Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0275/14
Data do Acordão:09/10/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO
RECURSO POR OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REQUISITOS
Sumário:No recurso por oposição de julgados previsto pelo artº 280º, nº 5 do Código de Procedimento e Processo Tributário deverá o recorrente invocar e evidenciar a oposição de julgados no requerimento de interposição do recurso, sem o que o recurso não deverá ser admitido.
Nº Convencional:JSTA000P17863
Nº do Documento:SA2201409100275
Data de Entrada:03/03/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:MASSA INSOLVENTE DE A......, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – Veio a Fazenda Pública recorrer para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que julgou procedente a reclamação deduzida por “Massa Insolvente de A……… Ldª” contra o despacho da Chefe de Finanças Adjunta dos Serviços de Finanças de Oeiras que lhe indeferiu um requerimento de extinção de execução.

Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I – Visa o presente recurso reagir contra a mui douta sentença que julgou procedente a reclamação deduzida por Massa Insolvente de A……….Lda.
II – A fundamentação da sentença recorrida assenta em síntese, no entendimento de que a declaração de falência da reclamante, enquanto realidade jurídica societária, deve ser equiparada à morte do infractor.
III – Destarte, salvo o devido respeito que a Douta Sentença nos merece, e que é muito, somos de opinião em que a mesma padece de erro de contradição entre os factos provados e a decisão, além de que a Douta Sentença condenou em quantidade superior ao pedido, de acordo com o preceituado no artigo 615.º do CPC, alíneas c) e e).
IV -E começamos justamente pela questão relativa ao facto de não se verificar qualquer erro, vício ou ilegalidade que afecte o acto tributário praticado pelo Órgão de Execução Fiscal, porquanto, como se verifica a sociedade epigrafada não se encontra nem dissolvida, nem encerrada.
V - Ainda a ressalvar o facto de que o Administrador de Insolvência detêm até esse momento de encerramento todas as responsabilidades de gestão da executada de acordo com o entendimento vertido no Douto Acórdão de 20-11-2009 do JSTA00066828 SA2201 1022401145.
VI – No caso em presença as coimas constantes do processo executivo devem-se à falta de entrega da prestação tributária em sede de IUC e falta de entrega de declarações em sede de IVA e em sede de IRC, razão pela qual não se verifica qualquer erro praticado pelo órgão de execução fiscal no despacho de indeferimento do pedido de extinção da instância.
VII – Mais acresce que de acordo com o disposto no artigo 278.º n.º 1 do CPPT o Tribunal só conhecerá das reclamações das decisões do órgão de execução fiscal, quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhes for remetido a final.
VIII – No entanto admite-se a subida imediata da reclamação, quando, se alegue qualquer das ilegalidades referidas no n.º 3 do artigo 278.º do mesmo diploma legal, e desde que tal ilegalidade seja causa de prejuízo irreparável na pessoa da reclamante.
IX – Neste sentido, e para que o Douto Tribunal pudesse conhecer a reclamação, configura-se necessário que não só se esteja em presença de uma das ilegalidades enunciadas no n.º 3 do artigo 278.º do CPPT, mas também que se verifique um prejuízo irreparável por força de qualquer uma dessas ilegalidades, e que seja feita prova desse prejuízo irreparável, cfr. Acórdão do STA de 2004.09.22, Proc.º n.º 897/04.
X – Situando-se então na esfera tributária da reclamante, o ónus de alegar, e provar o prejuízo irreparável causado por força de qualquer uma das ilegalidades previstas no n.º 3 do artigo 278.º do CPPT e 52.º n.º 4 da LGT.
XI – Ao reclamante compete invocar de forma especificada e concreta os prejuízos em termos de causalidade adequada que lhe advirão para si ou para os interesses que defenda da execução da decisão, não bastando a utilização de argumentos vagos, genéricos e abstractos sem qualquer suporte em factos que permitam apreciar em termos objectivos qual o alcance do alegado, sendo irrelevantes quaisquer prejuízos conjecturais ou eventuais, sendo que só devem ser considerados irreparáveis os prejuízos ou danos cuja extensão não possa ser avaliada pecuniariamente sendo certo que estes terão de ser directos e consequentes da execução do acto de que se reclama.
XII – Conforme se infere da letra da p.i a reclamante nem sequer invoca qualquer prejuízo, muito menos irreparável, quanto mais prová-lo, razão pela qual o Juiz a quo não podia conhecer da reclamação, no início do procedimento, devendo o processo ser apreciado apenas no final, conforme preceituado no n.º 1 e n.º 3, als) a); b); c); e d) do artigo 278.º do CPPT.»

II – A entidade recorrida, Massa insolvente de A……… LDA apresentou as suas contra alegações, concluindo da seguinte forma:
«a) Atento ao disposto no art.º 280.º n.º 4 do C.P.P.T, uma vez que o valor da presente causa não ultrapassa ¼ do valor da alçada do tribunal recorrido, a lei, não permite que se conheça do mérito do recurso. A assim não se entender,
b) Requer-se seja dado cumprimento ao disposto no art.º 642.º n.º 1 do C.P.C., e, somente após o decurso do prazo aí fixado e, em função do que venha a ser a conduta da Recorrente se conheça do Recurso por ela interposto.
c) A douta sentença não padece dos vícios que a Recorrente lhe imputa.
d) Pois, na verdade, a declaração de insolvência, equivale à morte do infractor e, à consequente extinção do dever de pagar qualquer quantum que a título de coima venha a ser fixado.
e) Por fim, o conhecimento imediato da Reclamação, é devido, e, como tal bem andou o tribunal a quo, por ser notório que o seu conhecimento a final, à mesma, retiraria qualquer utilidade.»

II- O despacho de admissão do recurso (fls.59) é do seguinte teor: «Admito o recurso, interposto pela Fazenda Pública a fls. 47 e segs., para a secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo. »
Em contra alegações oportunamente apresentadas em juízo, a entidade recorrida, Massa insolvente de A………. LDA, suscitou a questão da inadmissibilidade do recurso atento o disposto no artº 280º, nº 4 do Código de Procedimento e Processo Tributário uma vez que o valor da causa (897,87 €) não ultrapassava ¼ do valor da alçada do tribunal recorrido.
Notificada a recorrente para, querendo, se pronunciar sobre a suscitada questão prévia veio a mesma dirigir ao juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra um requerimento (fls. 74 e segs.) com o seguinte teor:
“ A Representação da Fazenda Pública notificada (…..) vem dizer:
1º - Que o valor do processo é efectivamente de € 897,87, contudo, e estando em causa matéria exclusivamente do foro jurídico, nomeadamente o facto da epigrafada não se encontrar nem dissolvida nem encerrada, bem como o entendimento vertido no Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2009.11.20 JSTA00066828, este também contrário à disciplina vertida na douta sentença do Administração Fiscal, a RFP entendeu por bem recorrer nos termos do disposto no nº 5 do artº 280º do Código de Procedimento e Processo Tributário para o Supremo Tribunal Administrativo.
2º No entanto e por via de lapso, pelo qual desde já nos penalizamos, a Representação da Fazenda Pública dirigiu indevidamente o recurso ao Tribunal Central Administrativo, quando o deveria ter feito ao tribunal competente para o conhecer, Supremo Tribunal Administrativo.
3º Assim sendo, vem a Representação da Fazenda Pública solicitar que seja ressalvado o lapso e que o recurso suba ao Douto Tribunal competente para o conhecer, nos termos do que vem preceituado no nº 5 do artº 280º do Código de Procedimento e Processo Tributário.»
Sobre tal requerimento foi proferido pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra o seguinte despacho (fls. 79):
“Sustentamos a decisão recorrida, por considerarmos que a mesma não enferma dos vícios que lhe são apontados nas conclusões das alegações de recurso.
Vós, porém, doutamente decidireis.
Cumpridas as necessárias diligências, e atento o requerido a fls. 74, subam os autos à Secção de Contencioso Tributário do Venerando Supremo Tribunal Administrativo.»

Por requerimento junto aos autos a fls. 98, e na sequência de notificação que lhe foi feita para os efeitos do artº 642º, nº 1 do Código de Processo Civil, a recorrente veio requerer a junção aos autos de comprovativo do pagamento da taxa de justiça e multa e, bem assim veio informar que o acórdão fundamento é o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo 1145/09 de 24.02.2011 e publicado in www.dgsi.pt, de que juntou cópia.

III - O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer, sustentando, em síntese, que o recurso por oposição previsto no nº 5º do artº 280º do Código de Procedimento e Processo Tributário deve ser interposto com expressa invocação desse fundamento, sem o que o recurso não deverá ser admitido, nos termos dos artº 284º, nº 1 e 2 do mesmo diploma legal, analogicamente aplicável.
Mais sustenta que ainda que assim não se entenda, não deverá então conhecer-se do recurso por falta de verificação do pressuposto de oposição de julgados.

Notificadas as partes para se pronunciarem, querendo, sobre o teor do referido parecer do Ministério Público em que se sustentava a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, nada vieram dizer.

IV - Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:
1. Em 6 de Abril de 2013 a A.T.A. instaurou contra a Massa Insolvente de A……., Lda., em Liquidação, o processo de execução fiscal n.º 3522201301052683, que tramita pelo S.F. de Oeiras 3 (Algés), para cobrança de dívidas de coimas fiscais;
2. Em 4 de Agosto de 2009, por sentença, transitada em julgado, proferida no processo n.º 5375/09.3TBOER do 2.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, foi a Sociedade Executada declarada insolvente;
3. As coimas fiscais foram aplicadas após a declaração de insolvência da Reclamante;
4. A Reclamante solicitou a extinção dos presentes autos de execução, com fundamento na sua declaração de insolvência;
5. Sobre o requerimento foi prestada a seguinte informação:
“(…)
3. Como a declaração de insolvência não implica a sua concomitante extinção (a qual só se verificará quando do registo do encerramento da liquidação, de acordo com o artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais), pelo que a necessidade de exercer os direitos e de cumprir as obrigações que, nos vários domínios, subsistem na fase de liquidação, justifica que o n.º 2 do art. 146.º do CSC estabeleça que “a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e, salvo quando outra coisa resulte das disposições subsequentes ou da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades as sociedades não dissolvidas.
4. A personalidade tributária da insolvente, tal como é definida no art. 15.º da LGT, não é afectada pela declaração de insolvência, porquanto, inerente ao respectivo processo de liquidação, está a realização de operações abrangidas pelo campo de incidência do IRC e do IVA.
5. Assim sou de parecer que os autos deverão prosseguir a sua normal tramitação”;
6. Em 30 de Setembro de 2013, a Chefe de Finanças Adjunta do S.F. de Oeiras 3 (Algés) proferiu o seguinte despacho:
“Concordo.
Com os fundamentos constantes da informação e tendo em conta que a empresa não se encontra dissolvida nem encerrada, não se verificam os pressupostos do art. 61.º do RGIT, Indefiro o pedido, devendo os autos prosseguir a sua normal tramitação”.

IV- Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe decidir.
Importa antes do mais conhecer da questão prévia da admissibilidade do recurso.
Como é sabido e decorre do artº 641º, nº 5 do novo Código de Processo Civil, a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º.
O despacho de admissão de recurso não vincula assim o tribunal superior, o qual poderá não tomar conhecimento do recurso quando entenda que ele não é admissível.
É o que sucede no caso subjudice em que estamos perante um recurso interposto de decisão proferida em processo cujo valor é de 874,20 €.
Ora, de harmonia com o disposto nos arts. 280º, nº 4 do CPPT e 24º da LOFTJ (na redacção do artº 5º do Decreto-lei 303/2007 de 24.08) a alçada do Tribunal Tributário de 1ª Instância em processo de impugnação judicial é de 1.250 €.
É certo que, após ter sido suscitada nas contra-alegações da recorrida a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, a recorrente veio esclarecer que afinal pretendia recorrer nos termos do artº 280º, nº 5 do CPPT por oposição da sentença de primeira instância com acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo e não para o Tribunal Central Administrativo Sul como anteriormente indicara, requerendo a relevação do lapso e a admissão do recurso.
Porém, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, tal omissão de invocação do fundamento do recurso em oposição de julgados não é suprível mediante simples requerimento em que se requer a relevação do lapso e a admissão do recurso.
Com efeito o recorrente deverá invocar e evidenciar a oposição de julgados no requerimento de interposição do recurso, com vista a vê-lo admitido ao abrigo do nº 5 do art. 280º do CPPT, sem o que o recurso não deverá ser admitido, nos termos dos artº 284º, nº 1 e 2 do mesmo diploma legal, analogicamente aplicável – cf. Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, 6ª edição, Áreas Editora, vol. IV, pag. 421 e o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 31.03.2004, recurso 1736/03, in www.dgsi.pt.
No caso a recorrente não alega, factos ou fundamentos que permitam convolar o recurso ordinário de revista per saltum em recurso por oposição de julgados nos termos do disposto no artigo 280.º/5 do Código de Procedimento e Processo Tributário, sendo o requerimento de interposição de recurso e também as alegações de recurso bem como as suas conclusões, notoriamente omissos quanto à invocação do fundamento de oposição de julgados previsto no referido normativo legal.
Aliás nas alegações de recurso, originariamente dirigidas ao Tribunal Central Administrativo Sul, a recorrente limitava-se a invocar a nulidade da sentença recorrida por contradição entre os factos provados e a decisão e a impossibilidade de se conhecer da reclamação de actos do órgão de execução fiscal por não ter sido invocado e provado prejuízo irreparável (artº 278º, ns. 1 e 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário).
Daí que, em face do exposto, seja de concluir pela procedência da suscitada questão prévia, não sendo de admitir o recurso.

IV- Decisão
Termos em que, acordam os juízes da Secção de Contencioso do Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em não tomar conhecimento do presente recurso.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 1 UC.
Lisboa, 10 de Setembro de 2014. - Pedro Delgado (relator) - Fonseca Carvalho - Isabel Marques da Silva.