Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0226/17
Data do Acordão:03/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:GARANTIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
VALOR
REFORÇO DA GARANTIA
JUROS DE MORA
DÍVIDA FISCAL
Sumário:I - As alterações ao art.º 44.º da Lei Geral Tributária introduzidas pela Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro vieram estabelecer que: «Os juros de mora aplicáveis às dívidas tributárias são devidos até à data do pagamento da dívida». Tal disposição legal, atento o disposto no art.º 151º, nº2, da mesma lei, tem aplicação imediata em todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor.
II - Não houve qualquer alteração legislativa relativa à prestação de garantias para suspender a execução fiscal. Trata-se de questão inerente ao pagamento da prestação tributária definindo o seu valor total, sem que o legislador haja efectuado qualquer ligação entre o valor da prestação tributária acrescido da indemnização pela mora na sua arrecadação e o valor da garantia a prestar para suspender, ou impedir a instauração da execução para a sua cobrança coerciva enquanto se discute judicialmente a legalidade da liquidação.
III - Ao contrário do que ocorre em situações em que o executado foi isentado de prestar garantia, em que a isenção é válida, apenas por um ano, art.º 52.º n.º 5 da Lei Geral Tributária, a garantia uma vez prestada e considerada suficiente para determinar a suspensão da cobrança da dívida exequenda, mantem-se válida e eficaz, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 183.º do CPPT, até ao trânsito em julgado de decisão que vier a ser proferida no processo onde se discute a legalidade do acto de liquidação.
IV - O reforço da garantia prestada, só pode ser exigido no caso de a garantia se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida e acrescido, art.º 52.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária 169.º, n. 8, e 199.º, n.º 5 do Código de Processo e Procedimento Tributário;
V - O art.º 199.º, n.º 6, cujo texto é determinante para cálculo do valor da garantia a prestar não sofreu qualquer alteração pela determinação de que os juros de mora se vencem até à data em que for efectuado pagamento, nem expressa nem implicitamente.
VI - O acréscimo de 25% referidos no art.º 199.º do Código de Processo e Procedimento Tributário é uma forma abstracta de o estado se ver compensado dos juros de mora que se vão vencer enquanto se aguarda a decisão definitiva do pleito onde se discute a legalidade do acto de liquidação. É naturalmente uma solução de compromisso e não uma contabilização do que é devido exactamente, ponderando o risco para o estado e para o contribuinte de virem a decair na demanda.
VII - Não se tendo demonstrado, no caso concreto, que os bens oferecidos em garantia sofreram manifesta depreciação de molde a não garantirem o valor que a Administração Tributária, em devido tempo, fixou como necessário para a garantia adequada a suspender os termos da execução, a determinação de que seja reforçada a garantia por os juros de mora aplicáveis às dívidas tributárias terem passado a ser devidos até à data do pagamento da dívida, carece de fundamento legal.
(Sumário elaborado nos termos do disposto no artº 663º, nº 7 do Código de Processo Civil)
Nº Convencional:JSTA00070073
Nº do Documento:SA2201703150226
Data de Entrada:02/24/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:B............ - FUTEBOL, SAD
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:LGT ART52 ART44.
CPPT ART183 ART199 ART169 ART86.
L 10-B/96 ART55.
L 64-B/2011 ART151
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0430/16 DE 2016/04/27.; AC STA PROC0631/13 DE 2013/05/08.
Aditamento:
Texto Integral:
Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Tributário de Lisboa
. 18 de Outubro de 2016


Julgou procedente a reclamação e anulou o despacho reclamado.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A Representante da Fazenda Pública, veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo n° 2590/16.7BELRS de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, deduzida por “A…………, SA.”, actualmente “B………… - FUTEBOL SAD., contra o despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 11, de 26 de Agosto de 2015, que, no âmbito do processo de execução fiscal n° 23344200901015028, lhe ordenou o reforço da garantia prestada, no valor de € 213 000,09, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

I. O presente recurso visa a decisão proferida no processo em referência, que julgou procedente a presente reclamação, e com a qual não concordamos.

II. Especificando, a questão que carece de decisão, objecto do presente recurso, é a de saber se, enquanto se aguarda a decisão definitiva do pleito, deve ser exigido reforço da garantia, com vista a manter a suspensão dos autos, quando o valor da dívida exequenda passou a ser superior ao valor da garantia inicialmente prestada, devido a juros de mora entretanto vencidos e ao apuramento de custas, ou se, pelo contrário, o reforço da garantia se deve limitar apenas aos casos em que se verifique uma depreciação substancial dos bens dados como garantia.

III. «Ora, na sentença em causa optou-se por responder à questão com o segundo segmento do ponto anterior, anulando o acto de determinação do reforço da garantia prestada, pelo facto da AT não ter demonstrado, no caso concreto, que os bens oferecidos sofreram manifesta depreciação de molde a não garantirem o valor fixado, em devido tempo, como necessário para a garantia adequada a suspender a execução.

IV. A Representação da Fazenda Pública não se conforma com o referido teor da decisão em apreço, pelas razões que se seguem:

V. Sobre a matéria em causa é de referir o disposto no n° 8 do art. 169° do CPPT:
“8.- Quando a garantia constituída nos termos do artigo 195.°, ou prestada nos termos do artigo 199.º, se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução.”

VI. Este preceito legal pressupõe a existência de uma garantia inicialmente constituída (“garantia constituída nos termos do artigo 195.°, ou prestada nos termos do artigo 199.°,”) que com o decurso do tempo poderá se tornar insuficiente e por essa razão necessitar de ser reforçada para voltar a garantir a totalidade da dívida exequenda e acrescido.

VII. Assim sendo, a lei prevê a possibilidade de tal garantia sofrer alterações, nomeadamente nos casos de a garantia se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida e acrescido, tornando-se necessário o reforço da garantia (cfr. Artigos 52°, n°3 da LGT, 169°, n°3 e 199°, n°5 do CPPT)

VIII. Com relevância para o caso concreto, importa aqui também referir o teor do citado n° 5 do art. 199° do CPPT: “No caso da garantia apresentada se tornar insuficiente, a mesma deve ser reforçada nos termos das normas previstas neste artigo.”

IX. A lei prevê igualmente que se notifique a executada dando a conhecer essa insuficiência e para uma nova obrigação que é a “de reforço ou prestação de nova garantia idónea” e da respectiva consequência jurídica do seu não cumprimento que é a “de ser levantada a suspensão da execução”.

X. E percebe-se bem a razão de ser da necessidade de haver notificação, pois o executado está a contar legitimamente que a execução fiscal se mantenha suspensa até “à decisão do pleito” (n° 1 do art. 169.° do CPPT), e por conseguinte se há uma alteração superveniente da suficiência da garantia prestada, então, deve-lhe ser assegurado a oportunidade de reagir judicialmente contra essa decisão de insuficiência, bem como o conhecimento da nova obrigação que sobre si impende “obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea”, pois o não cumprimento têm consequências gravosas na sua esfera jurídica, designadamente o levantamento da suspensão da execução fiscal de que já beneficiava.

XI. Assim é nos casos em que a garantia se torne “manifestamente insuficiente para o pagamento dívida exequenda e acrescido” que a Administração Tributária poderá exigir ao executado o reforço garantia (cfr. art. 52.° n.° 3 da LGT), e nesse caso terá de seguir o estatuído no n.° 8 do art. 169º CPPT.

XII. In casu, o cálculo inicial de garantia a prestar, efectuado nos termos do n° 6 do art. 199° do CPPT, acréscimo de 25%, perfaz um total de € 793.322,06, tendo a Reclamante efectuado a prestação de duas garantias bancárias no valor de €396 661,03 cada e um depósito caução de €22.98.

XIII. O Serviço de Finanças, em 30-03-2016, verificando que o valor da dívida actual é superior ao valor global das garantias apresentadas, notificou a executada A…………, SA., para, no prazo de 15 dias, reforçar a garantia no valor de €213.000,09, de acordo com o disposto no artigo 199°, do CPPT.

XIV. A fundamentação da sentença em causa para anular o acto de determinação do reforço da garantia reside no facto da AT não ter demonstrado, no caso concreto, que os bens oferecidos sofreram depreciação de molde a não garantirem o valor fixado, em devido tempo, como necessário para adequada a suspender a execução.

XV. Ora, como se referiu inicialmente, a questão em apreço nestes autos não está na diminuição do valor das garantias bancárias anteriormente prestadas, aliás, como muito bem refere a douta sentença, "as garantias bancárias e depósito caução, pela sua natureza não sofrem qualquer diminuição de valor, pelo que se mantêm constantes no tempo a garantir a dívida exequenda inicialmente apurada".

XVI. O que está aqui em causa é a insuficiência da garantia já prestada e necessidade de prestar um reforço de modo a cobrir o montante resultante da actualização dos juros de mora, conforme preceituado no n.° 5 do artigo 199° do CPPT.

XVII. Pelo que foi exigido, somente a diferença entre o valor das garantias já prestadas e que se mantém válida (no valor de € 793322,06) e o acréscimo do valor de juros que se impunha actualizar e reforçar para efeitos de manutenção da suspensão do processo executivo (€211000,09).

XVIII. Estes são efectivamente os factos que carecem de decisão e que o despacho reclamado sua fundamentação: “o valor da dívida actual (€805.076,10) é superior ao valor global das prestadas”.

XIX. Facto, aliás, considerado provado pela sentença

XX. Sendo a obtenção de receita fiscal uma das incumbências da AT decorrente de um imperativo constitucional previsto no art. 103° da CRP, o qual prescreve no seu n.º 1 que: “o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas…”, pois de outra forma não se poderá assegurar “… uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”, a que acresce a indisponibilidade do crédito tributário, não podendo ser concedidas moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos estipulados por Lei como decorre do art. 36°, n.º 3 da Lei Geral Tributária e do art.85°, n.º 3 do CPPT;

XXI. Desta forma, com o reforço da garantia pretende-se assegurar o pagamento da dívida tributária, visto que a execução fiscal se encontra suspensa na sequência da impugnação judicial apresentada pelo contribuinte.

XXII. Face ao exposto ao exposto não se vislumbra qualquer ilegalidade na actuação do Serviço de Finanças ao ter ordenado o reforço da garantia. (cfr. Artigos 52°, n° 3 da Lei Geral Tributária, 169º, n. 8 e 119, nº 5 do CPPT).

XXIII. Pelo que a douta sentença proferida pelo Mm°. Juiz a quo fez, a nosso ver, uma incorrecta interpretação dos factos e das normas legis e da ratio legis que a fundamenta, incorrendo em erro de julgamento, devendo, por esse motivo ser revogada, mantendo-se a decisão

Foram apresentadas contra-alegações, onde a entidade executada requer que o presente recurso seja julgado totalmente improcedente, com a consequente anulação do Despacho que exigiu o reforço em €213.000,09 das garantias prestadas para suspender a execução fiscal.

O Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso.

O Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

A decisão recorrida fixou os seguintes factos relevantes para a decisão:

A. Em 25.03.2009 foi instaurado o processo de execução fiscal n.23344200901015028, com base na certidão de dívida n.º 2009/93600, no montante de € 622.027,06, (cf fls. 2 e 3 verso do PEF junto aos autos)

B. Em 31.03.2009 a reclamante foi notificada do valor da garantia a prestar, no montante de €793.322,06, conforme ofício oriundo do serviço de finanças de Lisboa-11, n.º 2260 de 27.03.2009; (cf fls. 10 a 12 verso do PEF junto aos autos)

C. A reclamante apresentou duas garantias bancárias, n.° 125-02-154699 de 28.05.2016 do BCP, pelo montante de €396.661,03 e n.º 00350882 de 29.05.2009 do BES, pelo montante de €396.661,03; (cfr docs. 5 e 6 junto aos autos)

D. Por informação de fls. 37 e 40 do PEF apenso foi apurado um valor de €6.428,70, relativo a custas do processo, tendo a reclamante sido notificada e pago a garantia de €22,98 por depósito caução, em 18.10.2011;

E. Do indeferimento da reclamação graciosa, por despacho de 25.09.2009, reclamante deduziu recurso hierárquico, tendo o mesmo sido igualmente indeferido, por despacho de 05.01.2010; (cfr fls. 40 e 40 verso do PEF junto aos autos)

F. Do indeferimento do recurso hierárquico a executada apresentou, em 07.01.2011, impugnação judicial da liquidação de IVA, relativa ao ano 2005 que corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.º 141/11.9BELRS;(cf. fls. 50 dos autos)


Questões objecto de recurso

1. Reforço das garantias prestadas.

A recorrente invoca o erro de julgamento da sentença individualizando o seguinte thema decidendum: «saber se, enquanto se aguarda a decisão definitiva do pleito, deve ser exigido reforço da garantia, com vista a manter a suspensão dos autos, quando o valor da dívida exequenda passou a ser superior ao valor da garantia inicialmente prestada, devido a juros de mora entretanto vencidos e ao apuramento de custas, ou se, pelo contrário, o reforço da garantia se deve limitar apenas aos casos em que se verifique uma depreciação substancial dos bens dados como garantia».
A sentença recorrida entendeu que a simples circunstância de os juros de mora terem atingido valor superior ao tido em conta para cálculo do valor da garantia não preenche o requisito de depreciação substancial dos bens dados como garantia imprescindível para que o reforço daquela possa ser exigido. Fê-lo aderindo completamente à análise sobre a mesma questão suscitada no processo n.º 430/16 de 27.04.2016, disponível em www.dgsi.pt, de que fomos relatora, sem que neste processo se aportem melhores ou diversos argumentos dos analisados naquele, que, de qualquer modo possam conduzir a um diverso entendimento. Nessa medida, e por economia de meios, passamos a reafirmar aqui, tudo quanto ali analisamos:

A reclamante em 2009 prestou duas garantias bancárias para suspensão dos termos da execução fiscal n.º 3344200901015028. No âmbito deste processo, e enquanto se encontra pendente impugnação judicial do acto de liquidação que deu origem ao montante exequendo a executada foi notificada para proceder ao reforço da garantia no valor de €213000,09, dado o valor dos juros de mora entretanto decorridos, estes no valor de €176.620,34.
Entende a recorrente que assim deve ser, porque o valor dos juros de mora já vencidos excede o valor deles utilizado para cálculo do valor das garantias prestadas.
A garantia prestada em 2009, calculada à data tendo em conta os preceitos legais aplicáveis, suspende, nos termos do disposto no art.º 52.º da Lei Geral Tributária a cobrança da prestação tributária em virtude da impugnação do acto de liquidação interposta. Tal suspensão de cobrança depende da prestação da garantia idónea no termos da lei tributária, art.º 52.º, n. 2 da Lei Geral Tributária que foi prestada neste caso e considerada idónea e suficiente para o efeito pela Administração Tributária, em 2009.
Ao contrário do que ocorre em situações em que o executado foi isentado de prestar garantia, em que a isenção é válida, apenas por um ano, art.º 52.º n.º 5 da Lei Geral Tributária, a garantia prestada mantem-se válida e eficaz para determinar a suspensão da cobrança da dívida exequenda, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 183.º do CPPT «até ao trânsito em julgado de decisão favorável ao garantido, salvo no caso de pagamento, só podendo ser levantada (oficiosamente ou a requerimento de quem a haja prestado) após esse trânsito ou após pagamento», como analisado no ac. deste Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo 0631/13, de 08-05-2013, disponível em www.dgsi.pt.
A lei prevê, contudo, a possibilidade de tal garantia sofrer alterações no Capítulo V – Garantia da prestação Tributária – do Título II – Da relação Jurídica tributária - da Lei Geral Tributária. Tal alteração pode ocorrer quando:
1. seja necessário o reforço da garantia prestada, em caso de a garantia se tornar manifestamente insuficiente para o pagamento da dívida e acrescido, art.º 52.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária 169.º, n. 8, e 199.º, n.º 5 do Código de Processo e Procedimento Tributário;
2. seja solicitado pelo executado a substituição da garantia, em caso de provado interesse do executado na substituição desacompanhado de prejuízo para o credor tributário, art.º 52.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária;
3. podendo, ainda ser reduzida, nos casos previstos no n.º 8 do art.º 52.º da Lei Geral Tributária, 199.º, n.º 11 do Código de Processo e Procedimento Tributário.

Há em todo este regime uma enorme sintonia dos termos e procedimentos constantes do art.º 52.º da Lei Geral Tributária e 199.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, tendo este último artigo sido desenhado para a prestação de garantia em situações é que é requerido o pagamento em prestações da dívida exequenda. Ainda que o n.º 5 do art.º 199.º do Código de Processo e Procedimento Tributário pudesse indicar que qualquer insuficiência da garantia prestada poderia determinar o seu reforço, o seu n.º 10 e o art.º 52.º da Lei Geral Tributária indicam que a insuficiência a registar tem que ser manifesta, e só pode ocorrer em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia.

Mas como e quando se define o valor da garantia?
Nos termos do disposto no art.º 199.º, n.º 6 ela corresponde ao somatório do valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário, ou à data do pedido de prestação de garantia, quando posterior, com limite de cinco anos, custas na totalidade e acréscimo de 25% da soma daqueles valores, diz o preceito «sem prejuízo do disposto no art.º 169.º, n. 13» onde se estabelece que o valor da garantia é o que consta da citação se ela for apresentada nos 30 dias seguintes.
Assim, dos vários preceitos analisados resulta que o valor da garantia a prestar para obter a suspensão do processo de execução quando, como aqui ocorreu, for instaurada impugnação do acto de liquidação que deu origem ao montante exequendo há-de ser estabelecido ou no momento da citação ou no momento em que o executado se apresente a solicitar a sua prestação.
Como resulta dos autos está completamente afastada a verificação de insuficiência da garantia por depreciação dos bens por se tratar de garantia bancária.
Mas a Administração Tributária menciona que não foram os bens que se depreciaram, foi a dívida exequenda que cresceu porque os juros de mora passaram a ser devidos até à data de pagamento do montante exequendo, quando na altura em que foi calculado o valor da garantia a prestar o art.º 44.º da Lei Geral Tributária tinha um limite temporal para o seu cômputo.
Não há dúvida que o art.º 44.º da Lei Geral Tributária foi alterado e que actualmente os juros de mora se contam até à data do pagamento da dívida tributária, mas isso comporta qualquer alteração para a determinação do valor da garantia a prestar para obter a suspensão da execução na pendência de impugnação do acto de liquidação?
Valerá a pena fazer uma análise do que se mudou quanto aos juros de mora.
O regime dos juros de mora das dívidas ao Estado aos seus serviços ou organismos autónomos e às autarquias locais, provenientes de contribuições, impostos, taxas, etc., constante do Decreto-Lei n.º 49.168, de 5 de Agosto de 1969, obteve uma significativa alteração com a entrada em vigor em 01.05.1999 do Dec-Lei n.º 73/99, de 16 de Março que no seu preâmbulo exprime as razões que levaram a tais alterações, de que destacamos o seguinte:
«A taxa dos juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas foi objecto de significativa redução por força do artigo 55.º da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março (…)
A experiência vem mostrando que este tratamento menos gravoso não se traduziu num aumento do número e dimensão das situações de incumprimento, antes veio facilitar a recuperação de atrasos de pagamento determinados por razões meramente conjunturais, sendo portanto de manter o sentido da evolução legislativa através da fixação de uma taxa de 1% ao mês, nível que, embora inferior a taxas aplicadas pelo mercado a situações de mora, se tem por adequadamente dissuasor do recurso do financiamento de agentes económicos através do incumprimento de obrigações perante entidades públicas.
Com carácter inovador, e tendo em conta a necessidade de garantir adequadamente os créditos do Estado e de outras entidades públicas em situações que afectem a continuidade da actividade económica do devedor, o diploma cria um incentivo à constituição de garantias reais por iniciativa ou com a colaboração dos devedores, ou de garantias bancárias, traduzido numa redução da taxa de juros de mora a metade.»
Tal regime apresentava absoluta consonância com o disposto nos artigos 44.º n.º 1 da LGT e 86.º n.º 1 do CPPT, uma vez decorrido o prazo legal de pagamento da dívida tributária começavam a vencer-se juros de mora – precisamente destinados a compensar o credor pelo atraso (mora) no cumprimento-, estando a contagem de juros de mora, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 44.º da LGT limitada a um prazo máximo de três ou cinco anos, conforme houvesse, ou não, pagamento em prestações.
As alterações ao art.º 44.º da Lei Geral Tributária introduzidas pela Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro vieram estabelecer que:
Os juros de mora aplicáveis às dívidas tributárias são devidos até à data do pagamento da dívida.
Acresce que o artigo 151º, nº2, da Lei nº 64-B/2011, de 30/12 estabeleceu que:
«A nova Redação do n.º 2 do artigo 44.º da LGT tem aplicação imediata em todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da entrada em vigor da presente lei. Os juros devidos ao abrigo da nova Redação do nº 2 do artº 44 da LGT, nos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e nas decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente, só se aplicam ao período decorrido a partir da entrada em vigor da presente lei.».
Tal significa que a Lei Geral Tributária na redacção anterior à que lhe foi introduzida pela Lei do Orçamento de Estado de 2012 encurtou o prazo de liquidação de juros de mora sobre as dívidas tributárias, relativamente ao prazo de vencimentos de juros de mora sobre outras dívidas ao Estado, tendo aquela lei adoptado sentido inverso e colocado as dívidas tributárias numa situação diversa das demais dívidas ao estado, no que aos juros de mora diz respeito.
A Administração Tributária pretende que esta alteração que anulou o limite temporal da contabilização dos juros de mora tem como consequência que as garantias prestadas devem ser continuamente reavaliadas de molde a continuamente verem assegurado o pagamento dos juros de mora que entretanto se vencerem.
Não houve qualquer alteração legislativa relativa à prestação de garantias para suspender a execução fiscal. O que se verifica é que o legislador que no cômputo global da dívida exequenda, tendo no passado autolimitado a contagem dos juros de mora, retirou qualquer limite, sendo actualmente a dívida tributária, no caso de, finda a impugnação do acto de liquidação, vir a mostrar-se exigível, então ela fará exigível, também a obrigação de indemnização ao estado pelo atraso que sofreu na arrecadação de tal receita, sem qualquer limitação, a par do que ocorre com qualquer credor civil.
Trata-se de questão inerente ao pagamento da prestação tributária definindo o seu valor total, sem que o legislador haja efectuado qualquer ligação entre o valor da prestação tributária acrescido da indemnização pela mora na sua arrecadação e o valor da garantia a prestar para suspender, ou impedir a instauração da execução para a sua cobrança coerciva enquanto se discute judicialmente a legalidade da liquidação, esta, questão bem diversa daqueloutra primeiro indicada.
Sempre ocorreu, mesmo com a limitação dos juros de mora a três ou a cinco anos que, caso a decisão judicial com trânsito em julgado viesse a ser proferida 10 ou mais anos após a liquidação que o valor da garantia prestada fosse excedido pelo valor total da dívida tributária e dos juros de mora que viessem a ser exigíveis. Basta pensar, por exemplo num acto de liquidação que fosse objecto de impugnação durante o prazo de pagamento voluntário ou mesmo no primeiro dia imediato a esse prazo. Para a determinação do valor da garantia, se o pedido da sua fixação houvesse sido apresentado dentro do prazo de pagamento voluntário, haveriam de contabilizar-se zero euros de juros de mora e a garantia seria prestada pelo valor da dívida tributária acrescida de 25% desse valor, já que antes de instaurada a execução não haveria custas a considerar. Tal valor seria pelo menos as mais das vezes inferior ao da dívida e juros de mora de três anos que viriam a ser exigidos se a decisão com trânsito em julgado que julgasse improcedente a impugnação fosse proferida dentro do limite desses três anos subsequentes ao termo do prazo de pagamento voluntário, coisa, aliás deveras improvável face ao tempo médio de decisão, só em 1.ª instância de uma acção de impugnação do acto de liquidação. Todavia, mesmo a Administração Tributária considerava, então, que sem se verificar substancial depreciação dos bens dados de garantia, nenhum reforço da garantia seria exigido. Actualmente considera que deve ser exigido esse reforço porque os juros devidos a final serão superiores aos tidos em conta ao calcular a garantia, mas sendo verdade que provavelmente serão superiores, não há fundamento legal para alterar o valor da garantia.
Disso é mesmo um indicador persistente o disposto no art.º 169.º, n.º 13 e 199.º n.º 6, ambos do Código de Processo e Procedimento Tributário que referem que o valor da garantia, é o que consta da citação, assim mantendo a Administração Tributária vinculada aos cálculos que dela efectuou quando citou o executado.
O acréscimo de 25% referidos no art.º 199.º do Código de Processo e Procedimento Tributário é uma forma abstracta de o estado se ver compensado dos juros de mora que entretanto se vão vencer enquanto se aguarda a decisão definitiva do pleito onde se discute a legalidade do acto de liquidação. É naturalmente uma solução de compromisso e não uma contabilização do que é devido exactamente, ponderando o risco para o estado e para o contribuinte de virem a decair na demanda.
O art.º 199.º, n.º 6, cujo texto é determinante para cálculo do valor da garantia a prestar não sofreu qualquer alteração pela determinação de que os juros de mora se vencem até à data em que for efectuado pagamento, nem expressa nem implicitamente. Vigente na ordem jurídica não pode a sua aplicação ser derrogada por qualquer interpretação extensiva das consequências a retirar de um outro mecanismo legal.
Para além de carecer de qualquer suporte legal, é muito frágil e confusa a construção tecida pela Administração Tributária que nos levaria a constantes reforços das garantias prestadas, que impõe interpretar «à data do pedido» constante do art.º 199.º, n.º 6 do Código de Processo e Procedimento Tributário, inquestionavelmente referido a pedido de prestação da garantia formulado pelo contribuinte, como idêntico ao «pedido» formulado pela Administração Tributária para si mesma, para dentro dos seus serviços de recalcular o valor das garantias prestadas no seguimento de instruções internas. Do mesmo modo que mantendo a limitação de cálculo dos juros de mora aos cinco anos que antecedem esta reapreciação, vai deslocando esses cinco anos para o futuro, cada vez que vá calcular o valor de novo.
Tal enunciado procedimento redundaria num constante reapreciar do valor garantido, com absorção de recursos financeiros e humanos e introdução de elevados níveis de incerteza no estado das execuções fiscais o que, inevitavelmente, dado o contexto socioeconómico do país levaria a por termo à suspensão de muitas execuções fiscais, com a venda de bens dos executados, provavelmente por valores inferiores aos reais dada a pressão da oferta sobre o mercado, mais insolvências, menos arrecadação da receita fiscal, para já não pensar nas acções de indemnização propostas contra o estado que se seguiriam quando as impugnações viessem a ser julgadas procedentes.
Mas não são, neste momento as consequências económicas e financeiras de tal procedimento que hão-de ser ponderadas, porque não há, na lei tributária vigente assento legal para tal procedimento.
Não se tendo demonstrado, no caso concreto, que os bens oferecidos em garantia sofreram manifesta depreciação de molde a não garantirem o valor que a Administração Tributária em devido tempo fixou como necessário para a garantia adequada a suspender os termos da execução, a determinação de que seja reforçada a garantia carece de fundamento legal, pelo que bem andou a sentença recorrida quando revogou o despacho reclamado, por ilegalidade.

Deliberação
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art. 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 15 de Março de 2017. – Ana Paula Lobo (relatora) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.