Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0516/14.1BEAVR-A
Data do Acordão:02/09/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ACÇÃO EXECUTIVA
COMPENSAÇÃO
CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS
QUESTÃO PROCESSUAL
Sumário:É de admitir revista já que as questões processuais invocadas no acórdão recorrido, obstativas de compensação, e, as substantivas de interpretação do art. 353º do CCP e da violação do art. 473º e seguintes do CC, invocadas na revista têm inegável relevância jurídica, não sendo isentas de dúvidas, como logo se vê pelas respostas divergentes das instâncias.
Nº Convencional:JSTA000P30570
Nº do Documento:SA1202302090516/14
Data de Entrada:12/14/2022
Recorrente:MUNICÍPIO DE AVEIRO NA PESSOA DO SEU LEGAL REPRESENTANTE
Recorrido 1:G..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
Município de Aveiro, Réu nos autos, recorreu, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte, proferido em 16.09.2022 [complementado pelo acórdão de 07.12.2022 que considerou serem de desatender as nulidades arguidas na revista], que concedeu provimento ao recurso interposto da sentença do TAF de Aveiro, que julgara totalmente improcedente a acção executiva intentada pela Exequente G..., Lda contra o Recorrente.
Fundamenta a admissibilidade da revista na relevância jurídica da questão em causa nos autos e na necessidade de obter uma melhor aplicação do direito.

Em contra-alegações a Recorrida defende a inadmissibilidade da revista, face ao valor da causa, e a improcedência da mesma.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.1. Do valor da causa para efeitos da admissibilidade da revista
A Recorrida veio alegar que sendo o valor da causa, o da renovação da instância executiva - €14.090,13 -, a revista não deverá ser admitida por falta de alçada.
Não lhe assiste razão.
Com efeito, o recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA, apenas está sujeito à verificação dos pressupostos estabelecidos no seu nº 1, atento o que dispõe o nº 2 do art. 140º do CPTA. Ou seja, tratando-se aquele art. 150º de norma específica do contencioso administrativo referente ao recurso de revista, não lhe são aplicáveis, para efeitos de admissão, ou não, as regras do CPC (cfr. nº 3 do referido art. 140º), nomeadamente, quanto à falta de alçada.
Assim, independentemente do valor da causa, o recurso de revista deverá ser apreciado de forma preliminar, de acordo com o nº 6 do art. 150º do CPTA, sendo de admitir, ou não, conforme se mostrem verificados os requisitos do respectivo nº 1, e apenas esses.
Improcede, consequentemente, o alegado pela Recorrida quanto à inadmissibilidade da revista em função do valor da causa.

3.2. Dos requisitos de admissibilidade da revista
O Executado/Recorrente foi judicialmente condenado ao pagamento à Exequente/Recorrida da quantia de €83.971,53, acrescida de juros de mora comerciais, à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a citação e até efectivo e integral pagamento e, no pagamento da quantia de €40,00, ao abrigo do disposto no art. 7º do DL nº 62/2013, de 10/5.
O Executado não deu cumprimento espontâneo a tal condenação, o que motivou a instauração da presente acção executiva.
No decurso desta execução, as partes celebraram o acordo de pagamento da prestação em dívida nos termos constantes dos pontos 10) e 27) do probatório fixado nos autos. O que motivou a extinção da presente instância executiva.
O Executado cumpriu integralmente as prestações acordadas no referido acordo, com excepção da primeira prestação acordada no valor de €33.588,61, do qual pagou apenas o montante de €29.627,69.
Inconformada, a Exequente renovou a presente instância executiva, invocando o incumprimento parcial do acordo celebrado no decurso da presente acção.
O Executado contrapôs, justificando a falta de pagamento da totalidade do valor acordado da 1ª prestação com a circunstância de ter sido deduzido o valor de 5% do total referido na cláusula 6ª do contrato de empreitada em causa nos autos para reforço da garantia

É esta última circunstância a questão que o Recorrente pretende ver apreciada na revista, invocando a aplicabilidade e interpretação do art. 353º do CCP, alegando que já procedeu à libertação das garantias e à restituição das quantias a esse título prestadas [€3.960,92 prestados com a assinatura do contrato de empreitada e de mais €3.960,92 com a retenção para o reforço da caução], conforme decorre do ponto 26) dos factos provados, defendendo que julgar a acção executiva procedente, como o fez o acórdão do TCA Norte, fazendo com que a Exequente/Recorrida beneficie de um enriquecimento injusto ao ser duplamente ressarcida dos €3.960,92, que já lhe foram devolvidos, representa uma clara violação do disposto nos artigos 473º e seguintes do Código Civil.

A sentença de 1ª instância julgou improcedente a presente acção executiva, além do mais, por ter considerado que “(…) ao deduzir o montante de €3.960,92 do valor da primeira prestação, o executado não só não incorreu em incumprimento, como se limitou a dar estrito cumprimento aos comandos legais e contratuais que no caso imperavam(…)”, não existindo, por isso, qualquer “(…) incumprimento do plano acordado e, por conseguinte, não são devidas quaisquer quantias que, a título de juros, se destinem a reparar esse incumprimento (…)”.

O acórdão recorrido discordou do assim decidido, fazendo apelo às regras processuais contempladas no CPTA, nomeadamente, dos arts. 158º, nº 1, 160º, nº 1 e 170º, nº 1 daquele diploma.
Expendeu, em síntese, o seguinte: “(…) Mais se estipula que só constituem fundamentos de oposição em sede de execução para pagamento de quantia certa a invocação de factos supervenientes, modificativos ou extintivos da obrigação”, que não foram invocados pelo Executado. E que se este “entendia que a obrigação pecuniária em discussão naquele processo se encontrava parcialmente extinta pela figura da compensação, deveria tê-lo ali alegado em sede de oposição à pretensão executiva”. “Não o tendo feito, o princípio da concentração da defesa impõe que se conclua pela preclusão de tal direito, carecendo, por isso, de “cobertura processual” a dedução do valor de 5% do total referido na cláusula sexta do contrato de empreitada visada nos autos para reforço da garantia de €3.960,92.”.
Termos em que, concedeu provimento ao recurso da Apelante e revogou a decisão recorrida proferida pelo TAF de Aveiro.

Como se vê as instâncias decidiram de forma antagónica a questão de saber se o aqui Recorrente por reporte ao acordo de regularização de dívida celebrado entre as partes, no decurso da acção executiva, podia, ou não, deduzir a quantia de €3.960,92 prestada a título de reforço de caução no âmbito do contrato de empreitada.
Ora, as questões processuais invocadas no acórdão recorrido, obstativas de tal compensação, e, as substantivas de interpretação do art. 353º do CCP e da violação do art. 473º e seguintes do CC, invocadas na revista têm inegável relevância jurídica, não sendo isentas de dúvidas, como logo se vê pelas respostas divergentes das instâncias.
Importa, assim, que este STA se pronuncie sobre as questões suscitadas na revista (nomeadamente as atinentes às nulidades imputadas ao acórdão recorrido – als. c) e e) do nº 1, do art. 615º do CPC), por as mesmas revestirem relevância jurídica, carecendo de uma melhor dilucidação, devendo ser admitida o recurso.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2023. - Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.