Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01960/18.0BELRS
Data do Acordão:07/11/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário:Tendo sido levada ao probatório a matéria de facto que se considerou relevante e de carácter limitado, sendo certo que tal realidade era já do conhecimento da recorrida, quer no âmbito do próprio processo crime, quer no âmbito do anterior processo de intimação, não se vê que a não notificação expressa da junção de certidões de tais processos possam originar uma invalidade processual destruidora da tramitação processual que se lhe seguiu.
Nº Convencional:JSTA000P24816
Nº do Documento:SA22019071101960/18
Data de Entrada:06/03/2019
Recorrente:A... S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, SA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 3 de Março de 2019, que decidiu não intimar a DIRECÇÃO DE FINANÇAS DO PORTO a notifica-la do relatório final da acção inspectiva de que foi alvo.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
1. A junção de documentos solicitados oficiosamente deveria ter sido notificada à ora recorrente para sobre os mesmos se pronunciar, querendo, e assim ficar assegurado o princípio do contraditório relativamente a essa matéria;
2. In casu, os documentos juntos e nunca notificados à recorrente, foram utilizados para a decisão da causa e da fundamentação da douta decisão;
3. A omissão da notificação da junção dos documentos teve influência na decisão da causa porque tais elementos foram utilizados nessa decisão sem, previamente, se ter assegurado o princípio do contraditório e sem a possibilidade, portanto, de a oponente os poder impugnar, pelo que se verifica, com tal omissão, a nulidade prevista no artigo 201.º do CPC que implica a anulação dos termos subsequentes a essa omissão bem como da própria decisão;
4. Por isso, deverá proceder a arguida nulidade decorrente da falta de notificação à recorrente da junção dos documentos com a consequente anulação da tramitação processual posterior a essa omissão e determinada a baixa dos autos à 1ª Instância para aí se proceder à notificação da junção dos documentos à recorrente e aos trâmites posteriores ao conhecimento da impugnação;
5. A douta decisão em recurso violou, entre outros, os artigos 115.º e 121.º do CPPT e os artigos 3.º, 517.º, 526.° e 201.º do CPC.
Termos em que, e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, anular-se a decisão recorrida, ordenando-se a notificação da junção dos documentos à recorrente, assim se fazendo justiça.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso por entender que:
(…) decorrendo dos autos e estando assente no probatório, não posto em causa, que decorre processo crime por factos relacionados com os dos presentes autos, sendo que a aqui recorrente é co-arguida, o processo de inspecção mencionado nos autos teve necessariamente de ficar suspenso por força do estatuído no artigo 36º, nº 5, al. c) do RCPITA. Suspensão que se manterá até ao arquivamento ou trânsito em julgado do processo crime.
Ora, a recorrente não pode pretender ser notificada de algo que está suspenso, que se não mostra definitivo.
Carece, pois, de fundamento a sua pretensão.(…)”.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. A Requerente, A…………, S. A., então sediada em Rio Tinto, no concelho de Gondomar, foi objeto de uma ação inspetiva [ordens de serviço n.ºs OI201404772, OI201605671, OI201605672 e OI201605673] referente aos seus exercícios de 2010 a 2014 – em relação àqueles dois primeiros anos iniciada em 26 de maio de 2014 –, depois tornada extensiva aos subsequentes, e de cujo projeto de relatório conjunto, de 15 de novembro de 2016, a Requerente veio a ser notificada para poder pronunciar-se.
2. Desde então, de nada mais foi notificada no âmbito daquele processo inspetivo, tendo porém sido notificada em 10 de novembro de 2016 de que o processo inspetivo [ao abrigo de outra ordem de serviço que não as acima referidas] relativamente ao exercício de 2015, havia sido suspenso (com suspensão do respetivo prazo), em face da instauração de um processo penal, com o nuipc515/2016.9IDPRT.
3. Na comarca do Porto corre termos, mas já em fase de julgamento, o processo comum coletivo nuipc189/12.6TELSB, onde a Requerente figura como co-Arguida, pela prática de factos relativos a tributos como o Imposto sobre o Valor Acrescentado e o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, e aos anos de 2010-2015, matéria essa sobre que versa [da estrita perspetiva justributária] a citada ação inspetiva.
4. O relatório final da ação inspetiva mencionada no ponto 1. [e 2.] não foi elaborado porque ela se encontra pendente do desfecho do processo crime mencionado no ponto anterior.
5. Foi no dia 30 de outubro de 2018 que a Requerente apresentou a petição na origem destes autos.
6. O descrito nos pontos 1., 2., II parte, 3.-4. foi já fixado na sentença proferida a 27 de junho de 2017 e transitada em julgado a 4 de setembro de 2017, no processo análogo ao presente, com o nº 52/17.4BEPRT, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, suscitado igualmente pela ora Requerente, mas em que pedia, antes, a intimação da Administração Tributária a que lhe liquidasse [adicionalmente] os tributos que entendesse ainda devidos, da natureza dos acima mencionados e a respeito dos anos sobre que versa a citada ação inspetiva.
Nada mais se deu como provado.

Há que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Pretende a recorrente que não foi cumprido o principio do contraditório consagrado nos artigos 3º, n.º 3, 415º, n.º 1 e 427º, todos do CPC, relativamente às certidões respeitantes a processos judiciais que foram juntas aos autos na sequência do despacho proferido com data de 17/12/2018, bem como do parecer do MºPº datado de 13/12/2018 que deu origem a tal despacho.
Tais certidões deram origem aos factos constantes dos pontos 3. e 6. do probatório.
Extrai-se da leitura atenta da sentença recorrida que tais factos levados ao probatório apenas relevaram, a existência do processo crime, como razão invocada pela recorrida para a suspensão da acção inspectiva, sem na verdade se ter relevado o conteúdo de tal processo e sua tramitação, a existência do processo de intimação que correu termos no TAF do Porto (e em que figurou como autora a aqui recorrente), para se assinalar que a omissão da notificação da suspensão da acção inspectiva por parte da AT deu já origem a dois processos de intimação, sendo este o segundo, o que seria escusado caso tivesse ocorrido a notificação omitida.
Relativamente a este segundo processo é evidente que a sua existência tem uma contribuição limitada para a economia da decisão de que se recorre, relevou-se o mesmo no sentido de dirigir uma critica à actuação faltosa da AT, não se vendo por isso em que medida a audição da recorrente quanto ao mesmo poderia trazer uma mais valia para a própria decisão.
Relativamente ao processo crime realça-se que a recorrente já sobre o mesmo se pronunciou por requerimento datado de 27/11/2018, relativamente ao qual foi, aliás, arguida a sua nulidade sem que a mesma tivesse em tempo sido decretada.
Ou seja, tendo sido levada ao probatório a matéria de facto que se considerou relevante e de carácter limitado, sendo certo que tal realidade era já do conhecimento da recorrida, quer no âmbito do próprio processo crime, quer no âmbito do anterior processo de intimação, não se vê que a não notificação expressa da junção das referidas certidões possam originar uma invalidade processual destruidora da tramitação processual que se lhe seguiu, pelo que, não procede o recurso que nos vinha dirigido.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso que nos vinha dirigido.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 11 de Julho de 2019. – Aragão Seia (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.