Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0689/06
Data do Acordão:08/16/2006
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL.
RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL.
RECURSO JURISDICIONAL.
SUBIDA IMEDIATA.
CRÉDITO LITIGIOSO.
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO.
Sumário:I – Mau grado o carácter taxativo do disposto no artigo 278.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ter subida imediata, sob pena de inconstitucionalidade material do preceito – princípio da tutela judicial efectiva (artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa) – a reclamação de qualquer acto do órgão da execução fiscal que cause prejuízo irreparável ao executado ou em que, com a subida diferida, a reclamação perca toda a utilidade (como pode ser, nomeadamente, a não suspensão da execução com a consequente venda dos bens ou a fixação do valor base para venda).
II – Em tal circunstância, o recurso jurisdicional da sentença deve subir nos próprios autos – artigos 97.º, n.º 1, alínea n) e 278.º, n.º 1, do CPPT -, imediatamente – artigo 734.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – e com efeito suspensivo – artigos 740.º, n.º 1, do CPC e 286.º, n.º 2, in fine, do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00063445
Nº do Documento:SA2200608160689
Data de Entrada:06/20/2006
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECLAMAÇÃO.
Objecto:DESP.
Decisão:DEFERIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART278 N3 ART97 N1 ART224.
CPC96 ART734 N2 ART740 N1.
CONST97 ART268.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC10/05 DE 2005/03/02.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 4ED PAG1049 NOTA5.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
A…, vem reclamar do despacho de fls. 222 e ss. que determinou “que o presente processo não tem carácter urgente e que o mesmo deve ser tramitado como recurso jurisdicional normal”.
Fundamentou-se a decisão em que a reclamante não invocou prejuízo irreparável, pressuposto que, aliás, se não verifica, como é mister face ao disposto no artigo 278.º, n.os 3 e 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sendo que, como resulta do respectivo processo administrativo, “não foi, todavia, efectuada, ainda, a venda nem, por isso, o despacho de adjudicação nem emitido o competente título de transmissão do bem”.
A reclamante alega, em síntese, a verificação do predito “prejuízo irreparável”, dado que, não se considerando o processo urgente, a reclamação perde toda a utilidade pois, considerando a reclamante o crédito como litigioso e entendendo negada a obrigação de o pagar, o respectivo efeito útil fica extinto com o prosseguimento da execução; sendo que, mesmo que a reclamação improceda, sempre o recurso deverá ter efeito suspensivo, “suspendendo-se a execução até ao trânsito em julgado do recurso”, sob pena de se inutilizar o seu efeito útil, que é o de evitar a execução do crédito sem que a recorrente tenha oportunidade, em sede de acção declarativa, de alegar os fundamentos que legitimam o respectivo não pagamento”.
Sem vistos, vem o processo à conferência.
Como se escreveu no aresto deste Supremo Tribunal Administrativo, de 2 de Março de 2005, recurso n.º 10/05-30, do ora relator, é “certo que o dito artigo 278.º apenas a autoriza [a subida imediata da reclamação] quando esteja em causa «prejuízo irreparável» derivado das vicissitudes da penhora e da prestação da garantia, nele elencadas.
Todavia, tal interpretação literal seria inconstitucional por violação do princípio da tutela judicial efectiva constitucionalmente previsto – artigo 268.º, n.º 4 da CRP.
Por modos que há que procurar uma interpretação do preceito conforme à Constituição.
«O alcance da tutela judicial efectiva, não se limita à possibilidade de reparação dos prejuízos provocados por uma actuação ilegal, comissiva ou omissiva, da Administração, exigindo antes que sejam evitados os próprios prejuízos, sempre que possível.
Por isso, em todos os casos em que o diferimento da apreciação jurisdicional da legalidade de um acto lesivo praticado pela administração puder provocar para os interessados um prejuízo irreparável, não pode deixar de se admitir a possibilidade de impugnação contenciosa imediata, pois é essa a única forma de assegurar tal tutela.
Assim, a restrição aos casos previstos deste n.º 3 do artigo 277.º da possibilidade de subida imediata das reclamações que se retira do seu texto, será materialmente inconstitucional, devendo admitir-se a subida imediata sempre que, sem ela, o interessado sofra prejuízo irreparável”.
Cfr. Jorge de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4.ª ed., p. 1049, nota 5.
Como assinala o mesmo autor, estando em causa a cobrança de dívidas, não haverá, em princípio, grave lesão do interesse público dada a possibilidade de a Administração Fiscal promover arresto de bens, com «o mesmo efeito da penhora a nível da eficácia em relação ao processo de execução fiscal dos actos do executado (artigos 622.º e 819.º do Código de Processo Civil)».
«Parece mesmo dever ir-se mais longe e assegurar-se a subida imediata das reclamações sempre que, sem ela, elas percam toda a utilidade».
Pois «nos casos em que a subida diferida faz perder qualquer utilidade à reclamação, a imposição desse regime de subida reconduz-se à denegação da possibilidade de reclamação, pois ela não terá qualquer efeito prático, o que seria incompatível com a Lei Geral Tributária e o referido sentido da lei de autorização legislativa» (Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro), devendo, então, aceitar-se, em tais casos, a subida imediata”.
Dando-se aí, como exemplos, segundo o mesmo autor, a “decisão que recuse suspender o processo de execução” e “a fixação do valor base para a venda”.
Ora, nos autos, a reclamante sustenta a ilegalidade do despacho do Chefe do Serviço de Finanças porquanto, alegando o devedor a existência de uma excepção peremptória consubstanciada na excepção de não cumprimento do contrato que determina a inexigibilidade do crédito, e negada consequentemente a obrigação de o pagar, deve o mesmo ser considerado litigioso com as legais consequências, nomeadamente as previstas no artigo 244.º do CPPT.
Aquela entidade não reconheceu o crédito como litigioso, na base de que “nenhum dos argumentos invocados pela exponente se mostra devidamente comprovado, de modo a poder deitar-se mão ao preceituado no artigo 428.º do Código Civil”.
Nos termos daquele artigo 224.º, epigrafado “Formalidades da penhora de créditos”, “a penhora é feita por meio de auto, nomeando-se depositário o devedor ou o seu legítimo representante, e com observância das seguintes regras: alínea e) – se [o devedor] negar a obrigação, no todo ou em parte, será o crédito considerado litigioso, na parte não reconhecida, e, como tal, será posto à venda por três quartas partes do seu valor”, sendo que – n.º 2 – “no caso de litigiosidade do crédito penhorado, pode também a Fazenda Pública promover a acção declaratória, suspendendo-se entretanto a execução se o executado não possuir outros bens penhoráveis”.
Estando, pois, em causa a qualificação do crédito como litigioso e consequentemente o valor base para a venda, a qualificação do processo como não urgente – mau grado a subida imediata – faz perder qualquer utilidade à reclamação.
A subida imediata da reclamação, sendo correcta, como é, consequencia sempre a urgência do processo – dito artigo 278.º, n.º 5.
Pois só ela propicia o efeito suspensivo do recurso.
Como é sabido, o recurso tem efeito devolutivo quando a sua interposição não obsta à execução imediata da decisão recorrida, dele resultando apenas a atribuição, ao tribunal superior, da possibilidade de alterar ou anular a decisão anterior.
E efeito suspensivo, que assim se lhe contrapõe, quando o recurso, além daquele efeito, tem, ainda, o de impedir que se dê imediata execução à decisão recorrida.
Por modos que não tem qualquer sentido ordenar a subida imediata e nos próprios autos mas com efeito devolutivo.
Nos autos, o recurso deve subir na execução já que a reclamação nela própria é processada - artigos 97.°, n.° 1, alínea n) e 278.°, n.° 1, do CPPT.
Por tal, sobe imediatamente - artigo 734.°, n.° 2, do CPC.
E com efeito suspensivo - artigos 740.º, n.° 1, do CPC e 286°, n.° 2, in fine, do CPPT.
Nos autos, todavia, o recurso já está a ser processado com efeito suspensivo pois que, como se disse, teve subida imediata e nos próprios autos (que não em separado - artigo 737.º do CPC), estando, pois, já concretizado o efeito suspensivo pretendido pela recorrente.
Aliás, nos processos urgentes, como é o caso - artigo 278.°, n.° 5, do CPPT - a tramitação urgente da reclamação consequencia igual urgência na do recurso jurisdicional (cfr. cit. pág. 1051, nota 8 in fine) – pelo que o efeito deste só pode ser o suspensivo, sob pena de se frustar completamente o fim pretendido pela lei: manutenção da penhora com a consequente venda ou da garantia indevida ou superior à devida e prejuízos irreparáveis derivado do prosseguimento da execução, no caso do pedido de suspensão desta ou do dito valor base.
O recurso tem, pois, efeito suspensivo.
É, assim, de concluir pela natureza urgente do presente processo.
Termos em que se defere a reclamação.
Sem custas.
Transitado, abra conclusão.
Lisboa, 16 de Agosto de 2006. Brandão de Pinho (relator) – São Pedro – Fernanda Xavier.