Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01088/19.6BELSB
Data do Acordão:07/02/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:PEDIDO
PROTECÇÃO INTERNACIONAL
ADMISSIBILIDADE
Sumário:Não sendo demonstrada a existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes num determinado Estado-Membro (nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013), e não sendo possível concluir que, independentemente da existência de uma forte pressão migratória que se constata existir nesse específico Estado-Membro, o requerente de protecção internacional tenha sido e/ou vá ser objecto de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não há motivo para admitir o pedido e para não proceder à transferência do requerente de asilo.
Nº Convencional:JSTA000P26184
Nº do Documento:SA12020070201088/19
Data de Entrada:05/21/2020
Recorrente:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Recorrido 1:A................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. Ministério da Administração Interna (MAI), devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso do acórdão do TCAS, de 30.01.2020, que, por maioria, decidiu “negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida na parte em que procedeu à anulação da decisão impugnada com base no défice de instrução e na condenação à reinstrução do pedido de proteção internacional”.

Na origem do recurso interposto para o TCAS esteve uma decisão do TAC de Lisboa, de 29.09.2019, que condenou o SEF:

I. A reconstruir o procedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional apresentado pelo A., procedendo à sua instrução com informação, obtida junto de fontes identificadas supra ou outras, para efeitos de determinar se se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação do § 2.º do n.º 2 do art. 3.º do Regulamento Dublin relativamente à prefigurada transferência do A. para Itália;

II. Após, a ouvir o A. sobre a concreta aplicação do § 2.º do n.º 2 do art. 3.º do Reg. Dublin;

III. A apreciar as informações coligidas e o relato do A. e decidir o pedido de protecção internacional em apreço, de acordo com os critérios decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme exposto”.

2. O R., ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 96v. e ss.):

“1ª - Resulta evidente que o tribunal ad quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais vigentes em matéria de asilo, mormente no que respeita ao mecanismo de retoma a cargo, ao qual a Itália está vinculada.

2ª - Revela-se, pois, imprescindível a admissão do presente recurso de revista atenta a clara necessidade de melhor aplicação do Direito, face ao entendimento sustentado nos vereditos a quo.

3ª - É evidente que o Acórdão escrutinado na sua ponderação e julgamento do caso sub judice, e refutando a decisão do recorrente, não deu cumprimento às normas legais e não se coaduna com as normas legais vigentes em matéria de asilo acima referenciadas.

4ª - Está in casu, em causa o abalo na confiança jurídica, corolário do princípio da certeza e segurança que se impõe a um estado de direito, também, e sobretudo, na aplicação da justiça.

5ª - Como outrossim e diretamente o princípio da legalidade.

6ª - De harmonia com o art.º 18º nº 1 al. d) do Regulamento (EU) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 junho, e o art.º 37º, nº 1 da Lei de Asilo, o ora recorrente procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo art.º 36º e seguintes da lei nº 27/2008, de 30 de Junho (Lei de Asilo) tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 27/07/2018, um pedido de retoma a cargo às autoridades italianas, o qual foi tacitamente aceite, atento o estatuído no nº 2 do art.º 25º do Regulamento Dublin.

7ª - Consequentemente e vinculadamente, por despacho do diretor nacional do ora recorrente proferido aos 23/08/2018, nos termos dos arts. 19º A, nº 1 a) e 37º nº 2 da citada Lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Itália, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional nos termos do citado Regulamento, motivo pelo qual o Estado Português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos do art.º 29º e 30º do regulamento Dublin.

8ª - O ora recorrente deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertence à Itália : cfr. art.º 13º, nº 2 do citado Regulamento (EU) 604/2013 e art.º 37º, nº 1 da lei nº 27/2008 (Lei de Asilo), impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o ato de inadmissibilidade e de transferência.

9ª - “Estamos, portanto, perante um ato estritamente vinculado, sendo que a validade dos atos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto de direito fixados por lei, ou seja, pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei (...) é a própria Lei 27/2008, de 30 de junho, que no seu artigo 37º, nº 2, lhe impunha a atuação levada a efeito” (cf. Acórdão do TCA Sul de 19/01/2012, proc. nº 08319/11).

10ª - A alegação do requerente, desacompanhada da apresentação de um mínimo de elementos objetivos, é insuficiente para considerar demonstrada a existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo italiano que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, ou que, dadas as particulares condições do A. a transferência implica um risco sério e verosímil de exposição do A. a um tratamento contrário ao artigo 4º da CDFUE.

11ª - Nos presentes autos inexiste qualquer indício que permita concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo italiano, único óbice para que Portugal não proferisse a decisão o de transferência ora impugnada.

12ª - Com efeito, relativamente às condições de acolhimento no Estado-Membro responsável, a Itália encontra-se vinculada pela Diretiva 2013/33/EU, do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho de 2013, a qual estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional.

13ª - Em conformidade com a confiança mútua entre os Estados-Membros no âmbito do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA), existe uma forte presunção que as condições materiais de acolhimento a favor dos requerentes de proteção internacional nesses Estados-Membros serão adequadas, com respeito pelo Direito da união e pelos direitos fundamentais.

14ª - Ao contrário do pugnado pelo douto acórdão recorrido, o procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertence à Itália) antecede e fundamenta que o pedido apresentado seja considerado inadmissível e seja determinada a transferência da análise do pedido.

15ª - Contrariamente ao que o douto acórdão refere, ao ora recorrente não restava outra solução que não fosse propalar a competente decisão de inadmissibilidade e de transferência, a qual não padece de qualquer vício de facto ou de direito.

16ª - Estabelece o art.º 3º, nº 2, do regulamento 604/2103, que, "Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do art.º 4º da carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável”.

17ª - Estabelece o arº 17º, nº 1, do referido regulamento que “Em derrogação do artigo 3º, nº 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento”.

18ª - E nos termos do art.º 4º da CDFUE “Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas, desumanos ou degradantes”.

19ª - O douto Acórdão recorrido ao considerar a ação procedente e condenar o ora Recorrente no dever de reconstruir o procedimento, instruindo-o com informação atualizada sobre as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália, de molde a aferir se no caso concreto o aqui Recorrido tem enquadramento na previsão do artigo 3º, nº 2, 2º parágrafo do Regulamento, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do Estado-Membro responsável, em conformidade com o regulamento (EU) que o hospeda.

20ª - Ora, no âmbito do Procedimento Especial previsto no Capítulo IV da Lei de Asilo (artigos 36º a 40º) relativo à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido, na medida em que não se vai analisar o mérito do pedido nem os fundamentos em que se baseiam a pretensão do requerente, não se impõe à Administração que adotasse quaisquer outras diligências de prova ou de instrução do pedido, ao contrário do invocado pelo douto acórdão ora recorrido.

21ª - Nos elementos constantes nos autos, inexistem quaisquer indícios que permitam concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo e nas Condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante, ou que dadas as particulares condições do requerente, a transferência implique um risco sério e verosímil de exposição a um tratamento contrário ao art.º 4º da CDFUE, nem risco objetivo direto ou indireto) de reenvio para o país de origem, para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada, motivos esses que o requerente não invocou quando efetuou o pedido de Proteção Internacional.

22ª - Nessa linha, veja-se as sentenças proferidas pela 4ª U.O no Proc. nº 1843/19.7 BELSB e pela 3ª U.O no Proc.2115/19.2 BELSB e, sobretudo, a Sentença proferida pelo TACL, no processo 1741/18.1BELSB; o Acórdão do TCA Sul de 10/01/19 proferido no Proc. n° 1353/18.0BELSB, o Acórdão do TCA Sul de 21/02/2019 proferido no Proc. n° 1740/18.3BELSB, os Acórdãos do TCA Sul de 26/09/2019 proferidos nos Procs. n°s 743/19.5BELSB e 559/19.9BELSB, o Acórdão do TCA Sul de 21/11/2019 proferido no proc. 1258/19.7BELSB e o Acórdão do TCA Sul de 30/12/2019 proferido no proc. 1258/19.7BELSB e o Acórdão do TCA Sul de 30/12/2019 proferido no proc. 1361 /19.7BELSB.

23ª - Não menos importante veja-se também a douta argumentação proferida no Acórdão recorrido, pelo digníssimo desembargador que votando contra a posição do coletivo, teve por referência o acórdão de 10.12.2019, proc.º n.º 1383/19.4BELSB, no qual foi relator, e no qual entendeu então o seguinte:

de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da união Europeia, quando órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso de uma decisão de transferência ou de uma decisão que declara um novo pedido de proteção internacional inadmissível dispõe de elementos apresentados pelo requerente para demonstrar a existência do risco de um trato desumano ou degradante no outro Estado-Membro, esse órgão jurisdicional deve apreciar a existência de deficiências sistémicas ou generalizadas ou que afetem certos grupos de pessoas. Contudo, tais deficiências só são contrárias à proibição de tratamento desumano ou degradante se tiverem um nível particularmente elevado de gravidade, que depende do conjunto dos dados da causa".

E a situação dos autos é, aliás, em tudo idêntica à tratada no recentíssimo acórdão do STA de 16.01.2020, proc. nº 2240/18.7BELSB, em que estava igualmente em questão a retoma a cargo pelo Estado Italiano. Nesse acórdão concluiu-se:

I - Apenas em casos devidamente justificados, ou seja, naqueles casos em que existem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes e que tais falhas implicam o risco de tratamento desumano ou degradante, nomeadamente por envolver tortura, é que se impõe ao Estado em causa diligenciar pela obtenção de informação atualizada acerca da existência de risco de o requente ser sujeito a esse tipo de tratamentos.

II - A imigração ilegal, que ocorre por muitos e variados motivos, visando todos eles a melhoria das condições de vida do imigrante, não se pode confundir simplesmente com a situação do refugiado. Este, que em sentido amplo não deixa de ser imigrante, busca refúgio em país estrangeiro por recear, com razão, ser perseguido no seu país de origem em consequência de atividade por si exercida em favor da democracia, da liberdade social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, ou em virtude da sua raça, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social”.

Ou seja, a premissa de que parte o acórdão de que a decisão de transferência do requerente de proteção internacional para o primeiro Estado responsável tem como pressuposto a análise prévia de que nesse Estado não existem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado, salvo o devido respeito, não tem acolhimento na lei (ou pelo menos não o tem com o grau de injuntividade pretendido).

No caso concreto dos autos, face ao que vem evidenciado, nada mais se impunha ao SEF.

Nesse pressuposto, concederia provimento ao recurso, revogaria a sentença recorrida e julgaria a ação improcedente.

24ª - Nesse contexto, o Acórdão recorrido carece efetivamente de legalidade, porquanto, conforme precedentemente explanado, no estrito cumprimento do estatuído pelo direito vigente sobre a matéria, se lhe impunha considerar impoluto o ato Recorrente.

25ª - Ao invés, assim não atuou, razão pela qual ora se pugna pela revogação do douto Acórdão, atenta a correta interpretação e aplicação da Lei.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso, face à sua natureza excepcional, não ser admitido em sede de apreciação preliminar sumária (cf. art.º 150º nº 1 e 2 do CPTA) ou, se assim não for entendido, ser julgado improcedente, mantendo-se o Acórdão ora recorrido.

3. O recorrido, devidamente notificado, não apresentou contra-alegações que concluiu assim:

4. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 23.04.20, veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:

“(…)

Confrontado com a decisão do SEF que considerou inadmissível o seu pedido de protecção internacional e impôs a sua devolução a Itália – onde anteriormente formulara um pedido idêntico – o autor e aqui recorrido interpôs a acção dos autos para que se lhe deferisse o que solicitara tendo em conta que há deficiências ou falhas sistémicas nos procedimentos de asilo e nas genéricas condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional naquele país.

O TAC disse que o SEF, antes de considerar o pedido inadmissível, devia ter averiguado se as condições de acolhimento de refugiados em Itália são realmente satisfatórias, porquanto as informações vindas ultimamente a público sugerem o contrário. Donde concluiu que houve um défice de instrução, condenando a entidade demandada a reconstituir o procedimento mediante a colheita de informação sobre o funcionamento do sistema de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional em Itália.

E o TCA confirmou por inteiro essa decisão.

Na sua revista, o recorrente insurge-se contra o aresto «sub specie» por não haver qualquer indício de que em Itália ocorram aquelas «falhas sistémicas».

Ora, a posição das instâncias é manifestamente controversa. «Primo», porque a petição aludiu a essas «deficiências sistémicas» de um modo conclusivo, isto é, carente de decomposição factual – e isso parece comprometer o alegado. «Secundo», porque a argumentação do TAC e do TCA – que, da recusa italiana de receber imigrantes, infere deficiências nas condições de acolhimento de refugiados – parece enfermar de um «non sequitur». «Tertio», porque o STA já decidiu ao invés do aresto recorrido num caso semelhante («vide» o acórdão de 16/1/2020, proferido no proc. n.º 2240/18.7BELSB).

Assim, o sentido decisório perfilhado «in casu» suscita desconfianças. E importa eliminá-las, pois estamos perante uma pronúncia susceptível de facílima replicação. Donde a necessidade premente de se submeter o assunto à reanálise do Supremo”.

5. A Digna Magistrada do Ministério Público, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

6. Sem vistos legais, de harmonia com o disposto nos artigos 36.º do CPTA, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:


Resulta apurado nas instâncias o seguinte quadro factual:

1. A 4 de Outubro de 2016, o A. pediu protecção internacional e as suas impressões digitais foram registadas no sistema EURODAC, em Foggia, Itália, sob a referência IT1FG01….;

Cf. fingerprint form do EURODAC de fls. 3 do p.a. e auto de entrevista de fls. 20 e ss. do p.a.

2. Em 15 de Outubro de 2018, o A. pediu protecção internacional e as suas impressões digitais foram registadas no sistema EURODAC, em Heidelberg, na Alemanha, sob a referência DE11811015XXX00….;

Cf. fingerprint form do EURODAC de fls. 4 do p.a. e auto de entrevista de fls. 20 e ss. do p.a.

3. O A. pediu protecção internacional junto dos serviços do SEF, em Lisboa, no dia 15 de Abril de 2019, junto dos quais declarou, na mesma altura, ser A…………, ser nacional da Guiné-Bissau e ter nascido a 13 de Janeiro de …… em Bissau;

Cf. questionário preliminar de fls. 5 e ss. do p.a. e declaração comprovativa de apresentação do pedido de fls. 14 do p.a., e o fingerprint form do EURODAC de fls. 1 do p.a.

4. Aquando do pedido formulado em Portugal, foram recolhidas as impressões digitais do A. e registadas na base de dados do sistema EURODAC;

Idem.

5. Em 8 de Maio de 2019, o A. foi entrevistado, no procedimento em causa, nos serviços do GAR do SEF, tendo-lhe sido feita, pelos serviços do SEF, menção ao Regulamento Dublin, de este estabelece os critérios e mecanismo de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de protecção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de país terceiro ou apátrida, de que apenas um Estado-Membro é responsável pela análise do pedido, e de que o pedido do A. seria sujeito a um procedimento especial de admissibilidade;

Cf. auto de entrevista transcrição a fls. 34 e ss. do p.a.

6. Na entrevista aludida no ponto anterior, o A., perguntado sobre a duração da estadia em cada um dos países onde havia registos no EURODAC, disse, quanto ao registo aludido acima no ponto 1., que a sua estadia havia durado 2 anos e cinco meses, e, quanto ao registo aludido supra no ponto 2., que a sua estadia havia durado 5 meses, e, perguntado sobre se o pedido de asilo anteriormente formulado se encontrava em análise ou havia sido recusado, disse que havia sido recusado;

Idem.

7. Perguntado, na mesma entrevista, sobre se estava de boa saúde, disse que sim, perguntado sobre se tinha problemas de saúde, disse que não;

Idem.

8. Perguntado na mesma entrevista sobre a data em que havia saído do seu país de origem, a Guiné-Bissau, disse que havia saído do mesmo em 2015, e, instado a descrever o percurso efectuado desde esse país até chegar a Portugal, o A. disse o seguinte:

«Sai da Guiné Bissau e viajei para o Mali, onde fiquei 3 meses, depois fui para o Níger onde. fiquei um mês e daí entrei na Líbia. Na Líbia fiquei mais ou menos 6 meses. Cheguei a Itália em Julho de 2016. Tirei as impressões digitais mas não pedi asilo. Estava num campo mas disseram que ia ser fechado. Sei que era dia 4 do mês de ramadão, no ano passado. Estive um mês na rua. Sai de Itália e fui à Alemanha para fazer o meu passaporte. Como não podia ficar a viver na rua pedi assim asilo e fiquei 5 meses a viver num campo. Saí da Alemanha com destino a Portugal. Viajei de comboio até frança onde fiquei preso dois dias. Daí segui viagem de autocarro primeiro para Espanha e depois Portugal. Demorei cerca de uma semana a fazer esta viagem. Cheguei a Lisboa no dia 14 de Abril de 2019.»;

Idem.

9. Findas as declarações, foi, de seguida, preenchido um formulário intitulado "Relatório" pelo SEF onde consta «De acordo com as declarações prestadas pelo requerente (...) e de acordo com as informações recolhidas, conclui-se que o mesmo», tendo-se no mesmo preenchido a quadrícula associada à seguinte situação «Apresentou pedido de proteção noutro país da União Europeia (REGULAMENTO (UE) N.º 604/2013 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 26 de junho de 2013 que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida - Artigo 18.º, n.º 1)»;

Cf. relatório a fls. 26 e 27 do p.a.

10. Ao A. foi dado conhecimento, no mesmo dia 8 de Maio de 2019, do "Relatório" referido no ponto anterior, ao que o A., quando instado a dizer se tinha algo mais a declarar, disse: «Não quero regressar a Itália porque passei lá muito mal. Lá não nos explicam as coisas, tiram logo as nossas impressões digitais. Quero ficar em Portugal porque desde o início foi o meu destino. Gosto deste país, mesmo sem falar a língua percebo algumas coisas.»;

Idem.

11. Os serviços do SEF, em 10 de Maio de 2019, autuaram o pedido do A. formulado em Portugal como "Processo de Determinação de Responsabilidade do Pedido de Protecção Internacional (Regulamento de Dublin) Retoma a cargo", atribuindo-lhe o n.º 00778/19;

Cf. Capa do processo de fls. 30 do p.a.

12. A 10 de Maio de 2019, foi remetido pelos serviços do SEF para as autoridades italianas, por e-mail, um designado pedido de retoma, respeitante ao pedido de protecção internacional do A. formulado em Portugal, onde se invoca a ocorrência registada sob o n.º IT1FGO1…., e a al. d) do n.º 1 do art. 18.° do Regulamento (UE) n.° 604/2013;

Cf. e-mail de fls. 31 e formulário de fls. 33 e ss do p.a.

13. No ponto 12. do pedido de retoma a cargo aludido no ponto anterior, sobre se o Requerente havia pedido protecção internacional ou reconhecimento de estatuto de refugiado, fez-se consignar que o A., havia formulado pedido, em 4 de Outubro de 2016, em Foggia, Itália, e que o pedido havia sido rejeitado, e no ponto 13. do mesmo, respeitante ao abandono do território do Estado-Membro, que o Requerente não havia deixado o território dos Estados-Membros;

Cf. formulário de fls. 33 e ss do p.a.

14. No dia 28 de Maio de 2019, os serviços do SEF remeteram, por e-mail, para as autoridades italianas, comunicação onde se consignou que era feita na sequência da comunicação de 10 de Maio de 2019, que o Estado-Membro deve responder ao pedido em duas semanas, invocou-se o art. 25.°, n.° 1 e 2, do Regulamento de Dublin, e concluiu-se que, considerando que não houve resposta das autoridades italianas, Portugal considerava que Itália tinha aceitado retomar a cargo o A.;

Cf. e-mail de fls. 36 e 37 do p.a.

15. A 28 de Maio de 2019, foi lavrada pelos serviços do SEF, a informação n.º 0948/GAR/2019, sobre o pedido de protecção internacional do A., onde se lê, entre o mais, o seguinte:

«9. A Lei n.º 27/08, de 30 de junho, (...) que estabelece as condições e procedimentos para a análise dos pedidos de proteção internacional e concessão do estatuto de refugiado ou proteção subsidiária, prevê na alínea a), do n.º 1 do artigo 19º-A que o pedido é considerado inadmissível quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção, previsto no Capítulo IV.

Ainda nos termos do n.º 2 do artigo 19-A, nos casos previstos no número anterior deste artigo, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.

10. O procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional encontra-se regulado no Capítulo IV, artigo 36º e seguintes da Lei n.° 27/08, de 30 de junho, (...), aplicando-se os apenas os procedimentos aqui previstos.

11. Tendo ocorrido uma situação de admissão tácita conforme ponto 7, impõe-se ao Estado português a tomada de decisão de transferência do requerente.

Pelo exposto, e tendo em consideração que os pedidos são analisados por um único Estado, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho de 26 de junho designarem como responsável, propõe-se que a Itália seja considerada o Estado responsável pela retoma a cargo, ao abrigo do artigo 25º, Nº 2 do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho de 26 de junho»;

Cf. informação de fls. 40 e ss. do p.a.

16. Sobre a informação mencionada e transcrita no ponto anterior, foi redigida, no mesmo dia 28 de Maio de 2019, proposta, com o seguinte teor: «Com base na presente informação, submete-se à consideração superior que, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19º - A, da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, (...) o pedido de proteção seja considerado inadmissível e se proceda à transferência para a Itália do (a) cidadão (ã) acima identificado (a), nos termos do artigo 25º, Nº 2 do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho, de 26 de junho.»;

Cf. Proposta de fls. 40 do p.a.

17. Ainda no mesmo dia 28 de Maio de 2019, foi exarada, no processo de protecção internacional do A., Decisão pelo Director Nacional Adjunto do SEF, com menção de que o fazia em suplência, por ausência da Directora Nacional, decisão onde consta, entre o mais, o seguinte:

«De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19º-A e no n.º 2 do artigo 37º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05 de maio, com base na informação n.º 0735/GAR/2019 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de protecção internacional apresentado pelo cidadão que se identificou como A…………, nacional da Guiné- Bissau, inadmissível.

Proceda-se à notificação do cidadão nos termos do artigo 37º, n. º 3, da Lei n.º 27/08 de 30 de junho (...), e à sua transferência, nos termos do artigo 38º do mesmo diploma, para a Itália, Estado Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional nos termos do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho»;

Cf. decisão de fls. 44 do p.a.

18. A decisão que se refere e parcialmente se transcreve no ponto anterior e a informação do SEF n.º 0948/GAR/2019 foram entregues e dadas a conhecer ao A. em 29 de Maio de 2019;

Cf. declaração assinada pelo A. de fls. 45 do p.a.

19. Em 14 de Agosto de 2019, o Gabinete Jurídico do CPR elaborou informação sobre as condições de acolhimento de requerentes de asilo e refugiados em Itália, informação onde se lê, entre o mais, o seguinte:

O sistema de asilo italiano tem vindo a ser amplamente analisado por várias organizações de direitos humanos, que reportam preocupantes opções legislativas e políticas das autoridades de Itália neste domínio, às quais se associa uma forte retórica racista e xenófoba.

'Para informações detalhadas sobre o funcionamento do sistema de asilo italiano, ver também o relatório da Asylum information Database-Itália, disponível em:

http://www.asylumineurope.org/reports/countly/italy

Sucintamente, a informação disponibilizada por organizações como o European Council for Refugees and Exiles (ECRE) e os Médicos sem Fronteiras (MSF), entre outras, revelam a existência de falhas sistémicas tanto no que respeita ao procedimento de asilo e garantias processuais, bem como na política de acolhimento dos requerentes de asilo. Entre as principais falhas, e conforme a informação recolhida e traduzida infra, contam-se:

• A degradação preocupante das condições de acolhimento de requerentes de asilo e beneficiários de protecção internacional e a existência de obstáculos significativos ao acesso a condições de acolhimento dignas (onde se incluem o acesso a cuidados de saúde, alojamento e medidas de integração);

• A limitação do escopo da protecção conferida;

• Os problemas no acesso efectivo ao procedimento de asilo;

• O alargamento dos períodos legais de detenção de requerentes de protecção internacional;

• Os riscos de violação do princípio do non-refoulement.

As insuficiências do sistema de asilo italiano, para além de reportadas por diversas fontes fidedignas, foram também já reconhecidas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, nomeadamente no caso Tarakhel c. Suíças, de 2014, devendo notar-se que a situação se tem degradado significativamente desde então (nomeadamente à luz do actual contexto político).

(…)

Nota-se que também órgãos jurisdicionais de vários Estados-Membros da União Europeia, entre os quais Alemanha, França, Luxemburgo, Holanda e Reino Unido, anularam já decisões de transferência ao abrigo do Regulamento Dublin para Itália à luz do referido contexto.

A este respeito ver, por exemplo as várias publicações disponíveis na página da European Data base of Asylum Law (EDAL): hups://www.asylumlawdatabase.euien/content/germany-%E212°/080%93- augsburg-administrative-court-rules-case-dublin-transfer-pregnant-asylum-seeker;https://www.asylumlawdatabase.eu/en/case-lawftance-administrative-tribunal-toulouse-9-november-2018-n%C2%B0-1805185#content;

hutts://www.asylumlawdatabase.eu/sIdcase-law/france-%E2%80%93-rennesadministrative-tribunal-5-januaty-2018-application-no-1705747;

https://mvw.asylumlaivdatabase.euien/content/luxembourg-%E2%80%93-administrative-tribunal-stopsdublin-transfer-asylum-seeker-italy-due-counny%E2%80O99s;

https://www.asylumlawdatabase.eu/en/content/united-kingdom-%E2%80%93-upper-tribunal-allowsjudicial-review-removal-italy.

Fonte: USDOS- USDepartment of State: Country Report on Human Rights Practices 2018 - Italy, 13 de Marçode 2019, disponível em https://www.ecoi.net/en/document/2004308.html (consultado a 7 de Agosto de 2019)

Acesso aos Serviços Básicos: As autoridades criaram centros temporários para alojar populações migrantes mistas, incluindo refugiados e requerentes de asilo mas não conseguiram acompanhar o ritmo elevado das chegadas e o aumento do número de pedidos de asilo. Em 31 de Julho, havia 160.458 pessoas alojadas em locais de todo o país.

Algumas foram acolhidas em centros administrados directamente por autoridades locais, geralmente considerados de alta qualidade, e os restantes ficaram em centros cuja qualidade variou muito e que incluíram muitas instalações readaptadas, como antigas escolas, quartéis militares e apartamentos em edifícios residenciais. Em 10 de Abril, o CPT informou que todos os centros temporários visitados em Junho de 2017 "excediam regularmente a capacidade oficial" com a concomitante degradação das condições de vida.

Considerou as condições de vida no Centro Fechado de Remoção de Caltanissetta sobrelotado e as instalações em mau estado de conservação e pouco mobiliadas.

As instalações sanitárias precisavam de reparos consideráveis. O CPT também relatou que os serviços prestados aos migrantes no centro de trânsito de Lampedusa eram inadequados e que eram disponibilizados lugares insuficientes em abrigos para menores não acompanhadas, o que resultou na existência de estadias prolongadas em centros de trânsito temporários.

Representantes do ACNUR, da OIM e de outras organizações humanitárias e ONGs reportaram a existência de milhares de estrangeiros em situação regular e irregular, incluindo migrantes e refugiados, a viver em prédios abandonados e em instalações inadequadas e sobrelotadas em Roma e noutras grandes cidades, com acesso limitado a serviços de saúde, aconselhamento jurídico, educação básica e a outros serviços públicos.

Em alguns casos, refugiados e requerentes de asilo que trabalhavam na economia informal não conseguiram arrendar apartamentos, especialmente nas grandes cidades. Frequentemente ocuparam prédios onde viviam em condições precárias com os seus filhos. Em 21 de Março, a polícia desalojou à força 100 imigrantes e refugiados que tinham ocupado um prédio nos arredores de Roma. ONGs e grupos de defesa alegaram que o governo municipal de Roma não garantiu alojamento público alternativo para os migrantes despejados que se qualificavam para isso, incluindo pessoas a quem tinha sido reconhecido o estatuto de refugiado.

A 10 de Agosto, 34 requerentes de asilo em Tosco/ano Moderno protestaram contra a falta de acesso a cuidados médicos, aulas de língua e formação vocacional no centro para migrantes em que viviam.

(…)

Fonte: The Guardian, Italy evicts more than 500 people from refugee centre, 23 de Janeiro de 2019, disponível em: https://www.theguardian.com/world/2019/jan/23/italy-evicts-morethan-500 peoplerefugee-centre-near-rome [consultado a 18 de Fevereiro de 2019]

Mais de 500 pessoas estão a ser expulsas de um centro de acolhimento para refugiados numa localidade próxima de Roma, naquela que é a primeira grande expulsão desde que o populista governo de direita italiano aprovou legislação que inclui medidas severas relativamente à imigração.

Trinta pessoas foram expulsas do centro, o segundo maior do seu tipo em Itália e o local onde o Papa Francisco, durante o ritual pascal em 2016, lavou os pés a residentes, em Castelnuovo di Porto, na terça-feira. Outras 75 foram expulsas na quarta-feira e os restantes 430 serão expulsos antes do encerramento do centro a 31 de Janeiro.

As expulsões surgem na sequência da aprovação, no final de Novembro, do "decreto Salvini" que assim foi designado devido a Matteo Salvini, Ministro da Administração Interna e líder do partido de extrema-direita, Liga.

A lei elimina o estatuto de protecção humanitária e suspende os procedimentos de asilo de pessoas consideradas 'socialmente perigosas' ou que tenham sido condenadas por um crime.

Também retira a nacionalidade italiana a estrangeiros naturalizados que tenham sido condenados pelo crime de terrorismo.

Salvini alega que o centro que, durante os últimos oito anos, alojou cerca de 8.000 pessoas, era um antro de 'tráfico de droga e crime' e que as 2.000 pessoas que residem no descontrolado centro de acolhimento Cara di Mineo, na Sicília e em estruturas semelhantes pela Itália, terão o mesmo destino.

Declarou que os encerramentos permitirão ao governo italiano poupar 6 milhões de euros (5.2 milhões de dólares) por ano, valor que pode ser utilizado 'para ajudar italianos'. 'Eu fiz o que qualquer bom pai faria', declarou.

Riccardo Travaglini, presidente da câmara de Castelnuovo di Porto, disse aos repórteres que não foi feito qualquer aviso antes das expulsões. Homens, mulheres e crianças, muitas inscritos em escolas locais, foram alegadamente separados antes de a maioria ter sido transportada de autocarro para locais desconhecidos. Alguns foram acolhidos por habitantes locais, incluindo Travaglini, que acolheu uma mulher da Somália e o seu filho.

'Num único dia, destruíram anos de trabalho', declarou Traviglini. 'Estas pessoas tinham conseguido integrar-se'.

Travaglini manifestou-se, juntamente com a equipa do centro e párocos locais, enquanto Rossella Muroni, do Livres e Iguais, um pequeno partido da ala esquerda, tentou bloquear um dos autocarros. Deputados do partido Democrático, da oposição, criticaram fortemente a medida.

Roberto Morassut, do partido [Democrático] comparou as expulsões a 'deportações para os campos de concentração Nazi'. 'Uma das mais importantes estruturas de acolhimento de migrantes foi evacuada sem aviso adequado ... foi um verdadeiro ataque', declarou.

Salvini disse que aqueles que 'têm direitos' não serão deixados ao abandono e serão, ao invés, colocados noutras 'bonitas estruturas'. 'Terão direito a alimentação e alojamento', declarou. Mas relativamente aos restantes, daremos início ao processo de deportação.'

As expulsões iniciaram-se ao mesmo tempo que a Alemanha anunciou a sua retirada da Operação Sophia, da UE, uma missão naval que visa [combater] o tráfico de seres humanos no Mediterrâneo, devido à recusa italiana em autorizar o desembarque de migrantes nos seus portos.

A maioria dos residentes no centro de Castelnuovo di Porto tinham procedimentos de asilo pendentes. Muitos tinham recebido protecção humanitária, uma autorização de residência válida por dois anos e concedida a quem, não sendo elegível para o estatuto de refugiado, não pode, por várias razões, ser enviado para o país de origem.

Estima-se que 100.000 pessoas beneficiem do estatuto de protecção humanitária, que lhes permite trabalhar e que foi abolido pelo diploma de Salvini.

'A lei de Salvini apenas amplificará os problemas sociais', disse Valeria Carlini, porta-voz do Conselho Italiano para os Refugiados. 'A lei está a relegar aqueles que já têm protecção humanitária à exclusão social... Em vez de terem a possibilidade de trabalhar, ficarão sem abrigo.

(…)

Fonte: UN High Commissioner for Refugees (UNHCR), Submission by the Office of the United Nations High Commissioner for Refugees (UNHCR) concerning the execution of the judgment by the European Court of Human Rights ln the case of Sharifi and Others v. Italy and Greece (application no. 16643/09, judgment of 21 October 2014), 18 de Janeiro de 2019, disponível em: https://www.refworfd.org/docid/Sc61614f4.html [consultado a 7 de Agosto de 2019]

(…)

Como consequência da insuficiente capacidade das ONGs de monitorização e intervenção, o ACNUR não está em condições de obter provas conclusivas de que todas as pessoas que pretendem pedir protecção internacional em Itália tenham a oportunidade de o fazer, ou de que algumas tenham sido notificadas de uma decisão de readmissão na Grécia.

2.1 Redução do financiamento

Os fundos alocados pelo Ministério do In tenor para assistência e serviços de informação nos pontos de passagem das fronteiras diminuiu significativamente ao longo do tempo. Como resultado, os serviços estão disponíveis apenas durante algumas horas por dia. Portanto, não se sabe se as ONGs estão disponíveis em todas as circunstâncias previstas lei.

Devido ao limitado financiamento disponível, as ONGs nem sempre são capazes de garantir que dispõem de pessoa/com as competências requeridas, em especial o conhecimento especializado sobre a identificação de pessoas com necessidades especiais, incluindo menores não acompanhados requerentes de protecção internacional ou vítimas de tráfico. Além disso, as ONGs não dispõem, de forma sistemática, de espaço adequado, embora tal esteja previsto na lei e seja crítico para a identificação de pessoas com necessidades especiais, o que requer um ambiente confidencial e seguro.

As ONGs também não estão devidamente equipadas com material informativo multilingue relevante.

O ACNUR também observou que em algumas áreas, por exemplo em Bari, as ONGs que prestam serviços de assistência e informação foram encarregados de prestar meramente assistência material, no aeroporto, a requerentes de asilo transferidos para Itália ao abrigo do Regulamento Dublin III, mas não são obrigadas a prestar serviços de aconselhamento a pessoas que chegam ao porto.

Além disso, em alguns pontos de passagem das fronteiras, por exemplo Trieste, onde as chegadas aumentaram recentemente, não foram estabelecidos serviços de assistência e de informação. Tal pode dever-se à falta de financiamento e/ou ao facto de as avaliações específicas das chegadas aos pontos, que são instrumentais para estabelecer serviços de assistência e informação, não serem realizadas de forma sistemática.

2.2 Concursos públicos e contratos

Os concursos são baseados na oferta financeira mais baixa e os critérios de qualidade não são totalmente tomados em conta. O ACNUR está preocupado com o facto de os concursos não preverem padrões claros e especificações. A curta duração dos contratos adjudicados às ONGs (um ano) e a falta de planeamento plurianual tiveram um impacto negativo na qualidade dos serviços.

2.3 Espaço limitado I restrito de intervenção das ONGs

As ONGs só têm acesso a pessoas já identificadas pela polícia como requerentes de asilo. Não têm acesso a outras pessoas que se apresentem no aeroporto ou em instalações portuárias e que tenham necessidades de protecção internacional e possam pretender requerer asilo. Além disso, em Veneza, as ONGs apenas estão disponíveis se para tal forem chamadas. Isso limita de facto a eficácia dos serviços das ONGs. O ACNUR preocupa-se, portanto, com a facto de nem todas as pessoas chegadas serem sistematicamente informadas sobre a legislação de imigração e sobre procedimentos de protecção internacional, nem poderem sistematicamente beneficiar de serviços de interpretação.

3. Prestação de informação, identificação de pessoas com necessidades de protecção por funcionários das fronteiras e acordos de acolhimento

Com base nas observações do ACNUR, a polícia de fronteira não tem intérpretes nem mediadores culturais suficientes, que são essenciais na identificação de pessoas com necessidades de protecção. Este desafio relativo a recursos é particularmente preocupante dada a capacidade e envolvimento limitados das ONGs, conforme descrito acima. Além disso, a polícia de fronteira não tem materiais de informação multilingue suficientemente actualizados e adequados sobre a possibilidade de requerer asilo. O ACNUR considera existir a necessidade de reforçar a formação específica dos funcionários das fronteiras, em especial no que respeita à identificação de pessoas com necessidades de protecção. Registaram-se melhorias em relação ao acolhimento em Veneza e Ancona, mantendo-se preocupante a situação de acolhimento noutros lugares, como Bari. Uma preocupação particular diz respeito à escassa disponibilidade de alojamento, em tempo útil, para pessoas com necessidades específicas.

4. Conclusões

As preocupações supramencionadas podem ter implicações em termos de acesso ao procedimento de asilo e do cumprimento das normas processuais, considerando que a falta de serviços de interpretação, de material de informação e de pessoal devidamente equipado e formado pode impedir ou dificultar o acesso à protecção internacional.

O actual quadro operacional poderá impedir que os recém-chegados recebam informação adequada e negar aos potenciais requerentes de asilo uma oportunidade efectiva de expressar o desejo de pedir asilo em Itália. Isto pode ter implicações negativas, particularmente para pessoas com necessidades específicas e pessoas que, de acordo com o Regulamento de Dublin, possam ter razões legítimas para apresentar os seus pedidos em Itália, como os menores não acompanhados requerentes de asilo e outras pessoas com laços familiares em Itália.

5. Recomendações

O ACNUR recomenda a adopção de medidas para fortalecer o acesso efectivo ao território e a procedimentos de protecção internacional nos portos do Adriático. Para este fim, o ACNUR recomenda que mais recursos financeiros sejam alocados para serviços de assistência e informação, a fim de melhorar o papel das ONGs através de um acolhimento adequado, informação de qualidade e aconselhamento jurídico.

Além disso, o ACNUR recomenda que o trabalho da polícia de fronteira seja mais apoiado, através de serviços de interpretação adequados, material escrito de informação actualizado e formação regular em protecção internacional, identificação de pessoas com necessidades especiais e Regulamento Dublin.

Além disso, o ACNUR pede às autoridades italianas que adoptem procedimentos operacionais normalizados para definir salvaguardas processuais e serviços prestados, em particular pelas ONGs que trabalham nos pontos de passagem das fronteiras, incluindo no que diz respeito ao acesso de ONGs a pessoas que queiram pedir protecção internacional.

Finalmente, o ACNUR recomenda que as autoridades italianas competentes realizem avaliações regulares dos pontos de passagem das fronteiras onde tenha sido registado, nos últimos três anos, o maior número de chegadas, tanto em termos de requerentes de asilo como de chegadas em geral.

Fonte: HRW - Human Rights Watch, World Report 2019 - Italy, 17 de Janeiro de 2019, disponível em: https:/ /www.ecoi .net/en/document/2002229.html [consultado a 15 de Fevereiro de 2019]

(…)

De acordo com o ACNUR, até meio de Novembro, apenas 22.435 migrantes e requerentes de asilo tinham chegado a Itália por mar, o que em grande parte se deve às medidas de prevenção de chegadas já implementadas pelo governo que cessou funções.

Em contraste, em 2017, chegaram 119.369 pessoas.

(…)

Fonte: Danish Refugee Council, Swiss Refugee Council, MUTUAL TRUST IS STILL NOT ENOUGH The situation of persons with special reception needs transferred to ltaly under the Dublin III Regulation, 12 de Dezembro de 2018, disponível em: https ://reliefweb.int/report/italy/mutual-trust-still-not-enough-situation-persons special reception-needs-transferred [consultado a 15 de Fevereiro de 2019]

Em 2016, o Danish Refugee Council e o Swiss Refugee Council iniciaram um projecto de monitorização conjunta, documentando as experiências de requerentes de asilo transferidos para Itália de acordo com o Regulamento Dublin III (...)

(…)

Os 13 casos de estudo demonstram que a recepção de requerentes de asilo vulneráveis transferidos para Itália é arbitrária, apesar das garantias prestadas pelas autoridades italianas na sequência do acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no processo Tarakhel c. Suíça.

Através da monitorização da situação de 13 pessoas transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin, o Danish Refugee Council e o Swiss Refugee Council documentam como a muitos é totalmente negado o acesso ao sistema de acolhimento italiano ou necessitam de esperar longos períodos antes de serem alojados, o que dificulta significativamente o acesso efectivo ao procedimento de asilo italiano.

As experiências dos requerentes de asilo que participaram demonstram que, depois de terem acesso a condições de acolhimento, que frequentemente estão longe de ser adequadas para responder às suas necessidades especiais de acolhimento, as pessoas vulneráveis transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin ficam em risco de perder o direito a alojamento sem que a sua situação de vulnerabilidade seja devidamente tida em conta.

Ao acompanhar os casos documentados através do projecto de monitorização, o Danish Refugee Council e o Swiss Refugee Council concluíram que é claro que existe um risco real de que não sejam prestadas condições de acolhimento adequadas a requerentes vulneráveis retomados ao abrigo do Regulamento Dublin à chegada a Itália, expondo-os a risco de maus-tratos contrários ao artigo 3.º da CEDH e ao artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

O risco de violação dos direitos fundamentais das pessoas retomadas ao abrigo do Regulamento Dublin tem aumentado com as alterações ao sistema de acolhimento italiano introduzidas pelo Decreto Salvini, que entrou em vigor a 5 de Outubro de 2018 e que piorou o sistema de acolhimento italiano.

Por fim, as experiências das pessoas transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin monitorizadas evidenciam que os Estados-Membros devem cumprir as obrigações a que estão vinculados pelo Regulamento Dublin de assegurar que é dada a devida resposta às necessidades especiais de pessoas retomadas a cargo na sequência de uma transferência Dublin para o Estado-Membro responsável. Como ilustrado pelos casos de estudo deste relatório, aqueles que são responsáveis por dar resposta às necessidades especiais de pessoas vulneráveis transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin, parecem frequentemente desconhecê-las, apesar das obrigações que incumbem ao Estado que procede à transferência nos termos dos artigos 31 e 32 do Regulamento Dublin III, segundo as quais têm de transmitir qualquer necessidade especial da pessoa a transferir.

(...)

1.2. Desenvolvimentos políticos recentes e consequências para o sistema de asilo italiano

O número de novos requerentes de asilo registados em Itália diminuiu progressivamente em 2017 e 2018, em parte devido à cooperação das autoridades italianas com as contrapartes líbias.

Um Memorando de Entendimento entre as autoridades italianas e líbias foi assinado e entrou em vigor em Fevereiro de 2018 por um período de três anos. O Memorando e outras formas de cooperação entre os dois países para travar o fluxo migratório para Itália têm sido fortemente criticados, tanto por organizações internacionais de direitos humanos, como por organizações intergovernamentais. Anteriores acordos semelhantes entre a Líbia de Gaddafi e a Itália foram censurados pelo TEDH na sua decisão no processo Hirsi Jamaa e outros c. Itália, no qual o tribunal decidiu que as parcerias violavam o princípio do non-refoulement e a proibição de expulsões colectivas.

O ACNUR reportou 21.000 novas chegadas por mar a Itália entre Janeiro e Setembro de 2019, em comparação com 105.400 no mesmo período em 2017. Tal não significa, contudo, que a pressão sobre o sistema de asilo italiano tenha desaparecido, uma vez que no final de 2017 ainda estavam pendentes em primeira instância 145.906 pedidos de asilo.

(…)

Assim, a forma como as pessoas vulneráveis transferidas ao abrigo do Regulamento Dublin são recebidas pelas autoridades italianas continua a ser arbitrária. A maioria das pessoas vulneráveis transferidas monitorizadas teve de dormir na rua após a sua chegada a Itália e apenas teve acesso a centros de acolhimento ou outros abrigos na sequência da sua participação no DRMP [Dublin Returnee Monitoring Project], uma vez que os entrevistadores do DRMP frequentemente intervieram no seu caso. Após terem tido acesso a condições de acolhimento, frequentemente estas estavam longe de ser adequadas para responder às suas necessidades especiais de acolhimento, em alguns casos devido à falta de cuidados médicos especializados.

(…)

(...) através da monitorização de 13 indivíduos ou famílias vulneráveis transferidas para Itália ao abrigo do Regulamento Dublin III, o DRC e o OSAR confirmaram as conclusões do primeiro relatório DRMP de Fevereiro de 2017, que documentou seis famílias, nenhuma das quais recebeu alojamento, assistência e cuidados adequados à chegada a Itália.

Assim, contrariamente às normas relevantes de Direito Internacional, Europeu ou Nacional nenhum dos 13 indivíduos ou famílias cujas experiências foram descritas neste relatório teve acesso a alojamento adequado à chegada a Itália, o que também aconteceu às seis famílias referidas no primeiro relatório DRMP. Uma vez que as autoridades italianas não suprem as necessidades de acolhimento dos requerentes de asilo em geral, nem as necessidades especiais de requerentes de asilo vulneráveis, apesar de estarem juridicamente obrigadas a fazê-lo, o mero acesso a condições de acolhimento à chegada por uma pessoa vulnerável transferida ao abrigo do Regulamento Dublin parece ser uma questão de sorte.

(…)

(...) os requerentes de asilo vulneráveis correm o risco de lhes ser negado ou retirado o acesso ao sistema de acolhimento italiano sem que a sua situação de vulnerabilidade ou o princípio da proporcionalidade sejam tidos em conta, o que pode dificultar significativamente o seu acesso efectivo ao procedimento de asilo.

(…)

Fonte: IRIN News, New Italian law adds to unofficial clampdown on aid to asylum seekers, 7 de Dezembro de 2018, disponível em:

https://www.irinnews.orginewsfeature/2018/12/07/new-italian-law-adds unofficialclampdown-aid-asylum-seekers[consultado a 15 de Fevereiro de 2019]

Dezenas de milhares de requerentes de asilo vulneráveis perderam o direito a autorizações de residência válidas por dois anos e a serviços de integração em Itália na sequência da aprovação, na semana passada, da nova legislação promovida pelo Ministro da Administração Interna do populista governo de direita, Matteo Salvini.

Todavia, de acordo com entrevistas a requerentes de asilo e juristas especializados realizadas ao longo de vários meses, bem como com as respostas governamentais a dezenas de pedidos feitos ao abrigo do direito à liberdade de informação, nos últimos dois anos, milhares já tinham visto os serviços públicos a que tinham direito cortados ou reduzidos.

De acordo com a informação obtida pela IRIN junto dos governos locais, um em cada três requerentes de asilo que chegou a mais de metade das prefeituras italianas nos últimos dois anos, abandonou ou foi expulso do alojamento público.

(…)

Grupos de apoio alertam para o facto de que a nova lei irá agravar a já existente crise em Itália, que se debate para prestar serviços básicos a cerca de 180.000 refugiados e requerentes de asilo que aguardam decisões e que tem um número estimado de 500.000 migrantes indocumentados - muitos dos quais já estão fora do sistema de acolhimento.

O Decreto-Lei sobre Imigração e Segurança em resumo: (...)

• Requerentes de asilo deixam de ter acesso a serviços de integração até que o seu pedido seja deferido;

• Drástica redução da rede de centros de acolhimento; (...)

Há apenas 25.000 lugares no sistema italiano de acolhimento de longo-prazo, gerido pelo governo, conhecido pelo seu acrónimo italiano, SPRAR, que tipicamente presta cuidados de elevada qualidade. Isto significa que mais de 150.000 pessoas que aguardam a decisão do seu pedido de asilo, ou 80 por cento do total, estão alojadas em mais de 9.000 infra-estruturas de acolhimento supostamente temporárias, conhecidas pelo acrónimo CAS. Na sua maioria, estas são geridas por entidades comerciais sem qualquer experiência de prestação de alojamento e serviços a requerentes de asilo e que têm sido associadas a corrupção e condições precárias.

(…)

'Centenas já foram expulsos de centros de acolhimento por toda a Itália e ficaram sem-abrigo de um momento para o outro', relatou à IRIN Oliviero Forti, responsável pela divisão de migração da Caritas em Itália. 'Em alguns locais, como Crotone, os abrigos da nossa organização ficaram assoberbados durante o fim-de-semana.

Algumas pessoas muito vulneráveis, como mulheres grávidas ou pessoas com doença psiquiátrica, estão a ser postas na rua sem qualquer medida de apoio e, inacreditavelmente, as infra-estruturas públicas estão a pedir ajuda à Caritas.'

(…)

Em 2016, a Itália tomou o lugar da Grécia como principal ponto europeu de entrada de migrantes e requerentes de asilo, tendo recebido 320.000 pessoas nos últimos dois anos - com a grande maioria a chegar em pequenos e sobrelotados barcos operados por contrabandistas pelo Mediterrâneo desde o Norte de África ou após serem resgatados no trajecto.

(…)

Aqueles relativamente aos quais seja prima facie determinada a existência de um fundamento legítimo para requerer asilo têm direito a um lugar no sistema SPRAR, ainda que a maioria não o obtenha. [Estas] são instalações de pequena dimensão, uniformemente distribuídas pelo país, criadas pelo Ministério da Administração Interna e geridas por organizações humanitárias com experiência de trabalho com populações migrantes. São amplamente conhecidas por prestarem serviços básicos de qualidade elevada, bem como formação profissional e apoio psicológico. As 25.000 vagas disponíveis têm-se destinado, em regra, aos casos mais vulneráveis, como menores vítimas de tráfico.

De acordo com a nova legislação de Salvini, apenas pessoas a quem seja concedido um visto – processo que pode demorar vários anos – e não requerentes de asilo, podem ser colocadas em infra-estruturas SPRAR. Os migrantes e requerentes de asilo serão enviados para um CAS.

Os Médicos sem Fronteiras [MSF] afirmaram em comunicado que a nova lei terá 'impacto dramático na vida e saúde de milhares de pessoas'. Os MSF declararam que 'nos anos em que operaram nos CAS', os seus trabalhadores concluíram que permanências prolongadas nos centros 'deterioram a saúde mental dos migrantes' e 'prejudicam a probabilidade de se integrarem na sociedade com sucesso'.

(…)

Entrevistas com juristas especializados, assistentes sociais, dezenas de migrantes e a análise de decisões de cessação revelam um padrão de violações generalizadas dos direitos legais dos migrantes nos centros de acolhimento, sendo as autoridades locais, por vezes, coniventes com os abusos.

Os centros CAS – na sua maioria unidades hoteleiras e apartamentos privados identificados e aprovados pelas autoridades locais – são, teoricamente, apenas um elo numa complexa e mal regulada cadeia de alojamento para migrantes. Todavia, como os centros SPRAR estão completos, assumiram o excedente. (...) Com as condições insatisfatórias do sistema de acolhimento, os bairros de lata cresceram nos últimos anos. Nestas comunidades, é frequentemente difícil para os migrantes obter serviços básicos como cuidados de saúde e apoio jurídico necessário ao acompanhamento dos pedidos de asilo.

(…)

Fonte: European Database of Asylum law (EDAL), The Netherlands - Court blocks transfer of asylum seeker to lta/y due to the reception system's deficiencies after the latest decree, 18 de Outubro de 2018, disponível em:

https://www.asylumlawdatabase.eu/en/content/netherlands o/oE2%80"/o93courtblockstransfer-asylum-seeker-italy-due-reception system°/0E2')/080%99sdeficiencies [consultado a 15 de Fevereiro de 2019]

A 18 de Outubro, o Tribunal Distrital da Haia pronunciou-se sobre um caso relativo à transferência Dublin para Itália de uma cidadã eritreia, cujo pedido de autorização de residência temporária de asilo foi recusado pelas autoridades holandesas com base no facto de as autoridades italianas serem responsáveis por analisar o pedido de asilo da requerente.

A requerente impugnou a decisão perante o Tribunal Distrital afirmando, inter alia, que não poderia ser transferida para Itália devido às sérias deficiências estruturais no procedimento de asilo e acolhimento no país. De acordo com a requerente, o recente decreto sobre asilo e migração limitou os direitos dos requerentes de asilo e agravou as condições de acolhimento.

Consequentemente, os requerentes de asilo e os beneficiários de estatuto de protecção humanitária estão excluídos do acesso a infra-estruturas de acolhimento SPRAR, sendo forçados a viver em centros de acolhimento temporários, onde as condições são frequentemente críticas.

O Tribunal notou que a restrição de acesso a infra-estruturas de acolhimento do Sistema SPRAR pode afectar negativamente a capacidade das restantes infra-estruturas de acolhimento. Neste contexto, citou várias fontes que documentam a considerável pressão que as instalações de acolhimento italianas já enfrentam, incluindo relatórios dos Médicos sem Fronteiras e da ECRE/AIDA. O governo holandês argumentou que, apesar de ser necessário examinar as

De acordo com o Tribunal, o argumento do governo não tem em conta as consequências mais amplas que o referido decreto poderá ter em geral nas condições de acolhimento em Itália. Assim, não estava suficientemente substanciado que não há deficiências estruturais na recepção em Itália. O Tribunal anulou a decisão impugnada e devolveu o processo às autoridades nacionais para que decidam de acordo com as conclusões da sentença.

(...)

Fonte: European Council on Refugees and Exiles, Asylum Information Database, ltaly: Latest lmmigration Decree drops Protection Standards, 26 de Setembro de 2018, disponível em: http://www.asylumineurope.org/news/26-09-2018/italy-latest-immigration-decree-dropsprotection-standards [consultado a 15 de Fevereiro de 2019]

(…)

O Decreto-Lei também limita o Sistema de Protecção de Requerentes de Asilo e Refugiados (SPRAR), uma rede de projectos de acolhimento de pequena escala e descentralizados com 35.881 lugares de alojamento actualmente financiados, a beneficiários de protecção internacional e crianças não acompanhadas. Os requerentes de asilo e beneficiários de estatuto de protecção humanitária ficarão, portanto, excluídos do SPRAR e apenas terão acesso a centros de acolhimento de primeira linha e a centros de acolhimento temporários (CAS), onde as condições de vida são, frequentemente, críticas.

(…)

Fonte: European Data base of Asylum law (EDAL), Luxembourg-Administrative Tribunal stops Dublin transfer of asylum seeker to ltaly, due to country's systemic deficiencies, 10 de Julho de 2018, disponível em:

https://www.asylumlawdatabase.eu/en/content/luxemboure/0E2')/080%93administrative tribunal-stops-dublin-transfer-asylum-seeker-italy duecountry%E2°/080%99s [consultado a 15 de Fevereiro]

A 10 de Julho, o Tribunal Administrativo do Luxemburgo pronunciou-se no processo 41401/18, relativo a um requerente de asilo Guineense que chegou ao Luxemburgo através de Itália. Alguns meses depois de ter pedido asilo, foi informado de que seria transferido para Itália por existir um primeiro registo das suas impressões digitais no país.

O requerente impugnou a decisão enquanto estava em detenção domiciliária devido à sua transferência para Itália. Alegou que as falhas sistémicas em Itália e a falta de condições de acolhimento adequadas não asseguram o respeito pelos seus direitos fundamentais e que a transferência para o país configuraria um risco real de tratamento desumano ou degradante. Respondendo à contestação do governo, o Tribunal reiterou que, não obstante a confiança mútua continuar a ser aplicável a Estados-Membros, esta continua a ser uma presunção ilidível e, à luz da fundamentação do TJUE no processo C-578/2016, deverá ser feita uma análise individual.

Prosseguiu examinando provas relevantes sobre a actual situação dos requerentes de asilo no país, incluindo o recente relatório AIDA do ECRE sobre Itália, concluindo que o procedimento de asilo e o sistema de acolhimento efectivamente apresentam várias falhas sistémicas. Notou também que tais falhas são exacerbadas pela actual instabilidade política no país. Afastando o argumento do Governo segundo o qual as alegações do requerente eram demasiados gerais, o Tribunal concluiu que há prova suficiente para considerar que o procedimento de asilo e as condições de acolhimento em Itália são inadequadas, notando que as autoridades italianas não conseguem assegurar acesso a cuidados médicos e condições de vida dignas, criando um possível risco de tratamento desumano ou degradante.

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Fonte: Amnesty International, Amnesty International Report 2017/18 - Italy, 22 de Fevereiro de 2018, disponível em: https://www.refworld.org/docid/Sa9938e2a.html [consultado a 15 de Fevereiro de 2019]

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PROCEDIMENTO DE ASILO

Até ao final do ano, cerca de 130.000 pessoas tinham pedido asilo em Itália, um aumento de 6% relativamente aos quase 122.000 em 2016. Ao longo do ano, a mais de 40% dos requerentes foi concedido algum tipo de protecção em primeira instância. Em Abril foi introduzida legislação para acelerar os procedimentos de asilo e combater a migração irregular, incluindo através da redução das garantias processuais em impugnações de decisões de rejeição dos pedidos. A nova lei não esclareceu adequadamente a natureza e a função dos hotspots estabelecidos pela UE e dos acordos governamentais subsequentes de 2015. Os hotspots são instalações criadas para a recepção inicial, identificação e registo de requerentes de asilo e migrantes que chegam à UE por mar. No seu relatório de Maio, o Mecanismo Nacional para a Prevenção da Tortura destacou a contínua falta de base legal e de normas aplicáveis sobre a detenção de pessoas em hotspots.

Também em Maio, o Comité de Direitos Humanos da ONU criticou a detenção prolongada de refugiados e migrantes em hotspots. Também criticou a falta de garantias contra a classificação incorrecta dos requerentes de asilo como migrantes económicos e a falta de investigações na sequência de relatos de uso excessivo da força durante os procedimentos de identificação. Em Dezembro, o Comité das Nações Unidas contra a Tortura expressou preocupação relativamente à falta de garantias contra o retorno forçado de pessoas a países onde possam estar em risco de violações dos direitos humanos.

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Fonte: Médecins sans Frontieres (MSF), Out of Sight, 2.ª edição, 8 de Fevereiro de 2018, disponível em: https://www.msf.org/sites/msf.org/files/2018-06/out_of sight_def.pdf [consultado a 15 de Fevereiro de 2019]

Este relatório surge no seguimento da investigação feita em Fuori Campo - Requerentes de asilo e refugiados em Itália: campos não oficiais e marginalização social. É o resultado de constantes actividades de monitorização realizadas em 2016 e 2017 por meio de repetidas visitas de campo e em colaboração com uma extensa rede de associações locais.

O sistema de acolhimento de requerentes de asilo e refugiados que, em 31 de Dezembro de 2017, tinha pouco mais de 180.000 lugares, continua a basear-se, em grande parte, em estruturas de recepção extraordinárias, sendo os serviços destinados à inclusão social limitados.

Há zonas de marginalização em áreas urbanas e rurais em toda a Itália. O aumento dos despejos forçados, combinado com a falta de soluções habitacionais alternativas, resultam na fragmentação dos aglomerados informais, especialmente em contextos urbanos: migrantes e refugiados vivem em lugares cada vez mais escondidos num estado de crescente medo e frustração, sendo o contacto com os serviços sociais, incluindo com cuidados de saúde, progressivamente limitado.

Devido a barreiras administrativas e apesar da legislação em vigor, os migrantes e refugiados em aglomerados informais, independentemente do seu estatuto à luz da lei, têm cada vez menos oportunidades de acesso a tratamento médico. Os serviços de emergência hospitalar estão rapidamente a tornar-se a única porta de entrada para o Sistema Nacional de Saúde de Itália.

Nos últimos dois anos, mais de vinte pessoas morreram a tentar atravessar as fronteiras com França, Áustria e Suíça. Os migrantes são repetidamente rejeitados na fronteira, sendo a rejeição frequentemente acompanhada por violência. O número de pessoas bloqueadas nas fronteiras e que vive em aglomerados não oficiais está a aumentar, sendo limitado o acesso a cuidados básicos e a cuidados de saúde.

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Em 2016 e 2017, os Médicos sem Fronteiras (MSF) reforçaram o seu compromisso em apoiar os migrantes em aglomerados não oficiais. Em Como e em Ventimiglia, foi implementado um programa de primeiros socorros psicológicos para pessoas em trânsito, juntamente com o programa de saúde para mulheres em Ventimiglia.

Em Roma, organizaram-se, em prédios abandonados onde homens, mulheres e crianças vivem em condições indignas, cuidados de saúde primários e apoio psicológico.

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O relatório confirma a estimativa indicada na primeira edição do Fuori Campo: há, pelo menos, 10.000 pessoas excluídas do sistema de acolhimento, incluindo beneficiários e requerentes de protecção internacional e humanitária, com acesso limitado ou sem acesso a necessidades básicas e a cuidados médicos. A distribuição deste tipo de aglomerados é fragmentada e comum no país.

SISTEMA DE ACOLHIMENTO E FRONTEIRAS

Após os picos de 2016, 2017 registou uma diminuição global do número de desembarques - predominantemente devido a medidas de contenção implementadas após o acordo entre a Itália e a Líbia - e um aumento paralelo dos pedidos de asilo. A implementação completa da "abordagem de hotspot" resultou no registo forçado de quase todos os migrantes que chegam a Itália. Isso conteve os movimentos secundários em direcção aos países mais a norte.

A 31 de Dezembro de 2017, o sistema de acolhimento tinha 183.681 lugares, um ligeiro aumento em relação a 2016. Apesar das tentativas do governo de promover o modelo do Sistema de Protecção de Refugiados e Requerentes de Asilo (SPRAR), gerido pelos Municípios, o número de requerentes de asilo e refugiados na rede SPRAR era de 31.270 na mesma data, apenas 17% do total.

A escassez crónica de lugares nos centros de acolhimento deve-se não só ao número crescente de pedidos de asilo, mas também ao facto de haver pouca rotatividade nos centros devido ao tempo necessário para avaliar os pedidos. Apesar do aumento das Comissões Territoriais nos últimos anos, o tempo decorrido entre o pedido de asilo e a notificação do resultado é em média de 307 dias. No caso de recusa de protecção e de impugnação, o tempo de permanência nos centros pode aumentar para mais 10 meses (o tempo médio necessário para se obter uma decisão em caso de impugnação). (...)

Outros factores estão a colocar pressão no sistema de acolhimento. Em primeiro lugar, o número crescente de requerentes de asilo noutros países que é enviado de novo para a Itália ao abrigo do Regulamento de Dublin. Em segundo lugar, o fracasso do processo de recolocação criado pelo Conselho da UE em Setembro de 2015 para transferir requerentes de asilo a partir de Itália e da Grécia para outros Estados-Membros.

(...) Há também requerentes de asilo a quem foi retirado o acolhimento; migrantes que deixam os centros por lhes ter sido negada a protecção internacional, independentemente de terem impugnado ou não a decisão (...)

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Durante os últimos dois anos, o número de requerentes e de beneficiários de protecção internacional e de protecção humanitária que vive em edifícios ocupados aumentou. A maioria destas pessoas nunca entrou num sistema de acolhimento institucional ou foi expulsa do mesmo, sem que tenha havido uma inclusão social adequada. As ocupações são geridas pelos próprios migrantes e refugiados, especialmente quando os residentes são do mesmo país de origem, outras são geridas por movimentos pelo direito à habitação; estes geralmente reportam-se às designadas "ocupações mistas", onde migrantes e refugiados de diferentes zonas – África Subsaariana, América Latina, Europa – coexistem juntamente com muitos italianos.

Muitas ocupações que começaram por ser ocupações à margem da lei foram posteriormente legalizadas, com o envolvimento de entidades e instituições privadas (principalmente os Municípios e Regiões). Em comparação com o sistema de acolhimento do governo para requerentes de asilo e refugiados, as ocupações promovem um modelo baseado na autogestão e dão aos residentes a oportunidade de permanecer em segurança até conseguirem uma efectiva independência a nível social, habitacional e laboral.

Em relação aos cuidados de saúde, foram impostas limitações pela Lei n.º 80/2014 (Artigo 5.º), confirmadas pela Lei n.º 48/2017: morar em prédios ocupados não dá às pessoas a oportunidade de obter uma residência formal e, portanto, de se registar no Serviço Nacional de Saúde. Isto é particularmente relevante nas cidades onde o município não concede uma residência fictícia - aquela que é dada aos sem-abrigo - ou onde é particularmente difícil obtê-la.

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Despejos forçados

O Decreto Legislativo n.º 267/2000 confere autoridade ao prefeito "em relação à necessidade urgente de intervenções que visem a superação de situações de negligência grave ou degradação do território, do meio ambiente e do património cultural, ou em detrimento da limpeza e habitabilidade urbana". Essa autoridade, reafirmada e fortalecida pela Lei n.º 48/2017, é cada vez mais usada para desmantelar aglomerados não-oficiais onde vivem migrantes e refugiados excluídos do sistema de acolhimento institucional, usando mais ou menos despejos forçados, quase nunca programando os mesmos com a população residente. Isso força as pessoas a dispersar em áreas cada vez mais periféricas e em locais cada vez mais ocultos, com acesso mais limitado a serviços sociais e de saúde, com a possibilidade cada vez mais remota de aceder a serviços que atendam às necessidades dessa população vulnerável.

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Fonte: Human Rights Watch, World Report 2018 - European Union, 18 de Janeiro de 2018, disponível em: https:/ /www.refworld.org/docid/5a61ee75a.html [consultado a 15 de Fevereiro de 2019] Itália

Mais de 114.000 migrantes e requerentes de asilo chegaram a Itália, por mar, até meados de Novembro, de acordo com o ACNUR, o que tem sobrecarregado o sistema de acolhimento do país. O governo adoptou políticas mais restritivas no contexto de um debate político tóxico sobre migração.

Nos primeiros sete meses do ano, o número de novos pedidos de asilo quase duplicou, quando comparado com 2016, tendo as autoridades conferido alguma forma de protecção em 43% dos casos. A maioria recebeu autorização humanitária temporária para permanecer no país, incluindo por abusos sofridos enquanto migrantes na Líbia.

Em Fevereiro, o governo introduziu medidas para acelerar o procedimento de asilo, incluindo através da limitação das impugnações de decisões negativas, e anunciou planos para novos centros de detenção para imigrantes no país.

O governo central teve problemas em encontrar alojamento para os requerentes de asilo em Itália, tendo muitas comunidades recusado ter centros de acolhimento. Muitos centros de acolhimento carecem de cuidados e apoio para sobreviventes de violência sexual, bem como para sobreviventes de outra[s formas de] violência traumática. A incapacidade de Itália em garantir o apoio de longo prazo a indivíduos que receberam protecção internacional ficou clara em Agosto, quando a polícia despejou violentamente centenas de refugiados da Eritreia sem-abrigo de um prédio ocupado em Roma.

(...)».

Cf. informação de fls. 143 e ss. dos autos.

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Nada mais foi dado como provado ou não provado com interesse para a decisão da causa.

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A matéria de facto foi dada como provada face às posições das partes e ao teor dos documentos juntos ao processo, de acordo com o que ficou plasmado a propósito de cada facto”.


2. De direito:

2.1. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo ora recorrente – delimitado que está o objecto do recurso apresentado pelas conclusões das alegações –, que têm que ver com a alegada errada interpretação do direito e a alegada errada subsunção dos factos do caso concreto ao direito.

Para o recorrente, no caso concreto dos autos não é demonstrada a existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes em Itália, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento (UE) n.º 604/2013, não sendo possível concluir que, independentemente da existência de uma forte pressão migratória que se constata existir neste específico Estado-Membro, o requerente de protecção internacional tenha sido e/ou vá ser, por exemplo, objecto de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Vejamos.

2.2. Nas suas alegações, o recorrente convoca, em auxílio da sua posição, um acórdão deste STA de 16.01.2020, que tratou questão em tudo semelhante à dos presentes autos, tendo transcrito o respectivo sumário, que consta das conclusões das alegações. No mencionado aresto, dado considerar-se que, de um lado, o requerente de protecção internacional “invoca essencialmente razões de segurança, e de difícil assistência hospitalar, fazendo-o, diga-se, de forma muito genérica, dado que «não concretiza» qualquer episódio que possa ilustrar a sua queixa” – ou ainda, “as queixas do requerente, relativas à sua permanência em campo de «refugiados», em Itália, e desde logo por falta da sua necessária densificação, não são de molde a induzir qualquer «suspeita séria» – motivos válidos – de vir a sofrer – por parte do Estado Italiano – tratamento «desumano ou degradante», nos termos expostos” –, e, de outro lado, que as “notícias pesquisadas oficiosamente pelo tribunal também não são, atento todo o circunstancialismo em que surgem, de forma a impor essa condenação”, concluiu-se no sentido de que “Não se impunha, assim, no presente caso, que o SEF procedesse à averiguação oficiosa que lhe foi imposta pelo acórdão recorrido”. No caso vertente, as informações relativas a falhas sistémicas registadas em Itália não têm como fonte apenas notícias de meios de comunicação social como no caso relatado no já mencionado acórdão de 16.01.2020, antes se reportam a informações constantes, v.g., de relatórios da ACNUR e de várias ONGs. Ditas informações dão conta, efectivamente, de uma situação difícil e de ruptura em Itália, dentro e fora dos campos de refugiados, dando especial relevo a um período crítico de 2016-17. Mas também é visível uma especial preocupação com pessoas mais vulneráveis, com mulheres e crianças, com pessoas doentes. Tal como também se dá conta de uma melhoria da situação em Itália por conta da resolução de situações e problemas relacionados com refugiados da Líbia. Mas, mais do que isso, tal como no já citado acórdão, e, talvez ainda, de forma mais notória, o recorrido (o requerente da protecção internacional) descreve a sua situação pessoal de forma bastante genérica e pouco circunstanciada. E, mais ainda, não existem propriamente queixas relativas a qualquer tratamento desumano ou degradante. O dado mais relevante são os dois anos e cinco meses que esteve em Itália, supostamente devido a atrasos no conhecimento e apreciação do seu caso particular. Ora, não só se trata de afirmação não propriamente concretizada, como nada nos diz que em Portugal o tratamento do seu pedido de protecção internacional será mais célere. Acresce a isto que o requerente de protecção internacional declarou estar de boa saúde, ter tirado impressões digitais mas não ter pedido asilo, ter estado num campo que entretanto iria ser fechado e que esteve um mês na rua. Tudo o resto são, fundamentalmente, considerações sobre política de imigração ao nível da UE, sobre o passado conjunto da Portugal e da Guiné-Bissau, de onde é oriundo o recorrido, sobre o apoio dos PALOPs a personalidades portuguesas na sua corrida a cargos internacionais, etc. Ora, obviamente, não cabe aos tribunais “corrigir” políticas nacionais e europeias de imigração ou de outra índole, forçar a cooperação entre países e tratar de forma diferente requerentes de asilo em função do seu país de origem. É verdade que a Constituição da República Portuguesa (CRP) prevê a possibilidade de os cidadãos dos Estados de língua portuguesa beneficiarem de um tratamento mais favorável do que os restantes estrangeiros e apátridas (art. 15.º), mas, desde logo, há condições de residência e de reciprocidade que têm de se verificar. Ou seja, não se trata, como o recorrido pensa, de um tratamento mais favorável, sem mais. Tudo isto para concluir que, não obstante a situação dos presentes autos não ser exactamente igual à tratada no acórdão de 16.01.2020, também agora, dado o concreto circunstancialismo alegado e provado, não se impunha que o SEF procedesse à averiguação oficiosa que lhe foi imposta pelo acórdão recorrido no âmbito da reconstituição de todo o procedimento de concessão de protecção internacional e com vista a recolher informação fidedigna e actualizada sobre o procedimento de concessão de asilo em Itália e sobre as condições de acolhimento daqueles que a esse país aportam em busca de melhores condições de vida e de segurança.

III – DECISÃO


Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao presente recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar improcedente a acção.


Sem custas (cfr. artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06)

Lisboa, 2 de Julho de 2020. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva – Maria Cristina Gallego dos Santos.