Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:062/13.0BUPRT
Data do Acordão:06/23/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
MEIO PROCESSUAL ACESSÓRIO
LEI DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Sumário:I - O processo de execução de julgados é um meio processual acessório, por natureza - dado ter como pressuposto necessário a ação que produziu a sentença cuja execução nele se requer - e por consagração legal - dado estar previsto nos arts. 95º e 96º da LPTA (aplicável “in casu”), inseridos no capítulo VII, que tem como epígrafe "Meios processuais acessórios", do qual constitui a Secção V.
II - O tribunal competente para conhecer dos recursos das decisões proferidas pelos Tribunais Administrativos de Círculo nestes meios processuais é o Tribunal Central Administrativo – art. 40º, alínea a), parte final, do ETAF de 1984, na redação dada pelo DL nº 229/96, de 29/9 (também aplicável “in casu”).
III – Nos termos do art. 26º nº 1 do ETAF de 1984, na redação dada pelo DL nº 229/96, o STA é competente para conhecer de recursos jurisdicionais de Acórdãos do TCA proferidos em 1º grau de jurisdição - o que não é o caso - e de decisões dos tribunais administrativos de círculo para cujo conhecimento não seja competente o TCA - o que também não é o caso, “ex vi”, do disposto na citada alínea a) do art. 40º.
Nº Convencional:JSTA00071498
Nº do Documento:SA120220623062/13
Data de Entrada:02/10/2022
Recorrente:A.........
Recorrido 1:C........., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:LPTA (APROVADA PELO DL Nº267/85, DE 16/7) ART95 ART96
ETAF/84 (APROVADO PELO DL Nº129/84, DE 27/4, NA REDAÇÃO DO DL Nº229/96, DE 29/9) ART26 N1 ART40 AL.A)
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. A………. interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo dos arts. 24º nº 1 g) do ETAF e 102º e segs. da LPTA (aplicável por força do disposto no art. 5º da Lei nº 15/2002, de 22/2), o presente recurso do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) em 7/1/2021 (cfr. fls. 409 e segs. SITAF), o qual - em recurso de agravo de sentença de 1ª instância, proferida em 12/11/2007, nos presentes autos de execução de julgado, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF/Porto) - decidindo questão prévia, julgou extinta a instância executiva por impossibilidade superveniente da lide.

2. Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 487 e segs. SITAF):

«I. A decisão recorrida, proferida em primeiro grau de jurisdição, é inexistente, uma vez que o tribunal recorrido não tem poder jurisdicional que a tanto o habilite.
II. A admitir-se que a decisão tivesse sido proferida em segundo grau de jurisdição, sempre o tribunal recorrido seria incompetente em razão da hierarquia.
III. Se não fosse inexistente, a decisão recorrida sempre seria nula, porque o tribunal não conheceu de nenhuma das questões que, enquanto tribunal de recurso, estava obrigado a conhecer.
IV. Não há nos autos elementos que permitam afirmar que o “Shopping B……..” está legalizado.
V. Por um lado, não existem nos autos os despachos administrativos corporizadores do pretenso ato de licenciamento com o suposto efeito legalizador.
VI. Por outro lado, o tribunal recorrido nem sequer apurou que “novas” regras urbanísticas teriam, supervenientemente, assegurado a legalidade da construção.
VII. Ademais, de acordo com a lei em vigor (o art. 102-º-A do RJUE), a legalização de obras ilegais não opera através de um ato de licenciamento: opera, sim, através de um ato de legalização, emitido como ato final de um específico procedimento de legalização.
VIII. Não se “legaliza” uma obra já feita através de um licenciamento; precisamente porque o licenciamento, enquanto ato administrativo permissivo, tem por objeto uma obra a realizar no futuro (e não uma obra já consumada).
IX. O pretenso ato de “licenciamento legalizador”, que nunca foi notificado ao recorrente, nem sequer juntos aos autos da primeira instância, não está, de nenhum modo, consolidado na ordem jurídica.
X. De todo o modo, a questão de saber se o “Shopping B……..” fora legalizado pela mera superveniência de novas regras urbanísticas, na hipótese de se admitir que essa ocorrência pudesse determinar a extinção da instância executiva (o que nem sequer é aceitável, dado que já transitou em julgado a decisão judicial que declarou inexistir causa legítima de inexecução da sentença que declarou nulo o seu licenciamento original), nunca se resolveria através da mera junção aos autos de um alvará que, emitido pela contraparte, declarasse a legalização.
XI. A ser isso admissível (o que só como hipótese se conjetura), a questão de saber se a construção fora efetivamente legalizada pela entrada em vigor, após o trânsito da sentença que declarou inexistir causa legítima de inexecução do julgado anulatório, de novas regras urbanísticas sempre teria de ser resolvida na própria “instância executiva”.
XII. Quer dizer, a admitir-se tal hipótese, a extinção da instância executiva teria de resultar de uma decisão do próprio tribunal da execução, que, autonomamente, resolvesse a questão de saber se ocorrera ou não a legalização, nunca podendo tal extinção constituir efeito automático da simples emissão de um novo ato administrativo pela própria entidade que praticara o ato declarado nulo.
XIII. O tribunal recorrido violou as seguintes normas: art. 37.º do ETAF; art. 615.º/1-d) do CPC; art. 2.º da Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro; o art. 102-º-A do RJUE.

Eis, assim, Senhores Juízes Conselheiros, expostas as razões pelas quais se pede a Vossas Excelências julguem procedente o recurso e revoguem a decisão recorrida».

3. A Recorrida “C………, S.A.” apresentou contra-alegações (cfr. fls. 511 e segs.), sem conclusões, defendendo a inadmissibilidade do presente recurso e a manutenção do Ac.TCAN recorrido “na mera hipótese de ser aceite o presente recurso”.

4. O também Recorrido “Município do Porto” apresentou contra-alegações, que terminou com as seguintes conclusões (cfr. fls. 537 e segs. SITAF):

«A. O recurso agora apresentado do notável Acórdão que julgou extinto o presente processo executivo por inutilidade superveniente da lide é totalmente improcedente.
B. Improcedente é, desde logo, a questão da alegada “inexistência” do douto Acórdão aqui em causa pelo facto de o Tribunal não ter poder jurisdicional que a tanto o habilite.
C. Com efeito, conhecedor, por requerimento apresentado pelo aqui Recorrente, da existência de questão prejudicial que poderia pôr em causa a utilidade de toda a instância executiva – o licenciamento das obras, titulado pelos alvarás junto aos autos, e a consequente execução da sentença exequenda –, seria incompreensível que este Tribunal não se pronunciasse sobre a mesma – questão essa que, aliás, tinha sido apreciada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que logo ali condicionou o seu entendimento quanto à alegada questão “…ao melhor entendimento do Tribunal ad quem”.
D. Como bem entendeu o douto Acórdão recorrido, é o próprio princípio da economia processual – e o consequente dever de proferir decisões inúteis – que impunha que o Acórdão tivesse conhecido daquela questão, pelo que este vício é totalmente improcedente.
E. Improcedente é também o segundo vício ali “invocado”, resultante da alegada incompetência em sede de hierarquia para julgar o presente recurso.
F. Com efeito, no momento em que se iniciou o processo executivo, era já o Tribunal Central Administrativo o Tribunal competente para a apreciação de recursos – por força da redação da alínea a) do artigo 40.º do ETAF então em vigor na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 229-A/96, de 29 de Novembro.
G. Também totalmente improcedente é a alegada nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia – resultante do facto de não terem sido conhecidos os recursos interpostos da sentença recorrida.
H. Assim, e julgada procedente a questão prévia ali em causa, conducente à extinção da presente instância executiva por inutilidade superveniente da lide, dúvidas não restam de que também os recursos interpostos da sentença proferida nesta instância executiva se tornaram totalmente inúteis (não carecendo, por isso mesmo, de qualquer decisão).
POR FIM,
I. Totalmente improcedente é (são) também o(s) alegado(s) erro(s) de julgamento do douto Acórdão recorrido.
J. Adiante-se, desde logo, que, em sede de execução da instância, não compete ao Tribunal avaliar da legalidade dos atos praticados em sede de execução da instância – cabe-lhe apenas avaliar se a sentença foi executada e se os atos e operações praticados respeitam, ou não, os limites objetivos do caso julgado.
K. Os novos alvarás emitidos em 2015, junto aos presentes autos, evidenciam que a sentença foi executada.
L. Ao que acresce que, sendo evidente que o bloco de legalidade vigente no momento em que foi licenciada (ou legalizada) a construção em causa era radicalmente diverso do bloco de legalidade vigente no momento em que foi praticado o ato declarado nulo, dúvidas não restam que os limites do caso julgado não foram violados.
M. Não estando em causa a violação dos limites objetivos do caso julgado, qualquer vício daqueles atos terá de ser invocado em ação declarativa proposta para esse efeito – e não nos presentes autos.
N. Ao contrário do que defende o Recorrente, incompreensivelmente, o facto de ter transitado em julgado o despacho que declarou inexistir causa legítima de inexecução não impede que as obras possam ser licenciadas ou legalizadas – é precisamente ao contrário (pois se fosse julgada procedente a existência de causa legítima de inexecução, nada seria necessário fazer).
O. É por inexistir causa legítima de inexecução que torna necessário executar a sentença, seja licenciando (legalizando) a obra existente (ou eventuais obras de correção), seja ordenando a sua demolição.
P. Tendo tido conhecimento da prática daqueles atos há mais de 6 anos (!), iniciou-se então o prazo para o Recorrente, que não tinha de ser deles notificado por não ser detentor de um interesse qualificado naquele procedimento, os impugnar, pelo que o referido prazo já há muito se esgotou, sendo por isso inequívoco que aqueles atos se encontram consolidados.

TERMOS EM QUE DEVERÁ SER NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E MANTIDO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO».

5. O Ministério Público junto deste STA, notificado nos termos e para os efeitos do art. 109º da LPTA (na redação aplicável, introduzida pelo DL nº 229/96, de 29/11), emitiu pronúncia no sentido de «estar excluído do âmbito da competência deste STA o conhecimento de recurso jurisdicional de Acórdão de Tribunal Central Administrativo que, não tendo sido proferido em primeira jurisdição, conheceu, no âmbito das suas competências próprias, do recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo em meio processual acessório de execução de julgado» (cfr. fls. 642 e segs. SITAF).

Ainda que assim não fosse, entende que o recurso não mereceria provimento.

6. As partes foram notificadas desta pronúncia (cfr. fls. 650, 651 e 652 SITAF), nada tendo respondido.

7. Após vistos, o processo vem submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.

*

II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

8. Conforme resulta das conclusões das alegações de recurso do Recorrente, constitui seu objeto decidir se o Acórdão do TCAN recorrido, ao julgar extinta a presente instância executiva por impossibilidade superveniente da lide, ainda que no âmbito do recurso de agravo de sentença do TAF/Porto, o fez, conforme alega o Recorrente, usurpando competência que para tal não detinha, por pertencer à 1ª instância, e se, ao fazê-lo, o fez em decisão (“inexistente”) de 1ª instância, ou em 1º grau de jurisdição, quanto a tal questão prévia, tornando assim consequentemente admissível o presente recurso jurisdicional, para este STA, de tal decisão extintiva.

E, ainda que se admita que o fez em 2ª instância, cumpre apreciar se o TCAN seria, como defende o Recorrente, tribunal hierarquicamente incompetente para julgar o recurso, em face do disposto no art. 2º da Lei nº 13/2002, de 19/2 (ETAF/2002).

Cumpre, também, decidir se, tal como também defende o Recorrente, o Ac.TCAN recorrido, caso não fosse “inexistente”, sempre seria nulo por não ter apreciado e decidido todas as questões de mérito que, enquanto tribunal de recurso, então estaria obrigado a conhecer.
*

III - FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

9. Considera-se relevante a seguinte factualidade, resultante dos autos, com vista à específica apreciação das questões de direito supra elencadas, que cumpre decidir:

1. A…….., instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, em 18.09.1995, ação popular na modalidade de recurso contencioso de anulação, contra o VEREADOR DO PELOURO DO URBANISMO E DA REABILITAÇÃO URBANA DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, pedindo a anulação do seu despacho de 19/07/1994, que deferiu o licenciamento da construção do Empreendimento conhecido como “Shopping B…………”, imputando-lhe vícios de violação de lei por ofensa ao disposto nos arts. 59º, corpo e § 4, 60.º corpo, 62.º corpo e §§ e 73.º do RGEU, art.º 2.º do D.L. n.º 37575, de 08/10/49 e 2.º, n.ºs 4 e 8 e 21.º do Plano Diretor Municipal.
2. Indicou como contrainteressados D………. e Sociedade de Construções E………., S.A..
3. Ordenada a citação do órgão recorrido, o mesmo defendeu-se por exceção, invocando a ilegitimidade do recorrente e a intempestividade do recurso, tendo também apresentado defesa por impugnação.
4. Citados, os contra-interessados particulares apresentaram contestação na qual se defenderam nos mesmos moldes que a autoridade recorrida.
5. Proferiu-se despacho saneador, onde se julgou improcedente a exceção da ilegitimidade do recorrente e se relegou para final o conhecimento da exceção da intempestividade do recurso.
6. Por sentença de 14.12.2000, o Tribunal Administrativo de Circulo do Porto julgou improcedente a invocada exceção da intempestividade do recurso e verificados os vícios de violação de lei assacados ao ato recorrido por ofensa ao art. 59º, corpo, do RGEU, bem como da norma do art. 2.º do D.L. n.º 37575, de 08/10/49 (vícios que conduzem à anulabilidade) e, bem assim, por violação do Regulamento do PDM, em qualquer das suas versões, julgando o ato nulo e de nenhum efeito, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 2, alínea b) do D.L. 445/91, de 20/11.
7. Inconformada com tal decisão, e com o despacho que julgou improcedente a exceção da ilegitimidade por si invocada, a recorrida particular Sociedade de Construções E…….., S.A., interpôs recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo, que por acórdão datado de 07/02/2002, negou provimento aos recursos interpostos, mantendo a decisão recorrida.
8. Em 10/10/2002, o Recorrente A……….. veio por apenso aos autos de ação popular, instaurar ação de execução de sentença contra o VEREADOR DO PELOURO DO URBANISMO DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, apenso ao qual corresponde o Proc. n.º 678-A/95.
9. Alegou, em síntese, que tendo transitado em julgado a sentença entretanto confirmada por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que declarou nulo o licenciamento do denominado “Shopping B………” e não tendo o órgão requerido, dentro do prazo de 30 dias, dado cumprimento espontâneo à mesma, requereu, nos termos dos arts. 5.º e 6.º do D.L. 256-A/77, de 17/08, ao Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto, a adoção dos atos necessários à efetiva e integral execução da sentença exequenda, mormente, a demolição do empreendimento.
Apesar de assim ter instado, o órgão requerido não tomou qualquer providência dentro do prazo legal, nem alegou qualquer causa legítima de inexecução da sentença, que se lhe afigura inexistir in casu, já que o eventual montante indemnizatório, ainda que avultado, não pode justificar a inexecução da sentença, requerendo ao tribunal a quo que declare a inexistência de causa legítima de inexecução da sentença de 14/12/00 e ordene, subsequentemente, o seu efetivo cumprimento.
9. Notificada a entidade requerida nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 8.º do DL n.º 256-A/77, de 17/06, a mesma respondeu, alegando, em síntese, a existência de causa legitima de inexecução, por referência a uma situação de grave prejuízo para o interesse público porquanto a execução da sentença implica a demolição da construção do referido “Shopping”, não acarretando apenas o despender duma certa quantia monetária, ainda que avultada, mas impacto social, ambiental e urbanístico decorrente da demolição do prédio, que inviabilizam a sua demolição e que obstam à execução da sentença por impossibilidade e grave prejuízo para o interesse público no cumprimento da sentença.
10. O requerente replicou, sustentando, em suma, que a demolição do edifício não é nada de impossível, embora possa ser dispendioso e que da sua demolição nenhum dano pode advir para o interesse público, correspondendo a sua demolição a uma exigência irrenunciável do interesse público, desde logo, do cumprimento da lei e das pronúncias judiciais e do respeito pelo valor fundamental do próprio ordenamento do território.
Conclui, que não se verifica nenhum dos requisitos legitimadores da inexecução da sentença exequenda.
11. A fls. 89 e 94, o Ministério Público, invocando entendimento seguido pela jurisprudência, promoveu que a execução da sentença devia ser requerida e prosseguir contra a autoridade pública e os recorridos particulares, conjuntamente, sob pena de ilegitimidade passiva.
12. O juiz a quo, por despachos de fls. 90 e 94, ordenou a notificação do exequente para regularizar a petição, fazendo intervir na instância executiva os recorridos particulares Sociedade de Construções E………, S.A. e D………...
13. A Sociedade de Construções E………., S.A., a 24/03/2003, apresentou o articulado de oposição de fls. 103 a 106, alegando, em síntese, que por transações efetuadas há já alguns anos, vendeu as frações autónomas de que era proprietária no empreendimento “Shopping B……….”, não sendo já proprietária nem possuidora de nenhuma dessas frações, e sustentou que a requerida demolição desse empreendimento acarretaria prejuízos de valor incalculável, decorrentes, nomeadamente, (i) dos custos da própria demolição, (ii) da perda do direito e/ou posse das frações e do (iii) encerramento de todos os centros de atividade, aqui se destacando as indemnizações devidas aos respetivos trabalhadores, encontrando-se esse edifício implantado há mais de 10 anos no tecido urbano da cidade do Porto, sem que daí tenha resultado ou resulte qualquer prejuízo para o interesse público. Pelo contrário, demoli-lo representaria maior sacrifício para o interesse público, para concluir pela inexistência de causa legítima de inexecução.
14. Por sua vez, o recorrido particular D………. fez seu o articulado apresentado pela Sociedade de Construções E………, S.A., aderindo aos factos aí alegados.
15. Por sentença de 26.06.2003, o TAC do Porto julgou «procedente a pretensão do requerente e em consequência condenar a entidade requerida a reconhecer que não existe qualquer causa legítima de inexecução da decisão proferida nos autos principais, ainda que isso implique a demolição do conjunto predial aprovado pelo ato administrativo declarado nulo».
16. A 09/05/2006 o senhor juiz relator do TAF do Porto proferiu despacho no qual escreveu que «(…) tendo presente a posição assumida pelo exequente no que concerne à realidade em equação nos autos e que passa pelo encerramento, despejo e demolição do “ Shopping B…….”, é manifesto que uma tal situação contende com todos os eventuais detentores de direitos sobre as frações do aludido prédio, o que impõe que se assegure a tais sujeitos a possibilidade de se pronunciarem sobre tal matéria, de modo que, notifique o exequente para em 10 dias, juntar aos autos certidão do registo predial relativo ao prédio em apreço em ordem a aferir-se do que fica exposto».
17. Por sentença de 12/11/2007 (fls. 1406 a 1417), o TAF do Porto decidiu, nos autos de inexecução de sentença «Fixar, nos termos do art. 9.º n.º 2 do D.L. nº 256-A/77, de 17/06, como atos e operações necessários à execução integral e cabal da sentença exequenda todos os impostos e necessários à realização da demolição da construção denominada “Shopping B……..” erigida nos termos definidos na sentença anulatória aqui em execução e pela mesma qualificada como ilegal, atos e operações esses (prévio encerramento e despejo do edifício) a realizar no prazo máximo de 42 meses, salvo se for entendido, dentro do aludido prazo, que a construção pode ser legalizada, devendo, neste caso, ser emitido o respetivo ato válido de licenciamento.
Sem custas.
Registe e notifique, sendo que a presente sentença deverá ser notificada e todas as entidades que tenham registado a seu favor a aquisição das frações descritas de fls. 342 a 1391».
18. Inconformados com esta decisão dela interpuseram recurso de agravo:
(i) VEREADOR DO PELOURO DO URBANISMO DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, nos termos que constam das alegações de fls. 1841 a 1880, tendo o Recorrido A……….. contra-alegado nos termos que constam de fls. 2247 a 2259;
(ii) F……….. e G………., nos termos que constam das alegações de fls. 1785 a 1801, tendo o Recorrido o A………. contra-alegado nos termos que constam de fls. 1928 a 1936;
(iii) H……… e mulher I……….., nos termos que constam das alegações e fls. 1823 a 1840;
(iv) J…………, nos termos que constam das alegações de fls. 1883 a1889;
(v) K………-EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS E TURÍSTICOS, LDA, nos termos que constam das alegações de fls. 1809 a 1818;
(vi) C…………, S.A, nos termos que constam das alegações de fls. 1165 e segts;
(vii) L………., Instituição Financeira de Crédito S.A., nos termos das alegações que constam de fls. 2294 a 2305;
(viii) M………, LDA, nos termos que constam das alegações de fls. 2344 a 2365, tendo o Recorrido A……… contra-alegado nos termos que constam de fls. 2400 a 2413.
19. Das conclusões de recurso apresentadas pelos recorrentes, extraiam-se como questões centrais a decidir pelo tribunal ad quem, saber se : (i) a decisão recorrida deve ser revogada por enfermar de nulidade processual resultante de falta de citação dos contra-interessados que à data da instauração da ação de execução eram proprietários de frações do aludido imóvel, e que nem sequer foram identificados na petição inicial; (ii) se ocorre a violação do art.º 28.º, n.º1 do CPC, existindo uma situação de ilegitimidade passiva por preterição de listisconsórcio passivo necessário; (iii) se os autos principais e a ação de execução deviam ter sido registadas, nos termos do art.º 3.º do CRP, sendo a decisão, na falta de registo das ações, inoponível aos recorrentes; (iv) se houve violação do caso julgado formal; (v) se estão reunidos os pressupostos do art.º 134.º, n.º3 do CPA para que prevaleça a conservação da situação de facto e se a decisão recorrida atentou, ao ignorar essa realidade, contra os arts. 18.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 da CRP e os arts. 4º, 5.º, n.º 2, 6.º, 6.º-A e 134.º do CPA e, bem assim, se o prazo fixado para cumprir o ordenado na sentença recorrida é inadequado.
20. Sucintamente, para além de se insurgiram contra a ordenada demolição do empreendimento denominado “Shopping B……..”, os Recorrentes particulares alegam que nunca foram citados, nem no recurso de anulação, nem na ação executiva, quando deviam ter sido indicados como partes na ação executiva pelo ora recorrido particular, por serem proprietários de frações que integram o prédio a demolir, advogando, em consequência, a nulidade de todo o processado desde a citação, com a consequente reformulação de todo o processado. Afirmam que só tiveram conhecimento da situação em litígio com a notificação da sentença recorrida, não tendo nenhuma das ações sido registada, contrariamente ao que devia ter sido ordenado em cumprimento do art.º 3.º do CRP.
21. Sendo as questões supra identificadas as questões essenciais que se colocam ao Tribunal ad quem em sede da presente instância recursiva, colocava-se, “prima facie”, questão prévia, com precedência lógica em relação à apreciação das questões atrás elencadas, uma vez que poderia determinar a extinção da lide executiva e, consequentemente, da presente instância recursiva.
23. Nessa conformidade, por acórdão proferido em 13.12.2019, o TCAN conheceu dessa questão prévia julgando-a procedente e, em consequência, julgou extinta a instância por impossibilidade da lide.
24. Entretanto, o Ministério Público, notificado do acórdão proferido, veio suscitar a nulidade processual decorrente de não ter sido notificado para a emissão de parecer a que se alude no art. 146.º, n.º 1 do CPTA e requerer que se anule todo o processado posterior ao alegado ato omitido, com fundamento no disposto no artigo 195.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do CPTA.
25. Nessa sequência, por acórdão de 15.07.2020, o TCAN anulou o aresto antes proferido (em 13/12/2019) e determinou-se a notificação do Ministério Público para emitir parecer, querendo.
26. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da inutilidade superveniente da lide.
27. Pelo Ac.TCAN ora recorrido, de 7/1/2021, julgou-se extinta a instância executiva por impossibilidade superveniente da lide.
*

III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

DA (IN)ADMISSIBILIDADE do PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL

10. Quer os Recorridos “C………., SA” e “Município do Porto”, nas suas contra-alegações, quer o MºPº junto deste STA, na sua pronúncia oportunamente emitida, defendem que o presente recurso jurisdicional, interposto para este STA do Acórdão recorrido, proferido em 7/1/2021 pelo TCAN, é legalmente inadmissível.

Diga-se, desde já, que assim é, pois que, como alegam, o presente processo de execução de julgado anulatório é um meio processual acessório, e o Ac.TCAN em causa julgou em 2ª instância, na sequência de recursos jurisdicionais de agravo interpostos de sentença de 1ª instância, do TAF/Porto.

Assim, o TCAN era efetivamente o tribunal competente para conhecer desses recursos de agravo, nos termos previstos no art. 40º a) do ETAF aplicável – aprovado pelo DL nº 129/84, de 27/4, na redação introduzida pelo DL nº 229/96, de 29/9.

Estipulava essa norma que «compete à Secção de Contencioso Administrativo [do TCA] conhecer dos recursos de decisões dos tribunais administrativos de círculo que versem sobre matéria relativa ao funcionalismo público ou que tenham sido proferidas em meios processuais acessórios» (sublinhado nosso)

Como este STA repetidamente julgou (v.g., Acórdão do Pleno da Secção de C.A. deste STA de 7/5/2009, proc. 01112/08):
«I - O processo de execução de julgados é, por natureza - dado ter como pressuposto necessário a ação que produziu a sentença cuja execução nele se requer - e por consagração legal - dado estar previsto nos artigos 95.º e 96.º da LPTA, inseridos no capítulo VII, que tem como epígrafe "Meios processuais acessórios", do qual constitui a Secção V - um meio processual acessório.
II - O tribunal competente para conhecer dos recursos das decisões proferidas pelos Tribunais Administrativos de Círculo nestes meios processuais é o Tribunal Central Administrativo (artigo 40.º, alínea a), parte final, do ETAF de 1984, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29/9)».

Ou cfr. Acórdão da Secção de C.A. deste STA de 30/4/2015 (0239/15):
«Para o conhecimento de “recurso jurisdicional” interposto de decisão proferida por tribunal administrativo de círculo, no âmbito de execução de julgado, que é “meio processual acessório”, é competente o Tribunal Central Administrativo, carecendo o STA de competência para tal, em razão da matéria e da hierarquia».

Por isso, não tem razão o Recorrente quando defende que o TCAN, ainda que admitindo que julgara em 2ª instância, seria incompetente em razão da hierarquia face ao disposto no art. 2º da Lei nº 13/2002, de 19/2 (ETAF/2002).

É que, contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, este art. 2º (disposição transitória) da Lei que aprovou o ETAF/2002 salvaguarda a aplicação do ETAF/1984 aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor, ou seja em 1/1/2004 (o que é o caso, pois o presente processo executivo foi instaurado em 10/2/2002) bem como as decisões que, na vigência do novo ETAF/2002, sejam proferidas ao abrigo das competências conferidas pelo anterior ETAF/1984 – sendo estas impugnáveis para o tribunal competente de acordo com o mesmo Estatuto (o que é o caso, face à impugnada sentença do TAF/Porto de 12/12/2007).

Ora, o tribunal competente de acordo com o ETAF/1984 era, como já dissemos, o TCA – art. 40º a), na redação do DL nº 229/96, de 29/9.

11. Por outro lado, de acordo com o estipulado no art. 26º nº 1 do aplicável ETAF/1984, na redação do DL nº 229/96, de 29/9, este STA só tem competência para conhecer de recursos jurisdicionais:
nº 1 - de Acórdãos do TCA proferidos em 1º grau de jurisdição (o que não é o caso); e
nº 2 – de decisões dos tribunais administrativos de círculo para cujo conhecimento não seja competente o TCA (o que, como já vimos, também não é o caso, “ex vi” da alínea a) do art. 40º).

Assim, o presente recurso jurisdicional, interposto para este STA, do recorrido Acórdão do TCAN de 7/1/2021, não é legalmente admissível.

12. Alega, porém, o Recorrente que o Ac.TCAN recorrido, ao julgar extinta a presente instância executiva por impossibilidade superveniente da lide, estaria a julgar em 1º grau de jurisdição (cfr. ponto 1 das suas alegações) ou em 1ª instância (cfr. ponto 6 das suas alegações), uma vez que se trataria de uma questão aí inovatoriamente decidida, não antes decidida pelo TAF/Porto. Em consequência desta conclusão, o recurso para o STA seria admissível, ao abrigo do já citado art. 26º nº 1 a) do ETAF/1984, por se tratar de recurso jurisdicional de Acórdão de TCA proferido em 1º grau de jurisdição.

Mas não tem o Recorrente qualquer razão neste seu raciocínio, visto que confunde questão (prévia) decidida pela primeira vez pelo tribunal de recurso (tribunal “ad quem”) com a noção de graus de jurisdição.

O que o art. 26º nº 1 a) do ETAF permite é o recurso jurisdicional para este STA (apenas) de Acórdãos de TCA proferidos em 1º grau de jurisdição.

Ora, o Acórdão do TCAN de 7/1/2021 em causa, foi proferido em 2º grau de jurisdição, na sequência de recursos de agravo interpostos de sentença proferida pelo TAF/Porto em 1º grau de jurisdição – ainda que o Acórdão do TCAN, julgando em 2º grau de jurisdição, tenha decidido questão prévia não antes decidida.

Sendo questão que lhe cumpria decidir, como resultava do art. 9º “ex vi” do art. 111º nº 1 c) da LPTA: «dar por findo os recursos contenciosos ou outros meios processuais» ou «julgar extinta a instância por deserção, desistência e impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide» (respetivamente, alíneas b) e f) do nº 1 do referido art. 9º).

13. Aliás, o Pleno da Secção de C.A. deste STA, em Acórdãos proferidos em 2º grau de jurisdição, na sequência de recursos jurisdicionais proferidos em 1º grau de jurisdição pela Secção, tem julgado extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, em questão prévia não antes conhecida, sem que deixe, por isso, de estar a julgar em 2º grau de jurisdição (cfr. Acórdãos do Pleno da Secção de C.A. deste STA de 25/3/2021, proferidos nos procs. 088/20 e 0122/20).

14. É, pois, de não conhecer, por inadmissibilidade legal, o presente recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente para este STA do Acórdão do TCAN de 7/1/2021, ficando, em consequência, prejudicado o conhecimento de todas as questões colocadas no recurso que pressuporiam a admissibilidade do mesmo, desde logo a alegada nulidade do Acórdão recorrido (por suposta usurpação da competência do TAF/Porto para decidir da questão prévia em causa ou por não ter apreciado todas as questões suscitadas nos recursos de agravo interpostos da sentença do TAF/Porto).

*

IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

Não conhecer, por inadmissibilidade legal, o presente recurso jurisdicional interposto para este STA do recorrido Acórdão proferido pelo TCAN em 7/1/2021.

Custas a cargo do Recorrente.

D.N.

Lisboa, 23 de junho de 2022. - Adriano Fraxnet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) – José Augusto Araújo Veloso - Maria do Céu Dias Rosa das Neves.