Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0957/14.4BEAVR
Data do Acordão:05/11/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:DANO ESPECIAL E ANORMAL
INFRA-ESTRUTURAS
INDEMNIZAÇÃO POR SACRIFÍCIO
Sumário:Os incómodos normais (emissões e ruídos) gerados pela proximidade de uma infra-estrutura rodoviária não são de molde a gerar o direito a uma indemnização pelo sacrifício.
Nº Convencional:JSTA00071730
Nº do Documento:SA1202305110957/14
Data de Entrada:03/15/2023
Recorrente:AA E OUTROS
Recorrido 1:A... ACE E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:ARTIGOS 2.º E 16.º DO DO REGIME DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS (APROVADO PELA LEI N.º 67/2007, DE 31 DE DEZEMBRO)
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – Relatório

1 – AA e BB, ambos com os sinais dos autos, propuseram, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (TAF de Aveiro), acção administrativa comum, contra a E. P. – Estradas de Portugal, S.A., o InIR - Instituto de Infra-estruturas Rodoviárias I.P., a B..., SA, a A..., ACE e foi ainda admitida a intervenção da C..., S.A., todos igualmente com os sinais dos autos; acção na qual foi formulado o seguinte pedido:
«[…] Nestes termos e nos mais de direito cujo douto suprimento de V. Exa. se pede, devem os R.R. ser condenados a pagar aos A.A., a título de indemnização, por danos patrimoniais sofridos a importância global de 70.000,00€ (Setenta mil euros), e por danos não patrimoniais sofridos a importância de 10.000,00€ (Dez mil euros), no montante global de 80.000,00€ (Oitenta mil euros) a que deverão acrescer os juros legais, a contar da citação, até integral e efectivo pagamento […]».

2 – Por sentença de 25.03.2022 foi a acção julgada improcedente e os RR absolvidos do pedido.

3 – Inconformados, os AA. recorreram para o TCA Norte, que, por acórdão de 28.10.2022, negou provimento ao recurso.

4 – Desta última decisão foi interposto recurso de revista para este STA, o qual foi admitido por acórdão de 23.02.2023.

5 – Os Recorrentes formularam alegações que concluíram da seguinte forma:
«[…]

1. O presente recurso é interposto nos termos do artigo 672.º do CPC, aplicável aos presentes autos.

2. O Douto acórdão recorrido encontra-se em contradição com o Douto acórdão do STA proferido no processo 01303/13.1 em 07/04/2022, disponível em dgsi.pt, que aqui se elege como Acórdão-Fundamento.

3. Os acórdãos em causa tratam da mesma questão de direito: o direito à indemnização pelo sacrifício resultante de empreitadas e o obras públicas e foram proferidos no domínio da mesma legislação: Lei 67/2007 de 31/12.

4. Verificam-se os requisitos de admissibilidade do recurso previstos nas alíneas a) b) e c) do artigo 672.º do CPC.

5. O Douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 2.º e 16.º do RRCEE.

6. O Douto acórdão recorrido fez errada subsunção dos factos provados ao direito, ao decidir que os mesmos não constituem danos especiais e anormais.

7. Dos factos dados como provados resulta forçosamente que os AA sofreram danos especiais, porquanto tais danos não foram impostos à sociedade em geral, mas tão só às pessoas cujos prédios de habitação se localizam junto à autoestrada é só eles sofreram e sofrem os efeitos da mesma.

8. Os AA sofreram prejuízos anormais, porquanto os danos sofridos vão para além do que é expectável uma vez que tiveram que suportar os ruídos decorrentes da construção e agora da exploração da autoestrada, que aumentou e irá aumentar exponencialmente.

9. Encontram-se verificados os requisitos exigidos pelo n.º 2 do artigo 762.º do CPC.

10. A apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, porquanto a mesma tem vindo a ser objecto de diferentes decisões judiciais em casos similares, como o dos presentes autos, sendo assim, necessário estabelecer uma melhor uniformização nas decisões, sob pena de manifesta violação do direito constitucional de igualdade previsto no artigo 13.º da CRP.

11. Os interesses são de particular relevância social, porquanto a questão se prende com a obtenção de uma justiça cada vez mais respeitadora dos direitos dos cidadãos em situações idênticas, de forma a que a sociedade entenda as decisões judiciais. Ademais a questão em análise está cada vez mais presente, face ao desenvolvimento na área dos transportes e equipamentos do domínio público.

12. Os acórdãos em análise são idênticos quanto ao pedido e causa de pedir, sendo os mesmos referentes a pedidos de indemnização por força da construção e exploração da A-32, em locais próximos. Os factos provados são idênticos e as decisões são contraditórias.

Nestes termos e nos mais de direito, cujo douto suprimento de V. E.cias Srs. Juízes Conselheiros se pede, deve o presente recurso ser admitido, e a final ser julgado procedente por provado com as legais consequências, e ser proferido Douto Acórdão que condene os recorridos a indemnizar os Autores nos termos peticionados, assim se fazendo inteira e sã

JUSTIÇA

[…]».


6 - A A..., ACE, contra-alegou, rematando da seguinte forma:
«[…]

13. O presente recurso é interposto pelos Autores, ora Recorrentes, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, por existir uma alegada contradição entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão desse STA de 07.04.2022.

14. Sucede que a admissibilidade do presente recurso não pode ser aferida no âmbito do artigo 672.º do CPC, havendo que fazer essa análise à luz do disposto no CPTA, no quadro do qual se afigura que a decisão sub judice é irrecorrível.

15. Nos termos do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, só pode haver recurso de revista de decisões proferidas em segunda instância pelo TCA quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

16. Segundo os Recorrentes, a pretensa oposição de julgados consubstanciaria razão para que a admissão do recurso fosse necessária para melhor aplicação do direito e para que estivesse em causa questão de particular relevância social.

17. Contudo, não só não se verifica qualquer oposição de julgados, como tal circunstância só poderia ser causa de recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado, por falta de verificação dos pressupostos legais para o efeito.

Se assim não se entender, sempre se dirá que,

18. Nos termos do n.º 2 do artigo 150.º do CPTA, a revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

19. Os Recorrentes vêm alegar a violação do disposto nos artigos 2.º e 16.º do RRCEE, porque, na sua perspetiva, estariam verificados os pressupostos de que depende o direito à indemnização pelo sacrifício, em suposta consonância com o douto Acórdão de 07.04.2022, por terem sofrido danos especiais e anormais.

20. Todavia, não está de forma alguma demonstrado que os Recorrentes sofreram danos especiais e anormais, razão pela qual não lhes assiste o direito de serem indemnizados pelo sacrifício ou a qualquer outro título.

21. Quanto a alegados danos patrimoniais, os Autores, ora Recorrentes, não provaram que o seu imóvel tenha sofrido qualquer desvalorização em face da construção da A...2.

22. Quanto a alegados danos não patrimoniais, a lei remete para o tribunal o encargo de apreciar se o prejuízo concretamente alegado (e provado) merece a tutela do direito, sendo irrelevantes os pequenos incómodos ou contrariedades, desgostos ou sofrimentos que resultem de uma sensibilidade exagerada ou anómala.

23. O dano não patrimonial deve ser aferido de modo objetivo, a partir de valorações ético-culturais aceites pela comunidade, num dado momento histórico, atendendo ao circunstancialismo do caso concreto, e não a partir das perceções subjetivas do lesado.

24. In casu, os Recorrentes não lograram demonstrar quaisquer danos que não devam considerar-se normais na vida em sociedade ou que tenham gravidade suficiente a ponto de merecerem a tutela do direito e de lhes conferir direito a indemnização.

25. Com efeito, os factos provados pelos Autores, ora Recorrentes, não se revelam adequados a provocar os «incómodos, arrelias e perturbações na (…) vivência diária [dos mesmos], designadamente, stress e insónias».

26. Afigura-se que os factos provados não têm qualquer gravidade intrínseca própria e que o estado de stress e insónias dos Recorrentes resultam antes das suas expectativas quanto à imodificabilidade das condições existentes nas imediações da sua habitação e/ou uma especial sensibilidade que possam ter relativamente aos efeitos do trânsito rodoviário – as quais são insuscetíveis de tutela jurídica.

27. Estão, por isso, em causa prejuízos normais inerentes aos riscos normais da vida em sociedade.

28. Os Recorrentes também não lograram demonstrar ter sofrido quaisquer incómodos que lhes tenham sido particularmente impostos, por comparação com os demais cidadãos, razão pela qual não suportaram qualquer dano especial.

29. Termos em que se impõe reconhecer que o Acórdão Recorrido não viola, de forma alguma, os artigos 2.º e 16.º do RRCEE, devendo o presente recurso improceder em conformidade.

Refira-se ainda que,

30. No caso do Acórdão Recorrido, a autoestrada «dista 72 (setenta e dois) metros do tardoz dos anexos e limite do terreno do prédio dos autores» e «100 (cem) metros da traseira do corpo principal da moradia».

31. No caso do Acórdão de 07.04.2022, o prédio do autor ficou «a uma distância de (…) 2 metros da zona de estrada ao logradouro e 10 metros da zona de estrada ao edifício de habitação».

32. No caso do Acórdão Recorrido, não ficou provado que, por força da construção da autoestrada, o prédio dos Autores tenha sofrido qualquer desvalorização (24);

33. No caso do Acórdão de 07.04.2022, ficou provado que, após a construção e entrada em funcionamento da autoestrada, o prédio do aí autor sofreu uma desvalorização de 13% – correspondente a € 86.059,38.

34. Assim, contrariamente à situação dos autos, no caso do Acórdão de 07.04.2022, estão em causa danos especiais, porque não impostos à generalidade das pessoas, bem como danos anormais, correspondentes à perda de 13% do valor do imóvel e aos efeitos nocivos resultantes de uma tão escassa e incomum proximidade entre o imóvel e a autoestrada.

35. Também não é de todo verdade que o local a que se refere o Acórdão Recorrido e o Acórdão de 07.04.2022 sejam próximos e, por isso, semelhantes.

36. Termos em que não há qualquer identidade, nem de danos, nem de circunstâncias, entre os casos do Acórdão de 07.04.2022 e do Acórdão Recorrido, pelo que a decisão a quo também não padece de qualquer violação do princípio da igualdade.

37. Por essa mesma razão, não se verifica qualquer contradição entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão de 07.04.2022.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser liminarmente rejeitado, por inadmissível, nos termos legais.

Se assim não se entender, deverá o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se, na íntegra, o Acórdão Recorrido.

Assim se fazendo JUSTIÇA.

[…]».


7 – A B..., S. A. contra-alegou, concluindo da seguinte forma:

«[…]

i. Ponto Prévio

1. Os Recorrentes fundamentam o presente recurso no artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, alegando existir uma manifesta contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 07.04.2022, proferido no âmbito do processo n.º 01303/13.1BEAVR, que utilizam como Acórdão-Fundamento.

2. Ocorre que, por um lado, não só é processualmente inadmissível fundamentar o presente recurso no artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, como, em qualquer caso, não existe qualquer contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão-Fundamento.

3. Desde logo é inadmissível o recurso excecional de revista previsto no artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, na presente ação de contencioso administrativo porquanto os requisitos de que depende o recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo são – apenas e só – os previstos no artigo 150.º, do CPTA, os quais não se identificam nem se confundem com os decorrentes da lei processual civil.

4. Ainda que assim não fosse, e se considerasse admissível o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo nos termos do artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, o que não se concede e por mero exercício de raciocínio se equaciona, o facto é que o recurso seria, ainda assim, inadmissível, por não existir qualquer contradição entre os dois acórdãos.

5. Pese embora o Acórdão recorrido e o Acórdão-Fundamento versem ambos sobre a aplicabilidade do artigo 16.º do RRCEE, convocando para isso o mesmo bloco de legislação aplicável, a verdade é que os factos dados como provados num e noutro caso são perfeitamente distintos e, como tal, convocam necessariamente soluções jurídicas distintas.

6. Nos autos a que se reporta o Acórdão-Fundamento, ficou assente na matéria de facto dada como provada que o prédio dos ali Autores sofreu uma desvalorização de 13% e, bem assim, que ficou, após a construção e entrada em funcionamento da autoestrada, a uma distância de poucos metros da faixa de rodagem mais próxima, designadamente 2 metros da zona de estrada ao logradouro e 10 metros da zona de estrada ao edifício de habitação - cfr. respetivamente, parágrafos 9.22) e 9.26) do Acórdão-Fundamento.

7. O que contrasta com a factualidade dos autos do presente recurso, nos quais não foi dada como provada qualquer desvalorização e foi dado como provado que a A...2 dista 72 metros do tardoz dos anexos e limite do terreno do prédio dos autores e a 100 metros da traseira do corpo principal da morada – cfr. páginas 4 e 6, do Acórdão recorrido.

8. Razão pela qual se conclui que o Acórdão recorrido e o Acórdão-Fundamento versam sobre realidades distintas, que convocam graus diferentes de tutela, tanto mais quanto se trata da aferição da especialidade do dano e da intensidade do sacrifício imposto ao particular.

9. Sendo, assim, de concluir que ainda que se fosse possível o recurso excecional de revista, nos termos do artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, como base legal para o recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, o que, sendo de tal forma processualmente descabido, apenas por mera hipótese de raciocínio se equaciona, o facto é que ainda assim não estariam reunidos os pressupostos de que depende a sua aplicação.

ii. Quanto à (não) admissibilidade do recurso

10. O facto é que os pressupostos de admissibilidade do presente recurso de revista, tal como previstos no artigo 150.º do CPTA, também não se encontram preenchidos no presente caso, desde logo porque os Recorrentes não cumprem o ónus legal de indicação das circunstâncias que entendem ser subsumíveis aos requisitos ali consagrados, assim conduzindo a que não passe o crivo da admissibilidade.

11. Seja como for, a resposta às questões suscitadas pelos Recorrentes não oferece qualquer dúvida e, nessa medida, não exige uma pronúncia por parte deste Supremo Tribunal, sustentando-se os Recorrentes em alegações manifestamente insuficientes e não concretizadas para tentar demonstrar a suposta relevância jurídica e social fundamental das questões sub judice.

12. O quadro legal em discussão nos presentes autos não oferece dúvidas quanto à interpretação que deve ser feita das normas aplicáveis ao caso, pelo que é evidente que a alegação da existência de um acórdão com uma conclusão distinta da do Acórdão recorrido não constitui, por si só, fundamento para a admissibilidade do presente recurso.

13. Os requisitos de que depende a aplicação do artigo 16.º do RRCEE encontram-se suficientemente densificados pela jurisprudência e doutrina, pelo que dúvidas já não existem sobre a natureza dos danos que podem ser qualificados como danos especiais e danos anormais, e, bem assim, o grau de prejuízo que pode ser considerado como dentro de um padrão expectável.

14. Estão, por isso, em causa conceitos que não encerram em si uma controvérsia que justifique a admissibilidade do presente recurso, mais evidente se tornando quando se verifica que o fundamento dos Recorrentes para a necessidade de uma melhor aplicação do direito reside nas diferentes decisões judiciais em aplicação do RRCEE.

15. É manifesta a falta de relevância jurídica das questões que os Recorrentes pretendem submeter à apreciação deste Tribunal, atenta a falta de qualquer complexidade jurídica, pois que as diferentes decisões judiciais de que os Recorrentes se socorrem nada têm que ver com divergências ao nível da interpretação do regime legal, mas antes com quadros factuais distintos que, como tal, convocam soluções jurídicas distintas.

16. Bem assim, a utilidade da decisão que os Recorrentes pretendem não extravasa os limites do caso concreto, pela simples razão de que, ainda que casos do mesmo tipo se repitam no futuro, qualquer julgador estará perfeitamente ciente da resposta que, nos termos da lei, lhes deverá ser dada, sendo o impacto na comunidade social e o interesse comunitário na resolução da questão a apreciar no presente recurso de revista manifestamente inexistentes.

17. Carece, pois, o presente recurso de relevância jurídica e social fundamental que se exige para que possa ser admitido, o que igualmente constitui justificação bastante para se concluir que tão pouco se encontra verificado o requisito consistente no facto de a admissão do recurso de revista ser necessária para uma melhor aplicação do direito.

18. Enfim, o Acórdão recorrido assenta numa decisão justa, equilibrada e, naturalmente, respeitadora do quadro legal aplicável, a qual não oferece quaisquer dúvidas ou questões quanto aos requisitos de aplicação do regime suscetíveis de se repetir no futuro.

19. Razão pela qual, não se encontrando preenchidos os pressupostos para tal, não deverá o presente recurso de revista ser admitido nem conhecido o seu mérito.

iii. Quanto ao mérito do recurso

20. A tese dos Recorrentes de que o Acórdão recorrido erra na aplicação do Direito assenta, assim, em dois vetores: i) a verificação dos pressupostos de que depende a indemnização pelo sacrifício, nos termos do artigo 16.º, do RRCEE, e bem assim, i) a violação do princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 13.º, da CRP, ao estar, alegadamente, em manifesta contradição com decisões em casos semelhantes.

21. Desde logo quanto à primeira, o entendimento do Tribunal a quo plasmado no Acórdão recorrido não é passível de qualquer censura, estando em perfeito consonância com o entendimento da Recorrida: não se encontram verificados os requisitos de aplicação do artigo 16.º, do RCEE porquanto, em face da matéria de facto dada como provada e não provada, em causa não está qualquer facto que tenha provocado danos quer especiais, quer anormais aos Recorrentes.

22. Desde logo, o Tribunal não deu como provada a desvalorização do prédio e o cômputo da mesma, pelo que, quanto a tais danos, não resulta preenchido o pressuposto essencial da indemnização pelo sacrifício: a existência de dano, não podendo, por maioria de razão, ser qualificado como especial e anormal e, muito menos, ser passível de indemnização.

23. E quanto ao demais, em relação aos danos não patrimoniais também referentes à localização da A...2, nomeadamente incómodos, como o aumento do ruído, poluição e a alteração da paisagem, como realça o Acórdão recorrido, tais incómodos são normais da vida em sociedade, não ostentam gravidade suficiente e não excedem determinados limites ao ponto de merecerem a tutela do direito, sob pena de banalização do instituto da responsabilidade civil.

24. Em face do exposto, não se encontram preenchidos pressupostos de que depende a determinação de indemnização pelo sacrifício, nos termos do artigo 16.º, do RCEE, pelo que devem as alegações dos Recorrentes ser declaradas improcedentes por manifesta falta de fundamento, e mantido o Acórdão recorrido.

25. E ainda que assim não entendesse, e se estivéssemos perante a existência de danos anormais e especiais – o que não se concede, e por mera cautela de patrocínio se equaciona -, a exigência de prejuízos com estas características não significa, por si só, a que se fixasse uma indemnização correspondente aos prejuízos sofridos.

26. A Verdade é que os Recorrentes não só não quantificam o montante da indemnização, limitando-se a pedir a condenação da Recorrida ao seu pagamento, como não atendem ou demonstram qualquer grau de ponderação exigido para o apuramento do quantum em causa.

27. Por último, também quanto à violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, por errada interpretação do artigo 16.º do RRCEE, improcede o argumento dos Recorrentes, pois que a distinção entre Acórdão recorrido e Acórdão fundamento derivada da factualidade neles provada, impõe soluções jurídicas distintas, sem que, por isso, exista qualquer violação do princípio da igualdade.

28. Em síntese, o Recurso de Revista interposto pelos Recorrentes é processualmente inadmissível, devendo, como tal ser rejeitado, sendo ainda, em qualquer caso, totalmente improcedente por não provado.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deverá o presente recurso de revista ser rejeitado, por inadmissível.

Caso assim não se entenda, deverá o recurso de revista ser julgado totalmente improcedente, por não provado, assim se mantendo o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo.

[…]».

8 – A C..., S. A. também contra-alegou e concluiu da seguinte forma:

«[…]

1. Os Os Recorrentes interpõem recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal Administrativo quando, no caso em apreço, se verifica uma situação de dupla conforme.

2. É manifesto que não se verifica a situação prevista nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC ex vi n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

3. Os Recorrentes defendem a aplicação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil ex vi n.º 1, do artigo 150.º do CPTA.

4. No entanto, não existe fundamento atendível para a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo.

5. Em primeiro lugar, porque a questão de saber se os danos não patrimoniais alegadamente provocados pela construção e exploração da autoestrada são “danos ou encargos especiais e anormais” revela-se de natureza jurídica simples.

6. A jurisprudência tem debatido e clarificado o conceito de “danos ou encargos especiais e anormais” de forma simples e unânime não estando em causa conceitos complexos com vista a despoletar a admissibilidade do presente meio processual.

7. Na doutrina, este conceito encontra-se plenamente concretizado, entendendo-se que estamos perante um dano ou encargo especial quando aquele não é imposto à generalidade das pessoas, mas apenas a uma pessoa ou grupo, certo e delimitado, em função do seu caso em concreto, e dano ou encargo anormal quando estamos perante danos ou encargos que não digam respeito aos riscos normais inerentes à vida em sociedade, que serão suportados pela maior parte dos cidadãos.

8. O próprio artigo 2.º do RRCEE define o que são danos ou encargos especiais e anormais.

9. O que está em causa é tão-só saber se os danos não patrimoniais alegadamente provocados pela construção e exploração da autoestrada se subsumem ao conceito de “danos ou encargos especiais e anormais”.

10. Trata-se de uma questão pontual e puramente individual que não é considerada pela jurisprudência, nem pela doutrina como complexa.

11. A aceitar-se a tese dos Recorrentes levaria a que, no limite, uma avaliação objetiva feita pelos Tribunais em relação às circunstâncias individuais de cada caso concreto permitisse sempre o acesso a um terceiro grau de recurso, o que não é admissível nos termos da lei.

12. Assim, o Tribunal de 1.ª Instância e o Tribunal recorrido decidiram a ação procedendo à correta aplicação dos artigos 2.º e 16.º do RRCEE.

13. Ou seja, o Tribunal da 1.ª Instância e o Tribunal a quo, mediante uma avaliação objetiva das circunstâncias em causa nos presentes autos, concluíram, de forma unânime, que o prejuízo concretamente alegado pelos Autores, ora Recorrentes, não merece tutela do direito, uma vez que o mesmo não ultrapassa os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração, como também não excede aquilo que constitui o limiar dos custos próprios e normais que são previsíveis na vida em sociedade.

14. A verdadeira pretensão dos Recorrentes é sindicar uma decisão baseada na sua discordância com aquela que foi a interpretação e decisão do Tribunal de 1.ª instância e do Tribunal a quo.

15. Pelo exposto, é manifesto que não se verifica a situação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil ex vi n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

16. Os Recorrentes defendem igualmente a aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil ex vi n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

17. No entanto, tal argumento dos Recorrentes é infundado.

18. Aceitar a existência de relevância social apenas com o argumento de que cada vez mais existem situações como a dos autos que contendem com os direitos privados, significaria admitir, em qualquer circunstância, direta e automaticamente, o direito de acesso a três graus de recurso, desde que o objeto da ação estivesse relacionado com a promoção e melhoria das condições e acessibilidades rodoviárias.

19. Não se compreende os motivos que justificam que, o Acórdão Recorrido, além de prejudicar os próprios interesses dos Recorrentes, põe em causa interesses mais vastos de particular relevo social, nem os Recorrentes os identificam como era o seu ónus.

20. Na verdade, nem o poderiam fazer, já que o Acórdão proferido não colide com qualquer interesse social, não sendo suscetível de servir de exemplo para qualquer outra situação, não tendo repercussão fora dos limites da causa.

21. Em suma, são desprovidas de qualquer sentido as considerações dos Recorrentes sobre a justificação do recurso de revista excecional, dada a sua manifesta inadmissibilidade.

22. Por fim, os Recorrentes defendem a aplicação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil ex vi n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

23. Para o efeito, apresentam o Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão-Fundamento), proferido no âmbito do processo n.º 01303/13.1BEAVR, de 7 de Abril de 2022, afirmando estar em contradição com o Acórdão recorrido.

24. Porém, os Recorrentes não lograram demonstrar tal contradição.

25. O simples facto do objeto do processo do Acórdão-Fundamento ser semelhante ao objeto do processo dos presentes autos e existir uma decisão em sentido diverso não significa automaticamente que esteja em causa uma contradição entre as duas decisões.

26. O que está em causa é simplesmente apurar, mediante uma avaliação objetiva das circunstâncias em causa nos respetivos autos, se os danos não patrimoniais alegadamente provocados pela construção e exploração da autoestrada se subsumem ao conceito de “danos ou encargos especiais e anormais”.

27. Trata-se, portanto, de uma interpretação dos respetivos factos provados que são diferentes e que levam a diferentes decisões.

28. Desde logo, os factos provados relativos à distância a que ficaram os imóveis da faixa de rodagem da A...2 são diferentes.

29. No Acórdão-Fundamento ficou provado que “Após a construção e entrada em funcionamento da autoestrada A...2, o prédio urbano acima identificado ficou a uma distância de poucos metros da faixa de rodagem mais próxima da zona de estrada ao logradouro e 10 metros da zona de estrada ao edifício de habitação.” cfr. Ponto 27) dos factos provados do Acórdão- Fundamento.

30. No Acórdão recorrido ficou provado que “A A...2 dista 72 (setenta e dois) metros do tardoz dos anexos e limite do terreno do prédio dos Autores. E a 100 (cem metros) da traseira do corpo principal da moradiacfr. Pontos 11) e 12) dos factos provados do Acórdão recorrido.

31. O próprio Tribunal Recorrido afirma expressamente “bem diferente de outros casos com diferentes distanciamentos à estrutura rodoviária só individualmente pesarosos”.

32. Assim, reitera-se que, aceitar a tese dos Recorrentes levaria, no limite, a que uma avaliação objetiva feita pelos Tribunais em relação às circunstâncias individuais de cada caso concreto permitisse sempre o acesso a um terceiro grau de recurso, o que não pode ser aceite.

33. A verdadeira pretensão dos Recorrentes é sindicar uma decisão baseada na sua discordância com aquela que foi a interpretação e decisão do Tribunal de 1.ª instância e do Tribunal a quo.

34. Assim, tendo em conta que o Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte confirmou integralmente e com os mesmos fundamentos a Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, e que não se encontram preenchidas nenhumas das situações que permitem o recurso de revista excecional, deve concluir-se que o presente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo é inadmissível.

35. No entanto, caso assim não se entenda, o que apenas por mero dever de patrocínio se admite, o Tribunal a quo procedeu a uma aplicação rigorosa e acertada do Direito, inexistindo qualquer fundamento para revogar a Decisão proferida.

36. Os Recorrentes insurgem-se contra o entendimento dos Tribunais inferiores no sentido de que o Douto Acórdão recorrido fez uma errada subsunção dos factos provados ao direito, ao decidir que os danos alegadamente sofridos pelos Autores não constituem danos especiais e anormais.

37. Alegam que resulta dos factos provados que os Autores sofreram danos especiais, porquanto tais danos não foram impostos à sociedade em geral, mas tão só às pessoas cujos prédios de habitação se localizam junto à autoestrada e só eles sofreram e sofrem os efeitos da mesma, e danos anormais, porquanto os danos sofridos vão para além do que é expectável uma vez que tiveram que suportar os ruídos decorrentes da construção e agora da exploração da autoestrada, que aumentou e irá aumentar exponencialmente.

38. Porém, os Recorrente não têm razão, não podendo o seu pedido proceder.

39. A interpretação do Tribunal a quo é a correta em função do que dispõe o artigo 2.º do RRCEE, na redação aplicável.

40. E é a correta porquanto ficou demonstrado que os danos não patrimoniais não excedem os limites legais e recomendáveis.

41. Pelo que andou bem o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal recorrido ao considerarem que os mesmos não merecem a tutela do direito.

42. O artigo 496.º do Código Civil remete para o Tribunal o encargo de apreciar se os prejuízos concretamente alegados merecem a tutela do direito, sendo irrelevantes os pequenos incómodos ou contrariedades, desgostos ou sofrimentos que resultem de uma sensibilidade exagerada ou anómala.

43. O Tribunal afere o dano não patrimonial de modo objetivo, a partir de valorações ético- culturais aceites pela comunidade, num dado momento histórico, atendendo ao circunstancialismo do caso concreto, e não a partir das perceções subjetivas do lesado.

44. Assim, andou bem o Tribunal a quo ao concluir que os Autores não têm direito ao pagamento da quantia peticionada a título de indemnização por danos não patrimoniais, uma vez que os factos dados como provados nos presentes autos não se reputam a danos anormais e especiais.

45. Em primeiro lugar, os sacrifícios impostos aos Autores não ultrapassam os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração – inexistindo danos anormais.

46. Em segundo lugar, os prejuízos que tenham resultado da construção e implantação da obra, segundo o padrão normal e expectável, e para a generalidade de outros cidadãos em semelhantes situações, não excedem ou ultrapassam aquilo que constitui o limiar dos custos próprios e normais e que são previsíveis na sociedade – inexistindo danos especiais.

47. Sem conceder, importa referir que a definição da localização da A...2 foi completamente alheia ao Réu A... e, naturalmente, à Interveniente Acessória. Assim sendo, nenhum alegado dano que advenha do facto de o imóvel dos Autores se situar em zona próxima daquela via lhe pode ser imputado.

48. Em face do exposto, inexiste fundamento para revogar o Acórdão recorrido.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deverá o presente recurso de revista excecional ser rejeitado, por não ser admissível e, caso assim não se entenda, o que não se concede, deverá o mesmo ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente o Douto Acórdão recorrido.

«[…]

8 – O Representante do MP neste STA, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, pronunciou-se pela improcedência do recurso.


Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. De facto
O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:

«[…]
1. Os Autores vivem em união de facto;

2. E são comproprietários, na proporção de ½ para cada um, de um prédio urbano, sito na Rua ..., lugar de ..., Freguesia ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o número ...16, descrito na conservatória do registo predial de Santa Maria da Feira, sob o n.º ...10 – cf. documentos n.ºs ... e ..., juntos com a petição inicial;

3. Para a referida aquisição, os Autores outorgaram, em 11.10.2016, contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual prometeram comprá-lo pelo preço de € 104.748,00 (cento e quatro mil setecentos e quarenta e oito euros) – cf. contrato promessa, documento n.º ..., junto com a petição inicial aperfeiçoada, a pág. 543 do processo no SITAF;

4. Que foi registada na Conservatória de Registo Predial através da apresentação ..., de 16.02.2007 – cf. certidão, documento n.º ..., junto com a petição inicial;

5. O prédio em causa foi entregue aos Autores logo após a celebração do contrato promessa de compra e venda, em 11.10.2006, para conclusão da construção, uma vez que a mesma não se encontra ainda terminada – cf. contrato promessa, documento n.º ..., junto com a petição inicial aperfeiçoada, a pág. 543 do processo no SITAF;

6. Para a conclusão da construção da habitação, os Autores despenderam a quantia de € 41.766,47 – cf. faturas e recibos, documentos n.ºs ... a ...0 e ...3 a ...2, juntos com a petição inicial aperfeiçoada, a pág. 543 do processo no SITAF;

7. Os Autores habitam o prédio desde junho de 2007 – cf. recibo, documento n.º ..., junto com a petição inicial aperfeiçoada, a pág. 543 do processo no SITAF;

8. Com dois filhos menores;

9. Tal prédio urbano é constituído por moradia de dois pisos, ... e ... andar, com cinco divisões;

10. Possui anexo para garagem, arrumos e lavandaria – cf. relatório pericial, a pág. 857 do processo no SITAF;

11. A A...2 dista 72 (setenta e dois) metros do tardoz dos anexos e limite do terreno do prédio dos autores;

12. E a 100 (cem) metros da traseira do corpo principal da moradia – cf. relatório pericial, a pág. 857 do processo no SITAF;

13. A A...2 é visível do arruamento que serve a moradia dos Autores e da própria moradia – cf. relatório pericial, a pág. 857 do processo no SITAF, fotografias, documentos n.ºs ..., ... e ..., juntos com a petição inicial;

14. Alterando as vistas do prédio dos Autores – cf. fotografias, documentos n.ºs ... e ..., juntos com a petição inicial;

15. Que se localizava-se numa zona rural, calma, aprazível, bucólica e saudável – cf. fotografias, documentos n.ºs ... e ..., juntos com a petição inicial;

16. A proximidade da A...2 fez aumentar o ruído sentido no prédio dos Autores, resultante da passagem de veículos e da inexistência de barreiras sonoras;

17. Assim como aumentou a poluição, proveniente da queima de carburantes, com a consequente emissão de gases e a sua concentração;

18. Durante a construção da A...2, foi instalado nas traseiras e ao lado do prédio dos Autores um aparcamento de maquinaria pesada, utilizada na construção da A...2 – cf. fotografias, documentos n.ºs ... a ...4, juntos com a petição inicial;

19. Que foi encerrado entre o 2º e 3º trimestres de 2009;

20. O que causou constantes ruídos incomodativos, poeiras, maus cheiros, resultantes dos carburantes emitidos pelas máquinas, bem como um forte impacto visual no prédio dos Autores e áreas envolventes;

21. Que, somado ao ruído resultante da proximidade da A...2, produzido pelo tráfego automóvel;

22. Fizeram, e continuam a fazer, com que os Autores e seus familiares, sofram incómodos, arrelias e perturbações na sua vivência diária, designadamente, stress e insónias;

23. De acordo com a memória descritiva e justificativa do projeto de medidas de minimização do ruído da concessão A..., o imóvel dos Autores não se encontra numa zona de especial afetação pelo ruido da autoestrada, pelo que não existem nem foram projetadas a colocação de barreiras acústicas – cf. documento n.º ..., junto com a contestação da A...;

24. As obras da A...2 iniciaram-se durante o ano de 2009;

25. E terminaram em 11.10.2011, data da respetiva abertura ao trânsito;

26. Não foram instaladas barreiras acústicas;

27. A casa geminada à dos Autores encontrou-se, em 2014, à venda pelo preço de € 160.000,00 – cf. documentos n.ºs ... e ..., juntos com a contestação da B...;

28. Entre o Estado Português, representado pelo Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças e pelo Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, e a 3ª ré, B..., SA, foi outorgado “contrato de concessão”, em 28.12.2007, ocupando esta a posição de concessionária, tendo por objeto, a conceção, projeto, construção, aumento do número de vias, financiamento, conservação e exploração do lanço de autoestrada A...2/IC... – ... – cf. contrato de concessão, a fls. 96 do processo físico;

29. No âmbito da execução do referido contrato, o 2º Réu exerceu as suas competências de gestão de contratos de concessão em que o Estado é concedente, ao abrigo do art.º 3º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 77/2014, de 14.05;

30. O 4º Réu é um agrupamento complementar de empresas, constituído, entre outras, com a interveniente, C..., SA, a quem foi adjudicada a coordenação dos trabalhos de construção da A...2, que subcontratou às agrupadas;

31. A construção da parte do lanço da A...2 que fica nas imediações do prédio dos Autores foi subcontratada à Interveniente;

32. O corredor ambiental para a construção da A...2 foi aprovado pela Agência Portuguesa do Ambiente, sob proposta da Estradas de Portugal, SA;

33. Tendo cerca de 400 metros de largura;

34. O traçado concreto da A...2 foi escolhido pela concessionária, aqui 3ª Ré, sujeita aos limites do corredor ambiental;

35. Que ocupa cerca de 55 metros daquele corredor, com a via e respetivos aterros;

36. No exercício da sua atividade, a Interveniente executou as obras de construção do lanço da A...2 em causa, em cumprimento do contrato de subempreitada que celebrou com a ré A...;

37. A ré B..., SA, foi citada a 21.10.2014 – cf. fls. 37 do processo físico;

38. A ré A..., ACE, foi citada para a presente ação em 21.10.2014 – cf. AR, pág. 38 do processo físico;

39. A interveniente C..., SA, foi citada para a presente ação em 12.03.2015 – cf. fls. 373 do processo físico;

40. A presente petição inicial deu entrada neste Tribunal em 1.10.2014 – cf. cf. fls. 1 do processo físico;

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Julgou-se não provado:

a) O valor do prédio dos Autores ascendia ao montante mínimo de € 200.000,00;

b) O prédio dos Autores perdeu qualquer possibilidade de vir a ser negociado com eventuais compradores;

c) Por força da construção da A...2, o prédio dos Autores sofreu uma desvalorização;

d) Que ascende a € 70.000,00;

e) A casa geminada à dos Autores encontrou-se à venda em estado de abandono e degradação.

[…]».

2. De Direito

2.1. O presente recurso foi admitido como revista para melhor aplicação do direito com o intuito de verificar se a decisão das Instâncias está em conformidade com a jurisprudência deste STA, ou se, pelo contrário, enferma de um erro de julgamento a respeito dos pressupostos da indemnização reclamada pelos AA. e aqui Recorrentes à luz do disposto no artigo 16.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidade Públicas – RRCEEDEP).

2.2. Os AA. reclamavam uma indemnização de €70.000,00 a título de danos patrimoniais e de €10.000,00 a título de danos não patrimoniais; danos causados pela construção e entrada em funcionamento de uma infra-estrutura rodoviária, que é contígua ao prédio da sua propriedade.

2.2.1. A respeito da indemnização devida pelos alegados danos patrimoniais, a decisão das Instâncias – a que julgou primeiramente improcedente o pedido e a que subsequentemente julgou improcedente o recurso de apelação – baseou-se na inexistência de prova (na não produção de prova pelos AA) dos prejuízos por eles reclamados (desvalorização do imóvel).

Com efeito, na sentença do TAF de Aveiro pode ler-se a este respeito o seguinte: “(…) Descendo aos autos, os Autores, com a presente ação, pretendem ser ressarcidos por prejuízos (…) de natureza patrimonial, contendentes com a desvalorização do imóvel (…) Ora, por um lado, e conforme se extrai do probatório, não está provado nos autos que o prédio dos Autores sofreu uma desvalorização em resultado da construção da A...2 (…)”.

No acórdão do TCA Norte julgou-se improcedente o recurso respeitante à impugnação da matéria de facto na parte em que não foi dado como provado o alegado dano patrimonial consubstanciado na desvalorização do imóvel.

Ora, tal como resulta do n.º 4 do artigo 150.º do CPTA, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. Não estando em causa a última parte desta disposição legal – o que não é sequer alegado pelos Recorrentes – é fácil concluir que o STA nunca poderia reverter a decisão nesta parte.

É que a questão do erro de julgamento a respeito do pedido indemnizatório fundamentado em alegados danos patrimoniais decorrentes da desvalorização do imóvel só poderia ser juridicamente apreciada nesta sede se, primeiramente, os AA tivessem feito prova da existência do alegado dano, o que não lograram fazer, pelo que a decisão das Instâncias teria sempre de se manter nesta parte.

Acresce que nunca se poderia sequer falar aqui em divergência quanto ao direito com a jurisprudência deste STA invocada pelos Recorrentes, uma vez que inexiste identidade do quadro factual entre aquelas decisões, precisamente no que contende com a prova da existência de danos patrimoniais, maxime ter havido uma desvalorização do imóvel. E cumpre ainda sublinhar, de resto, que esta argumentação seria própria do recurso para uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 152.º do CPTA, e não de um recurso de revista como o que aqui está em apreço.

2.2.2. E o mesmo é válido, grosso modo, para a questão dos alegados danos não patrimoniais. Vejamos.

A sentença do TAF de Aveiro qualificou o impacto visual e as emissões da infra-estrutura rodoviária como circunstâncias insusceptíveis de serem subsumidas ao conceito normativo de danos especiais e anormais, afirmando que: “(…) a construção de uma autoestrada nas imediações de um prédio pode gerar incómodos, mormente derivados do aumento do ruído e da poluição – desde que não excedam os limites legais e recomendáveis –, assim como com a alteração da paisagem. Sucede que esses incómodos são normais da vida em sociedade, não ostentam gravidade suficiente, ao ponto de merecerem a tutela do direito, sob pena de banalização do instituto da responsabilidade civil (…)”.

O acórdão recorrido secundou esta interpretação ao afirmar “(…) Todavia, não se afigura, tal como também viu o tribunal “a quo”, que os prejuízos advindos possam reputar-se como um dano anormal. Efectivamente, os sacrifícios impostos não ultrapassam os limites impostos pelo dever de suportar a actividade lícita da Administração. Como tendencialmente acontecerá quando não ocorre dano especial. Dano especial de que o caso se encontra despojado. De entre as circunstâncias apuradas avulta que: a A...2 dista 72 (setenta e dois) metros do tardoz dos anexos e limite do terreno do prédio dos autores; e a 100 (cem) metros da traseira do corpo principal da moradia. Os prejuízos que possam resultar no processo construtivo e da implantação da obra, segundo padrão normal expectável, e para a generalidade de outros cidadãos em semelhantes situações, não excedem ou ultrapassam aquilo que constitui o limiar dos custos próprios e normais e que são previsíveis na vida em sociedade. Bem diferente de outros casos com diferentes distanciamentos à estrutura rodoviária só individualmente pesarosos. Não se depara erro de julgamento na interpretação e aplicação de lei (…)”.

E não encontramos, na matéria de facto assente, dados que permitam identificar qualquer erro de julgamento na decisão recorrida.

Com efeito, os incomoda identificados no probatório são: i) a alteração das vistas do prédio (ponto 14), mas sem elementos que permitam identificar qualquer afectação das condições de luminosidade, salubridade ou habitabilidade do mesmo; ii) o aumento do ruído e da poluição (pontos 16 e 17), mas sem que tenha sido feita prova de que passaram a exceder os limites legais ou que são de molde a afectar as condições normais de habitabilidade face à regra/média dos imóveis que se localizam em zonas onde existe tráfego rodoviário; iii) incómodos, arrelias e perturbações, com aumento de stress e insónias (ponto 22), mas sem que existam dados médicos que comprovem a modificação das condições de saúde física e psíquica dos Recorrentes, ou seja, que comprovem a verificação de uma situação patológica no plano clínico. E, uma vez mais, o quadro factual aqui subjacente é diverso daquele em que assentou a jurisprudência referida pelos Recorrentes.

Assim, como bem julgaram as Instâncias, não ficou provado que a saúde e a qualidade de vida dos AA. (e agora Recorrentes) tivesse sofrido uma modificação significativa relativamente aos restantes cidadãos que diariamente sofrem os impactos da proximidade de infra-estruturas necessárias à vida em sociedade, como é o caso das rodoviárias, pelo que não pode ter-se como preenchido o conceito de danos especiais e anormais (artigo 2.º do RRCEEDEP), pressuposto necessário para a subsunção dos factos à previsão normativa das situações indemnizáveis nos termos do artigo 16.º do RRCEEDEP.

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 11 de Maio de 2023. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – José Augusto Araújo Veloso – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.