÍPIO, por razões que aqui não relevam, não dispõe dos fundos comunitários de que, à luz do caderno de encargos, necessitava para promover a obra, o que significa que nem a obra se fará - atento o condicionamento do caderno de encargos - nem a empreitada será adjudicada à ora exequente - atento o condicionamento do título executivo.

Mas esta constatação não ilude a ilegalidade que foi cometida pelo executado, e ora recorrente, porquanto se o MUNICÍPIO tivesse agido de acordo com a lei, ao tempo da prática do acto ilegal, teria adjudicado a empreitada à ora exequente, e não à concorrente B………..

Não há dúvida de que toda a dificuldade do executado MUNICÍPIO em cumprir o julgado anulatório reside no «prejuízo que agora sofreria caso tivesse de pagar integralmente a obra», sem beneficiar dos pretendidos apoios externos. É nesta linha, precisamente, que entronca a lógica jurídica do acórdão exequendo: - ao condicionar a adjudicação, que impôs, à prévia obtenção da ajuda comunitária, quis simplesmente dizer - na linha já decorrente do «caderno de encargos» - que a execução da empreitada sem esses apoios redundaria num excepcional prejuízo para o interesse público municipal.

Impõe-se concluir, portanto, que a presente falta de financiamento comunitário não é uma condição genuína da adjudicação - que, em rigor, seria retroactiva - mas antes uma causa legítima de se não adjudicar a obra à sociedade exequente. Trata-se, pois, de uma causa que paralisa a «execução» devida, em vez de algo que torne indevida a «obrigação» de executar e adjudicar.

6. Ressuma do exposto, que estamos perante uma causa legítima de inexecução, na vertente da ocorrência de excepcional prejuízo para o interesse público - municipal - na execução da adjudicação - artigos 175º, e 163º do CPTA - e, porque assim decidiu, deverá manter-se na ordem jurídica o acórdão recorrido.

Termos em que deve ser negado provimento à revista interposta pelo executado MUNICÍPIO DE RIBEIRA DE PENA.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento ao recurso de revista, e manter o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 5 de Setembro de 2019. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.