Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:045/17
Data do Acordão:11/15/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DESPACHO DE NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
Sumário:I – Para além dos casos previstos no artigo 83.º do RGIT, é admissível em casos justificados o recurso em processo de contra-ordenação tributário com base em fundamentos previstos no artigo 73.º Lei-Quadro das Contra-Ordenações, aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, designadamente “quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência” (cfr. o n.º 2 do artigo 73.º);
II – Justifica-se a admissão parcial do recurso se a sentença recorrida, no que concerne à moldura contra-ordenacional aplicável à contra-ordenação cometida, ignorou o disposto na Lei n.º 51/2015, que a jurisprudência deste STA entende ser aplicável por força do princípio da aplicação retroactiva da lei punitiva mais favorável.
Nº Convencional:JSTA00070403
Nº do Documento:SA220171115045
Data de Entrada:01/16/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECLAMAÇÃO
Objecto:DESP SECÇÃO TRIBUTÁRIA STA.
Decisão:DEFERIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA-ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART83 N1 N2 ART73 N2 ART7.
RGCO ART73 N2 ART7 N2.
L 51/2015.
L 303/2007 DE 2007/08/24 ART24 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0719/15 DE 2015/10/21.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A………… vem reclamar para a Conferência do despacho da Relatora proferido nos presentes autos a fls. 161 a 165 e datado de 12 de Julho de 2017, que, em razão do valor da causa ser inferior ao da alçada e por ter julgado não ser de admitir o recurso ao abrigo do n.º 2 do artigo 73.º do Regime Geral das Contra-Ordenações pois que não se afigurava manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, não admitiu o recurso que pretendia interpor da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 14 de outubro de 2015, na parte em que esta julgou improcedente o recurso por si interposto de decisão administrativa de aplicação de coima por falta de pagamento de taxa de portagem.
O reclamante fundamenta a sua reclamação nos termos seguintes (fls. 173 a 175 dos autos):
1) A Exma Juiz Conselheira Relatora entendeu não dever admitir o recurso interposto pelo recorrente, porquanto o mesmo não reúne os requisitos a que se refere o art. 73.º n.º 2, do RGCO, designadamente por não o considerar necessário para uma melhor aplicação do Direito ou para a promoção da uniformidade da jurisprudência.
2) O reclamante discorda deste entendimento, assaz contrário ao vertido no despacho proferido em 1.ª instância que admitiu o recurso interposto, por o mesmo estar enquadrado precisamente no regime recursivo referido no art. 73.º n.º 2, do RGCO, pese embora o facto de, como é sabido, este despacho não vincular o tribunal superior.
3) Contudo, não se pode dizer que o reclamante não tenha na sua alegação suscitado questão que convoca uma melhor aplicação do Direito e até referindo a norma em causa, mormente quando transcreve o sumário do aresto proferido pelo STA sobre a matéria em causa, pelo que dela, precipuamente, se quis prevalecer.
4) Pois, a solução jurídica a dar, em matéria de responsabilização contraordenacional de trabalhador vinculado mediante contrato de trabalho, se afigura importante para a melhor aplicação do Direito, porquanto importa saber se será este o responsável pela atuação ilícita, no âmbito das suas funções, ou a pessoa coletiva a quem presta a sua atividade, sob subordinação e segundo as suas instruções, como se decidiu no douto acórdão da relação do Porto, cujo sumário se transcreveu na respetiva alegação, entendimento este, contrário ao vertido na sentença recorrida.
5) Ademais, quanto também ali se refere a contrariedade manifesta do julgado recorrido com a jurisprudência do STA fixada sobre a aplicação no tempo da lei 51/2015, a qual não foi naquele acatada.
6) Posto isto, é manifesto que o reclamante convoca na sua alegação o regime contido no n.º 2 do art. 73.º do RGCO, dele fazendo menção expressa, pelo que cumpre o ónus naquele imposto, devendo o recurso jurisdicional por si interposto ser admitido ao abrigo da referida disposição legal.


2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir.
- Fundamentação –
3 – Do despacho reclamado
É do seguinte teor o despacho reclamado:
«1 – A…………, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 14 de Outubro de 2015, que, no recurso de contra-ordenação que correu termos naquele Tribunal sob o n.º 1590/14.6BELRS, julgou parcialmente procedente o recurso interposto e reduziu a coima aplicada para o seu limite mínimo que fixou no valor de €676,00.
O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1.ª) Ao regime sancionatório decorrente do não pagamento ou pagamento viciado de taxas de portagem de infraestruturas rodoviárias previsto na Lei 25/2006, de 30 de Junho, apesar da referência expressa ao condutor nos seus artigos 10.º e 11.º, não exclui da sua previsão a responsabilidade pelas infrações os entes coletivos;
2.ª) O referido regime ao não prever expressamente esta última responsabilidade, tem de entender-se que remete para o regime subsidiário aplicável, o RGIT.
3.ª) Este último prevê a responsabilidade das pessoas coletivas ou equiparadas pelas infrações praticadas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse coletivo;
4.ª) O recorrente era, ao tempo dos factos, empregado de uma sociedade de transporte de mercadorias, prestando-lhe a atividade de motorista de pesados;
5.ª) A referida entidade era quem tirava proveito da atividade do recorrente, agindo este por conta e no interesse desta;
6.ª) Pelo que, atuando o recorrente no quadro das funções para as quais o mesmo foi contratado pela dita sociedade comercial, somente esta poderá ser responsabilizada pela infração praticada;
7.ª) Outrossim, quando assim não se entenda quanto ao exposto nas conclusões anteriores, face à alteração introduzida no referido regime pela Lei 51/2015, de 8 de Junho, a qual modificou a norma do artº 7.º, n.º 1, dando-lhe um conteúdo mais favorável que a da anterior versão, há lugar à aplicação do princípio da lei mais favorável, pelo que o processo deve ser remetido à autoridade administrativa, a fim de esta reformular da decisão de aplicação de coima.
Nesta conformidade, a Mma. Juiz equivocou-se ao interpretar a norma sancionatória – art. 7.º, da Lei 25/2006, na redação anterior à vigência da Lei 51/2015 – como ali visado exclusivamente o condutor do veículo e somente o proprietário, pessoa singular ou coletiva, quando o não for, para identificar o condutor ou pagar voluntariamente a coima, dela excluindo assim os entes coletivos que, através, dos seus auxiliares, operam veículos, designadamente veículos de transportes, por sua conta e no seu interesse.
Ademais, e para o caso de não resultar excluída a responsabilidade do recorrente decorrente da infração, a remessa do processo à autoridade administrativa competente para o efeito para esta reformular a decisão cominatória da coima em função da aplicação da lei mais favorável.
Termos em que, revogando Vs. Ex.as a sentença recorrida e substituindo-a por outra que, julgando procedente o presente recurso, absolva o recorrente da responsabilidade contra-ordenacional que lhe foi assacada, ou caso assim não se entenda, a remessa do processo à autoridade administrativa competente para efeitos de aplicação da lei mais favorável ao arguido recorrente, assim decidindo farão vs. Ex.as a melhor JUSTIÇA.
2 – Respondeu o Ministério Público no Tribunal Tributário de Lisboa, concluindo nos termos seguintes:
1.º - Afigura-se que o presente recurso deve ser indeferido por inadmissibilidade legal, dado o valor da coima aplicada ser inferior a um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais;
2.º - Através da douta sentença de 14/10/2015, foi o arguido A…………, condenado pela prática de contra-ordenação prevista no artigo 5.º n.º 1 e 7.º da Lei 25/2006, na coima de 676,00€.
3.º - A Mª Juíza fundamentou a decisão, em síntese, por considerar no contexto dos autos e da prova produzida ser o condutor do veículo o responsável pela infracção.
4.º - Em sede de recurso entende o arguido que a Lei 25/2006, prevê a responsabilidade dos entes colectivos.
5.º - Alega que o arguido era na data da infracção trabalhador da sociedade, “………”, proprietária do veículo que aquele conduzia quando da prática da infracção, pelo que entende ser esta a responsável pela infracção cometida.
6.º - No caso dos autos a sociedade proprietária do veículo identificou, os condutores do veículo, designadamente o arguido como consta do ponto 5 dos factos provados da sentença.
7.º - Assim, estando identificada a pessoa física, que pilotava o veículo, afigura-se, não ocorrendo qualquer causa de exclusão da ilicitude, ser este o responsável pela prática da contra-ordenação, tal como foi decidido na douta sentença.
8.º - Pelo que o decidido na douta sentença, se encontra em consonância com as regras previstas nos arts. 7.º, 10.º, 14.º e 18.º da Lei 25/2006, 7.º n.º 1 e 4 do RGIT e 7.º do RGCO, ex vi art. 3.º b) do RGIT.
Assim sendo, entende-se que deve improceder o alegado pela recorrente, devendo a sentença recorrida manter-se, nos seus precisos termos.
Termos em que o presente recurso deverá ser julgado improcedente.
VV. Exªs porém, farão a devida JUSTIÇA.
3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA remeteu para a resposta do Ministério Público no TT de Lisboa (fls. 159, verso, dos autos).
4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado na sentença recorrida (fls. 66 a 68 dos autos).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
5 – Da admissibilidade do recurso
Estabelecem os números 1 e 2 do artigo 83.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) que o arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, ou para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de Direito, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória.
No caso dos autos, não foi aplicada sanção acessória e a coima aplicada é de valor inferior ao da alçada - correspondente a um quarto da alçada estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância (ou seja, no caso dos autos 1250,00 euros – cfr. o artigo 24.º n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto) –, razão pela qual o presente recurso não pode ser admitido como recurso ordinário.
É certo que, em casos justificados, admite-se que se receba o recurso com base em fundamentos previstos no artigo 73.º Lei-Quadro das Contra-Ordenações, aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, designadamente quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência (cfr. o n.º 2 do artigo 73.º do RGIT), tendo o despacho de admissão do recurso – a fls. 95 dos autos – feito apelo a este dispositivo legal.
Sucede, porém, que em parte alguma do requerimento de interposição do recurso ou na alegação do recorrente se invoca tal dispositivo ou se alega a verificação dos pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso ao abrigo de tal disposição, não sendo também manifesto – antes pelo contrário – que a decisão recorrida se mostre ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, justificativa da admissão do presente recurso para “melhoria da aplicação do direito”. Como igualmente não é caso de admissão do recurso para “promoção da uniformidade da jurisprudência”, pois nem se conhecem, nem são invocadas pelo recorrente, decisões contraditórias com a que foi proferida.
Não se afigura, pois, que o conhecimento do presente recurso seja manifestamente necessário para a melhoria da aplicação do direito ou para promoção da uniformidade da jurisprudência.
Pelo exposto, é de concluir que não se verificam, in casu, os requisitos de que depende a aceitação do recurso, razão pela qual este não é de admitir.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 12 de Julho de 2017
A Relatora (Isabel Marques da Silva)»

4 – Apreciando
4.1 Da não admissão do recurso
Pretende o reclamante que, contrariamente ao decidido por despacho da Relatora, o recurso seja admitido ao abrigo do n.º 2 do artigo 73.º do RGCO, alegando que foi ao abrigo desta disposição legal que o recurso foi admitido, embora reconheça que o despacho de admissão do recurso não vincula o tribunal superior, que não se pode dizer que o reclamante não tenha na sua alegação suscitado questão que convoca uma melhor aplicação do Direito e até referindo a norma em causa, mormente quando transcreve o sumário do aresto proferido pelo STA sobre a matéria em causa, pelo que dela, precipuamente, se quis prevalecer, que a solução jurídica a dar, em matéria de responsabilização contraordenacional de trabalhador vinculado mediante contrato de trabalho, se afigura importante para a melhor aplicação do Direito, porquanto importa saber se será este o responsável pela atuação ilícita, no âmbito das suas funções, ou a pessoa coletiva a quem presta a sua atividade, sob subordinação e segundo as suas instruções, como se decidiu no douto acórdão da relação do Porto, cujo sumário se transcreveu na respetiva alegação, entendimento este, contrário ao vertido na sentença recorrida e quanto também ali se refere a contrariedade manifesta do julgado recorrido com a jurisprudência do STA fixada sobre a aplicação no tempo da lei 51/2015, a qual não foi naquele acatada, daí que entenda que o reclamante convoca na sua alegação o regime contido no n.º 2 do art. 73.º do RGCO, dele fazendo menção expressa, pelo que cumpre o ónus naquele imposto, devendo o recurso jurisdicional por si interposto ser admitido ao abrigo da referida disposição legal.

Ora, revendo atentamente a alegação do recorrente – a fls. 80 a 93 dos autos – reitera-se o entendimento de que, relativamente à questão da responsabilização do ente colectivo pela contra-ordenação cometida pelo seu empregado, nem o recorrente invocou o n.º 2 do artigo 73.º do RGIT ou alega a verificação dos pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso ao abrigo de tal disposição, não sendo também que a decisão recorrida se mostre ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, justificativa da admissão do presente recurso para “melhoria da aplicação do direito”. E não se pode entender a referência e transcrição do Acórdão da Relação do Porto de 13 de Janeiro de 2013, como fundamentação suficiente na necessidade do recurso para “promoção da uniformidade da jurisprudência”, pois que a norma aplicada naquela decisão – artigo 7.º n.º 2 do RGCO – nem sequer é a alegadamente aplicável no caso dos autos, pois que a que o recorrente pretende que lhe seja aplicável é a norma contida no artigo 7.º do RGIT, cujo teor nem sequer é idêntico ao do artigo 7.º do RGCO.
Já o que concerne à questão da aplicação da lei mais favorável à determinação da sanção contraordenacional, entendemos que, com alguma benevolência, se pode entender que o recorrente, quando cita e transcreve o sumário do Acórdão deste STA de 21-10-2015, rec. n.º 719/15 como exemplificativo da jurisprudência deste STA sobre a questão, justifica a necessidade do recurso “para promoção da uniformidade da jurisprudência”, pois que, de facto, a decisão recorrida, ao não ter considerado a alteração que a Lei n.º 51/2015 operou no quadro sancionatório instituído pela Lei n.º 25/2006 e ao ter fixado a coima no limite mínimo previsto na lei em vigor à data do facto (desconsiderando a redução de tal limite para 7,5 o valor da taxa mínimo introduzido pela Lei n.º 51/2015), contrariou orientação jurisprudencial superior já fixada, que mandou atender oficiosamente a tal alteração.
Justificar-se-á, pois, admitir o recurso, ao abrigo do n.º 2 do artigo 73.º do RGIT, relativamente a esta questão.
- Decisão -
5 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em deferir parcialmente a reclamação, revogando parcialmente o despacho reclamado, e admitir o recurso apenas relativamente à questão, suscitada a título subsidiário, da aplicação da Lei n.º 51/2015 à determinação da sanção contraordenacional.

Custas pelo recorrente na proporção do decaimento, que se fixam em 60%.

Lisboa, 15 de Novembro de 2017. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Ascensão Lopes - Pedro Delgado.