Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0122/12 |
Data do Acordão: | 04/12/2012 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | DULCE NETO |
Descritores: | ACTO DE LIQUIDAÇÃO RECLAMAÇÃO GRACIOSA RECURSO HIERÁRQUICO IMPUGNAÇÃO JUDICIAL ERRO NA FORMA DE PROCESSO ANULAÇÃO DO PROCESSADO CONVOLAÇÃO |
Sumário: | I - Estando em causa a legalidade de um acto tributário de liquidação e não tendo sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto, a decisão proferida no recurso hierárquico subsequente a reclamação graciosa é passível de impugnação judicial a apresentar no prazo de 90 dias contados da notificação da decisão do recurso hierárquico (artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT).
II - Se o contribuinte interpõe acção administrativa especial, a convolação em processo de impugnação judicial constitui um poder/dever vinculado do juiz da causa (artigos 98.º n.º 4 do CPPT e 97.º nº 3 da LGT), que apenas pode ser afastado quando a convolação se mostre inviável perante a inidoneidade da petição inicial, a manifesta improcedência da pretensão ou a extemporaneidade da petição em função do meio processual adequado. III - A errónea indicação do meio de defesa na notificação efectuada ao contribuinte não torna idóneo o meio processual utilizado, determinando apenas a aplicação do disposto no artigo 37°, n.º 4 do CPPT no caso de se tornar impossível a convolação no meio processual adequado. IV - Já a errónea indicação do prazo para reagir judicialmente deve ser valorada quando a petição foi oferecida dentro do prazo assinalado na notificação, face ao princípio geral de direito da boa fé, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, por se tratar de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas. V - O erro na forma de processo e a convolação efectuada deve determinar a anulação de todos os actos posteriores à petição se a contestação foi apresentada por quem não detinha competência para representar a administração tributária junto do tribunal tributário de 1ª instância. |
Nº Convencional: | JSTA00067518 |
Nº do Documento: | SA2201204120122 |
Data de Entrada: | 02/03/2012 |
Recorrente: | SUBDIRGER DOS IMPOSTOS |
Recorrido 1: | A......, SA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL |
Área Temática 2: | DIR PROC CIV |
Legislação Nacional: | LGT98 ART91 N3 CPPTRIB99 ART37 N4 ART76 N2 ART98 N4 ART102 N1 E ART112 ART15 N1 CPC98 ART161 N6 ART198 N3 ART199 CPTA02 ART58 N4 A ART81 CONST76 ART20 N1 ART68 N4 |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC1108/08 DE 2009/04/15; AC STA PROC461/09 DE 2009/09/09 |
Referência a Doutrina: | JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED PAG578 PAG581. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. O SUBDIRECTOR-GERAL DOS IMPOSTOS recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a fls. 81 a 93, que, após proceder à convolação em processo de Impugnação Judicial da Acção Administrativa Especial instaurada pelo A………, SA, contra o indeferimento do Recurso Hierárquico interposto da decisão de improcedência da Reclamação Graciosa deduzida com vista ao reconhecimento de isenção de IRC incidente sobre juros de depósito a prazo pagos ao “Fundo de Pensões dos CTT” e à devolução de 2.614,50€ referente a retenção na fonte indevidamente efectuada em 20/11/1993, julgou procedente essa Impugnação Judicial. 1.1. Rematou as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: A) A sentença sob recurso entendeu ser possível a convolação dos autos da Acção Administrativa Especial nos autos de Impugnação Judicial, nos termos do n° 4 do art. 98° do CPPT, e do n° 3 do art. 97° da LGT, dando como verificado o requisito da respectiva tempestividade. B) Considerou, para tal, que, embora a acção tenha sido interposta em 26/01/2007, isto é, para além do prazo de 90 dia a contar da notificação despacho de indeferimento do recurso hierárquico que indeferiu a reclamação, a qual ocorreu em 27/10/2006, prazo esse que terminara em 25/01/2007, tal não constitui obstáculo à respectiva convolação, porque a notificação efectuada pela Administração ao então Autor e ora Recorrido, que indicava como meio de reacção de indeferimento do recurso hierárquico a Acção Administrativa Especial e o prazo de três meses para a apresentar, o que o Autor cumpriu. C) Pelo que a sentença a quo entendeu que sendo tempestiva a petição inicial para o meio processual errado indicado na notificação, deverá considerar-se tempestiva a mesma petição para o meio processual correcto, nos termos do disposto no art. 58°, n° 4, al. a), do CPTA, aplicável ex vi art. 2° do CPPT. D) É entendimento jurisprudencial unânime que o prazo a considerar para efeitos de convolação é necessariamente o prazo de interposição do meio processual correcto. E) A sentença recorrida reconheceu que o prazo de 90 dias prescrito no art. 102°, n° 1, al. e) do CPPT, estava ultrapassado, porém, ainda assim, entendeu ser tempestiva a petição inicial. F) O art. 58°, n° 4, al. a), do CPTA, aplica-se à impugnação administrativa, não sendo susceptível de ser invocado por via subsidiária para efeitos de tempestividade de impugnação da liquidação, ainda que sob o pretexto da primazia da justiça material sobre questões de índole formalistas. G) Com efeito, no concreto caso, está em causa um meio processual tributário próprio para reagir contra o acto de liquidação de imposto, com uma tramitação e regras próprias e, nessa medida, será na lei processual tributária que haverá que encontrar a resposta para a questão. H) Assim resulta do art. 20° da Constituição da República e do art. 95° da LGT, segundo o qual, “o interessado tem direito a impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei”. I) Sobre esta matéria, dispõe o art. 37° do CPPT, sob a epígrafe “Comunicação ou notificação insuficiente”, no seu n° 4: “No caso de o tribunal vir a reconhecer como estando errado o meio de reacção contra o acto notificado indicado na notificação, poderá o meio de reacção adequado ser ainda exercido no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial”. J) Porém, a Meritíssima Juíza a quo preteriu a aplicação do n° 4 do art. 37° do CPPT e convocou o art. 58°, n° 4, do CPTA, com base no teor equívoco da notificação do indeferimento do recurso hierárquico por parte da Administração Tributária, suprindo, por uma via mais expedita a falta do requisito de tempestividade para operar a convolação, o que não traduz, salvo o devido respeito, uma correcta interpretação e aplicação da lei ao caso sub judicio. M) A convolação, salvo melhor, não podia ter sido ordenada porque a tal obsta a necessária tempestividade. E no caso de se entender que o meio processual indicado na notificação era indutor de erro, sempre prevaleceria o prescrito no n° 4 do art. 37° do CPPT, por estarem verificados os pressupostos para a sua aplicação. N) Com efeito, se a indicação errónea da indicação do meio de defesa na notificação efectuada ao contribuinte, aqui Recorrido, não só não tem como consequência tomar como idóneo o meio processual utilizado, até porque tal indicação não deixa de ser meramente indicativa e não afasta a obrigatoriedade de utilização do meio processual adequado à pretensão do contribuinte por parte do mandatário judicial que o representa em juízo. O) Também não tem a virtualidade de, por razões de celeridade processual ou aproveitamento dos actos, subverter ou contornar os meios processuais, regras e prazos privativos do processo tributário. P) Designadamente, não é indiferente a legitimidade passiva consoante se esteja perante uma impugnação judicial ou uma acção administrativa especial. A Entidade Pública, ora Recorrente, carece de legitimidade para ser demandada nos autos de impugnação judicial, uma vez que, nos termos consignados no art. 15°, n° 1, do CPPT, compete ao Representante da Fazenda Pública, que é nos tribunais tributários o Director de Finanças, representar a administração tributária no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal. Q) Contrariamente ao entendimento plasmado na decisão recorrida, não pode o intérprete e aplicador da lei, sob o pretexto de rejeitar uma interpretação estritamente formalista das normas processuais, afastar as regras de hermenêutica consubstanciadas no art. 9° do Código Civil, devendo, outrossim, entre os vários sentidos da norma, aplicar aquele que lhe permita realizar a finalidade do processo, sem cair numa interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, levando em consideração que as regras processuais, mesmo que adjectivas, existem por razões de segurança da ordem jurídica, da justiça e da eficiência, inclusive, da igualdade de armas e do contraditório. R) Quanto ao mérito da causa, decidiu o Tribunal recorrido, com apoio no Ac. do STA de 09/09/2009, Proc. n° 362/09, que a interpretação da AT que negou legitimidade ao substituto tributário para efectuar o pedido de retenção na fonte com base no art. 153° do CPT (actual 132° do CPPT), viola a lei, dado que o substituto tributário tem um interesse directo em demandar uma ilegal liquidação por retenções na fonte, não apenas nos casos de entrega de imposto superior ao retido, previsto no n° 1 do art. 132° do CPPT, mas em todos os outros em que prove ter interesse em demandar, interesse que se há-de presumir pois é sujeito da relação tributária e equiparado a contribuinte para efeitos de legitimidade tributária, cfr. os arts. 18°, n° 3, da LGT, 9°, n°1 e 4, do CPPT e 26° do CPC. S) Com todo o respeito, a interpretação que a, aliás, douta sentença recorrida fez dos arts. 18°, n°3 da LGT, 9º, n°1 e 4 do CPPT, bem como do art. 132° do mesmo CPPT, não tem, na letra ou no espírito das normas, um mínimo de correspondência. T) O art. 9°, n° 1, do CPPT confere, na esteira do art. 18° da LGT, legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, aos contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido. U) É, pois, uma norma que contempla uma noção geral da regra da legitimidade no procedimento tributário mas não esgota essa mesma matéria, designadamente, no que aqui importa, o n° 1 do art. 132° do mesmo Código diz que retenção na fonte é susceptível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido. V) Ora, a razão de ser desta norma, em confronto com o disposto no art. 95° da LGT, ao conferir legitimidade ao substituto para reclamar ou impugnar das retenções na fonte por si efectuadas, é a de garantir que este tem a adequada tutela jurídica dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, cfr. 268°, n° 4 da CRP, face ao carácter lesivo que para si possa assumir um acto de retenção na fonte. W) O legislador não pretendeu multiplicar situações de legitimidade em casos de retenção na fonte, ao substituto e ao substituído tributário, mas apenas conferir tal legitimidade a um dos mesmos e sempre que o carácter lesivo do acto se repercuta directa e imediatamente na esfera jurídica do substituto ou do substituído tributário. X) Deste modo, a retenção na fonte só assume um carácter lesivo para o substituto tributário quando este entrega imposto superior ao que reteve, por ser ele e não o substituído tributário, que fica privado dessas quantias e, ainda assim, desde que não lhe seja possível corrigir os montantes a mais entregues nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano do pagamento indevido, cfr. n° 2 do referido art. 132° do CPPT. AA) De acordo com a mesma regra do carácter lesivo do acto, se a retenção foi feita em montante superior ao devido ou se a mesma nem sequer era devida, a legitimidade para reclamar ou impugnar é do substituído tributário por ser este que fica, de facto, lesado na sua esfera jurídica por não ter recebido as quantias que o substituto indevidamente reteve. BB) Refira-se que este regime de legitimidade é consentâneo com o princípio constitucional da tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos sendo assegurado sempre, quer ao substituto tributário quer ao substituído tributário, a faculdade de reclamar ou impugnar, sempre que sejam afectados na sua esfera jurídica por determinado acto de retenção na fonte. CC) Donde que, salvo o devido respeito, a interpretação plasmada na douta sentença recorrida faz dos art. 18°, n° 3 da LGT e dos arts. 9°, n°1 e 4, do CPPT, não encontra qualquer correspondência quer na letra quer no espírito dessas normas tendo mesmo descurado o elemento sistemático, histórico e teleológico na interpretação das mesmas em conjugação com o art. 132° do CPPT, do que resulta uma verdadeira interpretação ab-rogante deste último artigo que, curiosamente, até regulamenta aqueles mesmos artigos 18°, n° 3 da LGT e art. 9°, n° 1, do CPPT. DD) Ao decidir como decidiu a sentença recorrida, é certo com base em alguma jurisprudência desse STA, sacrifica por completo a norma do art. 132° do CPPT, o que só é possível por a ter considerado um verdadeiro lapso ou erro do sistema, no fim visado pelo legislador. EE) E, salvo melhor, não convence a “explicação” dada na sentença recorrida de que o não reconhecimento da legitimidade ao substituto para reclamar e impugnar a retenção na fonte que era indevida, assumiria contornos ainda mais gravosos atendendo a que o ora Recorrido teria procedido à devolução à beneficiária dos rendimentos, do montante indevidamente retido, o que o colocaria na posição de se ver sem a possibilidade legal de recuperar um montante que entregou indevidamente nos cofres do Estado, porquanto, a questão que se deve colocar para efeitos de reclamação ou de impugnação é a do carácter lesivo que o acto de retenção tem que revestir para que o substituto tributário dele possa reclamar e não a da responsabilidade que este assume pelo pagamento da prestação tributária perante a AT ou o substituído. FF) E, por outro lado, a responsabilidade que o substituto tributário assume pelo pagamento da prestação tributária, ser uma situação distinta que não se deve confundir com a da legitimidade para reclamar ou impugnar. GG) É que, a responsabilidade prevista no art. 28° da LGT, pelo pagamento da prestação tributária corresponde já a uma outra situação patológica da relação de imposto, em que o substituto é responsável, perante a AT, nos casos em que incumpre por ter efectuado as retenções na fonte mas não as ter entregue ao Estado. HH) A responsabilidade, pelo incumprimento da obrigação tributária não pode servir para estender o âmbito da norma que confere ao substituto legitimidade para reclamar ou impugnar, até porque, no caso em concreto, não estamos perante uma situação de incumprimento, perante a AT, por parte do substituto tributário. II) E, no que toca à responsabilidade civil que o substituto possa ter perante o substituído, ela não importa para a relação que, quer o substituto quer o substituído, têm perante a AT, sendo só esta aquela que tem de ser acautelada pelas normas processuais tributárias., independentemente de, no âmbito do processo judicial tributário, o art. 129° do CPPT prever que o substituto possa intervir como assistente nas impugnações deduzidas pelo substituído tributário e vice-versa. Termos em que, e nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas. deverá o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, revogando-se a decisão judicial recorrida e ser substituída por outra que não determine a convolação dos presentes autos da Acção Administrativa Especial em autos de Impugnação Judicial por intempestividade da Petição Inicial, ou, se assim não se entender, ordenar-se a convolação dos presentes autos em Impugnação Judicial, determinando-se a anulação de todo o processado a partir da contestação (inclusive), por a representação da administração tributária se deferir no Representante da Fazenda Pública e, após o trânsito, autuar o processo como Impugnação judicial, notificando o Representante da Fazenda Pública nos termos e para os efeitos do nos termos do art. 15°, n° 1 e art. 110º do CPPT, ou ainda, se assim não se entender, julgar-se improcedente o pedido do ora Recorrido, por não provado, mantendo-se, em consequência na ordem jurídica o despacho impugnado.
− saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por desacertada interpretação da lei, ao julgar ser possível a convolação da Acção Administrativa Especial em Impugnação Judicial; 3.1. DA QUESTÃO DA CONVOLAÇÃO. 3.2. DA QUESTÃO DA ANULAÇÃO DO PROCESSADO. |