Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0582/20.0BEPNF
Data do Acordão:09/08/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
RECURSO JUDICIAL
DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA
PRAZO
Sumário:A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
Nº Convencional:JSTA000P28098
Nº do Documento:SA2202109080582/20
Data de Entrada:06/02/2021
Recorrente:A............-UNIPESSOAL, LDª
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
1.1. A………. – UNIPESSOAL, LDA., identificada nos autos, interpõe recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou intempestivo o recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima, concluindo da seguinte forma as suas alegações:
«I.
A sentença em mérito, julgou intempestivo o recurso judicial apresentado pela Recorrente no dia 01/09/2020, por considerar que na contraordenação tributária aplica-se subsidiariamente o RGIMOS e nessa medida, aplica-se o regime legal defendido no acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães de 30/11/2015, isto é, à contagem do prazo dos arts. 59.º e 60.º do RGIMOS e 80.º do RGIT não se aplica o art. 279.º, alínea e), do CC.
II.
Decisão com a qual a Recorrente não concorda, desde logo e além do mais por discordar da subsunção jurídica feita pelo Tribunal a quo.
III.
Na medida em que, a Recorrente sustenta que a contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art.3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
IV.
E, caso o prazo de interposição do recurso judicial (artigo 80.º do RGIT) termine em período de férias judiciais, o mesmo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do CC.
V.
O nó górdio que brota destes autos – é o de saber se o termo do prazo de interposição de recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima, quando coincida com período de férias judiciais, se deve transferir para o primeiro dia útil seguinte, por força do disposto na alínea e) do art.279.º do CC.
VI.
A notificação da decisão recorrida de aplicação da coima foi feita à Recorrente através da disponibilização no seu portal das finanças, constando da mesma o dia 09/07/2020 como data de geração.
VII.
Da referida notificação constava que “5. A presente notificação considera-se efetuada no décimo quinto (15.º) dia posterior ao primeiro dia útil seguinte ao registo da sua disponibilização” pelo que, a notificação de decisão de aplicação da coima relativamente a estes autos de contraordenação se teria de considerar efetuada no dia 24/07/2020.
VIII.
Acresce que, conforme constante da mesma notificação, a Recorrente dispunha do prazo de 20 dias úteis a contar dessa data para recorrer da decisão proferida, nos termos do artigo 60.º do RGCO, aplicável ex vi artigos3.º, alínea b) e 80.º do RGIT.
IX.
Assim sendo, o prazo de que a Recorrente dispunha para apresentar recurso judicial terminou dia 21/08/2020.
X.
Sucede que, de acordo com o artigo 28.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) que estabelece que as férias judiciais decorrem de 22 de dezembro a 3 de janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de julho a 31 de agosto.
XI.
Do exposto resulta que, o término do prazo para apresentação de recurso por banda da Recorrente terminou em período de férias judiciais. Ora,
XII.
É certo que conforme jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, o prazo para apresentação de recurso da decisão proferida no âmbito dos processos de contraordenação não é um prazo judicial mas um prazo administrativo pelo que não se suspende em férias judicias, por não lhe ser aplicável o regime do artigo 138.º, n.º 1 do CPC.
XIII.
No entanto, conforme resulta da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, cujo teor sufragamos:
“(…) I - A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
II - Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º,alínea e), do CC. (…)”
XIV.
Subscrevemos ainda a brilhante posição vertida num outro acórdão deste mesmo Colendo STA, segundo a qual:
(…)

IV - O facto de o requerimento de interposição de recurso judicial da decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação tributária dever ser apresentado no serviço de finanças, não obsta a que se considere acto a praticar em juízo, pois, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário.
XV.
De igual forma, também Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, em anotação artigo 80.º, Regime Geral das Infrações Tributárias, 4.ª ed., Áreas ed., 2010, pág. 536, expressam que: “Esta solução prende-se com a razão de ser da transferência do prazo prevista no art. 279º, alínea e), do Código Civil, que não é o encerramento dos tribunais, que mesmo em férias continuam com os serviços de secretaria abertos ao público, mas com o facto de durante as férias não serem praticados actos processuais nos processos não urgentes.
Por isso, sendo o requerimento de interposição de recurso ou impugnação judicial dirigido ao tribunal, apesar de apresentado à autoridade administrativa, que é mero intermediário entre o Recorrente e o tribunal, deverão aplicar-se as regras de contagem do prazo como se aquele fosse apresentado neste”.
XVI.
Aqui chegados dúvidas não restam de que, tendo o prazo para a Recorrente apresentar recurso terminado em período de férias judiciais o mesmo transferiu-se para o primeiro dia útil posterior ao seu término por força do preceituado no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil, tendo assim transitado para o dia 01/09/2020.
XVII.
Resultando da petição apresentada em juízo o registo dos serviços postais o dia 01/09/2020, como o dia a considerar para efeitos da prática do ato.
Ora,
XVIII.
Assim sendo, ter-se-á de concluir com afoiteza pela tempestividade do recurso judicial apresentado pela Recorrente a 01/09/2020.
XIX.
Decidindo de modo diverso como decidiu, o Tribunal a quo violou entre outras disposições o conjunto normativo integrado pelas disposições dos artigos 80.º do RGIT, artigo 60.º do RGCO ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, artigo 279.º, alínea e), do CC, artigo 103.º do CPPT, artigo 104.º do CPP e artigo 138.º do CPC, artigo 28.º da LOSJ e ainda o artigo 32.º da CRP.

TERMOS EM QUE,
Concedendo provimento ao recurso e revogado o douto acórdão recorrido, farão Vossas Excelências a habitual, JUSTIÇA!»

1.2. A excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

2. Fundamentação de facto
Embora na decisão recorrida não tenha sido fixado um probatório, dela destacam-se os seguintes factos com base nos quais o recurso judicial da decisão administrativa que aplicou a coima foi julgado intempestivo e que não são questionados neste recurso:
“…a recorrente foi notificada da decisão administrativa de aplicação da coima, nos termos dos arts. 79.º, n.º 2, e 80.º do RGIT, por notificação eletrónica entregue na sua caixa postal eletrónica do Via CTT, no dia 25/6/2020, e apresentou recurso judicial dessa decisão em 1/9/2020.”

3. Fundamentação de direito
3.1. A questão a decidir
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel rejeitou o recurso interposto pela ora Recorrente da decisão administrativa de aplicação da coima por entender que o mesmo era intempestivo. A questão que se coloca neste recurso é o do acerto ou desacerto de tal decisão.
Como se verá, a resposta a esta questão, a da (in)tempestividade, passa por saber se, terminando o prazo para a apresentação do recurso judicial da decisão administrativa que aplicou a coima em férias judiciais, tem aplicação o disposto no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil, ou seja, se terminado o prazo em férias judiciais o recurso pode ser apresentado no primeiro dia útil seguinte às férias judiciais.

3.2. O prazo para interpor recurso judicial da decisão administrativa que aplicou a coima – sua natureza
Dispõe o n.º 1 do artigo 80.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05 de junho):

“1 - As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objecto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação.”

O prazo para a interposição do recurso é, pois, de 20 dias, e conta-se a partir da notificação ao arguido da decisão administrativa que aplicou a coima. O recurso, apesar de ser dirigido ao tribunal tributário de 1.ª instância da área do serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contraordenação (n.º 2 do mesmo artigo), é apresentado, não no tribunal, mas naquele serviço.

A contagem deste prazo, de 20 dias, efetua-se nos termos do artigo 60.º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro), aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, ou seja, suspende-se aos sábados, domingos e feriados e quando o termo do prazo cai em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.

O prazo para a interposição do recurso não é um prazo judicial pois não respeita à prática de um ato num processo judicial, o qual só se inicia com a introdução do processo em juízo, nos termos do n.º 1 do artigo 62.º do RGCO. Trata-se de um prazo substantivo, de caducidade, não se lhe aplicando o regime dos prazos processuais.

3.3. Da aplicação do artigo 279.º, alínea e) do Código Civil
Dispõe o artigo 279.º, alínea e) do Código Civil:

“e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.”

Por seu turno, estabelece o artigo 296.º do Código Civil:
“As regras constantes do artigo 279.º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.”

O Tribunal recorrido entendeu não ser de aplicar o disposto no artigo 279.º, alínea e) do Código Civil, argumentando, no essencial, que a interposição do recurso não configura uma ato a praticar em juízo, na medida em que o recurso dá entrada no serviço tributário e não no tribunal.

Ora, esta questão tem vindo a ser decidida de forma reiterada e uniforme pelo Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que a apresentação do requerimento de interposição de recurso judicial de decisão de aplicação da coima em processo de contraordenação fiscal é um ato a praticar em juízo. O que não é o mesmo que dizer-se que o prazo é um prazo judicial. Ou seja, nada tem a ver aquela afirmação com a natureza do prazo não judicial, tal como acima o definimos.
A natureza judicial do recurso resulta do facto de o pedido ser dirigido ao tribunal e cuja decisão lhe está cometida em exclusividade. O facto de, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 80.º do RGIT, o requerimento de interposição do recurso dever ser apresentado no serviço de finanças onde foi instaurado o processo de contraordenação em nada interfere com a natureza do ato. Neste caso, o serviço tributário é, funcionalmente um mero recetáculo do requerimento e é assim também que é percecionado pelo interessado em recorrer (cf. neste sentido o acórdão deste Tribunal de 20/04/2020, proferido no processo 0653/19.6BECBR).

De qualquer modo, como foi referido no acórdão deste Tribunal de 21/09/2011, proferido no processo 0318/11 (e no qual é indicada a jurisprudência anterior no mesmo sentido), «ainda que eventualmente se viesse a concluir não ser esta a melhor interpretação, em face da uniformidade da jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e da susceptibilidade dela gerar a confiança dos interessados na manutenção daquela posição, sempre seria de manter tal jurisprudência, por evidentes razões de sensatez e razoabilidade e porque não está em causa a necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes.».

Invocou o Tribunal a quo o acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 473/2001, de 24/10/2001 ( proferido no processo com o n.º 371/2001 e publicado no Diário da República, II Série, n.º 276, de 28 de novembro) que decidiu «[n]ão considerar inconstitucional, designadamente por violação do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, o disposto nos artigos 59.º, n.º 3, e 60.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na interpretação de que, terminando em férias judiciais o prazo para a interposição do recurso neles previsto, o mesmo não se transfere para o 1.º dia útil após o termos destas».

Contudo, e como também ficou bem explícito naquele mesmo acórdão deste Tribunal que atrás citamos, «esta jurisprudência constitucional em nada contende com a citada posição da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, pois, como é óbvio, não incorpora qualquer juízo sobre qual das teses em confronto faz a melhor interpretação da lei.».

Pelo que fica dito, concluímos que o prazo aqui em causa, porque terminava em período de férias judiciais, se transferiu para o dia 01 de setembro, primeiro dia útil seguinte ao termo das férias judiciais – neste sentido, ainda, os recentes acórdãos de 23 de junho de 2021, processo 571/20.5BEPNF e de 13/07/2021, processo 0579/20.0BEPNF. E, em consequência, também é forçoso concluir pela tempestividade do recurso interposto da decisão administrativa de aplicação da coima aqui em causa

O recurso merece, pois, provimento, não podendo manter-se o despacho recorrido, que decidiu em sentido diverso.

3.4. Conclusões
Tendo em conta o que fica dito, podemos concluir (adotando também as conclusões do acórdão que vimos citando):
I -A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
II -Porque esse prazo não respeita a acto a praticar num processo judicial, antes constituindo um prazo de caducidade de natureza substantiva, não lhe é aplicável o regime dos prazos processuais.
III -No entanto, terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do CC.
IV -O facto de o requerimento de interposição de recurso judicial da decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação tributária dever ser apresentado no serviço de finanças, não obsta a que se considere acto a praticar em juízo, pois, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário.

4. Decisão
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acorda-se em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que não seja de rejeição do recurso judicial da decisão de aplicação da coima pelo mesmo motivo.

Sem custas.

Lisboa, 08 de setembro de 2021
Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (Relatora, que consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que têm voto de conformidade com o presente acórdão os Senhores Juízes Conselheiros que integram a presente formação de julgamento, Francisco António Pedrosa de Areal Rothes e Joaquim Manuel Charneca Condesso)