Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0122/12
Data do Acordão:04/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:ACTO DE LIQUIDAÇÃO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
RECURSO HIERÁRQUICO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
ANULAÇÃO DO PROCESSADO
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - Estando em causa a legalidade de um acto tributário de liquidação e não tendo sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto, a decisão proferida no recurso hierárquico subsequente a reclamação graciosa é passível de impugnação judicial a apresentar no prazo de 90 dias contados da notificação da decisão do recurso hierárquico (artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT).

II - Se o contribuinte interpõe acção administrativa especial, a convolação em processo de impugnação judicial constitui um poder/dever vinculado do juiz da causa (artigos 98.º n.º 4 do CPPT e 97.º nº 3 da LGT), que apenas pode ser afastado quando a convolação se mostre inviável perante a inidoneidade da petição inicial, a manifesta improcedência da pretensão ou a extemporaneidade da petição em função do meio processual adequado.

III - A errónea indicação do meio de defesa na notificação efectuada ao contribuinte não torna idóneo o meio processual utilizado, determinando apenas a aplicação do disposto no artigo 37°, n.º 4 do CPPT no caso de se tornar impossível a convolação no meio processual adequado.

IV - Já a errónea indicação do prazo para reagir judicialmente deve ser valorada quando a petição foi oferecida dentro do prazo assinalado na notificação, face ao princípio geral de direito da boa fé, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, por se tratar de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas.

V - O erro na forma de processo e a convolação efectuada deve determinar a anulação de todos os actos posteriores à petição se a contestação foi apresentada por quem não detinha competência para representar a administração tributária junto do tribunal tributário de 1ª instância.

Nº Convencional:JSTA00067518
Nº do Documento:SA2201204120122
Data de Entrada:02/03/2012
Recorrente:SUBDIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A......, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL
Área Temática 2:DIR PROC CIV
Legislação Nacional:LGT98 ART91 N3
CPPTRIB99 ART37 N4 ART76 N2 ART98 N4 ART102 N1 E ART112 ART15 N1
CPC98 ART161 N6 ART198 N3 ART199
CPTA02 ART58 N4 A ART81
CONST76 ART20 N1 ART68 N4
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1108/08 DE 2009/04/15; AC STA PROC461/09 DE 2009/09/09
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED PAG578 PAG581.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. O SUBDIRECTOR-GERAL DOS IMPOSTOS recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a fls. 81 a 93, que, após proceder à convolação em processo de Impugnação Judicial da Acção Administrativa Especial instaurada pelo A………, SA, contra o indeferimento do Recurso Hierárquico interposto da decisão de improcedência da Reclamação Graciosa deduzida com vista ao reconhecimento de isenção de IRC incidente sobre juros de depósito a prazo pagos ao “Fundo de Pensões dos CTT” e à devolução de 2.614,50€ referente a retenção na fonte indevidamente efectuada em 20/11/1993, julgou procedente essa Impugnação Judicial.
1.1. Rematou as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A) A sentença sob recurso entendeu ser possível a convolação dos autos da Acção Administrativa Especial nos autos de Impugnação Judicial, nos termos do n° 4 do art. 98° do CPPT, e do n° 3 do art. 97° da LGT, dando como verificado o requisito da respectiva tempestividade.
B) Considerou, para tal, que, embora a acção tenha sido interposta em 26/01/2007, isto é, para além do prazo de 90 dia a contar da notificação despacho de indeferimento do recurso hierárquico que indeferiu a reclamação, a qual ocorreu em 27/10/2006, prazo esse que terminara em 25/01/2007, tal não constitui obstáculo à respectiva convolação, porque a notificação efectuada pela Administração ao então Autor e ora Recorrido, que indicava como meio de reacção de indeferimento do recurso hierárquico a Acção Administrativa Especial e o prazo de três meses para a apresentar, o que o Autor cumpriu.
C) Pelo que a sentença a quo entendeu que sendo tempestiva a petição inicial para o meio processual errado indicado na notificação, deverá considerar-se tempestiva a mesma petição para o meio processual correcto, nos termos do disposto no art. 58°, n° 4, al. a), do CPTA, aplicável ex vi art. 2° do CPPT.
D) É entendimento jurisprudencial unânime que o prazo a considerar para efeitos de convolação é necessariamente o prazo de interposição do meio processual correcto.
E) A sentença recorrida reconheceu que o prazo de 90 dias prescrito no art. 102°, n° 1, al. e) do CPPT, estava ultrapassado, porém, ainda assim, entendeu ser tempestiva a petição inicial.
F) O art. 58°, n° 4, al. a), do CPTA, aplica-se à impugnação administrativa, não sendo susceptível de ser invocado por via subsidiária para efeitos de tempestividade de impugnação da liquidação, ainda que sob o pretexto da primazia da justiça material sobre questões de índole formalistas.
G) Com efeito, no concreto caso, está em causa um meio processual tributário próprio para reagir contra o acto de liquidação de imposto, com uma tramitação e regras próprias e, nessa medida, será na lei processual tributária que haverá que encontrar a resposta para a questão.
H) Assim resulta do art. 20° da Constituição da República e do art. 95° da LGT, segundo o qual, “o interessado tem direito a impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei”.
I) Sobre esta matéria, dispõe o art. 37° do CPPT, sob a epígrafe “Comunicação ou notificação insuficiente”, no seu n° 4: “No caso de o tribunal vir a reconhecer como estando errado o meio de reacção contra o acto notificado indicado na notificação, poderá o meio de reacção adequado ser ainda exercido no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial”.
J) Porém, a Meritíssima Juíza a quo preteriu a aplicação do n° 4 do art. 37° do CPPT e convocou o art. 58°, n° 4, do CPTA, com base no teor equívoco da notificação do indeferimento do recurso hierárquico por parte da Administração Tributária, suprindo, por uma via mais expedita a falta do requisito de tempestividade para operar a convolação, o que não traduz, salvo o devido respeito, uma correcta interpretação e aplicação da lei ao caso sub judicio.
M) A convolação, salvo melhor, não podia ter sido ordenada porque a tal obsta a necessária tempestividade. E no caso de se entender que o meio processual indicado na notificação era indutor de erro, sempre prevaleceria o prescrito no n° 4 do art. 37° do CPPT, por estarem verificados os pressupostos para a sua aplicação.
N) Com efeito, se a indicação errónea da indicação do meio de defesa na notificação efectuada ao contribuinte, aqui Recorrido, não só não tem como consequência tomar como idóneo o meio processual utilizado, até porque tal indicação não deixa de ser meramente indicativa e não afasta a obrigatoriedade de utilização do meio processual adequado à pretensão do contribuinte por parte do mandatário judicial que o representa em juízo.
O) Também não tem a virtualidade de, por razões de celeridade processual ou aproveitamento dos actos, subverter ou contornar os meios processuais, regras e prazos privativos do processo tributário.
P) Designadamente, não é indiferente a legitimidade passiva consoante se esteja perante uma impugnação judicial ou uma acção administrativa especial. A Entidade Pública, ora Recorrente, carece de legitimidade para ser demandada nos autos de impugnação judicial, uma vez que, nos termos consignados no art. 15°, n° 1, do CPPT, compete ao Representante da Fazenda Pública, que é nos tribunais tributários o Director de Finanças, representar a administração tributária no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal.
Q) Contrariamente ao entendimento plasmado na decisão recorrida, não pode o intérprete e aplicador da lei, sob o pretexto de rejeitar uma interpretação estritamente formalista das normas processuais, afastar as regras de hermenêutica consubstanciadas no art. 9° do Código Civil, devendo, outrossim, entre os vários sentidos da norma, aplicar aquele que lhe permita realizar a finalidade do processo, sem cair numa interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, levando em consideração que as regras processuais, mesmo que adjectivas, existem por razões de segurança da ordem jurídica, da justiça e da eficiência, inclusive, da igualdade de armas e do contraditório.
R) Quanto ao mérito da causa, decidiu o Tribunal recorrido, com apoio no Ac. do STA de 09/09/2009, Proc. n° 362/09, que a interpretação da AT que negou legitimidade ao substituto tributário para efectuar o pedido de retenção na fonte com base no art. 153° do CPT (actual 132° do CPPT), viola a lei, dado que o substituto tributário tem um interesse directo em demandar uma ilegal liquidação por retenções na fonte, não apenas nos casos de entrega de imposto superior ao retido, previsto no n° 1 do art. 132° do CPPT, mas em todos os outros em que prove ter interesse em demandar, interesse que se há-de presumir pois é sujeito da relação tributária e equiparado a contribuinte para efeitos de legitimidade tributária, cfr. os arts. 18°, n° 3, da LGT, 9°, n°1 e 4, do CPPT e 26° do CPC.
S) Com todo o respeito, a interpretação que a, aliás, douta sentença recorrida fez dos arts. 18°, n°3 da LGT, 9º, n°1 e 4 do CPPT, bem como do art. 132° do mesmo CPPT, não tem, na letra ou no espírito das normas, um mínimo de correspondência.
T) O art. 9°, n° 1, do CPPT confere, na esteira do art. 18° da LGT, legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, aos contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
U) É, pois, uma norma que contempla uma noção geral da regra da legitimidade no procedimento tributário mas não esgota essa mesma matéria, designadamente, no que aqui importa, o n° 1 do art. 132° do mesmo Código diz que retenção na fonte é susceptível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido.
V) Ora, a razão de ser desta norma, em confronto com o disposto no art. 95° da LGT, ao conferir legitimidade ao substituto para reclamar ou impugnar das retenções na fonte por si efectuadas, é a de garantir que este tem a adequada tutela jurídica dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, cfr. 268°, n° 4 da CRP, face ao carácter lesivo que para si possa assumir um acto de retenção na fonte.
W) O legislador não pretendeu multiplicar situações de legitimidade em casos de retenção na fonte, ao substituto e ao substituído tributário, mas apenas conferir tal legitimidade a um dos mesmos e sempre que o carácter lesivo do acto se repercuta directa e imediatamente na esfera jurídica do substituto ou do substituído tributário.
X) Deste modo, a retenção na fonte só assume um carácter lesivo para o substituto tributário quando este entrega imposto superior ao que reteve, por ser ele e não o substituído tributário, que fica privado dessas quantias e, ainda assim, desde que não lhe seja possível corrigir os montantes a mais entregues nas entregas seguintes da mesma natureza a efectuar no ano do pagamento indevido, cfr. n° 2 do referido art. 132° do CPPT.
AA) De acordo com a mesma regra do carácter lesivo do acto, se a retenção foi feita em montante superior ao devido ou se a mesma nem sequer era devida, a legitimidade para reclamar ou impugnar é do substituído tributário por ser este que fica, de facto, lesado na sua esfera jurídica por não ter recebido as quantias que o substituto indevidamente reteve.
BB) Refira-se que este regime de legitimidade é consentâneo com o princípio constitucional da tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos sendo assegurado sempre, quer ao substituto tributário quer ao substituído tributário, a faculdade de reclamar ou impugnar, sempre que sejam afectados na sua esfera jurídica por determinado acto de retenção na fonte.
CC) Donde que, salvo o devido respeito, a interpretação plasmada na douta sentença recorrida faz dos art. 18°, n° 3 da LGT e dos arts. 9°, n°1 e 4, do CPPT, não encontra qualquer correspondência quer na letra quer no espírito dessas normas tendo mesmo descurado o elemento sistemático, histórico e teleológico na interpretação das mesmas em conjugação com o art. 132° do CPPT, do que resulta uma verdadeira interpretação ab-rogante deste último artigo que, curiosamente, até regulamenta aqueles mesmos artigos 18°, n° 3 da LGT e art. 9°, n° 1, do CPPT.
DD) Ao decidir como decidiu a sentença recorrida, é certo com base em alguma jurisprudência desse STA, sacrifica por completo a norma do art. 132° do CPPT, o que só é possível por a ter considerado um verdadeiro lapso ou erro do sistema, no fim visado pelo legislador.
EE) E, salvo melhor, não convence a “explicação” dada na sentença recorrida de que o não reconhecimento da legitimidade ao substituto para reclamar e impugnar a retenção na fonte que era indevida, assumiria contornos ainda mais gravosos atendendo a que o ora Recorrido teria procedido à devolução à beneficiária dos rendimentos, do montante indevidamente retido, o que o colocaria na posição de se ver sem a possibilidade legal de recuperar um montante que entregou indevidamente nos cofres do Estado, porquanto, a questão que se deve colocar para efeitos de reclamação ou de impugnação é a do carácter lesivo que o acto de retenção tem que revestir para que o substituto tributário dele possa reclamar e não a da responsabilidade que este assume pelo pagamento da prestação tributária perante a AT ou o substituído.
FF) E, por outro lado, a responsabilidade que o substituto tributário assume pelo pagamento da prestação tributária, ser uma situação distinta que não se deve confundir com a da legitimidade para reclamar ou impugnar.
GG) É que, a responsabilidade prevista no art. 28° da LGT, pelo pagamento da prestação tributária corresponde já a uma outra situação patológica da relação de imposto, em que o substituto é responsável, perante a AT, nos casos em que incumpre por ter efectuado as retenções na fonte mas não as ter entregue ao Estado.
HH) A responsabilidade, pelo incumprimento da obrigação tributária não pode servir para estender o âmbito da norma que confere ao substituto legitimidade para reclamar ou impugnar, até porque, no caso em concreto, não estamos perante uma situação de incumprimento, perante a AT, por parte do substituto tributário.
II) E, no que toca à responsabilidade civil que o substituto possa ter perante o substituído, ela não importa para a relação que, quer o substituto quer o substituído, têm perante a AT, sendo só esta aquela que tem de ser acautelada pelas normas processuais tributárias., independentemente de, no âmbito do processo judicial tributário, o art. 129° do CPPT prever que o substituto possa intervir como assistente nas impugnações deduzidas pelo substituído tributário e vice-versa.
Termos em que, e nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas. deverá o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, revogando-se a decisão judicial recorrida e ser substituída por outra que não determine a convolação dos presentes autos da Acção Administrativa Especial em autos de Impugnação Judicial por intempestividade da Petição Inicial,

ou, se assim não se entender, ordenar-se a convolação dos presentes autos em Impugnação Judicial, determinando-se a anulação de todo o processado a partir da contestação (inclusive), por a representação da administração tributária se deferir no Representante da Fazenda Pública e, após o trânsito, autuar o processo como Impugnação judicial, notificando o Representante da Fazenda Pública nos termos e para os efeitos do nos termos do art. 15°, n° 1 e art. 110º do CPPT,

ou ainda, se assim não se entender, julgar-se improcedente o pedido do ora Recorrido, por não provado, mantendo-se, em consequência na ordem jurídica o despacho impugnado.


1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer sobre o mérito do recurso.

1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos e porque nada obsta, cumpre apreciar e decidir em conferência as questões colocadas no recurso.

2. Na sentença recorrida constam como provados os seguintes factos:
A) A Autora efectuou a retenção na fonte sobre juros de depósito a prazo pagos ao “Fundo de Pensões dos CTT”, no montante de 2.614,50€ (cfr. fls. 3 e 5 do Processo de Reclamação).
B) A Autora procedeu à entrega nos cofres do Estado do montante referido em A), através da guia n° 7032197584, de 20/11/1993 (cfr. fls. 7 do Processo de Reclamação).
C) Em 16/01/1995, a Autora procedeu ao lançamento do montante de 2.614,50€ na conta n° 21.723.588/001 titulada pelo “Fundo de Pensões dos CTT” (cfr. fls. 5 do Processo de Reclamação).
D) Em 16/11/1995, a Autora requereu ao Director Distrital de Lisboa o reembolso do montante de 2.614,50€ (cfr. fls. 2 do Processo de Reclamação Graciosa).
E) Com base no requerimento indicado em D), foi instaurado o Processo de Reclamação Graciosa n° 3085-95/400743.3, que foi indeferido por despacho do Chefe da Divisão de Justiça Administrativa de D.F. de Lisboa proferido em 27/04/2004 (cfr. fls. 16 a 19 do Processo de Reclamação).
F) A Autora interpôs Recurso Hierárquico do indeferimento da Reclamação Graciosa (cfr. fls. 6 a 9 do PA).
G) Ao Recurso Hierárquico foi negado provimento pelo Subdirector-Geral dos Impostos em 09/08/2006, com base na informação n° 1133/2005, que em síntese entendeu que a Autora é parte ilegítima para efeitos do n.º 1 do art.° 132. ° do CPPT e a reclamação que entrou em 16/11/1995 é extemporânea nos termos do n.º 1 do art.° 70.° do CPPT visto que não tem enquadramento no art.° 132.° do CPPT (cfr. fls. 18 a 22 do PA).
H) A Autora foi notificada da decisão mencionada em G) em 27/10/2006 (cfr. fls. 24 do PA).
I) A presente Acção Administrativa Especial foi apresentada em 26/01/2007 (cfr. fls. 12 dos autos).

3. Reportados ao alinhamento conclusivo – por onde se afere e delimita, como é sabido, o objecto e âmbito do recurso, exceptuadas as questões que são de conhecimento oficioso e excluídas aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras – o “thema decidendum” em sede de recurso contempla três questões, que se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, e que se traduzem no seguinte:

saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por desacertada interpretação da lei, ao julgar ser possível a convolação da Acção Administrativa Especial em Impugnação Judicial;
no caso negativo, se após a determinada convolação incorreu em erro ao não ter procedido à anulação de todo o processado a partir da contestação;
e, no caso negativo, se incorreu em erro ao julgar que o substituto tributário tem um interesse directo em demandar uma ilegal liquidação por retenções na fonte, não apenas nos casos de entrega de imposto superior ao retido, previsto no n° 1 do artigo 132.° do CPPT, mas em todos os outros em que prove ter interesse em demandar, interesse que se há-de presumir pois é sujeito da relação tributária e equiparado a contribuinte para efeitos de legitimidade tributária, em conformidade com o disposto nos artigos 18.°, n° 3, da LGT, 9.°, n° 1 e 4 do CPPT e 26° do CPC.

3.1. DA QUESTÃO DA CONVOLAÇÃO.
Segundo a sentença recorrida, o meio processual adequado para impugnar uma decisão de indeferimento de recurso hierárquico, interposto de decisão de reclamação graciosa, que comporte ou envolva a apreciação da legalidade de um acto tributário de liquidação, é o processo de impugnação judicial e não a acção administrativa especial. E porque, no caso vertente, a decisão proferida no recurso hierárquico indeferiu o pedido de reembolso de montante que alegadamente fora entregue a mais nos cofres do Estado por retenção indevida de imposto, com a manutenção da decisão proferida na reclamação graciosa cuja causa de pedir fora a ilegalidade do acto de retenção na fonte de IRC (enquanto acto tributário consubstanciado na liquidação de imposto levado a efeito pelo substituto tributário), conclui-se que o meio adequado para a apreciação contenciosa da legalidade desse acto era a Impugnação Judicial e não a Acção Administrativa Especial.
Neste cenário, julgou-se procedente a excepção de erro na forma de processo suscitada pela Entidade Demandada (SUBDIRECTOR-GERAL DOS IMPOSTOS), passando-se, depois, à análise da possibilidade da sua sanação através do instituto da convolação na forma de processo adequada, em conformidade com disposto nos artigos 91.° n.º 3 da Lei Geral Tributária, 98.° n.º 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 199.° do Código de Processo Civil.
Nesta matéria, julgou-se que a convolação só seria admissível perante a idoneidade da petição inicial e desde que não fosse manifesta a improcedência ou extemporaneidade desse articulado em função do meio processual adequado, concluindo-se, depois, que não existiam «quaisquer dúvidas quanto à idoneidade da PI para a convolação dos autos em Impugnação Judicial, não sendo, também manifesta a sua improcedência em função do referido meio processual»; quanto ao requisito da tempestividade, julgou-se que se devia considerar a petição tempestiva para efeitos de reacção contenciosa através de impugnação judicial com a seguinte argumentação:
«É unânime na Jurisprudência que indeferida a Reclamação Graciosa onde se pedia a anulação de liquidação, dessa decisão pode ser interposto recurso hierárquico, com natureza meramente facultativa e efeito devolutivo, e da decisão desfavorável proferida nesse recurso cabe impugnação judicial tendo por objecto mediato a mesma liquidação, salvo se, com o mesmo objecto, já tiver sido deduzida tal impugnação.
O prazo para deduzir a mesma impugnação judicial será, então, de 90 dias a contar da notificação do despacho de indeferimento proferido no mesmo recurso (vd. Jorge Lopes de Sousa, em CPPT Anotado, I Volume, 5ª ed., 2006, Áreas Editora, pp. 580), nos termos conjugados do artigo 102° n° 1 al. e) e 76° n° 2 do CPPT (...).
No entanto, a verdade é que, atendendo a que a Autora foi notificada da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico em 27/10/2006, o prazo de 90 dias terminou em 25/01/2007, considerando-se a PI como apresentada em 26/01/2007, ou seja, para além do prazo de apresentação da Impugnação Judicial.
No entanto, também este facto não é obstáculo à necessária convolação.
Com efeito, a notificação efectuada à Autora da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico indicava como meio de reacção a Acção Administrativa Especial e o prazo de 3 meses para a apresentar, o que a Autora cumpriu.
Assim sendo, verificando-se a tempestividade da PI para o meio processual errado indicado na notificação, deverá considerar-se a PI tempestiva para o meio processual correcto (vd. Jorge Lopes de Sousa na obra já citada, pp. 339). De resto, esta posição decorre também do disposto no artigo 58° n° 4 al. a) do CPTA, aplicável ex vi artigo 2° do CPPT.
Pelo que antes ficou exposto, considerando-se ser a Impugnação Judicial a forma de processo adequada ao pedido formulado, e não existindo obstáculos à convolação dos autos nessa forma de processo, convola-se o presente processo em Impugnação Judicial, nos termos dos artigos 97° n° 1 al. a), 99° al. a), e 98° nº 4 do CPPT».

Em sede de recurso, o Recorrente reconhece a decretada nulidade processual por erro na forma de processo – a qual fora, aliás, por si arguida na contestação – insurgindo-se apenas contra a convolação efectuada com base na intempestividade da petição para o aludido efeito e na inviabilidade de correcção da forma processo por ser distinta a entidade com legitimidade para contestar a impugnação e a acção administrativa especial.
Quanto à questão da tempestividade da petição, argumenta que embora ela tenha sido apresentada dentro do prazo de 3 meses previsto para a interposição da acção administrativa especial, o certo é que nesse momento já se encontrava excedido o prazo de 90 dias previsto para a interposição de impugnação judicial, o que inviabiliza a convolação; e o facto de ter sido indicado, na notificação da decisão do recurso hierárquico, um meio de reacção errado (acção administrativa especial) só poderia levar à aplicação da norma contida no n.º 4 do artigo 37.° do CPPT, segundo a qual “No caso de o tribunal vir a reconhecer como estando errado o meio de reacção contra o acto notificado indicado na notificação, poderá o meio de reacção adequado ser ainda exercido no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão judicial”, norma que foi preterida na sentença recorrida, na medida em que supriu, por via mais expedita, a falta do requisito de tempestividade para operar a convolação, o que traduz uma incorrecta interpretação e aplicação da lei.
Na sua perspectiva, a errónea indicação do meio de defesa na notificação efectuada não tem como consequência tornar como idóneo o meio processual utilizado, até porque tal indicação não deixa de ser meramente indicativa e não afasta a obrigatoriedade de utilização do meio processual adequado à pretensão do contribuinte por parte do mandatário judicial que o representa em juízo. E o artigo 58.°, n° 4, al. a), do CPTA, invocado na sentença, não é susceptível de ser aplicado por via subsidiária para efeitos de tempestividade de impugnação da liquidação, ainda que sob o pretexto da primazia da justiça material sobre questões de índole formalistas.
Com o devido respeito por contrária opinião, não cremos que assista ao Recorrente no que toca à impossibilidade de convolação por intempestividade da petição inicial.
É inquestionável que sempre que esteja em causa a legalidade de um acto tributário de liquidação e não tenha sido deduzida impugnação judicial com o mesmo objecto (artigo 76.º, n.º 2, do CPPT), como acontece no caso “sub judicio”, o recurso hierárquico é passível de impugnação judicial, que, nos termos do artigo 102.º, n.º 1, alínea e), do CPPT, deverá ser apresentada no prazo de 90 dias a contar da notificação da decisão desse recurso hierárquico, como constitui, aliás, jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal (Cfr, entre outros, os acórdãos de 9/10/2008, de 4/03/2009, de 15/04/2009 e de 9/09/2009, nos recursos nºs 567/08, 1034/08, 1108/08 e 461/09, respectivamente; no mesmo sentido ver JORGE LOPES DE SOUSA, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado”, 5.ª edição, a fls. 578 e 581, anotação 7 e 8 ao artigo 76.º.).
Na decisão recorrida, a Mmª Juíza, tendo visto que a acção administrativa tinha entrado para além do aludido prazo de 90 dias, mas dentro do prazo legal de 3 meses previsto para a acção administrativa, concluiu pela admissibilidade da convolação face aos contornos da notificação da decisão sindicada, que não só indicou erradamente o meio de defesa ao dispor do contribuinte para contestar contenciosamente essa decisão, como indicou expressamente o prazo de três meses para tal reacção contenciosa.
A questão não se coloca, assim, como pretende o Recorrente, numa mera óptica de erro na indicação meio de reacção contencioso indicado na notificação – caso em que haveria, na impossibilidade de convolação, de observar a norma contida no n.º 4 do artigo 37.° do CPPT, facultando ao contribuinte a possibilidade de utilizar o meio de reacção adequado no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão – mas, antes, numa óptica de erro no prazo que lhe foi indicado para impugnar judicialmente o acto, o que contende, necessariamente, com a questão da tempestividade da petição inicial apresentada e, consequentemente, com a viabilidade do seu aproveitamento para efeitos de convolação, tendo em conta que é incontroverso que ela foi oferecida no prazo assinalado na notificação efectuada.
A errónea indicação do meio de defesa na notificação efectuada não torna, obviamente, como idóneo o meio processual utilizado, nem foi isso que se afirmou na sentença, mas a errónea indicação do prazo para reagir judicialmente deve ser valorada quando se verifica que, independentemente do meio processual utilizado, a petição foi oferecida dentro do prazo assinalado.
Na verdade, e como é de elementar justiça, o contribuinte Autor não pode ser prejudicado por uma errada indicação do prazo para impugnação contenciosa, quando esse erro é da inteira responsabilidade da Administração, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria Administração, já que se trata de expectativas e confiança que merecem ser tuteladas.
Essa informação foi determinante da actuação do ora Recorrido que, dentro da convicção em que actuou, apresentou a petição no prazo que oficialmente lhe foi fornecido, não lhe sendo exigível comportamento diferente do que teve. E desse quadro ressalta, com evidência, que agiu em estado ou situação de boa fé, juridicamente relevante, afrontando directamente essa boa fé o comportamento da Administração ao querer, in casu, prevalecer-se da situação para a qual, culposamente contribuiu através de informação errada, violando, simultaneamente, o princípio geral de direito de que ninguém deve ser prejudicado por falta ou irregularidade que lhe não sejam imputáveis.
Aliás, a lei em situação com fortes semelhanças à dos autos determina que se tenha como boa a informação errada dada pela Administração (lato sensu). É o caso previsto no n.º 3 do artigo 198.º do Código Processo Civil, onde se prevê expressamente que a concessão irregular de um prazo de defesa mais dilatado faz admitir a dedução de defesa no prazo indicado na citação, e é o caso previsto no n.º 6 do artigo 161.° desse mesmo Código, quando estipula que os erros e omissões das notificações efectuadas pela secretaria dos tribunais (órgãos administrativos) não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes. É ainda o caso previsto no artigo 58.°, n.º 4, alínea a), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que admite que a impugnação contenciosa de actos anuláveis (que, em princípio, deve ser feita no prazo de três meses), seja feita posteriormente caso se demonstre que a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente “por a conduta da Administração o ter induzido em erro”.
Disposições legais que mais não são que uma afloração do princípio geral de direito da boa fé – ninguém pode ser penalizado em consequência da falta ou irregularidade que lhe não é imputável – instituídas por exigências evidentes de justiça e que, por isso, devem ser consideradas de aplicação generalizada, não só por imperativo constitucional decorrente do princípio da justiça que decorre da ideia de Estado de Direito democrático consignada no artigo 2.º da Constituição, mas também por serem postuladas pelo próprio princípio do acesso aos tribunais e à justiça (arts. 20.º, n.º 1, e 68.º, n.º 4, da Constituição), que não pode deixar de exigir para sua concretização a concessão de uma possibilidade efectiva e não apenas teórica de utilização dos meios contenciosos de defesa de direitos e interesses legalmente protegidos.
Em suma, o princípio de boa-fé, que funciona como cláusula geral de valoração dos comportamentos dos intervenientes, impõe que o Autor, ora Recorrido, não possa ser prejudicado pelo erro contido na notificação, da responsabilidade de Administração.
Aliás, nos termos do artigo 36°. n° 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, as notificações conterão sempre a decisão, os respectivos fundamentos, meios de defesa e prazo para reagir contra o acto, e, por isso, os erros das notificações efectuadas pela Administração quanto a prazos para defesa de actos tributários lesivos não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.
A petição deve, pois, ser considerada como tempestiva para efeitos de uso do meio de reacção contencioso correcto, dessa forma tornando admissível a convolação, como bem se decidiu na decisão recorrida.
E quanto à vertente argumentativa da inviabilidade de convolação por ser distinta a entidade com legitimidade para contestar a impugnação e a acção administrativa especial, basta pensar que o erro na forma de processo acarreta a anulação de todos os actos que não possam ser aproveitados, mormente da contestação, para logo se perceber que essa argumentação nunca poderia obstaculizar à convolação, levando apenas à anulação do processo posterior à petição.

3.2. DA QUESTÃO DA ANULAÇÃO DO PROCESSADO.
Sustentou o Recorrente, para o caso de se confirmar, como se confirmou, o acerto do julgado na parte respeitante à convolação da acção administrativa especial em processo de impugnação judicial, que se devia ter determinado a anulação de todo o processado a partir da contestação (inclusive), por a representação da administração tributária se deferir no Representante da Fazenda Pública e não no Subdirector-Geral dos Impostos, dando assim oportunidade à apresentação de uma conveniente contestação pela entidade competente, o que não foi feito no caso vertente, já que após a convolação operada já em sede de sentença se entrou de imediato na apreciação do mérito da causa.
No que lhe assiste razão.
Nos termos do artigo 199.° do Código de Processo Civil, o erro na forma de processo importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os necessários para que a forma processual se aproxime da forma estabelecida na lei.
Na acção administrativa especial, sujeita ao regime processual contido no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, foi citada, ao abrigo do disposto no artigo 81º desse diploma legal, a Entidade Demandada (Subdirector-Geral dos Impostos), que designou um jurista para contestar a acção – fls. 37 dos autos –, o qual veio, essencialmente, sustentar a impropriedade do meio processual utilizado.
Já o processo judicial de impugnação está sujeito ao regime processual diferente, contido no Código de Procedimento e de Processo Tributário, cabendo ao Representante da Fazenda Pública – que nos tribunais tributários de 1ª instância é o Director de Finanças – a competência para representar a administração tributária e, consequentemente, oferecer contestação (artigo 15.º, n° 1).

Consequentemente, o erro na forma de processo e a convolação efectuada deveria ter determinado a anulação de todos os actos posteriores à petição, inclusive da contestação apresentada por quem não detinha competência para representar a administração tributária junto do Tribunal Tributário de Lisboa, devendo ser notificado a Fazenda Pública para contestar a pretensão anulatória formulada pelo Impugnante nos termos e prazos previstos no artigo 112.º do CPPT.
Termos em que procedem as correspondentes conclusões da alegação do recurso.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida na parte em que conheceu do mérito da causa e, mantendo-a na parte tocante à convolação dos autos de acção administrativa especial em impugnação judicial, determinar a anulação de todos os actos processuais praticados posteriormente à apresentação da p.i., a qual é de aproveitar.
Sem custas.

Lisboa, 12 de Abril de 2012. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Ascensão Lopes - Pedro Delgado.