Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01500/12
Data do Acordão:01/23/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA
CADUCIDADE DE GARANTIA
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
CASO DECIDIDO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:I - O artigo 183º-A do CPPT, segundo a redacção dada pela Lei nº 40/2008, de 14 de Agosto, restringiu a caducidade da garantia aos casos de reclamação graciosa, sendo que o alcance deste preceito tem de ser lido tendo em conta designadamente o nº 1 do art. 169º do CPPT.
II - Tendo sido atribuído efeito suspensivo à reclamação graciosa, em razão da prestação de garantia, esse efeito mantém-se, ainda que tenha sido declarada a caducidade da garantia por inobservância do prazo de decisão da reclamação graciosa, se for apresentada impugnação judicial na sequência do indeferimento daquela reclamação.
III - É que, nos termos do disposto no art. 169.º, n.º 1, do CPPT, a execução fiscal fica suspensa até à decisão do pleito, sendo que, em relação à reclamação graciosa, a decisão do pleito só ocorrerá quando se formar o caso decidido ou caso resolvido, quando a liquidação se puder considerar estabilizada na ordem jurídica, por a decisão da reclamação graciosa já não ser susceptível de impugnação administrativa (recurso hierárquico) ou contenciosa (impugnação judicial) com fundamento em vícios geradores de anulabilidade.
Nº Convencional:JSTA00068063
Nº do Documento:SA22013012301500
Data de Entrada:12/27/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL - GARANTIA
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART183-A ART169 N1 ART199 N5 ART169 N1 ART195 ART76 N1 ART97 N1 C ART102 ART103 N5
L 15/2001 DE 2001/06/05
L 53-A/2006 DE 2006/12/29
L 40/2008 DE 2008/08/14
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0322/12 DE 2012/04/12; AC STA PROC01155/12 DE 2012/11/21; AC STA PROC0364/12 DE 2012/04/26; AC STA PROC01270/12 DE 2012/12/05
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO 6ED VOLIII PAG341/342
DUARTE MORAIS A EXECUÇÃO FISCAL 2ED PAG80
CARLA RIBEIRO A GARANTIA IDÓNEA PAG23
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A…….., S. A., identificada nos autos, notificada no processo nº. 3247200801021788, da decisão do órgão da execução fiscal, para proceder à prestação de nova garantia idónea, apresentou reclamação no Tribunal Tributário de Lisboa, que decidiu conceder provimento à reclamação, anulando-se o despacho reclamado.

2. Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso para este Supremo Tribunal, Concluindo nas Alegações o seguinte:
“I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a reclamação, acima identificada, a qual considerou que a decisão que mandou proceder à prestação de nova garantia idónea enferma do vicio de violação de lei.
II — Neste âmbito, o theme decidendum, assenta em saber se declarada a caducidade da garantia prestada na pendência da reclamação graciosa com vista à suspensão da execução fiscal, pode a Administração Tributária exigir nova garantia se a executada, discordando da decisão daquela reclamação, bem como da decisão do recurso hierárquico dela interposto, veio a deduzir impugnação judicial.
III - A Fazenda Pública considera que, tal como o preconizado no ofício circulado nº. 60.090 de 2012-05-15, nos termos da actual redacção do n°1 do art. 183º-A do CPPT, introduzida pela Lei 49/2008, de 11 de Agosto, o regime de caducidade da garantia é aplicado só à reclamação graciosa, contrariamente ao regime anterior, em que era aplicável também à impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução, apontando-se o prazo máximo de um ano para a decisão da reclamação graciosa, e de três anos para o julgamento em 1ª instância dos processos judiciais.
IV- Mas na actual redacção do mesmo preceito, aquela é de aplicação restrita às situações de apresentação de reclamação graciosa e, ou, no caso de caducidade, na pendência daquela reclamação, seja posteriormente interposto recurso hierárquico.
V - Nesse caso não pode ser solicitada nova garantia, considerando que subsiste o pleito que se iniciou com a reclamação graciosa.
VI - O mesmo não sucede caso seja interposta Impugnação Judicial, por se passar de um processo administrativo gracioso para um processo administrativo judicial.
VII - Após o reconhecimento da caducidade da garantia, por não ter sido cumprido o prazo máximo de um ano para decisão da reclamação graciosa, o interessado só pode beneficiar da suspensão até á decisão do pleito gracioso.
VIII - Interposto o processo judicial de impugnação só poderia haver nova suspenso do processo de execução se o ora Reclamante prestasse nova garantia idónea.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a Reclamação Improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”.

3. Admitido o recurso, a A……., S.A., requereu a aclaração do despacho de admissão, no que se refere ao efeito suspensivo, nos termos e com os seguintes fundamentos:
“1. Tendo obtido uma decisão desfavorável no âmbito da reclamação sub judice, a FP decidiu recorrer e o Fisco veio agora entender que o processo executivo deixou de estar suspenso por ter sido atribuído efeito suspensivo ao recurso, procurando, assim, retirar qualquer efeito útil quer à reclamação judicial quer à decisão judicial já proferida.
2. Posição que adopta através de uma interpretação absolutamente abusiva do despacho de V. Exa que admitiu o recurso com efeito suspensivo.
3. Como é universalmente aceite e decorre do próprio artigo 278.° do CPPT as reclamações judiciais de actos do órgão de execução fiscal com subida imediata — como sucedeu no caso sub judice — suspendem o processo de execução fiscal até ao trânsito em julgado da decisão que recair sobre a reclamação.
4. Todavia, pese embora o efeito suspensivo da reclamação judicial com subida imediata, a verdade é que o PEF a que a presente reclamação diz respeito (que se encontrava suspenso desde a instauração da reclamação até à admissão do recurso) voltou a constar como activo (i.e. como não suspenso) no dia 22 de Novembro de 2012, (cfr. doc. n.° 1 em anexo), depois da prolação do despacho sub judice.
5. Por outras palavras, o Fisco vem entender que o efeito suspensivo do recurso determina que seja levantada a suspensão do processo executivo, retirando total efeito útil à reclamação e manipulando as decisões proferidas por V. Exa. de forma totalmente oposta ao seu espírito.
6. Com efeito, do entendimento do Fisco sobre o despacho de V. Exa. decorre o seguinte:
a) De imediato seguir-se-ão diligências de penhora;
b) A Reclamante deixa de poder obter certidões a confirmar que tem a sua situação fiscal regularizada, de que necessita para a prossecução do seu objecto social;
c) Coloca em risco o aproveitamento de benefícios fiscais (artigo 14°, n.° 5, al. b), do EBF).
7. Resulta daqui, como é evidente, uma gravíssima lesão dos interesses e direitos da Reclamante e uma necessidade de aclarar o conteúdo do despacho sub judice para que a entidade reclamada o compreenda na sua plenitude.
8. Corre, pois, a Reclamante um grande risco de ver prosseguir o processo executivo não obstante a presente reclamação.
9. O facto de fixar-se ao recurso um efeito suspensivo da sentença, com a consequente impossibilidade da vigência imediata da mesma na ordem jurídica, não quer dizer que a AT possa vir praticar actos no PEF (como a passagem do PEF de suspenso para activo o que, indirectamente, se reconduz à exigência de prestação de nova garantia para suspender o processo), pois a reclamação judicial sub judice tem efeito suspensivo do processo de execução fiscal.
10. Naturalmente, o efeito suspensivo da sentença atribuído ao recurso não prejudica o entendimento de que o processo executivo se deve manter suspenso até ao trânsito em julgado.
11. De outra forma resultaria que a contribuinte, depois de ter reclamado e obtido uma sentença a declarar o despacho reclamado ilegal (ainda que pendente de recurso com efeito suspensivo), estaria numa situação mais gravosa do que após reclamar e antes de ver confirmada a ilegalidade do acto do órgão de execução fiscal a exigir a prestação de uma nova garantia, o que não se pode admitir.
Termos em que se requer que o despacho sub judice seja aclarado no sentido de ficar esclarecido que não obstante V. Exa. ter entendido que o recurso intentado pela FP tem efeito suspensivo da sentença, isso não colide com o facto do PEF estar suspenso para todos os efeitos legais até ao trânsito em julgado do acórdão que vier a recair sobre a presente reclamação e, consequentemente, a entidade reclamada estar vedada de praticar quaisquer actos no referido processo, sob pena de ficar desprovido de qualquer efeito útil a reclamação e a própria decisão de V. Exa”.

4. A A…….., S.A. veio apresentar contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:
“Nestes termos, a Recorrida conclui as suas alegações requerendo que seja o presente recurso julgado improcedente, mantendo-se, consequentemente, a sentença recorrida inalterada, porquanto:
1. Perante as alegações de recurso da Recorrente, foi a ora Recorrida surpreendida com a repetição dos argumentos já invocados perante o Tribunal a quo, sem, refira-se, qualquer esforço de censurar a sentença recorrida, bem como sem sequer identificar no seu requerimento o Tribunal para o qual recorre, o que é afinal um requisito essencial do próprio requerimento de recurso e que determina, desde logo, que não deve ser admissível o presente recurso;
2. Em suma, a Recorrente invoca em sua defesa uma interpretação de um artigo do CPPT sem sequer indicar na letra da lei onde encontra arrimo para a sua interpretação, bem como sem contraditar a jurisprudência unânime sobre a matéria objecto do recurso já proferido pelos Tribunais superiores, a qual foi aliás expressamente invocada pelo Tribunal a quo para fundamentar a sentença recorrida.
3. Com efeito, nada na letra da Lei ou na sua ratio, nos permite concluir que a interpretação dos preceitos legais suportada pela Recorrente tem qualquer fundamento, em particular porque baseia-se em normas — artigos 169.°, n.° 8 e 199.°, n°s 8 e 10, todos do CPPT — que regulam sobre o reforço de garantias ou a prestação de novas garantias em situações completamente diferentes da situação sub judice.
4. A interpretação veiculada nas suas alegações pela Recorrente e que remetem também em seu auxilio num ofício-circulado n.° 60090, de 15 de Maio de 2012 da AT, na qual a decisão reclamada também se fundamentava, é ilegal e, ainda que assim não se entendesse, o que só em hipótese académica se admite e sem conceder, seria inconstitucional por violação do princípio da legalidade e do princípio da confiança.
5. Contrariamente ao sustentado pela Recorrente, o Tribunal a quo bem decidiu, na linha da jurisprudência unânime dos Tribunais superiores, que nos termos do disposto no artigo n.° 169.°, n.° 1, do CPPT, a execução fiscal fica suspensa até à decisão do pleito, sendo que, em relação à reclamação graciosa, a decisão do pleito só ocorrerá quando se formar o caso decidido ou caso resolvido, quando a liquidação se puder considerar estabilizada na ordem jurídica, por a decisão da reclamação graciosa já não ser susceptível de impugnação administrativa (recurso hierárquico) ou contenciosa (impugnação judicial) com fundamento em vícios geradores de anulabilidade; e, por isso, tendo sido atribuído efeito suspensivo a uma reclamação graciosa, em razão da prestação de garantia, esse efeito mantêm-se ainda que tenha sido declarada a caducidade da garantia por inobservância do prazo de decisão da reclamação graciosa, se for apresentada impugnação judicial na sequência do indeferimento.
V. DO PEDIDO
Termos em que a decisão a quo não merece qualquer censura, devendo ser mantida no que respeita à procedência da reclamação judicial apresentada pela ora Recorrida, com as devidas consequências legais.
Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA!”

5. Sobre os requerimentos de fls. 201 e 234, em que a reclamante veio pedir a aclaração do despacho de admissão do recurso, na parte em que lhe atribuiu efeito suspensivo, veio o Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância esclarecer o seguinte: “O efeito suspensivo entende-se da reclamação e não do recurso interposto da sentença.”

6. O Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de o recurso ser de improceder, conforme o seguinte parecer, onde se pode ler, entre o mais, que:
“(…)
À data em que foi constituída a garantia em 2008, não era aplicável o regime de caducidade previsto no art. 183.º-A do C.P.P.T., pois esta disposição tinha sido revogada pela Lei n.º 53-A/06, de 29/12.
Assim, a garantia constituída manter-se-ia válida até à decisão do pleito, nos termos do art. 169.º n.º 1 do C.P.P.T.
É, em face da introdução parcial do que anteriormente se encontrava disposto no que respeita à caducidade da garantia por decurso de prazo, o que operado pela Lei n.º 40/08, de 11/8, apenas com base na pendência de reclamação graciosa, que veio a ser previsto de novo que a caducidade pudesse ocorrer.
Sendo que passou a vigorar desde 1-1-2009, tal levou a que aquela viesse a ser declarada cancelada já em 2010.
Sendo posteriormente apresentada impugnação, parece não ser possível extrair da alteração operada por essa nova previsão, e com base em nada se referir quanto à caducidade no caso de decurso de prazo na pendência de “impugnação, recurso ou oposição” a interpretação que se defende, no sentido de ser exigível nova garantia.
Com efeito) não só em face da norma constante do art. 169.º n.º 1 do C.P.P.T., disposição em que se prevê que, uma vez “prestada garantia”, a execução se mantenha suspensa “até à decisão do pleito”, como tal entendimento parece resultar reforçado da referida alteração ao art. 183.º-A em que nada mais se adianta.
O efeito suspensivo no caso de prestação de garantia que vem a ser declarada caducada, mantém-se assim na impugnação que foi ainda apresentada até à sua decisão final com trânsito em julgado.
Neste sentido se decidiu para além dos já citados nos autos, no acórdão do S.T.A. de 5-12-12, proferido no processo 01270/12.
3. Conclusão.
Parece que o recurso é de improceder”.

7. Com dispensa de vistos, por o processo ser urgente, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
“1. Em 05/02/2008, foi instaurado contra a reclamante o processo de execução fiscal n°3247200801021788 para cobrança de dívida de IRC, relativa ao exercício de 2003, no montante de €37.999.065,04 (fls.18);
2. Em 11/04/2008, a reclamante apresentou reclamação graciosa (fls.18);
3. Em 24/08/2008, juntou aos autos garantia bancária no montante de €49.318.381,93 requerendo a suspensão da execução (fls. 11);
4. Em 18/01/2010, a reclamante requereu no processo fosse verificada a caducidade da garantia bancária prestada;
5. Foi considerado tacitamente deferido o pedido de caducidade da garantia bancária e ordenado o levantamento da mesma (fls. 43 a 45v.);
6. Em 03/06/2011 foi apresentado recurso hierárquico contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa (fls. 48);
7. Em 10/11/2011, no seguimento do indeferimento tácito do recurso hierárquico, a reclamante deduziu impugnação judicial (informação a fls. 55);
8. Por despacho de 06/08/2012 do Sr. Chefe de Finanças, exarado sobre informação dos serviços a fls.54/55 que lhe serve de fundamento, foi ordenada a notificação da executada “... para, em 15 dias, prestar garantia idónea, conforme o previsto no n°8 do art°169° e n°10 do art°199°, sob cominação do n°8 do art°199°, todos do CPPT”;
9. A reclamação foi apresentada em 17/08/2012, conforme carimbo de entrada aposto pelo serviço de finanças a fls.57.

2- DE DIREITO

2. 1. Das questões a apreciar e decidir

A…….., SA., notificada da liquidação adicional de IRC nº 20078310018608, respeitante ao ano de 2003, no montante de €37.999.065,04, correspondente a liquidação e juros compensatórios, apresentou reclamação graciosa, tendo prestado garantia bancária para obter a suspensão do processo de execução fiscal. A executada ora recorrida requereu, em 18/1/2010, a verificação da caducidade da garantia bancária, nos termos do disposto no art. 183º-A do CPPT, aditado pela Lei nº 40/2008, de 11/8, o que veio a ser tacitamente deferido e ordenado o levantamento da mesma (cfr. ponto 5 do probatório).
Como resulta do probatório, por despacho, de 6/8/2012, do Senhor Chefe de Finanças, foi a executada notificada para, no âmbito do processo nº 3247200801021788, proceder à prestação e nova garantia idónea.
Tendo a executada reclamado da referida decisão do órgão de execução fiscal, no Tribunal Tributário de Lisboa, foi a mesma julgada procedente e anulado o despacho reclamado, por sentença proferida, em 23/10/2012.
Para tanto ponderou a Mmª Juíza “a quo” que:
“(…)
Como dissemos, a questão de mérito a decidir consiste em indagar se, quando declarada a caducidade da garantia prestada ao abrigo do disposto no art° 183°-A do CPPT (na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho, alterada pela Lei n°30-B/2002, de 30 de Dezembro) para suspender a execução na pendência da reclamação graciosa, pode a Administração tributária exigir a prestação de nova garantia se a executada, não se conformando com a decisão da reclamação e no seguimento do indeferimento tácito do recurso hierárquico dela interposto, vem a deduzir impugnação judicial.
“(…) Sobre questão em tudo idêntica à dos autos pronunciou-se o STA, no seu Acórdão de 12/04/2012, proc. 0322/12, em cujo sumário doutrinal se escreveu:
«I - Tendo sido atribuído efeito suspensivo à reclamação graciosa, em razão da prestação de garantia, esse efeito mantém-se, ainda que tenha sido declarada a caducidade da garantia por inobservância do prazo de decisão da reclamação graciosa, se for apresentada impugnação judicial na sequência do indeferimento daquela reclamação. II - É que, nos termos do art°169, n°1, do CPPT, a execução fiscal fica suspensa até decisão do pleito, sendo que, em relação à reclamação graciosa, a decisão do pleito só ocorrerá quando se formar o caso decidido ou caso resolvido, quando a liquidação se puder considerar estabilizada na ordem jurídica, por a decisão da reclamação graciosa já não ser susceptível de impugnação administrativa (recurso hierárquico) ou contenciosa (impugnação judicial) com fundamento em vícios geradores de anulabilidade».
Tendo em vista os preceitos legais acima referidos, não encontramos razões válidas para divergir da jurisprudência citada - mantendo-se a execução suspensa na pendência da impugnação judicial sem necessidade de nova garantia - , sendo de destacar que a linha doutrinária do aresto até veio a ser seguida no posterior acórdão daquele alto tribunal, de 26/04/2012, proc. 0364/12.
A decisão reclamada que no processo mandou proceder à prestação de nova garantia idónea, enferma do vício de violação de lei por erro nos pressupostos, conducente à sua anulação (…)”.
Contra este entendimento argumenta a Fazenda Pública, em síntese, que:
“(…) tal como o preconizado no ofício circulado nº. 60.090 de 2012-05-15, nos termos da actual redacção do n°1 do art. 183º-A do CPPT, introduzida pela Lei 49/2008, de 11 de Agosto, o regime de caducidade da garantia é aplicado só à reclamação graciosa, contrariamente ao regime anterior, em que era aplicável também à impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução, apontando-se o prazo máximo de um ano para a decisão da reclamação graciosa, e de três anos para o julgamento em 1ª instância dos processos judiciais.
Nesta sequência, aquele preceito é de aplicação “restrita às situações de apresentação de reclamação graciosa e, ou, no caso de caducidade, na pendência daquela reclamação, seja posteriormente interposto recurso hierárquico”, o mesmo não sucedendo “caso seja interposta Impugnação Judicial, por se passar de um processo administrativo gracioso para um processo administrativo judicial”.
Em face das conclusões, que delimitam o âmbito e o objecto do presente recurso, a questão central a decidir traduz-se em saber se a Mmª Juíza “a quo” incorreu em erro de julgamento quando considerou que, declarada a caducidade, ao abrigo do disposto no art. 183º-A do CPPT, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 49/2008, de 11 de Agosto, da garantia prestada com vista à suspensão da execução fiscal na sequência da dedução de reclamação graciosa contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, não pode a Administração Tributária exigir nova garantia para suspender a execução fiscal, se a executada, discordando da decisão daquela reclamação graciosa, bem como da decisão do recurso hierárquico que dela interpôs, deduzir impugnação judicial.

2.2. Da análise do erro de julgamento

1.O art. 183.º-A, aditado ao CPPT pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, passou a permitir aos interessados obter a declaração de caducidade da garantia prestada pelo contribuinte ou constituída pela Administração Tributária, sem perder o efeito suspensivo da execução, se a reclamação graciosa em que fosse discutida a legalidade da liquidação não fosse decidida no prazo de um ano ou a impugnação judicial em que fosse discutida essa legalidade não estivesse decidida, em 1.ª instância, no prazo de dois anos (ulteriormente alterado para três anos pela Lei n.º 30-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003), a contar da sua apresentação, prazos que eram acrescidos de seis meses caso houvesse lugar à produção de prova pericial; isto é, mesmo após a declaração de caducidade da garantia, se a reclamação graciosa ou a impugnação judicial não fossem decididas dentro dos prazos acima referidos.
Nas palavras de JORGE LOPES DE SOUSA, em anotação ao referido preceito refere que nas situações “(…) em que os processos demorassem mais do que o previsto neste artigo, o processo de execução fiscal continuaria suspenso, mesmo sem garantia, até ao momento em que estaria se a garantia se mantivesse, que é, como se refere no art. 169.º, n.º 1, do CPPT, o da «decisão do pleito»” (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, volume III, anotação 3 ao art. 183.º-A, pág. 342.).
As razões que justificaram a introdução deste regime são indicadas na Proposta de Lei n.º 53/VIII (Proposta publicada no Diário da Assembleia da República, II série A, n.º 19/VIII/2, suplemento de 14 de Dezembro de 2000, págs. 363-(2) a 363-(6).), que esteve na origem da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, onde se pode ler que com o objectivo de “(…) responsabilizar a administração e os tribunais na condução célere e expedita do processo, determina-se o levantamento das garantias prestadas pelo contribuinte para suspender a execução, sempre que a reclamação graciosa não se encontre decidida no prazo de 12 meses ou a impugnação judicial não esteja julgada em primeira instância no prazo de 24 meses. Previne-se, assim, a imposição ao contribuinte de um encargo oculto por razões que lhe são alheias”.
Na verdade, como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 12 de Abril de 2012, proc nº 322/12, “(…) o “encargo oculto” decorrente da prestação ou constituição da garantia resulta muito oneroso para o contribuinte, sobretudo tendo em conta que a garantia deve corresponder ao «valor da dívida exequenda, juros de mora contados até à data do pedido, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25% da soma daqueles valores» (art. 199.º, n.º 5, do CPPT) e que, na ausência de um regime de caducidade, poderia manter-se por tempo indeterminado”.
No mesmo sentido, pondera JORGE LOPES DE SOUSA que “este regime da caducidade tem como perceptível finalidade obstar a que os contribuintes sejam obrigados a suportar por período de tempo excessivo os efeitos negativos para os seus patrimónios que advêm da manutenção da penhora ou da garantia, efeitos esses ampliados pela inércia dos órgãos estaduais competentes para a tramitação dos processos. Por outro lado, a suspensão sem garantia subsequente à declaração de caducidade, aparece como uma compensação pelo ónus que foi imposto ao contribuinte de ter de suportar a garantia durante um período de tempo que se considera suficiente para ser preferida decisão (…)” (Cfr. ob. cit., volume III, anotação ao art. 183.º-A, pp. 341 ss.).
Entretanto, o art. 183.º-A do CPPT veio a ser revogado pelo art. 94.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2007, e, posteriormente, reintroduzido pela Lei n.º 40/2008, de 14 de Agosto, que lhe deu uma nova redacção, restringindo agora o regime da caducidade da garantia ao casos em que a reclamação graciosa não for decidida no prazo de um ano a contar da sua apresentação (Como ficou consignado, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 12 de Abril de 2012, “apesar de a Lei n.º 40/2008 dizer que «[p]rocede à 15.ª alteração ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, repondo o regime jurídico da caducidade das garantias prestadas em processo tributário», a verdade é que não se trata de uma verdadeira reposição do anterior regime, mas de um novo regime, mais restrito, sob a perspectiva dos contribuintes, uma vez que apenas aplicável à reclamação graciosa e já não, como anteriormente, também à impugnação judicial e à oposição à execução fiscal. Acresce que deixou também de se prever o direito à indemnização ao contribuinte pelos encargos que este tenha suportado com a prestação da garantia, se esta caducar”.).
O referido preceito, sob a epígrafe “Caducidade da garantia em caso de reclamação graciosa”, tem o seguinte conteúdo:
“1- A garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal caduca se a reclamação não estiver decidida no prazo de um ano a contra da data da sua interposição”.
2- O regime do número anterior não se aplica se o atraso na decisão resultar de motivo imputável ao reclamante.
3-(…)”.
Assim, para além de se restringir a caducidade da garantia às reclamações graciosas, apenas o atraso na decisão não imputável ao interessado confere o direito à declaração de caducidade da garantia.
Em anotação ao art. 183º-A do CPPT, refere JORGE LOPES DE SOUSA que “o novo prazo de caducidade de um ano aplica-se às reclamações pendentes, de harmonia com a regra do art. 12º, nº 3, da LGT, mas só se conta a partir de 1-1-2009, data fixada no art. 2º daquela Lei nº 40/2008 para a sua entrada em vigor.
Aplicando a doutrina mencionada ao caso dos autos, contando-se o prazo de um ano da data da apresentação da reclamação, que foi, segundo consta dos factos provados, 11/4/2008 (ponto 2 do probatório), quando entrou em vigor a nova redacção dada ao art. 183º-A do CPPT os requisitos da caducidade da garantia ainda não se haviam verificado, tendo começado a contar o ano para a decisão a partir de 1/1/2009.
E porque a reclamação graciosa deduzida pela recorrida contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda não foi decidida dentro do prazo de um ano, a Administração Tributária, no seguimento do requerido pela executada (ponto 4 do probatório), tivesse considerado tacitamente deferido o pedido de caducidade da garantia prestada em ordem a obter a suspensão do processo executivo e ordenado o levantamento da mesma (ponto 5 do probatório).
Resulta igualmente do probatório que, tendo a referida reclamação sido indeferida, foi apresentado recurso hierárquico dessa decisão e, na sequência do indeferimento desse recurso, interpôs a executada impugnação judicial (cfr. pontos 6 e 7 do probatório).
Por despacho de 6/8/2012, do Sr Chefe de Finanças, foi ordenada a notificação da executada, ora recorrida, para prestar garantia idónea conforme o previsto nº 8 do art. 169º e 10 do art. 199º, sob cominação do nº 8 do art. 199º, todos do CPPT (ponto 8 do probatório), com base no entendimento perfilhado no ofício-circulado nº 60090, de 15 de Maio de 2012, segundo o qual nas situações em que o contribuinte obteve caducidade da garantia na pendência da reclamação graciosa, caso impugne judicialmente o indeferimento da reclamação dever-lhe-á ser exigida nova garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal.
Para a Fazenda Pública, como ficou dito, a caducidade da garantia prevista no nº 1 do art. 183º-A, do CPPT, segundo a redacção dada pela Lei nº 49/2008, restringe-se às situações de apresentação de reclamação graciosa e, ou, no caso de caducidade, na pendência daquela reclamação, seja posteriormente interposto recurso hierárquico. Ainda segundo a recorrente aquele regime não se aplica no caso de ser interposta impugnação judicial por se passar de um processo administrativo gracioso para um processo administrativo judicial.
Afigura-se, porém, que não assiste razão à recorrente, porquanto a questão nada tem que ver com a diferente natureza entre a reclamação graciosa e a impugnação judicial.

Vejamos.

2. Não oferece dúvida que o legislador veio restringir a caducidade da garantia aos casos de apresentação de reclamação graciosa, e que, por conseguinte, se a executada tivesse começado por se defender através da impugnação judicial, não poderia beneficiar do regime de caducidade consagrado no art. 183º-A do CPPT.
Acontece que a executada ora recorrida, notificada da liquidação de IRC relativa ao ano de 2003, começou por deduzir reclamação graciosa, seguida de recurso hierárquico e impugnação judicial.
Ora, tendo começado pela reclamação graciosa, refere o art. 169º, nº 1, que:
“A execução ficará suspensa até decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195° ou prestada nos termos do artigo 199° ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente”.
Assim sendo, tendo sido deduzida reclamação graciosa contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, tudo está em saber quando se deve considerar que ocorreu decisão do pleito para os efeitos do nº 1 do art. 169º do CPPT.
Como mencionado na sentença recorrida, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que decorre do art. 169º, nº 1, do CPPT, que a execução fiscal fica suspensa até à decisão do pleito, sendo que, em relação à reclamação graciosa, a decisão do pleito só ocorrerá quando se formar o caso decidido ou caso resolvido, quando a liquidação se puder considerar estabilizada na ordem jurídica, por a decisão da reclamação graciosa já não ser susceptível de impugnação administrativa (recurso hierárquico) ou contenciosa (impugnação judicial) com fundamento em vícios geradores de anulabilidade.
A jurisprudência referida encontra-se vazada, entre outros, no Acórdão de 12 de Abril de 2012, proc. nº 322/12 (Cfr., entre outros, os Acórdão do STA de: 21/11/2012, proc nº 1155/12; 26/4 /2012, proc nº 364/12; e 5/12/2012, proc nº 1270/2012.), no qual interviemos como adjunta e não tendo a recorrente apresentado novos e melhores argumentos, passamos a seguir a fundamentação do referido Acórdão.
Aí se pode ler, reproduzindo a doutrina de JORGE LOPES DE SOUSA, que:
“Especificamente para as situações em que tenha havido declaração de caducidade da garantia, diz o mesmo Autor:«[…] o processo de execução fiscal continuaria suspenso, mesmo sem garantia, até ao momento que estaria se a garantia se mantivesse, que é, como se refere no art. 169.º, n.º 1, do CPPT, o da «decisão do pleito». Deverá entender-se que o pleito fica decidido, no caso de impugnação administrativa, quando se formar o chamado caso decidido ou caso resolvido e, no caso de processo judicial, quando ocorrer o trânsito em julgado da decisão judicial» (Ob. cit., volume III, anotação 3 ao art. 183.º-A, pág. 342.).

Ou seja, no caso de ter sido prestada garantia na sequência de reclamação graciosa deduzida contra a liquidação do tributo que deu origem à dívida exequenda em ordem a obter a suspensão da execução fiscal, esta suspensão só cessa, quer a garantia se mantenha, quer tenha havido declaração de caducidade da garantia, quando a decisão proferida naquela reclamação graciosa já não seja susceptível de impugnação administrativa ou contenciosa, esta com fundamento em vícios geradores de anulabilidade (Como é sabido, relativamente aos vícios geradores de nulidade, a impugnação judicial não fica sujeita a prazo (art. 102.º, n.º 3, do CPPT).); dito de outro modo, quando estiver definitivamente decidida a controvérsia entre a AT e a Contribuinte. Na verdade, a decisão da reclamação graciosa susceptível de ser considerada decisão do pleito para os referidos efeitos será aquela que já não seja susceptível de impugnação judicial por via administrativa – recurso hierárquico (art. 76.º, n.º 1, do CPPT) – ou contenciosa – impugnação judicial (arts. 97.º, n.º 1, alínea c), e 102.º, n.º 2, do CPPT). Só nesses casos se poderá falar na formação de caso decidido ou caso resolvido. Como lapidarmente ficou dito na sentença recorrida «Até lá, a liquidação exequenda não se considera estabilizada na ordem jurídica».
“(…)No sentido de que a suspensão da execução fiscal se mantém nas situações em que seja apresentada impugnação judicial na sequência de reclamação graciosa a que tenha sido atribuído efeito suspensivo, se pronuncia também RUI DUARTE MORAIS, que afirma textualmente:

«O novo n.º 5 deste artigo esclarece também – e bem – uma outra situação que levantava dúvidas: se a impugnação for apresentada na sequência de uma reclamação graciosa e a esta tiver sido atribuído efeito suspensivo pela administração tributária, em razão de prestação de garantia, tal efeito suspensivo manter-se-á ou não no decurso do processo de impugnação? A resposta é, agora, afirmativa (art.º 103º, n.º 5, do CPPT). A atribuição de efeito suspensivo à impugnação é decorrência automática (independentemente de despacho ou requerimento, diz a lei) de tal efeito ter sido atribuído à reclamação, na condição óbvia de se manter a garantia prestada» (A Execução Fiscal, 2.ª edição, Almedina, pág. 80)

E, salvo melhor opinião, nem esta condição referida na parte final do excerto citado – manutenção da garantia prestada – pode ser lida com o alcance pretendido pela Recorrente. É que, nos termos que deixámos referidos, a lei faz equivaler à manutenção da garantia prestada a sua caducidade.
Ainda neste sentido, CARLA RIBEIRO afirma:

«[…] convém ainda referir que uma vez caducado o direito à garantia o mesmo não pode ser repristinado caso o contribuinte não concorde com a decisão da reclamação e decida impugná-la judicialmente. É que não faz sentido que a garantia possa caducar ou deixar de ser exigível, por omissão da decisão administrativa e posteriormente possa ser exigida em consequência de impugnação judicial» (Tese de pós-graduação em Direito Fiscal sob o tema A Garantia Idónea, publicação on line do Centro de Investigação Jurídico Económica da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, pág. 23, disponível em http://www.cije.up.pt/publications/.).

Não se trata, de modo algum, de responsabilizar a AT pelos atrasos na decisão da impugnação judicial, mas apenas de reconhecer que a declaração de caducidade da garantia não pode acarretar para o contribuinte efeitos nefastos que não se verificariam caso a garantia se mantivesse”.
Aplicando o exposto ao caso em análise, a sentença recorrida, que decidiu no sentido apontado, não merece censura alguma, devendo ser confirmada.
Por tudo isto, improcedendo a argumentação da recorrente, o recurso não merece provimento.

III- DECISÃO

Termos em que, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 23 de Janeiro de 2013. - Fernanda Maçãs (relatora) -Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.