Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0971/16
Data do Acordão:09/14/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
CITAÇÃO
PENHORA
QUOTA
SOCIEDADE
Sumário:A falta de citação do cônjuge nos termos e para os efeitos do artigo 239º do CPPT, quando se encontre penhorada quota de sociedade, veda ao mesmo possibilidade de usar dos meios processuais que são colocados ao dispor do executado, o que tem a virtualidade de restringir a sua defesa, constituindo uma nulidade insanável que tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que dele dependam absolutamente (165º do CPPT).
Nº Convencional:JSTA00069821
Nº do Documento:SA2201609140971
Data de Entrada:08/05/2016
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.....
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA 2016/06/15.
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPT ART220 ART239 ART234 ART189 ART190.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0365/16 DE 2016/05/24.; AC STA PROC0518/11 DE 2011/11/16.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada, recorre da sentença proferida pelo TAF de Sintra, datada de 15 de Junho de 2016, que julgou procedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal, que havia sido intentada por A…………….

Concluiu as suas alegações recursivas nos seguintes termos:
I- A sentença proferida pelo tribunal determinou a anulação de todo o processado subsequente à omissão da citação do reclamante e que dela dependiam, por considerar que esta citação deveria ter sido realizada nos termos do art. 239º do CPPT e não nos termos do art. 220º desse Código, uma vez que aquele artigo "impõe a obrigatoriedade da citação do cônjuge do executado, para intervir no processo de execução fiscal (ficando o mesmo, desde então, na posição de co executado e podendo usar todos os meios de defesa que a lei lhe confere nessa qualidade) isto quando e sempre que a penhora recaia sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo".
II - Com efeito, dispõe o artigo 220.º do CPPT que "Na execução para cobrança de coima fiscal ou com fundamento em responsabilidade tributária exclusiva de um dos cônjuges, podem ser imediatamente penhorados bens comuns, devendo, neste caso, citar-se o outro cônjuge para requerer a separação judicial de bens, prosseguindo a execução sobre os bens penhorados se a separação não for requerida no prazo de 30 dias ou se se suspender a instância por inércia ou negligência do requerente em promover os seus termos processuais".
III- Por sua vez, estipula o n.º 1 do artigo 239.° do mesmo diploma legal que "Feita a penhora e junta a certidão de ónus, serão citados os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados, e o cônjuge do executado no caso previsto no artigo 220.º ou quando a penhora incida sobre bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, sem o que a execução não prosseguirá".
IV - Da letra da lei decorre que a citação para os efeitos do artigo 220.º do CPPT tem o objectivo específico de proporcionar ao cônjuge a possibilidade de requerer a separação judicial de bens; trata-se de uma citação especial com este objectivo específico, tendo o cônjuge apenas a possibilidade de exercer esse direito. Por outro lado, aquela outra, realizada ao abrigo do n.º 1 do artigo 239.º do mesmo Código, visa conferir ao cônjuge a qualidade de co-executado, com possibilidade de este exercer, a partir da citação, todos os direitos processuais que são atribuídos ao executado, cfr. artigo 787º do CPC.
V - Do teor daquele preceito legal não se retira a possibilidade de haver duas citações do cônjuge do executado para finalidades distintas, ou que a mesma citação possa englobar ambas as finalidades.
VI- Afigura-se-nos assim que, no âmbito do art. 220º do CPPT, o legislador decidiu contemplar as situações de penhora de bens comuns em caso de dívida da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, não parecendo ser consentâneo com a lógica do processo de execução fiscal que o cônjuge do executado possa figurar como executado por uma dívida que não é da sua responsabilidade, o que ocorreria por intermédio da citação prevista no art. 239º do CPPT.
VII - É que sendo a dívida da única e exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, o interesse patrimonial do outro cônjuge em proteger a sua meação nos bens comuns surge salvaguardado por via da possibilidade de requerer a separação judicial de bens, não se compreendendo por isso que venha ao processo de execução fiscal defender os interesses patrimoniais do seu cônjuge, o qual já terá sido citado para os demais trâmites da execução fiscal, designadamente para se opor a esta.
VIII - Esteve bem o OEF fiscal ao indeferir o requerimento de arguição de nulidade do Reclamante e que esteve na base da apresentação do meio judicial que deu origem à sentença ora em crise, porquanto não houve falta de citação como pretende aquele, visto que a citação realizada nos termos do disposto no art. 220º do CPPT respondeu às necessidades específicas do caso em concreto e permitiu salvaguardar os interesses legítimos do Reclamante.
IX - Assim, a douta sentença do tribunal a quo, ao julgar procedente a Reclamação apresentada, se estribou numa errónea subsunção da matéria de facto ao Direito, violando assim o disposto nos artigos art. 220º do CPPT, bem como o disposto no art. 239º deste mesmo Código, não merecendo por isso subsistir no ordenamento jurídico.
X - Por outro lado, e ainda que assim não se entenda, não pode a Fazenda Pública conformar-se com a sentença na medida em que omite qualquer pronunciamento sobre a questão suscitada pela Fazenda Pública para o caso de efectivamente ter ocorrido a falta de citação, e que incidia sobre a insusceptibilidade de a falta de citação prejudicar a defesa do interessado.
XI- Em sede de Resposta à Reclamação do Acto do OEF apresentada, a Fazenda Pública opôs que a nulidade insanável cuja ocorrência o Reclamante pretendia ver reconhecida através daquele meio processual não se afiguraria subsumível ao disposto na al. a) do n.º 1 do art. 165º do CPPT, já que a falta de citação que produziria a invalidade suscitada só ocorre "quando possa prejudicar a defesa do interessado".
XII - Com efeito, através da citação nos termos do art. 220º do CPPT, o Reclamante tomou conhecimento da penhora e, julgando-se legitimado em apresentar oposição à presente execução, teve a faculdade de o fazer espontaneamente com respaldo no disposto na al. a) do n.º 1 do art. 203º do CPPT.
XIII - Perante estes factos, e atento a este contexto, não parece ser de concluir que a falta de citação nos termos pretendidos pelo Reclamante/Recorrido tenha sido susceptível de prejudicar a sua defesa, porquanto sempre estiveram ao seu alcance outros meios legais para fazer valer a sua pretensão.
XIV - Ora, tendo a Fazenda Pública suscitado esta questão em sede de Reclamação com os contornos que acima se expôs, a verdade é que a mesma não mereceu qualquer pronúncia por parte da Meritíssima Juíza a quo.
XV - Decorre do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que constitui causa de nulidade da sentença "a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar". Não bastava ao Tribunal a quo analisar a eventual ocorrência de falta de citação, como efectivamente o fez, mas seria necessário também que, concluindo pela ocorrência de falta de citação, analisasse a questão invocada pela Fazenda Pública e que se prendia com susceptibilidade de a falta de citação prejudicar a defesa do interessado, pois que só ocorrendo esta haveria uma nulidade insanável nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 165º do CPPT.
XVI - Ao omitir qualquer referência quanto ao prejuízo para a defesa do interessado face às alegações da Fazenda Pública em sede de resposta à Reclamação do Acto do OEF, incorreu a sentença do Tribunal a quo no vício de nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, nulidade esta que, prevista no art. 125º do CPPT, temos assim por invocada para os devidos efeitos legais.

Contra-alegou o recorrido, tendo também apresentado as seguintes conclusões:
1. A sentença recorrida não merece censura, tendo aplicado de forma correcta o direito aos factos em análise.
2. Nos termos do artigo 35.º, n.º 2 do CPPT "citação é () acto destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada.".
3. O artigo 165, n.º 1, alínea a) do CPPT sanciona como nulidade insanável a falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do interessado, esclarecendo o subsequente artigo 190.º quais as formalidades a que tal citação deve obedecer e que elementos deve a mesma conter obrigatoriamente.
4. As citações previstas nos artigos 220.º e 239.º do CPPT têm alcance perfeitamente divergentes e encontram-se inseridas em contextos diversos: a primeira destina-se apenas a conferir a possibilidade ao cônjuge do executado de requerer a separação judicial de bens; enquanto que a segunda confere ao cônjuge do executado a posição de um verdadeiro co-executado, podendo exercer todos os direitos processuais que são atribuídos ao próprio executado.
5. É a citação do artigo 239.º, n.º 1 do CPPT que surge como obrigatória no caso dos autos (penhora de bem móvel sujeito a registo) e não a do artigo 220.º, que tem, perante aquela, uma função subsidiária, pois a citação do cônjuge nos termos do artigo 220.º do CPPT, por penhora de bem comum, só deverá ser concretizada se tal penhora não encontrar enquadramento no artigo 239.º, caso contrário deverá optar-se por esta última.
6. A doutrina e a jurisprudência tem entendido e defendido, de modo pacífico, que a 'citação' nos termos do artigo 220.º do CPPT não tem a mesma natureza, nem características, que se tem em vista quando se alude à citação no artigo 165.º, que, por sua vez, pressupõe uma comunicação ao citado de que foi instaurada contra ele uma execução, chamando-o a intervir no processo de execução fiscal.
7. Assim, se em caso de penhora de bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo se procede, apenas, à citação nos termos do artigo 220.º do CPPT, ocorre uma nulidade insanável por falta de citação (art. 165º do mesmo CPPT), por omissão do acto que deveria ter sido praticado.
8. É ainda de afastar, por violação do artigo 9.º do Código Civil, a teoria defendida pela recorrente de que, na falta de citação ao abrigo do art. 239.º, n.º 1 do CPPT e perante uma citação nos termos do artigo 220.º do mesmo diploma legal, era obrigação do aqui recorrido apresentar oposição à execução nos termos do artigo 203.º, n.º 1, alínea a) do CPPT.
9. Tal entendimento, para além de não ter qualquer suporte normativo que o sustente, esvaziaria totalmente o sentido dos artigos 35.º, n.º 2, 190.º e 239.º, n.º 1 do CPPT e criaria no executado uma obrigação desmedida no seio do nosso ordenamento jurídico.
10. Ainda assim, o artigo 203.º do CPPT é dirigido a quem é executado na respectiva acção executiva [conforme artigo 204.º, n.º 1, alínea b) do CPPT], isto é, a quem é parte processual originária, e não ao cônjuge do executado erradamente citado ao abrigo do artigo 220.º do CPPT.
11. Não é verdade (que o Tribunal a quo não se tenha pronunciado quanto à falta de prejuízo que a ausência de citação nos termos do artigo 239.º do CPPT possa ter originado na esfera do recorrido.
12. É que o 'prejuízo na defesa do interessado' a que alude o artigo 165.º, n.º 1, alínea a) do CPPT cria uma presunção que apenas pode ser afastada perante demonstração, em concreto, de que tal prejuízo não se verificou, o que não foi sequer alegado pela aqui recorrente.
13. Neste âmbito, é referido na fundamentação da sentença em crise, e em citação própria do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, que a 'citação' nos termos do artigo 220.º do CPPT não tem a mesma natureza, nem características, que se tem em vista quando se alude à citação no artigo 165.° do mesmo diploma legal.
14. E no próprio segmento decisório, é sentenciado expressamente que "em face do exposto, visto o disposto no artigo 165.° /1.a) CPPT, julgo procedente a reclamação ( ... )".
15. Vale isto dizer que, o Tribunal ponderou a extensão do artigo 165.º, n.º 1, alínea a) do CPPT e concluiu pela total omissão de citação do aqui recorrido, pelo que não houve qualquer falta de pronúncia.

Notificado, o Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, emitiu o seguinte parecer:
Neste recurso está em causa determinar se o reclamante A…………….. foi ou não devidamente citado dos termos da penhora dos bens comuns do casal, em caso de divida da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges.
O reclamante defende que deveria ter sido citado nos termos do art. 220º e também nos termos do art. 239º ambos do C.P.P.T .
O T.A.F. de Sintra, determinou a anulação de todo o processado subsequente à omissão da citação do reclamante, por entender que esta deveria ter sido feita nos termos do art. 239º do C.P.P.T.
Porém, tal como sustenta a A.T., parece-nos que o reclamante ao ser citado nos termos do art. 220º do C.P.P.T., ficou com a sua situação patrimonial salvaguardada, uma vez que tratando-se de uma divida única e da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges poderia requerer a separação judicial de bens, nos termos do artigo em referência.
Este entendimento foi também subscrito pelo Ministério Público na 1ª. Instância.
Assim, acompanha-se "in totum" as alegações da Fazenda Pública, devendo julgar-se procedente o recurso.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida seleccionou-se com interesse a seguinte matéria de facto:
A) Em 2008.04.30, no Serviço de Finanças de Oeiras-2, foi autuado o processo de execução fiscal nº 3654200801028928, contra B………………, Lda., com sede na Rua ……………., nº ………….., ………, Porto (cf. fls. 1 do PEF);
B) Tem por base:
a. Certidão de dívida nº 2008/322479, emitida em 2008.04.30, que atesta que B…………………., Lda., com sede na Rua ………….., nº ……….., ………..., Porto, é devedora de € 229.628,89, dos quais € 208.753,54 de IRC do exercício de 2006 e € 20.875,35 de juros, com pagamento voluntário até 2008.04.09; mais atesta que são devidos juros de mora sobre a quantia em dívida contados a partir de 2008.04.10 (cf. fls. 2 do PEF);
C) Por despacho do Chefe de Finanças de 2011.01.13, foi ordenada a preparação do processo para reversão contra C……………., na qualidade de responsável subsidiária (cf. fls. 73-v do PEF);
D) Por despacho do Chefe da Divisão de Acompanhamento de Devedores Estratégicos, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi ordenada a reversão da execução fiscal contra a Administradora da Insolvência ao tempo dos factos, C…………… (cf. fls. 86 do PEF);
E) Por despacho do Chefe de Finanças de 2011.05.16, constante de fls. 103-v a 104 do PEF e que aqui se dá por integralmente reproduzido, a execução fiscal foi revertida contra C………………..;
F) Em 2013.08.28, foi penhorada a quota da Executada na sociedade D………………, Lda. (cf. auto de penhora a fls. 126-v do PEF);
G) Em 2013.08.28, foi requerido à Conservatória do Registo Comercial do Porto o registo da penhora referido na alínea que antecede - dep. 12534/2013-08-30 16:10:53 UTC Penhora de Quotas (cf. fls. 130 a 159 e 165 a 169 do PEF);
H) Por carta registada em 2015.04.27, com aviso de recepção, devolvida ao remetente com a menção objecto não reclamado, foi enviado ao Reclamante ofício citação do cônjuge - artigo 220º do Código de Procedimento e Processo Tributário, constante de fls. 162 do PEF e que aqui se dá por integralmente reproduzido; deste ofício transcreve-se:
a. ( ... );
b. No processo de execução fiscal nº 3654200801028928 e apensos, que corre termos contra o seu cônjuge C…………….. ( ... ), foi penhorada, em 2013.08.28, a quota detida pela executada (Administradora de Insolvência da sociedade B……………., Lda.), residente na Rua ……………, ………., ……….., 4200-………… Porto, por dívidas de IRS, IVA e Coimas de vários anos, no [montante] de € 689.917,01, acrescido de juros e custas;
c. Assim, fica citado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 220° do Código de Procedimento e Processo Tributário para, querendo, requerer no prazo de 30 dias, contados a partir da data da assinatura do aviso de receção, a separação judicial de bens;
d. ( ... );
I) Em 2015.05.28, foi enviada ao Reclamante carta registada com aviso de recepção, com ofício citação nº 2 do artigo 192º do CPPT, constante de fls. 164 do PEF e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
J) Por despacho do Chefe de Finanças de 2015.07.15, foi agendada para o dia 2015.10.07, pelas 10:00h, a venda judicial do bem penhorado por meio de leilão electrónico (cf. fls. 170 do PEF);
K) Em 2015.11.26, no serviço de Finanças de Oeiras-2 deu entrada requerimento do Reclamante, constante de fls. 191 a 194 do PEF, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a arguir a nulidade por falta de citação do cônjuge da Executada;
L) Em 2015.02.14, o Chefe de Finanças proferiu o despacho reclamado, constante de fls. 202 do PEF, que aqui se dá por integralmente reproduzido; deste despacho transcreve-se:
a. Tendo em consideração a informação supra e o facto de sobre a matéria em apreço, em caso análogo já se ter pronunciado a Direcção de Finanças de Lisboa, no sentido de que apenas é de fazer a citação nos termos do artigo 220º do CPPT, indefiro o pedido e determino a prossecução da normal tramitação do processo;
b. ( ... );
M) Da informação para que remete o despacho reclamado, elaborada pelo Serviço de Finanças, em 2015.02.24, constante de fls. 202 do PEF e que aqui se dá como integralmente reproduzida, transcreve-se:
a. ( ... );
b. 3 - Em 2013.08.28, no prosseguimento da normal tramitação do processo, foi penhorada a quota que a revertida detém na sociedade D…………….., Lda. ( ... );
c. 4 - A executada (por reversão) é casada no regime da comunhão de adquiridos com o requerente A……………….;
d. 5 - O cônjuge foi citado em 2015.08.23 ( ... ), nos termos do artigo 220º do CPPT, para, querendo, requerer no prazo de 30 dias, a separação judicial de bens;
e. No que se refere à citação solicitada pelo requerente (nos termos do artigo 239º do CPPT), para o caso em apreço (dívidas por reversão, consideradas da exclusiva responsabilidade do próprio) existe entendimento da DF Lisboa ( ... ) que preconiza que nesta situação se aplica apenas a citação nos termos do artigo 220º do CPPT, não parecendo decorrer da remissão que no artigo 239º do CPP é feita para o artigo 220º do mesmo diploma que possa existir uma cumulatividade de citações, mas antes uma alternatividade;
f. Face ao exposto, sou de opinião que não deverá ser dado provimento ao solicitado;
g. ( ... );
N) O despacho reclamado foi comunicado ao Reclamante por carta registada com aviso de receção assinado em 2016.03.02 (d. fls. 204 do PEF);
O) Em 2016.03.15, a presente reclamação foi enviada ao Serviço de Finanças de Oeiras-2 acompanhada do comprovativo da autoliquidação da multa por prática extemporânea de ato processual (ct. fls. 17 e 15 do processo - numeração do suporte físico);
P) O reclamante A…………….. é casado com C………………. (cf. assento de casamento a fls. 200 do PEF).
Nada mais se levou ao probatório.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
A recorrente nas suas alegações coloca à apreciação deste Tribunal duas questões distintas, uma de substância, outra de forma:
-Saber se, tendo sido penhorada a quota da Executada na sociedade D………………, Lda., o seu cônjuge deveria ter sido citado nos termos do disposto no artigo 220º do CPPT ou nos termos do art. 239º do mesmo CPPT, e se tendo sido citado nos termos do disposto no art. 220º do CPPT tal citação seria conforme à lei vigente;
-Saber se, a sentença é nula por o Sr. Juiz a quo ter omitido na sua sentença pronúncia quanto à questão de saber se, mesmo que se considere que haja sido omitida a citação legalmente estipulada, tal omissão é insusceptível de prejudicar a defesa do interessado.

Vejamos, então.
Relembremos, de forma muito breve, os contornos factuais da concreta situação dos autos:
A sociedade “B……………………, Lda.”, encontrava-se a ser objecto de um processo de execução fiscal, por dívidas de IRC e juros, sendo que tal execução veio a ser revertida contra a administradora da insolvência.
No seguimento de tal reversão veio a ser penhorada a quota que a revertida-executada detinha na sociedade “D…………………, Lda.”, e em consequência dessa penhora veio o recorrido (cônjuge da revertida-executada) a ser citado nos termos do disposto no artigo 220º do CPPT.
Seguidamente, o mesmo recorrido dirigiu requerimento ao órgão de execução fiscal a arguir a nulidade da sua citação e a requerer a sua citação nos termos do disposto no art. 239º do mesmo CPPT, o que foi indeferido.

Porque a apreciação da questão de substância consumirá a apreciação da questão de forma, começaremos primeiramente por analisar se o cônjuge marido deveria ter sido citado nos termos do disposto no art. 220º do CPPT, tal como defende a AT, ou se, pelo contrário, deveria ter sido citado nos termos do disposto no art. 239º do CPPT, tal pretendido pelo mesmo.

Dispõe o art. 220º do CPPT, sob a epígrafe “Coima fiscal e responsabilidade de um dos cônjuges. Penhora de bens comuns do casal”:
Na execução para cobrança de coima fiscal ou com fundamento em responsabilidade tributária exclusiva de um dos cônjuges, podem ser imediatamente penhorados bens comuns, devendo, neste caso, citar-se o outro cônjuge para requerer a separação judicial de bens, prosseguindo a execução sobre os bens penhorados se a separação não for requerida no prazo de 30 dias ou se se suspender a instância por inércia ou negligência do requerente em promover os seus termos processuais.

Por sua vez, dispõe o art. 239º, n.º 1 do CPPT, sob a epígrafe “Citação dos credores preferentes e do cônjuge”:
Feita a penhora e junta a certidão de ónus, serão citados os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados, e o cônjuge do executado no caso previsto no artigo 220.º ou quando a penhora incida sobre bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, sem o que a execução não prosseguirá.

Resulta de uma leitura conjugada, ainda que superficial, do texto de ambos os preceitos legais que as citações aí previstas destinam-se a ser utilizadas em situações diferentes e destinam-se a atribuir ao cônjuge citado uma posição diferente face aos termos da execução fiscal.
Enquanto que a citação prevista no artigo 220º se destina a alertar o cônjuge do executado para a necessidade da separação de meações, no caso da penhora de bens móveis, não lhe atribuindo quaisquer direitos concretos a litigar no âmbito do processo de execução fiscal, ou seja, destina-se a permitir-lhe intentar no local próprio acção destinada à separação de meações, ficando o processo de execução fiscal a aguardar o desfecho dessa acção, já a citação prevista no artigo 239º, n.º 1 do CPPT, destina-se a chamar o cônjuge do executado a intervir na própria execução fiscal, como se do executado se tratasse, e deve ocorrer sempre que se mostrem penhorados nos autos bens imóveis ou móveis sujeitos a registo (ou como no caso dos autos quotas de sociedades, uma vez que o legislador quis equiparar a penhora destes direitos à penhora dos bens imóveis e móveis sujeitos a registo por razões de segurança jurídica e de eficácia, cfr. artigo 234º do CPPT).
Portanto, tratam-se de duas citações com efeitos e natureza completamente distintos, uma destina-se a chamar uma pessoa a um processo para nele intervir com todos os direitos e obrigações inerentes -cfr. artigo 189º, n.º 1, 190º do CPPT e 219º, n.º 1 do CPC- a outra destina-se a alerta-la para a necessidade de intentar uma acção própria para defesa do seu património - 1795º-A do Código Civil.
E, assim sendo, naturalmente que ocorrendo a citação do primeiro tipo não se pode considerar que o interessado se encontra valida e regularmente citado, se no caso era exigível a citação do segundo tipo, antes se deverá concluir pela total e absoluta falta de citação e, portanto, pela necessidade de a realizar nos termos legalmente estabelecidos de modo a permitir ao interessado um conhecimento seguro dos seus direitos e deveres, cfr., entre outros, acórdãos datados de 24/05/2016 e de 16/11/2011, recursos, n.ºs 0365/16 e 0518/11.

Encontrando-se, no caso dos autos, penhorada uma quota societária, haveria o cônjuge da executada, aqui recorrido, ter sido citado para a execução nos termos do disposto no artigo 239º, n.º 1 do CPPT e não, como aconteceu, ter sido citado nos termos do disposto no artigo 220º do mesmo CPPT.
“Torna-se, pois, claro que (…) se impunha a citação da reclamante/recorrente nos termos do artigo 239º do CPPT.
E também não se concorda com o entendimento (…) no sentido de que a omissão dessa citação é inócua na perspectiva da defesa da recorrente. É que a falta de citação nos termos e para os efeitos do artigo 239º, nº 1, do CPPT, vedando à recorrente a possibilidade de usar dos meios processuais que são colocados ao dispor do executado, como seja, por exemplo, o de pedir o pagamento em prestações, tem a virtualidade de restringir a sua defesa.
O artigo 165º do CPPT, no seu nº 1, alínea a), comina essa falta de citação com a sanção da nulidade insanável, e determina, no seu nº 2, que essa nulidade tem por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que dele dependam absolutamente, aproveitando-se as peças úteis ao apuramento dos factos.”, cfr. acórdão datado de 24/05/2016, recurso n.º 0365/16.

Há, assim, que concluir que se fez um correcto julgamento da questão de mérito na sentença recorrida, não ocorrendo, por isso, qualquer nulidade por omissão de pronúncia tal como alegado pela recorrente AT.

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 14 de Setembro de 2016. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.