Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0184/12
Data do Acordão:06/14/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
COIMA
CÚMULO JURÍDICO
CUMULO MATERIAL
APENSAÇÃO
Sumário:I – Sempre que alguém haja praticado várias contra-ordenações antes de transitar em julgado a condenação por qualquer delas, deve ser condenado numa única coima (art. 77º do CPenal, aplicável às contra-ordenações tributárias por força do disposto na al. b) do art. 3º do RGIT e no art. 32º do RGCO).
II – Quando o concurso de infracções não é detectado antes da sentença, o cúmulo jurídico superveniente pressupõe a determinação das coimas relativas a cada uma das infracções, através de decisão ou decisões transitadas em julgado (nº 2 do art. 78º do CPenal, subsidiariamente aplicável (citados arts. 3º, al. b), do RGIT e 32º do RGCO).
Nº Convencional:JSTA00067672
Nº do Documento:SA2201206140184
Data de Entrada:02/20/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:DESP TAF BRAGA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - CONTRA ORDENAÇÃO TRIB
DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO
Área Temática 2:DIR CRIM
Legislação Nacional:RGIT01 ART3 B ART25
L 64-A/2008 DE 2008/12/31 ART113
RGCO ART3 N1 N2 ART32
CP95 ART78 N2
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC983/09 DE 2010/02/18; AC STA PROC610/11 DE 2011/09/21
Referência a Doutrina:MAIA GONÇALVES CÓDIGO PENAL PORTUGUÊS ANOTADO E COMENTADO 14ED PAG266
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A……, Lda., com os demais sinais dos autos, recorre do despacho que, proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em recurso de decisão de aplicação de coima, indeferiu o requerimento de apensação aos presentes autos, de outros processos de contra-ordenação contra si instaurados e que se encontravam em fase de recurso judicial.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1) Em 14 de Outubro de 2011 a arguida/recorrente, ora apelante, requereu, nos presentes autos, a apensação dos processos de contra-ordenação nºs. 2321201006005926, 2321201006008321, 2321201006012396 e apensos 2321201006012442 e 2321201006013589, 2321201006009026, 2321201006009867.
2) Os presentes autos foram instaurados por falta de entrega à Administração Tributária do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), retido na fonte, relativo ao período de Junho de 2010.
3) Contra a arguida/recorrente, foram instaurados, e encontram-se em curso, os processos de contra-ordenação seguintes, para os quais foi requerida a apensação:
a) Proc. nº 2321201006005926, instaurado por Imposto sobre o Valor Acrescentado, liquidado e não pago dentro do prazo legal, respeitante ao mês de Março de 2010. Neste processo foi apresentado no Serviço de Finanças de Ponte de Lima, em 27 de Janeiro de 2011, recurso de aplicação de coima, nos termos do art. 80º do RGIT;
b) Proc. nº 2321201006008321, instaurado por Imposto sobre o Valor Acrescentado, liquidado e não pago dentro do prazo legal, respeitante ao mês de Abril de 2010. Neste processo foi apresentado no Serviço de Finanças de Ponte de Lima, em 24 de Fevereiro de 2011, recurso de aplicação de coima, nos termos do 80º do RGIT;
c) Proc. n°s. 2321201006012396 e apensos 2321201006012442 e 2321201006013589, instaurados por Imposto sobre o Valor Acrescentado, liquidado e não pago dentro do prazo legal, respeitantes aos meses de Julho de 2010, Agosto de 2010 e Setembro de 2010. Neste processo foi apresentado recurso no Serviço de Finanças de Ponte de Lima, em 24 de Fevereiro de 2011, recurso de aplicação de coima, nos termos do art. 80º do RGIT.
d) Proc. n° 2321201006009026, instaurado por falta de entrega do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, retido na fonte, respeitante ao mês de Abril de 2010. Neste processo foi apresentado, no Serviço de Finanças de Ponte de Lima, em 17 de Maio de 2011, recurso de aplicação de coima, nos termos do art. 80º do RGIT.
e) Proc. nº 2321201006009867, instaurado por falta de entrega do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, retido na fonte, respeitante ao mês de Maio de 2010. Neste processo foi apresentado no Serviço de Finanças de Ponte de Lima, em 02 de Maio de 2011, recurso de aplicação de coima, nos termos do art. 80º do RGIT.
4) Ao tempo em que foram praticadas as várias contra-ordenações vigorava o regime jurídico previsto no artigo 25º do RGIT, na redacção dada pelo artigo 113º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009).
5) Em nenhum dos processos havia decisões definitivas ou transitadas em julgado e cumpridas conforme refere o artigo 2º, nº 2 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, aplicável subsidiariamente por forca do disposto no artigo 3º, al. b) do RGIT.
6) A apensação dos processos tem em vista a economia processual e uniformidade de julgamento, bem como quando se verifiquem os elementos objectivos de conexão, conforme orientação jurisprudencial resultante de vários acórdãos: Acórdão nº 0027474 do Tribunal da Relação de Lisboa e Acórdão nº 01992/04.6 BEPRT-B do Tribunal Central Administrativo do Norte.
7) A aplicação do cúmulo jurídico, à arguida/recorrente, é mais favorável conforme é reconhecido na douta decisão: “(...) Por outro lado, é pacífico que o sistema de cúmulo jurídico é concretamente mais favorável à Arguida que o cúmulo material. (...)”.
8) A partir de 01 de Janeiro de 2011, para as contra-ordenações fiscais vigora o regime do cúmulo material, porém, durante os anos de 2009 e 2010 vigorou o regime do cúmulo jurídico.
9) As várias infracções a que respeitam os processos de contra-ordenação em que foi requerida a sua apensação foram praticadas no ano de 2010.
10) O Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que consagra o regime geral do ilícito de mera ordenação social – Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO), subsidiariamente aplicável ao RGIT por força do disposto no artº 3º, al. b) deste regime legal, estabelece no seu artigo 3º a aplicação da lei no tempo determinando que a punição às contra-ordenações é feita pela lei vigente na data da infracção, prevendo que se a lei for posteriormente alterada será de aplicar a lei mais favorável ao arguido.
11) Ressalva a lei citada no número anterior que “(...) salvo se já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada.”, o que não é o caso.
12) Pois, apenas, nos presentes autos havia sido proferida douta sentença em 04 de Outubro de 2011 cujo trânsito em julgado ocorreria em 25 de Outubro de 2011, encontrando-se os restantes processos aguardar decisão após apresentação de recursos nos termos do art. 80º do RGIT.
13) Conforme jurisprudência, quem tiver praticado várias contra-ordenações deve ser punido com uma coima única nos termos do art. 25º do RGIT com a redacção dada pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo – 2ª Secção, nºs. 928/08, 1.113/08. 174/09 e 610/11, de 21-01-09, 15-04-09, 01-07-09 e 21-09-2011.
14) A arguida/recorrente, tem o direito de requerer a apensação dos processos e estes devem ser apensados para que seja aplicado o regime do cúmulo jurídico, por mais favorável, conforme Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – 2ª Secção, nº 0983/09, de 18-02-2010.
15) O fundamento da douta decisão: “Por outro lado, o sistema do cúmulo, quando o concurso de infracções não é detectado antes da sentença, pressupõe a determinação das coimas relativas a cada uma das infracções, através de decisão ou decisões transitadas em julgado (art. 78º, nº 2, do Código Penal, subsidiariamente aplicável, nos termos dos artigos 3º, alínea b), do RGIT e 41º, nº 1 do Regime Geral das Contra-ordenações) e, neste momento, não há caso julgado nem caso decidido em nenhuma das contra-ordenações”, com todo o respeito, não nos merece acolhimento porquanto: O art. 78º do Código Penal é aplicado ao concurso de crimes a que se refere o Capítulo I – Processo Penal Tributário do RGIT, por força do disposto no art. 41º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, porém,
16) Às contra-ordenações é aplicado o RGIT, o RGCO, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que contém norma específica no seu art. 3º que obriga à aplicação da lei mais favorável ao arguido se ela posteriormente for alterada desde que não haja decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada, como é o caso.
17) Só subsidiariamente será de aplicar o Código Penal nos termos do art. 32º do RGCO.
18) A arguida/recorrente tinha e tem o direito de requerer a apensação dos processos para que, assim, fosse aplicado o regime mais favorável pelo que a petição deveria ter sido deferida.
19) O douto despacho ao decidir como decidiu, violou, por errada interpretação do art. 78º do Código Penal, o disposto no art. 25º do RGIT na redacção dada pelo art. 113º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, o disposto no art. 3º, nº 2 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro e o artigo 29º da Constituição da República Portuguesa.
Termina pedindo o provimento do recurso e que, em consequência, seja revogado o douto despacho recorrido, deferindo o pedido e ordenando a apensação dos processos de contra-ordenação.

1.3. O Procurador da República junto do TAF de Braga apresentou resposta nos termos seguintes:
«O Agente do Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado da admissão de recurso interposto pela arguida nos autos à margem identificados, vem dizer apenas o seguinte:
Por douta sentença de fls. 150/162, foi o recurso apresentado pela recorrente A……., Lda. julgado improcedente e, consequentemente, foi confirmada a decisão proferida pelo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Ponte de Lima, de 13 de Abril de 2011, que lhe aplicou uma coima no valor de 1.906,62€.
Por carta de 3/10/2011, foi a recorrente notificada daquela decisão.
No dia 14/10/2011, antes de a douta sentença proferida nos autos ter transitado em julgado, a recorrente veio apresentar o requerimento que constitui fls. 182/188, no qual requer a apensação dos processos de contra-ordenação nºs 2321201006005926, 2321201006008321, 2321201006012396, 2321201006012442, 2321201006013589, 2321201006009026 e 2321201006009867, com o propósito de que lhe fosse aplicada, em cúmulo jurídico, uma pena única, nos termos do disposto no art. 25º do RGIT (redacção introduzida pelo art. 113º, da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro).
Alega, em resumo, a recorrente que os referidos processos de contra-ordenação ainda se encontram em curso e que a sentença proferida nos presentes ainda não havia, naquela data, transitado em julgado, pelo que lhe deveria ser aplicada uma coima única, relativamente a todas as contra-ordenações.
Por douto despacho de fls. 190/191, foi a pretensão da recorrente indeferida por não haver ainda caso julgado nem caso decidido em nenhuma das contra-ordenações cuja apensação foi requerida, uma vez que o concurso de infracções não foi detectado antes da sentença, de acordo com o disposto no artigo 78º, nº 2 do Código Penal, subsidiariamente aplicável, nos termos dos artigos 3º, alínea b) do RGIT e 41º, nº 1, do regime geral das contra-ordenações.
Antes de mais importa adiantar que, entretanto, não tendo a douta sentença de fls. 150/162 sido objecto de qualquer recurso ou reclamação, a mesma já transitou em julgado.
A recorrente alega que todas as contra ordenações foram cometidas no ano de 2010, tendo sido apresentado recurso de aplicação de coima em todos os processos de contra ordenação atrás identificados, nos termos do art. 80º do RGIT
No entanto, a recorrente não alega nem demonstra que esses processos de contra ordenação já tenham sido decididos, ou seja, não juntou prova da existência de qualquer decisão transitada em julgado, além da que foi proferida nos presentes autos, razão pela qual não há qualquer coima para cumular.
Com a entrada em vigor da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2009), em vigor desde 1/1/2009, foi introduzida nova redacção do art. 25º do RGIT, nos termos seguintes:
1 - Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso.
2 - A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso.
3 - A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações (cf. art. 113º da citada lei).
Posteriormente, o artigo 25º do RGIT foi alvo de nova alteração, nos termos seguintes:
As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre objecto de cúmulo material. [Redacção dada pela Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro - OE]
No caso dos autos, a recorrente foi condenada por uma contra-ordenação cometida a 20/7/2010, data limite para entrega da prestação tributária em falta. Ou seja, a contra-ordenação em causa nos autos foi cometida do domínio da redacção do art. 25º do RGIT, introduzida Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro. Por outro lado, a recorrente alega que as demais contra-ordenações também foram cometidas no domínio da redacção do art. 25º, do RGIT, introduzida pela referida Lei, não se suscitando dúvidas que o cúmulo jurídico é sempre mais favorável ao arguido do que o cúmulo material.
Por seu turno o art. 3º do RGIT estabelece que:
São aplicáveis subsidiariamente:
(…)
b) Quanto às contra-ordenações e respectivo processamento, o regime geral do ilícito de mera ordenação social.
E o art. 3º, nº 2 do RGCO dispõe que:
Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada.
Resulta deste preceito legal que o cúmulo jurídico só deixa de ser possível se o arguido já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada.
Logo, não tendo sido executada a decisão, o cúmulo jurídico é ainda possível, devendo, porém ser efectuado no processo em que a recorrente for condenada em último lugar, caso, entretanto, os demais processos de contra-ordenação ainda não tenham sido apensados.
Em suma, a recorrente requereu a apensação dos processos de contra-ordenação atrás identificados, alegando que em todos apresentou recurso de aplicação de coima. No entanto, a recorrente não demonstrou que já tenha sido proferida decisão transitada em julgado em qualquer um desses processos. Ou seja, de todas as contra-ordenações imputadas à recorrente apenas transitou em julgado a decisão proferida nos presentes autos. Daí que, a requerida cumulação de coimas seja, por enquanto, inviável, o que não significa que a recorrente não possa, oportunamente, requerer a aplicação do cúmulo jurídico que veio, antes do tempo, requerer nos presentes autos.
Nestes termos, e salvo o devido respeito por melhor entendimento, parece-nos que a douta decisão recorrida não merece qualquer censura.»

1.4. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste STA emite Parecer de concordância com os termos daquela resposta.

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.


FUNDAMENTOS
2. O despacho recorrido é do teor seguinte:
«I. Em 30 de Setembro de 2011, foi proferida sentença que julgou improcedente o Recurso e, consequentemente, manteve a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Ponte de Lima, de 13 de Abril de 2011, que aplicou à Arguida a coima de € 1.906,62 por falta de entrega de imposto retido na fonte no período 2010/06.
No dia 14 de Outubro de 2011, antes do trânsito daquela decisão, veio a Arguida requerer a apensação, aos presentes autos, dos processos de contra-ordenação nºs. 2321-2010/06005926, 2321-2010/06008321, 2321-2010/06012396 e apensos 2321-2010/06012442 e 2321-2010/06013589, 2321-2010/06009026 e 2321-2010/06009867 que estão todos na fase de recurso judicial.
Requereu, ainda, que fosse proferida decisão de aplicação de uma única coima, nos termos do artigo 25º do RGIT que, à data, previa a punição em cúmulo jurídico, regime que lhe é mais favorável.
II. Vejamos, pois:
Efectivamente, entre 2001 e 2009 e após 2011, o artigo 25º do RGIT manda sancionar o concurso de contra-ordenações através do sistema do cúmulo material, tendo este sistema sido o do cúmulo jurídico em 2009 e 2010.
Por outro lado, é pacífico que o sistema de cúmulo jurídico é concretamente mais favorável à Arguida que o do cúmulo material.
Todavia, adiante-se desde já, não é possível deferir o requerido.
Desde logo, “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”, sendo que o objecto do requerimento não é a rectificação de erros materiais, o suprimento de nulidades, o esclarecimento de dúvidas existentes ou a reforma da sentença. E, assim, por força do artigo 666º do CPC, aplicável subsidiariamente, não pode o juiz voltar a pronunciar-se quanto à coima aplicada.
Por outro lado, o sistema do cúmulo jurídico, quando o concurso de infracções não é detectado antes da sentença, pressupõe a determinação das coimas relativas a cada uma das infracções, através de decisão ou decisões transitadas em julgado (artigo 78º, nº 2, do Código Penal, subsidiariamente aplicável, nos termos dos artigos 3.º, alínea b), do RGIT e 41º, nº 1, do Regime Geral das Contra-ordenações) e, neste momento, não há caso julgado nem caso decidido em nenhuma das contra-ordenações.
III. Termos em que, indeferindo-se o Requerimento de fls. 182-188, não se ordena a apensação dos processos por contra-ordenação.
Sem custas – artigo 7º, nº 6, do RCP.»

3.1. Do que flui da decisão recorrida, das Conclusões do recurso e da resposta do MP, a questão a decidir é a de saber se pode, no caso, ordenar-se a apensação aos presentes autos dos processos de contra-ordenação especificados pela recorrente.
No entendimento desta, tem ela o direito de requerer a apensação daqueles processos a estes autos para que aqui seja aplicado o regime do cúmulo jurídico, por mais favorável.
Ao invés, no entendimento do MP, embora o cúmulo jurídico seja legalmente possível, deve o mesmo ser efectuado no processo em que a recorrente for condenada em último lugar, caso, entretanto, os demais processos de contra-ordenação ainda não tenham sido apensados, isto porque em todas as contra-ordenações imputadas à recorrente apenas transitou em julgado a decisão proferida nos presentes autos, daí resultando que a requerida cumulação de coimas seja, por enquanto, inviável.

3.2. Ora, com o devido respeito, afigura-se-nos que o entendimento preconizado pelo MP é o que, na verdade, resulta da lei.
Diga-se, desde já, aliás, que não é ao caso aplicável a jurisprudência constante do ac. desta Secção do STA, de 18/2/2010, rec. nº 0983/09, que a recorrente cita em apoio da sua tese, pois, do que deste aresto decorre, a questão ali a decidir era a de «saber qual o regime de punição do concurso de contra-ordenações fiscais: se o regime do cúmulo material, se o regime do cúmulo jurídico», além de que a apensação dos processos havia sido requerida antes da prolação da sentença ali proferida e recorrida.
Ora, no caso vertente, o despacho que vem recorrido é o despacho proferido depois da sentença (e esta não foi objecto de recurso): ou seja, a sentença foi proferida em 30/9/2011 e só em 14/10/2011 (antes do trânsito daquela decisão) é que a arguida veio requerer a apensação aos presentes autos dos processos de contra-ordenação ali identificados e que alegadamente estão em fase de recurso judicial, bem como requerer que «fosse proferida decisão de aplicação de uma única coima, nos termos do artigo 25º do RGIT que, à data, previa a punição em cúmulo jurídico, regime que lhe é mais favorável.»
E na verdade, à data da prática da contra-ordenação aqui em causa (20/7/2010 - data limite para entrega da prestação tributária em falta), o art. 25º do RGIT dispunha o seguinte [na redacção dada pelo art. 113º da Lei nº 64-A/2008, de 31/12 (OE 2009), em vigor desde 1/1/2009]:
«1 - Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso.
2 - A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso.
3 - A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações».
E, apesar de a Lei nº 55-A/2010, de 31/12 (OE 2011) ter introduzido nova redacção ao mesmo normativo («As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre objecto de cúmulo material»), sempre há que ter em conta o disposto nos nºs. 1 e 2 do art. 3º do DL nº 433/82, de 27/10 (RGCO) que se apresenta como regime subsidiário relativamente ao RGIT (cfr. a al. b) do art. 3º deste): «1 - A punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende» e «2 - Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgamento e já executada». Ora, tendo a contra-ordenação pela qual a recorrente foi condenada sido cometida em 20/7/2010 (data limite para entrega da prestação tributária em falta), ou seja, em data em que estava em vigor a redacção introduzida no art. 25º do RGIT pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12 e tendo, por outro lado, a recorrente alegado que as demais contra-ordenações também foram cometidas no âmbito daquela mesma vigência, não se suscitam dúvidas sobre a aplicabilidade (que nenhuma das partes contesta) do cúmulo jurídico (e não do cúmulo material) de acordo com o regime decorrente da redacção do art. 25º do RGIT na redacção da citada Lei nº 64-A/2008. Aliás, sendo o cúmulo jurídico sempre mais favorável ao arguido do que o cúmulo material, sempre aquele seria de aplicar, por força do disposto no citado art. 3º do RGCO, do qual resulta, igualmente, que o cúmulo jurídico só deixa de ser possível se o arguido já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada.
Todavia, no caso, apesar de ser abstractamente possível proceder ao referido cúmulo jurídico, por a decisão não ter sido ainda executada (sendo que, face ao regime então aplicável, quer o concurso seja ideal quer seja real, é obrigatória a fixação de um cúmulo jurídico de coimas, o que exige uma decisão para a aplicação da coima única), tendo a apensação dos ditos processos sido requerida já depois da prolação da sentença não pode essa apensação operar e o cúmulo haverá de ser efectuado no processo em que a recorrente venha a ser condenada em último lugar, caso, entretanto, os demais processos de contra-ordenação ainda não tenham sido apensados. Isto é, a arguida continua a ter o direito a que lhe seja aplicável o regime mais favorável decorrente da aplicação do cúmulo jurídico às coimas parcelares que venham a ser definitivamente aplicadas; mas, contrariamente ao também alegado na Conclusão 18ª, esse direito não determina, ipso facto e no caso, a pretendida apensação dos outros questionados processos de contra-ordenação.
Como bem se acentua no despacho recorrido, quando o concurso de infracções não é detectado antes da sentença, o cúmulo jurídico superveniente pressupõe a determinação das coimas relativas a cada uma das infracções, através de decisão ou decisões transitadas em julgado (nº 2 do art. 78º do CPenal, subsidiariamente aplicável, nos termos dos arts. 3º, al. b), do RGIT e 32º do RGCO) e, no caso, não há ainda caso julgado nem caso decidido relativamente a nenhuma das contra-ordenações a que se referem os processos cuja apensação se requer.
E nem se objecte com a jurisprudência do STA consubstanciada nos acs. de 21/1/09, 15/4/09, 1/7/09 e 21/9/11, nos recs. nºs. 928/08, 1113/08, 174/09 e 610/11, respectivamente, invocados no corpo das alegações do recurso, pois que, como se disse, no caso vertente e diferentemente do que ali sucedia, o presente recurso vem interposto do despacho que, depois de ter sido proferida sentença, desatendeu o posterior pedido de apensação de processos de contra-ordenação, e não da própria sentença condenatória.
Na verdade, como a própria recorrente reconhece, a apensação de processos tem em vista a economia processual e a uniformidade do julgamento, finalidades que, no caso, já nem sequer podem ser atingidas, uma vez que a apensação foi requerida depois de a sentença ter sido proferida (embora não tivesse ainda transitado à data do requerimento e sendo que, de todo o modo, se mostra transitada na presente data).
Aliás, o disposto no art. 78º do CPenal possibilita, precisamente, a formação do cúmulo jurídico das penas, sempre que se descubram infracções anteriores que formam uma acumulação com a já julgada, sem que a pena esteja totalmente expiada, ou quando se verifique que não fora feito o cúmulo jurídico das diversas penas por crimes que formam uma acumulação de infracções (cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e comentado, 14ª edição, Almedina, 2001, anotação 2 ao art. 78º, p. 266).
Em suma, como salienta o MP, a requerida cumulação de coimas é, por enquanto, inviável, o que não significa que a recorrente não possa, oportunamente, requerer a aplicação do cúmulo jurídico que veio, fora de tempo, requerer nos presentes autos.
Neste contexto, o despacho recorrido não enferma do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa, devendo manter-se.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 14 de Junho de 2012. – Casimiro Gonçalves (relator) – Lino Ribeiro – Dulce Neto.