Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0768/15
Data do Acordão:07/09/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:VÍTOR GOMES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROVA DE CONHECIMENTOS
TESTE AMERICANO
SINDICABILIDADE
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:A questão respeitante ao âmbito ou extensão da sindicabilidade pelo tribunal dos actos da Administração de avaliação de provas de conhecimento, prestadas por trabalhadores em funções públicas, mediante testes de escolha múltipla (“teste americano”), em particular quando versem matéria de direito, é juridicamente complexa e susceptível de repetir-se em termos semelhantes num número indeterminado de casos.
Nº Convencional:JSTA000P19284
Nº do Documento:SA1201507090768
Data de Entrada:06/19/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. A…………….. interpõe recurso, ao abrigo do art. 150.º do CPTA, do acórdão do TCA Norte de 20/02/2015, que negou provimento a recurso de sentença do TAF de Coimbra, em acção administrativa especial intentada contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, visando o despacho de homologação da classificação final da avaliação permanente do ciclo de avaliação para inspector tributário nível 2 do grau 4 do GAT.

A pretensão da recorrente é que, perante um teste de avaliação de escolha múltipla, o tribunal considere correctas determinadas respostas que deu a determinadas perguntas e incorrecta a formulação de outras, subindo a classificação final.

Em síntese, o acórdão recorrido entendeu, confirmando a decisão recorrida, que neste domínio da avaliação de provas o que compete aos tribunais administrativos julgar é se a Administração classificou bem, segundo os seus próprios critérios, desde que não ostensivamente inadmissíveis ou com erro manifesto, e não julgar o mérito da formulação das provas e dos critérios de correcção. E que esse limite deve respeitar-se ainda que o conteúdo das provas ou das questões sobre que incide a divergência seja de natureza jurídica, mais precisamente, de direito fiscal.

2. A recorrente enuncia do seguinte modo as questões em função das quais quer aceder à revista excepcional:
“São duas as questões de direito que, pela sua relevância jurídica e social, se revestem de importância fundamental, consistindo a primeira em saber se é ou não sindicável jurisdicionalmente a avaliação da Administração às respostas dadas por candidatos em «testes de escolha múltipla», em que apenas uma das respostas possíveis corresponde à solução correcta para cada questão, estando a resolução desta questão de direito dependente da resolução prévia de uma outra questão também de direito que consiste em saber se, subjacente ao acto de avaliação da Administração de testes de escolha múltipla em que só uma das respostas possíveis a cada questão é a correcta, está ou não subjacente discricionariedade técnica ou se pelo contrário se trata de um mero acto «mecânico» de avaliação, que consiste na simples verificação da correspondência entre a resposta dada e a que foi previamente considerada correcta, consistindo a segunda questão em saber se o erro manifesto surge ou não por exclusão de partes nos casos de avaliação de testes de escolha múltipla em que só uma das respostas possíveis é a correcta, quando se dá como certa uma resposta errada ou vice versa, dado que apenas uma das respostas equacionadas é certa, estando previamente determinada qual é essa resposta, bastando, por conseguinte, para tanto haver cuidado a conferir se a resposta dada corresponde à previamente determinada como correcta e se, apesar de manifesto, carece ou não tal erro de ser invocado por quem for por ele prejudicado para que o acto administrativo impugnado que o comporta possa ser sindicado pelos tribunais administrativos e fiscais.”

3. As decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de jurisdição não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário. Apenas consentem recurso nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, preceito que dispõe que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

4. Apesar da pouca clareza da enunciação pela recorrente das questões jurídicas colocadas e da sua duvidosa cindibilidade, entende-se suficientemente que a questão central do recurso respeita ao âmbito ou extensão da sindicabilidade pelo tribunal dos actos da Administração de avaliação de provas de conhecimento, prestadas por trabalhadores em funções públicas, mediante testes de escolha múltipla (“teste americano”), em particular quando versem matéria de direito. Com efeito, pode razoavelmente questionar-se a aplicabilidade dos habituais fundamentos da limitação da sindicabilidade judicial dos actos de avaliação de conhecimentos nas situações em que a prova tem esse modelo e versa sobre uma matéria que é suposto os juízes conhecerem ou serem capazes de dominar sem intermediação (vid., como casos em que a questão esteve, de algum modo, presente, acs. do STA de 11/12/1997 - Proc. 033241, de 19/04/2007 - Proc.0865/06 e de 26/06/2014 - Proc.01501/13).

Trata-se de uma questão que é susceptível de repetir-se em termos semelhantes quanto ao seu núcleo problemático num número indeterminado de casos, porque são relativamente frequentes as provas de conhecimento com tal modelo no âmbito das relações de trabalho na Administração Pública. E, por outro lado, respeita aos limites funcionais da jurisdição administrativa ou, pelo menos, questiona os termos tradicionais da sua fundamentação, como o acórdão recorrido revela, o que é matéria juridicamente complexa.

Assim, atendendo à susceptibilidade de expansão da controvérsia e à relevância jurídica fundamental da matéria sobre que versa, justifica-se a admissão do recurso.

5. Decisão
Pelo exposto, decide-se admitir a revista.

Lisboa, 9 de Julho de 2015. – Vítor Gomes (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.